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Sisyphus - Journal of Education

versão impressa ISSN 2182-8474versão On-line ISSN 2182-9640

Sisyphus vol.9 no.2 Lisboa out. 2021  Epub 08-Set-2021

https://doi.org/10.25749/sis.24924 

Introdução

A Colaboração na Formação de Professores que Ensinam Matemática

Collaboration in Mathematics Teacher Education

Colaboración en la Formación de Profesores que Enseñan Matemáticas

Márcia Cristina de Costa Trindade Cyrinoi 
http://orcid.org/0000-0003-4276-8395

iDepartamento de Matemática, Centro de Ciências Exatas, Universidade Estadual de Londrina, Brasil


Resumo

A colaboração tem se destacado pelo seu potencial na formação de professores que ensinam matemática, por promover processos de interação entre professores, futuros professores, formadores, coordenadores, dentre outros agentes educacionais, e, por conseguinte, um ambiente de aprendizagem para todas as pessoas envolvidas nesses processos de interação. Esse número especial é constituído por nove artigos que podem contribuir para um debate qualificado a respeito dessas potencialidades e de dificuldades encontradas na busca de um ambiente colaborativo.

Palavras-chave: colaboração; formação de professores que ensinam matemática; espaços formativos; grupos colaborativos

Abstract

Collaboration has stood out for its potential in the training of teachers who teach mathematics, for promoting interaction processes between teachers, future teachers, teacher educators, coordinators, among other educational agents, and, therefore, a learning environment for all people involved in those interaction processes. This special issue consists of nine articles that can contribute to a qualified debate about the potentialities and difficulties encountered in the search for a collaborative environment.

Keywords: collaboration; mathematics teacher education; training spaces; collaborative groups

Resumen

La colaboración destaca por su potencial en la formación de docentes que enseñan matemáticas, para promover procesos de interacción entre docentes, futuros docentes, formadores, coordinadores, entre otros agentes educativos, y, por tanto, un entorno de aprendizaje para todos los involucrados en estos procesos de interacción. Este número especial consta de nueve artículos que pueden contribuir a un debate cualificado sobre las potencialidades y dificultades encontradas en la búsqueda de un entorno colaborativo.

Palabras clave: colaboración; formación de profesores que enseñan matemáticas; espacios de formación; grupos colaborativos

A Sisyphus - Journal of Education constitui um espaço de discussão de aspetos políticos, sociais, econômicos, culturais, históricos, curriculares e organizacionais da educação. Particularmente, no presente número temático “A colaboração na formação de professores que ensinam matemática” são apresentados artigos que discutem o papel da colaboração em práticas geradas e problematizadas em grupos colaborativos formados em diferentes contextos.

A colaboração tem se destacado pelo seu potencial na formação de professores que ensinam matemática, por promover processos de interação entre professores, futuros professores, formadores, gestores, dentre outros agentes educacionais, e, por conseguinte, um ambiente de aprendizagem para todos os envolvidos nesses processos de interação. De fato, os grupos colaborativos se apresentam como um contexto promissor para o desenvolvimento profissional de professores (Borko & Potari, 2020; Jaworski et al., 2017; Triantafillou et al., 2021).

Compreender como o (futuro) professor aprende, como se dá o movimento de constituição de sua identidade profissional para que possa enfrentar os desafios educacionais, nomeadamente, os processos de ensino e de aprendizagem da matemática, a tensão entre o plano epistemológico e o plano cognitivo, a complexidade e a diversidade da sala de aula, a construção e a implementação de um currículo que atenda às demandas sociais e aos novos papéis requeridos ao professor, dentre outros, são aspectos a serem levados em conta nos espaços de formação (Cyrino, 2016).

A colaboração nos espaços formativos envolve indivíduos engajados em atividades conjuntas, com um propósito comum, comprometidos com a investigação, com um diálogo crítico e com o apoio mútuo, de modo que possam interagir, abordar e partilhar questões que os desafiam profissionalmente e refletir sobre seu papel na escola e na sociedade (Jaworski et al., 2017).

Nesses espaços, a colaboração não é imposta, ela é construída, de forma inclusiva, em um ambiente de diálogo aberto no qual os indivíduos se sentem à vontade para compartilhar suas diferenças, rotinas, dúvidas, dificuldades, vulnerabilidades. Além da voluntariedade, a colaboração é influenciada por um objetivo/temática comum que imprime ao grupo uma identidade. Diferente da cooperação, na qual as relações de poder e os papéis dos participantes não são questionados, a colaboração abrange negociação de ações, de significados, ressignificações marcadas por processos reflexivos que auxiliam os participantes na análise e na tomada de decisões. Contudo, nos processos de negociação, nem sempre as relações são harmoniosas. A colaboração não pressupõe homogeneidade, pode envolver momentos de tensão, conflito, desacordos, desafios que, por vezes, denotam mais compromisso mútuo do que uma posição de conformidade passiva.

A constituição de grupos heterogêneos possibilita uma multiplicidade de olhares e pontos de vista. A colaboração provém das interações estabelecidas a partir dos diversos conhecimentos e das experiências de cada participante. A forma como tais interações ocorrem são a base dos processos de ressignificação dos conteúdos matemáticos e das práticas docentes. O compartilhamento de repertórios e a negociação de significados de elementos estruturantes para a apropriação de aspectos teóricos do conhecimento profissional docente abarcam principalmente práticas reflexivas e investigativas.

É importante que nos grupos colaborativos sejam criadas condições para serem estabelecidos as negociações de significados, a identificação de objetivos comuns e os interesses específicos dos envolvidos ou das instituições como, por exemplo, da universidade com a escola. Ao trabalhar juntos, os professores apresentam problemas, identificam divergências entre teorias e práticas, reconhecem vulnerabilidades, desafiam rotinas comuns, baseiam-se no conhecimento de outros para tornar visível muito do que é considerado nos processos de ensino e de aprendizagem, compartilham repertórios e constroem conhecimentos. A construção compartilhada de conhecimento favorece a autonomia dos participantes, pois viabiliza ir além do que seria possível se estivessem trabalhando individualmente.

As diversas situações de vulnerabilidade que, por vezes, permeiam as discussões permitem que os participantes dos grupos suspendam temporariamente suas certezas e convicções e busquem o sentido de agência, mediada pela interação entre a componente individual e as ferramentas e as estruturas do cenário social (Oliveira & Cyrino, 2011). Para tanto, fatores como respeito, confiança, desafio, solidariedade, apoio mútuo, afeto, equidade, negociação dos empreendimentos, valorização das singularidades e das práticas profissionais dos professores se mostraram férteis e essenciais às aprendizagens desses professores e ao cultivo e à manutenção desses grupos.

O maior potencial colaborativo está associado com a redução das relações de opressão e de poder. Quanto mais intensas as relações de confiança e respeito, mais eficientes os movimentos de produção de conhecimento. Soma-se a isso a satisfação de estar em um espaço com outros professores que comungam de objetivos e interesses comuns. O poder não é centralizado, mas mediado pelos interesses, pelos desejos e pelas necessidades do próprio grupo, de modo que é preciso respeitar seu processo de desenvolvimento natural.

O que define o poder são a propriedade e a legitimidade, conquistadas por meio da participação nas práticas do grupo e da negociação de significados. Sendo assim, nem sempre a expertise estará centrada em uma única pessoa, mas sim com alguém legitimado pelo grupo para desenvolver uma determinada ação.

Desse modo, em um grupo colaborativo, todos são, ao mesmo tempo, mestres e aprendizes, dependendo do conhecimento que está sendo negociado num dado momento. E isso implica em descentralização do poder, em razão das competências que os membros desenvolvem em sua trajetória de aprendizagem.

No survey apresentado no International Congress on Mathematical Education - ICME 13 (Robutti et al., 2016), no grupo de discussão “Teachers of Mathematics Working and Learning in Collaborative Groups”, foram revisados 316 estudos publicados entre 2005 e 2015, sobre professores de matemática trabalhando e aprendendo em colaboração. De acordo com os autores, na análise desses trabalhos foi possível identificar, dentre outros elementos: a natureza dos trabalhos colaborativos e como se relacionam com a situação, o contexto e a cultura dos grupos investigados; quem são as pessoas, como se envolvem no trabalho colaborativo, que papéis desempenham na promoção da aprendizagem para ensinar matemática, como se relacionam entre si e nas diferentes comunidades que atuam; que perspectivas metodológicas e teóricas são utilizadas para orientar e informar o trabalho e a aprendizagem nos espaços colaborativos; que aprendizagens podem ser observadas e como elas se associam com a colaboração. No entanto, segundo os autores, a maioria dos trabalhos analisados nesse survey não apresentou explicitamente uma perspectiva teórica sobre colaboração. Também no International Commission on Mathematical Instruction - ICMI Study 25, foi discutida a necessidade de, para elaborar uma base teórica para o desenvolvimento profissional de professores em grupos colaborativos, serem integrados outros elementos teóricos voltados à sala de aula e ao desenvolvimento profissional (Prediger, 2020). Os resultados dos artigos apresentados no presente número temático podem colaborar com reflexões para essa tarefa.

As perspectivas teóricas presentes nesses artigos envolvem Comunidades de Prática, Teoria da Atividade, Modelo Interconectado de Desenvolvimento Profissional de Professores, Análise Narrativa, dentre outros. Vale destacar que a análise narrativa tem sido utilizada na literatura como uma ferramenta metodológica e/ou teórica, ou seja, como uma ferramenta de coleta de dados, “um objeto de análise no estudo do ensino; uma base ou ferramenta para o desenvolvimento profissional de professores ou para a formação de professores; uma base para o pensamento reflexivo” (Chapman, 2008, p. 17).

Nos artigos, foram considerados contextos de formação inicial envolvendo estágio curricular supervisionado, iniciação à docência, docência compartilhada e Educação à Distância (EaD), e contextos de formação continuada de professores que atuam nas séries iniciais da educação básica, professores das séries finais e orientadores de estudo. Em alguns estudos os grupos foram constituídos por professores em serviço e por futuros professores.

No artigo “The Production of Pedagogic Narratives as a Formative Process in Contexts of Collaboration”, Nacarato, Custódio e Frare apresentam indícios de como a colaboração se constitui em prática de formação e possibilita o desenvolvimento profissional do professor que ensina matemática, a partir da análise de excertos da narrativa de uma professora participante de um grupo colaborativo.

Cristovão e Fiorentini em “A Investigação Narrativa no Estudo da Aprendizagem de Professores de Matemática em Espaços Colaborativos Híbridos Universidade-Escola” apresentam contribuições, limitações e possibilidades evidenciadas pelo uso da investigação narrativa para investigar e compreender as aprendizagens docentes de professores de matemática que participaram de uma comunidade colaborativa híbrida ou fronteiriça entre universidade-escola.

No artigo “Colaboração e Desenvolvimento Profissional de Futuros Professores de Matemática: Uma Experiência no Estágio Curricular Supervisionado”, Barbosa e Lopes analisaram as contribuições da experiência de um grupo de estudos formado por professores e futuros professores de Matemática no Estágio Curricular Supervisionado para o desenvolvimento profissional dos licenciandos, ao revisitar encontros sobre planejamento e regência de aulas.

Gama e Sousa em “Colaboração Enquanto Metodologia de Formação Inicial de Professores em Espaços de Iniciação à Docência” realizaram um estudo teórico dos movimentos do processo de colaboração, enquanto metodologia de formação inicial de professores de matemática, em dois espaços de iniciação à docência brasileiros, nomeadamente: Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID e Programa Institucional Residência Pedagógica.

No artigo “Interações entre um Professor da Educação Básica e um Professor do Ensino Superior em uma Experiência de Docência Compartilhada em Matemática”, de Melo, Giraldo e Rosistolato, são apresentadas dinâmicas de interação entre um professor da Escola Básica e um professor da Universidade, ao lecionarem juntos a disciplina Fundamentos de Aritmética e Álgebra no curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em formato de docência compartilhada.

Prates e Matos investigaram como os estudantes de Licenciatura em Matemática percebem a colaboração nas práticas desenvolvidas no contexto da Educação a Distância (EaD) no artigo “A Colaboração no Contexto da Formação Inicial de Professores de Matemática da EaD no Brasil”. Os autores investiram esforços em identificar e compreender ações e ferramentas da EaD que favorecem as práticas colaborativas, e como os estudantes se relacionam com elas.

Em “Formação de Professoras dos Anos Iniciais em Modelagem Matemática”, Pires, Silva e Gomes discutiram como um grupo colaborativo de professoras dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental auxilia na formação em Modelagem Matemática de seus participantes, já que não é comum a presença dessa abordagem metodológica na matriz curricular dos programas de formação inicial desses professores, que tende a privilegiar jogos e atividades lúdicas.

O artigo “Desenvolvimento Profissional de Professores Orientadores de Estudos em Educação Matemática por Formação Colaborativa”, de Giusti e Reuwsaat, evidencia como professoras do Ensino Fundamental, no papel de orientadoras de estudos, constroem seu desenvolvimento profissional em uma formação colaborativa em serviço, considerando que essas informações podem trazer à tona as suas crenças sobre essa formação e como elas compartilham suas práticas educativas com seus pares.

Teixeira e Souza, no artigo “Elementos Constituintes da Atividade de Formação Continuada em Matemática na Parceria Universidade-Escola”, descrevem elementos constituintes de uma proposta de formação continuada de professores que ensinam Matemática, organizada por meio da parceria universidade-escola, que se caracterizam como estruturantes de uma atividade na perspectiva de Leontiev.

O trabalho em grupos colaborativos funciona como um convite à reflexão dos envolvidos. Ao trabalhar juntos os professores apresentam problemas, identificam divergências entre teorias e práticas, reconhecem vulnerabilidades, desafiam rotinas comuns, baseiam-se no conhecimento de outros para tornar visível muito do que é considerado nos processos de ensino e de aprendizagem, compartilham repertórios e constroem conhecimentos. Desse modo, esperamos que os referidos artigos possam inspirar outras ações e investigações com essa temática.

Por fim, deixamos uma nota final de agradecimento aos autores pelas suas contribuições e aos revisores pelo compromisso e rigor nos comentários.

Referências

Borko, H., & Potari, D. (Eds.) (2020). Teachers of mathematics working and learning in collaborative groups - Proceedings of the 25th ICMI Study Teachers of Mathematics working and learning in Collaborative Groups. Lisboa, Portugal: Instituto de Educação, Universidade de Lisboa. [ Links ]

Chapman, O. (2008). Narratives in mathematics teacher education. In D. Tirosh & T. Wood (Eds.), The international handbook of mathematics teacher education: Tools and processes in mathematics teacher education (Vol. 2, pp. 15-38). Dordrecht: Sense Publishers. [ Links ]

Cyrino, M. C. C. T. (2016). Mathematics teachers’ professional identity development in communities of practice: Reifications of proportional reasoning teaching. Bolema: Boletim de Educação Matemática, 30, 165-187. 10.1590/1980-4415v30n54a08 [ Links ]

Jaworski, B. et al. (2017). Mathematics teachers working and learning through collaboration. In G. Kaiser (Ed.), Proceedings of the 13th International Congress on Mathematical Education. ICME-13 Monographs (pp. 261-276.). Springer, Cham. 10.1007/978-3-319-62597-3_17 [ Links ]

Oliveira, H. M., & Cyrino, M. C. C. T. (2011). A formação inicial de professores de Matemática em Portugal e no Brasil: narrativas de vulnerabilidade e agência. Interacções, 7, 104-130. 10.25755/int.461 [ Links ]

Prediger, S. (2020). Content-Specific theory elements for explaining and enhancing teachers' professional growth in collaborative groups. In H. Borko & D. Potari (Eds.), Teachers of Mathematics working and learning in Collaborative Groups - Proceedings of the 25th ICMI Study (pp. 2-14). Lisboa, Portugal: Instituto de Educação, Universidade de Lisboa . [ Links ]

Robutti, O., Cusi, A., Clark‑Wilson, A., Jaworski, B., Chapman, O., Esteley, C., Goos, M., Isoda, M., & Joubert, M. (2016). ICME international survey on teachers working and learning through collaboration. ZDM Mathematics Education, 48, 651-690. 10.1007/s11858-016-0797-5 [ Links ]

Triantafillou, C., Psycharis, G., Potari, D., Bakogianni, D., & Spiliotopoulou, V. (2021). Teacher educators’ activity aiming to support inquiry through mathematics and science teacher collaboration. International Journal of Science and Mathematics Education. 10.1007/s10763-021-10153-6 [ Links ]

Recebido: 28 de Junho de 2021; Aceito: 30 de Junho de 2021

Márcia Cristina de Costa Trindade Cyrino é Professora Titular da Universidade Estadual de Londrina, Bolsista de Produtividade em Pesquisa nível 1D no CNPq e Membro do comitê assessor da área de Ciências Humanas da Fundação Araucária Email: marciacyrino@uel.br Morada: Universidade Estadual de Londrina, Centro de Ciências Exatas, Departamento de Matemática, Rodovia Celso Garcia Cid, Km 380, Campus Universitário, 86051990 - Londrina, PR - Brasil

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