Introdução1
Maurice Duverger comentou que “atualmente é impossível descrever seriamente os mecanismos comparativos dos partidos políticos e, no entanto, é indispensável." Os partidos políticos são essenciais na arena democrática e, mesmo com todos os vaticínios em relação ao seu declínio, podemos beneficiar com o aprofundamento do que sobre eles sabemos. Juan Linz (Gunther et al., 2002: 291), provocadoramente, alerta para o paradoxo que os partidos políticos enfrentam dentro da ciência política: nas sociedades onde a liberdade de expressão é tida como certa, existe uma unanimidade manifesta na alocação de legitimidade na “democracia como forma de governo” e que nas democracias “os partidos políticos são essenciais” para o seu funcionamento; todavia, em paralelo, vemos um progressivo sentimento de suspeita e descontentamento com os partidos políticos, resultando numa certa ideia da sua “obsolescência ou declínio”.
Não obstante, é inquestionável o seu lugar na ciência e sociologia política. O estudo formal (na linha do que Anson D. Morse, no séc. XIX, discutiu) dos partidos, nomeadamente as tipologias partidárias (Duverger, 1954; Kirchheimer, 1966; Katz et al., 1995), estudos sobre a sua definição e as suas origens sociais e políticas (e.g., Schattschneider, 1942; Michels, 2001; La Palombara et al., 1972; Lipset et al., 1967; Lipset, 2001). Ou em termos do seu ideal substantivo (entendido, genericamente, como comportamento dos partidos políticos), onde a investigação desenvolveu trabalhos sobre: a organização e filiação partidária (Mair et al., 2001), competição partidária (por exemplo Green, 2007; Robertson, 1976), partidos políticos, comunicação política e campanhas eleitorais (Norris, 2000; Norris, 2004; Scammel, 1999; Newman, 1999; Lees- Marshment, 2011; Gibson, 2009). Mas, defendo, a literatura tem ainda negligenciado, até certo ponto, as conexões entre tipos de partido e estratégias de competição ou resultados políticos (aqui como sinónimo de political outcomes), e, assim, a pergunta que se impõe, e sobre a qual este texto se baseia, é: diferentes tipos de partidos produzem diferentes resultados - tipos de competição e representação? Este texto tem como objetivo discutir e propor uma nova forma de olhar para os partidos políticos contemporâneos. Especificamente, aprofundar a nossa compreensão sobre competição partidária, outcomes partidários e comportamento partidário.
Posicionamento teórico
Este artigo situa-se no campo do comportamento partidário comparativo e busca incorporar atributos da política comparada menos sistematizados até ao momento. Tem, assim, dois objetivos principais. O primeiro, dar continuidade a anteriores experiências bem-sucedidas de recolha e disseminação de padrões de comportamento partidário, abordando-o de maneira mais detalhada em relação aos dados sobre o comportamento e resultados partidários. Essa continuidade será amparada numa metodologia e projeto de pesquisa que, espera-se, ajude com novas ideias sobre o comportamento partidário. Este esforço é crucial em pelo menos duas formas: somente através da recolha contínua de novos dados sobre o comportamento e outcomes partidários podemos asseverar que a comunidade internacional de Ciências Sociais seja capaz de investigar padrões de continuidade e dinâmica de mudança entre partidos políticos; e para garantir que os partidos políticos continuem a ser incluídos na pesquisa comparativa, onde, ao reintroduzir a dinâmica dos tipos de partidos e outcomes partidários, poderíamos obter uma nova perspetiva sobre o comportamento dos partidos políticos. O segundo objetivo é de natureza mais teórica e está relacionado com uma questão relevante: como é que alterações institucionais e políticas no contexto do comportamento partidário, especificamente os diferentes tipos de partidos, afetam os padrões de comportamento e resultados partidários em relação à esfera política?
Tendo em consideração este conjunto de objetivos, importa definir por que razão o estudo dos outcomes de partido políticos é importante, e, sucintamente, qual é o estado da arte nesse campo específico. O estudo de partidos políticos é um dos assuntos mais abordados na ciência política. Abrange o estudo da filiação partidária, profissionalização, campanhas eleitorais, os efeitos de tipos de partidos e liderança partidária (Lobo, 2008), organização política (van Biezen, 2003), tipologias políticas, tipos de partidos e funções políticas (Ghunter et al., 2001; Ghunter et al., 2003; Ghunter et al. 2002; Katz et al., 1995; Neumann, 1956; Panebianco, 1988), partidos e competição política (Green, 2007; Carmines et al., 1980), internal party politics (Katz, 2005), democracia partidária (van Biezen, 2008) e regulamentos partidários (Bolleyer, 2018). Em todos estes estudos há uma tendência comum (o desenvolvimento institucional dos partidos políticos) onde se observa a importância dos resultados políticos - nas suas diversas formas - na formação dos partidos políticos e suas estratégias de competição.
Contudo, argumento que há uma lacuna na literatura: as consequências de um conjunto de características dos partidos não são consideradas como um efeito possível (ou manifesto) nos resultados de partidos políticos, tais como diferentes tipos de competição e representação. Por exemplo, algumas tipologias têm um conjunto de expectativas comportamentais dos partidos no contexto de campanhas políticas, atribuindo uma série de características partilhadas por partidos dentro da mesma família partidária (Ghunter et al., 2003). No entanto, o Partido Socialista Português, o Partido Trabalhista e o Partido Democrata, apesar de serem diferentes em termos da sua profissionalização, no uso de técnicas modernas ou pós-modernas de campanha, na utilização mais ou menos intensa de especialistas em sondagens e/ou estudos de opinião, etc., são genericamente organizados e classificados por terem o mesmo conjunto de outcomes de estratégias de campanhas eleitorais. Verifica-se, assim, que não parece existir ainda uma análise suficientemente profunda e sistemática dos efeitos do tipo de partido na natureza ou dinâmica dos resultados político partidários (neste caso, estratégias de competição das campanhas eleitorais e a sua relação com as tipologias partidárias2).
Num sentido mais amplo, julgo necessário ir além dessa caracterização e tentar entender, de forma mais completa, como diferentes tipos de partidos moldam a natureza da representação e estratégias de competição dos partidos políticos.
O foco na natureza dos outcomes (resultados) dos partidos políticos é importante porque os partidos funcionam como mensageiros da qualidade da democracia: são uma variável chave na compreensão da natureza do relacionamento entre eleitores e instituições políticas. Portanto, é expectável, até certo ponto, uma larga gama de diferentes outcomes e observar transformações: líderes e tipos de partidos (Lobo, 2008), posicionamento das políticas públicas e competição espacial (Adams, 2001), estratégias de campanha (Ghunter et al., 2003), issue voting e tipos de partidos (Carmines et al. 1980). Nesse sentido, ainda que necessariamente em aberto nesta fase, avanço algumas hipóteses de investigação futuras. Do ponto de vista organizacional, que os Mass Based Parties serão menos sensíveis a mudanças na esfera política que partidos catch all ou partidos eleitoralistas (electoral parties). E, na mesma linha, que a família dos partidos terá um impacto na importância organizacional do líder. Em termos estratégicos, a natureza das estratégias de campanhas eleitorais será moldada pela natureza da competição estatal3 e pelo tipo de partido, a natureza da ideologia e issue and valence competition (Green, 2007; Pereira, 2020).
Katz e Mair (1995: 6) sustentam que “o desenvolvimento de partidos nas democracias ocidentais tem refletido um processo dialético no qual cada novo tipo de partido gera uma reação que estimula um maior desenvolvimento, levando assim a outro tipo de partido e a outro conjunto de reações, e por aí adiante", demonstrando que a relação entre tipos de partidos e comportamento partidário é um processo contínuo - para além de reforçar a permanente relevância dos partidos políticos.
Notas inacabadas sobre o Desenho de pesquisa & Metodologia
Em anos recentes, a interação entre o contexto social e as instituições tem recebido uma atenção particular e renovada, especialmente centrada na performance institucional, iniciada por Robert Putnam no seu livro “Making Democracy Work” (Putnam et al.,1993). No trabalho de Putnam, o autor estuda as causas do sucesso do governo mantendo as instituições constantes, focando-se, assim, no capital social e no papel da cultura cívica. Tal abordagem muitas vezes não enfatiza o efeito (interno) das instituições como fator explicativo. O presente artigo baseia-se na ideia de que os resultados dos partidos políticos não são constantes, ou seja, os diferentes tipos de partidos afetam a dinâmica da competição e representação partidária. Isto em oposição a alguns dos resultados delimitados pelas tipologias partidárias, onde, independentemente das diferentes características dos partidos, o resultado é o mesmo. Deste ponto de vista, embora a designação ou classificação numa tipologia ou família de partidos possa ser a mesma, os outcomes das diferentes manifestações do comportamento partidário podem não ser, necessariamente, as mesmas, pois existem diferentes fatores a considerar. Assim, o estudo dos resultados partidários antes como uma variável dependente pode ser de enorme importância.
A escolha dos estudos de caso deve ser delineada por um conjunto de considerações. A natureza do regime (presidencial, semipresidencial, president-parlamentary e parlamentar; Shugart et al., 1992): conforme Marina Costa Lobo explica para o caso de tipos de partidos e os efeitos de líderes, os “partidos em regimes presidenciais são mais personalizados do que em regimes parlamentares” (2008: 285), e, por isso, é preciso levar em consideração os possíveis efeitos ou implicações contrafactuais (Levy, 2010). Outra consideração essencial, o estágio do regime democrático (se é consolidado ou não): novamente, como Lobo aponta (2008: 285-286), a estruturação das organizações partidárias, as funções políticas e as bases sociais (daí a maturidade dos partidos), é um fator para a seleção dos países e para o foco de análise comparativa. A metodologia de pesquisa proposta será a seguinte: pesquisa documental e bibliográfica (que encontrará inspiração e fundamento na investigação comparada sobre partidos políticos), análise de dados (Comparative Study of Electoral Systems (CSES), Comparative Party Manifesto (CPM), e outras bases de dados) e análise de conteúdo de documentos oficiais dos partidos, entre elas press releases.
Medidas de apoio à teorização
A apoiar a teorização existem um conjunto de medidas que podem ser úteis. A primeira é a competição espacial dos partidos. O modelo downsiano de competição partidária baseado, entre outras premissas cruciais, na ideia de assimetria de informação - o acesso à informação não é perfeito - e de os eleitores necessitarem de uma maneira de simplificar realidades complexas, de modo a poderem fazer escolhas. Como Jalali aponta (2007: 164), essa “imperfeição da informação” justifica a existência de ideologias, porque, através delas, os constituintes têm a possibilidade de apreender, com baixos custos, as grandes diferenças entre os partidos. Na mesma perspetiva, os partidos políticos têm o incentivo de se separarem ideologicamente. Portanto, esse padrão de comportamento dos partidos políticos é um primeiro resultado para a abordagem teórica subjacente a esta proposta, na medida em que é aliciante entender até que ponto diferentes tipos de partidos se comportam no seu posicionamento espacial, alcançando, assim, as realidades da competição. Para obter essa informação, a base CPM usa uma escala única para posicionar os partidos políticos nas suas dimensões políticas e posições das políticas públicas; além disso, e com base na abordagem metodológica sustentada por Jalali (2007: 165), fortalecer as análises ao posicionamento dos partidos políticos em termos de políticas públicas através de mais inquéritos a especialistas (Benoit et al., 2007). Então, através da análise de correlação e regressão logística, observar os padrões de interação entre os diferentes tipos de partidos e resultados posicionais espaciais.
Uma segunda medida, relacionada com a anterior, é baseada em issue and performance positioning. Isto é importante para entender a polarização ideológica e partidária, especialmente tendo em consideração que “para se ter sucesso eleitoral, espera-se que as organizações partidárias se tornem eleitoralmente profissionais (…) ou partidos catch-all (…) a passar por um processo de «desideologização»” (Green, 2007: 631). O que permite, assim, melhor compreender de que forma os tipos de partido moldam a natureza da representação e competição política. O conjunto de dados do CSES fornece uma série de questões relevantes para analisar - e quando tal não for possível, estudos eleitorais como o British Election Studies, Comportamento Eleitoral dos Portugueses do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, entre outros, podem ser usados.
Finalmente, uma terceira medida, igualmente relacionada com as anteriores, que abrange as estratégias de campanha. Esta, com um enorme contributo do trabalho de Pippa Norris, tornou- se uma importante área de estudos não apenas na investigação do comportamento eleitoral4, mas também sobre comportamento partidário, focado na organização, profissionalização, uso dos media tradicionais e das novas plataformas de comunicação digital. Ainda assim, existe uma incógnita teórica: como se pode afirmar que os outcomes, em termos de profissionalização, especialistas ou organização, do Partido Trabalhista são os mesmos que o Partido Socialista português? Ou dito de outra forma, a classificação na família de partidos ser a mesma? Existem possíveis diferenças sobre a natureza da competição e estratégias de campanha entre tipos de partidos (intra e inter) que moldam a natureza da competição eleitoral. Nesse ponto em particular, as premissas do marketing político podem ser úteis. Como Scammel (1999: 731) aponta, e pese embora as suas fraquezas teóricas (Savigny, 2011), a análise do marketing político fornece uma visão importante sobre o estudo das estratégias de campanha.
Notas finais
Como o matemático Benoit B. Mandelbrot expôs: “Na ciência é muitas vezes assim: primeiro descrevemos, depois entendemos as razões”. Espera-se que este conjunto de medidas complementares, explicitadas nas páginas anteriores, ilustrem o caminho que ainda falta percorrer para compreender se tipos de partidos - sobretudo, dentro do mesmo tipo ou família de partidos - levam a diferentes tipos de competição e representação, ou seja, entender as razões para os diferentes resultados (outcomes) políticos.
Alguns estudos recentes (Pereira, 2020) procuram demonstrar que, quando se pensa em tipos de partidos, a pertença a uma tipologia não significa, necessariamente, um comportamento estático; pelo contrário, que mais investigação é necessária para compreender de que forma é que o seu comportamento se adapta às circunstâncias. No caso de Pereira, às motivações e alterações no eleitorado e à forma como os partidos europeus se ajustam, ou não, a elas em épocas de campanhas eleitorais. Mais concretamente, quando existe um afastamento dos eleitores durante as campanhas, os partidos mainstream alteram a sua estratégia no sentido da polarização com o objetivo de estabilizar os seus eleitores primordiais, enquanto os partidos de nicho usam uma estratégia de tentativa de manutenção de assentos parlamentares através da moderação da sua retórica.
Nesse sentido, o que argumento não é, de forma alguma, sobre a desadequação das tipologias partidárias, mas sim que as tipologias partidárias ainda estão longe de esgotar as investigações analíticas e empíricas que podem oferecer, em particular para melhor entender de que forma influenciam a representação e a competição política. Ademais, pese embora o aumento de desconfiança em relação aos partidos - e, na mesma linha, em relação a muitas das instituições políticas -, as democracias não funcionam sem partidos políticos, pelo que saber mais sobre a forma como nos representam, e em que sentido reagem às nossas exigências e transformações, é essencial.
Talvez melhor resumido numa só questão: será que as tipologias partidárias conseguem prever comportamento?