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Political Observer

versão impressa ISSN 2795-4757versão On-line ISSN 2795-4765

Political Observer vol.18  Lisboa dez. 2022  Epub 22-Maio-2023

https://doi.org/10.59071/2795-4765.rpcp2022.18/pp.87-103 

Artigo Original

As relações transatlânticas e a centralidade dos Açores: entre passado e futuro1

Transatlantic relations and the centrality of the Azores: between past and future

Paulo Vitorino Fontes* 
http://orcid.org/0000-0002-1443-6820

1*Centro de Estudos Humanísticos, Universidade dos Açores, Portugal; paulo.v.fontes@uac.pt


Resumo

O Arquipélago dos Açores desde muito cedo desempenhou um papel essencial nas relações transatlânticas e, em especial, na relação bilateral de Portugal com os Estados Unidos e da Europa com a América do Norte. A nossa investigação, através de uma análise qualitativa e hermenêutica, pretende fazer um balanço das etapas mais importantes, das dificuldades, das soluções encontradas e dos desafios que se colocam nas relações transatlânticas, explorando a centralidade dos Açores, principalmente ao nível social, económico, científico e político. Projetando o futuro, a par do intenso intercâmbio de pessoas, comunicações e bens que enformam as relações transatlânticas, equacionaremos o papel estratégico que os Açores podem desempenhar, tanto como plataforma científica, como nas novas configurações de segurança do Atlântico, num mundo pós-guerra-fria. Concluiremos com a elucidação do renovado interesse geoestratégico e geopolítico que o arquipélago apresenta.

Palavras-chave: Açores; Estados Unidos; Europa; relações transatlânticas

Abstract

The Azores Archipelago has played since very early an essential role in transatlantic relations and, in particular, in the bilateral relationship of Portugal with the United States and of Europe with North America. Our research, through a qualitative and hermeneutic analysis, aims to take account of the most important stages, the difficulties, the solutions found and the challenges faced in transatlantic relations, exploring the centrality of the Azores, mainly at the social, economic, scientific and political level. Projecting into the future, alongside the intense exchange of people, communications and goods that shape transatlantic relations, we will consider the strategic role that the Azores can play, both as a scientific platform and in the new configurations of Atlantic security in a post-Cold War world. We will conclude by elucidating the renewed geostrategic and geopolitical interest that the archipelago presents.

Keywords: Azores; United States; Europe; transatlantic relations

1.Introdução

Desconhece-se no tempo o princípio da longa relação entre as duas margens que enformam o Oceano Atlântico. Sabe-se, no entanto, que o arquipélago dos Açores tem desempenhado um papel fundamental no apoio e desenvolvimento das relações transatlânticas, principalmente entre a Europa e a América do Norte.

Famílias de ambos os lados, culturas e economias cresceram juntas nos últimos três séculos. Estes laços fundaram a prosperidade e segurança conjunta, numa relação que se foi reforçando. Nas sociedades que se constituem de ambos os lados, a maioria dos portugueses-americanos é de origem açoriana, estimando-se serem mais de um milhão nos Estados Unidos da América (EUA). Projetando o futuro, os Açores continuam a desempenhar um papel muito importante ao estabelecerem uma ponte no Atlântico. De ambos os lados são feitos investimentos e emergem mais turistas americanos e estudantes em intercâmbio. Hoje, já não são só os açorianos que emigram, muitos norte-americanos têm fixado residência nos Açores, procurando a segurança e a qualidade de vida que o arquipélago proporciona. Desde cedo foram estabelecidas relações diplomáticas e bases militares que vêm hoje a sua importância geoestratégica renovada face aos novos desafios da segurança do Atlântico.

O nosso objetivo principal é fazer um balanço, ainda que limitado, das fases mais importantes, das dificuldades, das soluções encontradas e dos desafios que se colocam nas relações transatlânticas, explorando a centralidade dos Açores, principalmente ao nível social, económico, científico e político.

Nesse sentido, começaremos por dedicar a nossa análise à longa relação entre os Estados Unidos e o arquipélago açoriano, desde o início da nação americana no século XVIII até aos nossos dias, destacando o intenso intercâmbio transatlântico de pessoas, comunicações, valores e bens; para depois equacionar os novos desafios das relações transatlânticas, que potenciam novas oportunidades, onde os Açores pretendem-se afirmar, desempenhando um novo papel central, assumem-se como plataforma e interface atlântica de investigação científica nas áreas do oceano profundo, das alterações climáticas, das energias renováveis e do espaço, a par da renovada centralidade geoestratégica que Açores podem desempenhar nas novas configurações de segurança e defesa do Atlântico.

A nossa investigação recorre ao método qualitativo na sua vertente de análise documental. A metodologia utilizada para analisar diferentes documentos é baseada numa hermenêutica crítica. É essencialmente uma análise de natureza formal, analítica e conceitual. A partir daí, as teorias e categorias dos vários autores são apresentadas a partir de uma interpretação e avaliadas criticamente.

2.Os Americanos e os Açores

A relação entre os Estados Unidos da América e o arquipélago dos Açores remonta ao período da formação da nação norte-americana, no final do Século XVIII.

Em 1777, um ano após Thomas Jefferson, principal autor do texto da célebre Declaração de Independência, ter proclamado, na cidade de Filadélfia, a 4 de julho de 1776, que “all men are created equal”, os Açores deram apoio a corvetas da jovem nação que rumavam a França em iniciativas diplomáticas que procuravam assegurar uma aliança política e militar com o reino francês, que se revelaria determinante para o sucesso da Revolução Americana.

Em 1795, depois do fim da Guerra da Independência Americana, já no período de vigência da Constituição federal, marcada pela proeminência de James Madison e ratificada em 1788, e no decurso do segundo mandato do Presidente George Washington, os Estados Unidos da América estabeleceram o seu primeiro consulado no arquipélago dos Açores.

Desde a sua instalação, o Consulado dos Estados Unidos da América nos Açores funcionou na cidade da Horta durante cento e vinte e dois anos, até à sua transferência, em 1917, para Ponta Delgada. John Street foi o primeiro cônsul, na Horta, tendo nomeado o primeiro vice-cônsul Thomas Hickling a 7 de julho de 1795, para Ponta Delgada.

Este foi um período em que a liberdade de navegação, a baleação, a emigração e os cabos submarinos foram fatores centrais da relação entre os EUA e os Açores.

Desde 1750 até cerca de 1920 os navios baleeiros americanos viram-se impelidos para os Açores pelos ventos dominantes e pela Corrente do Golfo ao mesmo tempo que se sentiam atraídos pela presença de grandes quantidades de cachalotes existentes em redor das chamadas Western Islands (Açores). Além da oportunidade que uma escala em terra lhes dava para se reabastecerem de água e de provisões frescas, podiam ali recrutar novos elementos para completar as tripulações. Durante um século e meio, foram estas as principais razões que levaram os baleeiros americanos a escalar o porto da Horta e outros portos açorianos, mais do que qualquer outro lugar no estrangeiro (Vermette, 1995, p. 291).

Esta ponte de ligação que os navios baleeiros estabeleceram entre os Açores e New Bedford teve uma influência decisiva no crescimento da indústria baleeira, e, até da própria cidade. Os açorianos estiveram presentes nos navios baleeiros americanos logo a partir dos começos do século dezanove. Faziam parte dessa heroica aventura quando a indústria e atividades baleeiras atingiram o seu apogeu, no final da década de 1850, geralmente como simples marinheiros de convés e como trancadores. Já para o fim da era baleeira eles haviam-se tornado a força dominante na baleação americana, ocupando posições de capitães, oficiais, e mesmo, armadores (Vermette, 1995, p. 291).

Torna-se evidente que esta ponte estabelecida pelos navios baleeiros constituiu a primeira fase da Emigração Portuguesa para os Estados Unidos. Por muitas razões, como a fuga ao recrutamento militar, o escape às condições opressoras duma pobreza hereditária e inevitável, imposta por um excesso de população num território demasiado exíguo para a suportar, um certo isolamento paralisante, ou, até, determinados problemas políticos, muitos açorianos e açorianas começaram a infiltrar-se nos Estados Unidos, sob a forma de mão-de-obra inexperiente e barata nas atividades baleeiras (Riley, 2015; Vermette, 1995, p. 292).

Esta jovem nação americana, se por um lado precisava de mão-de-obra para o seu processo de colonização e de industrialização, por outro, também precisava de meios seguros de transporte, tanto para aprovisionamento de matérias-primas, como para exportação de produtos e comércio mundial. Esta vontade, aliada à sua relativa situação de insularidade do ponto de vista geopolítico, implicava o controlo dos oceanos circundantes como o Pacífico e o Atlântico, pelo que desde cedo a política externa da jovem nação americana foi projetada para o mar. Para autores como Alfred Thayer Mahan (1892), o poder naval era mais importante do que o poder continental na luta pelo domínio internacional, ao mesmo tempo que era menos ameaçador para estabilidade mundial. Mahan entendia ainda, ao contrário de Halford J. Mackinder (2001), que o pivôt geográfico da História não se encontrava no Heartland mas sim nos oceanos. O controlo dos mares é que era essencial para que um Estado pudesse ter um papel de relevo nas Relações Internacionais, na medida em que permitiria que uma nação marítima conseguisse projetar o seu poder à volta do Rimland Euroasiático, conforme conceito proposto por Nicholas John Spykman (2007 [1942]), contribuindo para afetar, desta forma, os desenvolvimentos de natureza política no seu interior (Andrade, 207, pp. 28-29).

2.1.Os Dabney: três gerações que marcaram a Ilha do Faial

A estratégia americana assentava em meios diplomáticos na criação de uma rede consular americana nas ilhas, contribuindo para este desígnio de forma decisiva a família Dabney que, ao longo de três gerações - John Bass Dabney, Charles William Dabney e Samuel Dabney -, entre 1806 e 1891, desempenharam funções de representação diplomática na cidade da Horta, marcando assim uma época nas “ilhas do canal” (Faial e Pico) a que o investigador Ricardo Manuel Madruga da Costa (2009) chamou “o século Dabney”.

A família Dabney mantinha uma grande atividade comercial e marítima na Horta e suas imediações, na ilha do Faial, onde as suas casas eram enormes, bem mobiladas e rodeadas de magníficos jardins. Mantinham o prestígio do Governo americano através de uma hospitalidade generosa a pessoas distintas. Pode-se compreender que o vencimento dum cônsul americano não teria sido suficiente para manter tão elegante estilo de vida. Sendo assim, entendeu-se ser essencial que um cônsul no Faial deveria ter fortuna pessoal (Doty, 2006, p. 51).

Naquele tempo houve grande prosperidade naquela parte dos Açores, envolvendo a exportação de laranjas para a Inglaterra, vinho do Pico, óleo de baleia e âmbar para os Estados Unidos e ainda emigração de açorianos e açorianas em larga escala para a América. Em todos estes aspetos, comerciais e de transporte, o cônsul Charles W. Dabney e seu filho Samuel W. Dabney tiveram papel de relevo (Doty, 2006, p. 57).

3.Relações Transatlânticas do Século XX aos nossos dias

Na antecâmara do século XX, um conjunto de alterações económicas e geoestratégicas sucedem-se e a Ilha do Faial perde importância estratégica, também devido à maior pujança e concentração de população na Ilha de São Miguel. Os Estados Unidos decidem deslocar o seu Consulado e a 1 de maio de 1899 inicia oficialmente o Consulado Americano em Ponta Delgada. O escritório da Horta foi reduzido à categoria de agência consular nos finais de abril de 1899, quando o cônsul Pickerell transferiu o Consulado para São Miguel.

O Sr. Moyses Benarus que tinha sido vice-cônsul na Horta passou a agente consular até 24 de janeiro de 1918, quando esses escritórios e o da Terceira foram definitivamente encerrados e todos os serviços consulares dos Açores passaram a ser feitos em S. Miguel, devido à guerra. As outras agências consulares americanas situadas respetivamente nas Flores e S. Jorge que tinham estado sob a jurisdição do Consulado Americano da Horta e em 1899 sob a jurisdição do consulado em S. Miguel, tinham sido encerradas definitivamente antes do fecho das agências consulares da Horta e Terceira (Doty, 2006, p. 63-64).

Os cônsules americanos em S. Miguel ocupavam-se principalmente da situação de cidadãos americanos naturalizados, que haviam nascido nos Açores e dos seus filhos, envolvendo investigações relativas a naturalização fraudulenta, deportação, isenção do serviço militar, taxas militares, assuntos relativos à emigração dos Açores para os Estados Unidos da América (Doty, 2006, p. 64).

Outros acontecimentos também se deram ao mais alto nível das relações diplomáticas, assinala-se a primeira passagem do ex-Presidente Theodore Roosevelt por Ponta Delgada, a 30 de março de 1909, onde parou algumas horas, na sua viagem para África. Nessa estada, o Cônsul Creevey levou-o a uma colina, o Alto da Mãe de Deus, onde hoje se situa o Passeio Theodore Roosevelt e existe uma pedra ao longo do passeio assinalando o facto (Doty, 2006, p. 64).

Após 1917, na sequência da entrada dos EUA na Primeira Guerra Mundial, as relações entre os norte-americanos e os açorianos aprofundaram-se, assistindo-se à cedência de pontos de apoio às forças navais norte-americanas nas nossas ilhas e à instalação de uma base naval da US Navy na cidade de Ponta Delgada, em novembro de 1917 (Andrade, 1993).

A base naval americana do Atlântico Central ficou estabelecida em Ponta delgada durante a Grande Guerra a fim de proteger os transportes americanos que levavam tropas para França e com outras finalidades estratégicas. O almirante Dunn e o seu sucessor, almirante Jackson, mantiveram uma esquadra de destroyers que eram apoiados por hidroaviões. Na manhã de 4 de julho de 1917 um submarino alemão disparou algumas granadas do exterior do molhe para Ponta Delgada, uma das quais matou uma rapariga de 16 anos nos arredores, na Fajã de Cima. O barco carvoeiro “Orion” na baía de Ponta Delgada, perto do molhe, rapidamente disparou algumas granadas e o submarino submergiu e rapidamente desapareceu (Doty, 2006, p. 64-65).

A 16 de julho de 1918, a nova visita de Roosevelt aos Açores contemplou o porto da Horta, na ilha do Faial e o Porto de Ponta Delgada, que eram os dois utilizados pelos navios aliados para apoio logístico durante a Primeira Guerra Mundial. Na altura, em declarações prestadas ao jornal micaelense, República, Roosevelt afirmou que era devido à importância geoestratégica dos Açores que estes haviam prestado uma contribuição muito especial no que concerne ao transporte de tropas do Novo para o Velho continente, tornando possível, desta forma, que o desfecho da guerra não se prolongasse. Roosevelt despertou o mundo para a importância da posição geoestratégica dos Açores (Andrade, 2008, p. 126).

Mais tarde, no período da Segunda Guerra Mundial os Açores mantêm a sua importância ao nível estratégico e geopolítico. Neste período da Segunda Guerra, muito embora Portugal tenha declarado formalmente a sua neutralidade no início do conflito, manteve esse estatuto até à concessão de facilidades militares aos Aliados, primeiro ao Reino Unido, em agosto de 1943. Na altura, os Açores foram de tal modo cobiçados, que chegou a ser iminente o perigo de uma invasão estrangeira, tanto por parte dos alemães como dos aliados, o que obrigou o Governo de Portugal a rever a sua posição (Andrade, 2017, p. 43). Neste contexto, Oliveira Salazar protelou ao máximo essa cedência na medida em que receava uma retaliação alemã. A sua habilidade política e diplomática foi evidente. Portugal também contava com diplomatas de grande categoria, como é o caso, por exemplo, de Armindo Monteiro, nosso embaixador em Londres. Porém, a concessão de facilidades de natureza militar à Grã-Bretanha resultou de uma pressão muito grande por parte dos Aliados, tendo estes recorrido à ameaça de invasão dos Açores se Salazar não as concedesse, o que só por si é elucidativo da importância do arquipélago, principalmente no que diz respeito ao apoio norte-americano à Europa assim como para fazer frente à ameaça submarina alemã naquela zona do Atlântico (Andrade, 1993).

A concessão de facilidades, inicialmente de natureza civil e, depois, militares aos Estados Unidos na ilha de Santa Maria, nos Açores, não foi antecedida de qualquer acordo ou aliança, ao contrário da que já existia com a Grã-Bretanha. O quid pro quo que teve na génese desse entendimento foi a necessidade de libertar a província de Timor da ocupação japonesa, com a ajuda militar dos EUA. Assim, em 1944, já na fase final da Segunda Guerra Mundial, foi instalada uma base aérea norte-americana na Ilha de Santa Maria, que cerca de três anos depois era transferida para a Base das Lajes, na Ilha Terceira. As relações institucionalizaram-se em setembro de 1951, através de um acordo entre ambos os Estados que concedia aos norte-americanos facilidades de natureza militar na ilha Terceira, nos Açores (Andrade, 2017, p. 43).

Posteriormente à Segunda Guerra Mundial, os Aliados liderados pelos Estados Unidos da América fundam a Organização do Tratado do Atlântico Norte - OTAN em 1949, com o objetivo de fazer face à ameaça expansionista soviética. A criação da OTAN expressou, de facto, o desejo das nações ocidentais criarem garantias mais credíveis do que as que eram oferecidas pela recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU). Pois, na realidade, os membros daquela organização receavam um impasse no âmbito do Conselho de Segurança da ONU em caso de um ataque soviético, implementando, consequentemente, o conceito de segurança coletiva (Andrade, 2017, p. 47).

Neste contexto, importa salientar que Portugal, não sendo na altura um país democrático, foi convidado, ao contrário de Espanha, para integrar os membros fundadores desta organização. Foi essencialmente pela relevância geoestratégica do arquipélago dos Açores e, consequentemente, às suas bases, quer aéreas quer navais, que os Joint Chiefs of Staff dos EUA afirmaram, por diversas vezes, pretendiam que Portugal fosse membro fundador da OTAN (Andrade, 2017, p. 48).

Ao longo do restante período do Século XX, os Açores revelaram-se fundamentais para a condução da geopolítica americana, sobretudo desde a Primeira Guerra Mundial, de forma a poder manter, por um lado, a liberdade de circulação dos mares e, por outro, servir de apoio logístico à projeção de forças daquele país em direção à Europa, ao Médio Oriente, ao norte de África, assim como ao flanco sul da Aliança Atlântica. Os exemplos que consubstanciam este facto são muitos, desde o bloqueio de Berlim até às duas Guerras do Golfo (Andrade, 2017, p. 38).

Entre 27 de setembro de 1957 a 24 de outubro de 1958, uma série de violentos erupções e tremores de terra provocaram uma calamidade natural, destruíram a infraestrutura económica na Ilha do Faial e tiveram impacto em todas as nove ilhas do arquipélago dos Açores. A maioria das 25.000 pessoas da ilha do Faial perdeu o seu meio de subsistência no meio de fumos, lava e terramotos constantes, e não teve outra escolha senão fugir para outras ilhas dos Açores, deixando muitas pessoas desalojadas. Vários apelos ao Governo dos Estados Unidos deram origem aos Azorean Refugee Acts de 1958 e 1960, designação pela qual ficou conhecida a legislação oficial, Public Law 85-892, aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos da América facilitadora da emigração de açorianos para aquele país na sequência da erupção do vulcão dos Capelinhos. A legislação resultou de uma proposta conjunta dos senadores federais do Partido Democrata John O. Pastore (de Rhode Island) e John F. Kennedy (de Massachusetts), daí a designação Pastore-Kennedy Act of 1958 pela qual também ficou conhecido aquele diploma (Pereira, 1985).

Na sequência do alvitre levantado em East Providence (Rhode Island) pelo deputado estadual Joseph Perry Jr., filho de uma faialense e de um picoense, a proposta inicial foi apresentada no Congresso a 4 de junho de 1958 pelo Senador John Orlando Pastore, um democrata de origem ítalo-americana de Rhode Island, estado de que havia sido Governador. Três semanas depois a proposta teve o apoio público do Senador John F. Kennedy, que então já preparava a arrancada que o levaria à candidatura presidencial de 1960, a que se seguiram diversos outros membros do Congresso, particularmente aqueles que representavam áreas onde a presença açoriana já era significativa (Pereira, 1985).

O diploma permitia a concessão de 1 500 vistos destinados a chefes de família da ilha do Faial que emigrassem até 30 de junho de 1960, mas uma emenda introduzida posteriormente alargou o número de vistos para 2 000, estendendo o prazo até junho de 1962. Em consequência direta do diploma, entre 1958 e 1965 perto de 2 500 famílias imigraram do Faial e Pico, num total de cerca de 12 000 pessoas, das quais 4 811 diretamente ao abrigo da norma. Devido ao mecanismo de reunificação familiar, as cartas de chamada, esta emigração inicial teve um efeito multiplicador gigantesco, estendendo-se a emigração a todas as ilhas e levando a que nas décadas seguintes mais de 175 000 açorianos (mais de 30% da população) partiram para os Estados Unidos (Pereira, 1985).

Segundo a Convenção das Nações Unidas de 1951, o Protocolo das Nações Unidas de 1967, a Convenção da Organização de Unidade Africana ou mesmo o Act dos Refugiados nos EUA de 1980, os açorianos e açorianas não podem ser chamados refugiados de jure por definição. No entanto, por reconhecimento humanitário e devido a causas naturais, foram refugiados de facto (Anacleto, 2019).

Em 2008, o Governo americano, através da Resolução 1401 da Casa Branca, comemorou o 50º aniversário da Lei dos Refugiados Açorianos de 1958 e celebrou as extensas contribuições das comunidades luso-americanos para os Estados Unidos.

De facto, a própria Resolução 1401 descreve e reconhece o notável contributo da vaga de imigração portuguesa, maioritariamente açoriana, na construção da nação americana:

Considerando que as principais comunidades de luso-americanos de ascendência açoriana podem ser encontradas no sudeste da Nova Inglaterra; as áreas em torno de São Francisco, San Diego, e San Joaquin Valley, Califórnia; Hawaii; e o Nova Jersey/área metropolitana de Nova Iorque; Considerando que estes imigrantes recentes se basearam no trabalho iniciado anteriormente por e, através da sua notável ética de trabalho, têm, entre outros actividades, distinguindo-se na agricultura e na pesca; Considerando que na década de 1970, cerca de metade de todas as explorações leiteiras do Vale de San Joaquin foram detidos e operados por luso-americanos e contribuíram para fazer da Califórnia o Estado produtor de lacticínios número um da Nação; Considerando que os portugueses da costa oriental americana dominaram a pesca e contribuíram para fazer de New Bedford, Massachusetts, uma das maiores indústrias do mundo e os maiores portos marítimos da nossa Nação; Considerando que os imigrantes portugueses e os seus descendentes têm contribuído substancialmente à força de trabalho, liderança e cultura americana, e produziu médicos, advogados, e professores universitários de sucesso; Considerando que no sector público, os luso-americanos se tornaram legisladores nos procuradores-gerais locais, estaduais e federais, os juízes, e advogados de sucesso, e são membros de comissões escolares e conselhos de administração, bem como câmaras municipais; Considerando que, como governador da Califórnia, Ronald Reagan proclamou a 2ª semana de março como Semana do Imigrante Português em 1969; e Considerando que o Presidente John F. Kennedy reconheceu que os imigrantes provenientes do Açores tinham dado excelentes contribuições à nossa Nação como cidadãos: Agora, portanto, seja Resolvido, que a Câmara dos Representantes... (1) comemora o 50º aniversário do açoriano, Lei dos Refugiados de 1958; (2) celebra a Lei dos Refugiados Açorianos de 1958 como digna e legislação admirável que representou a América mais fina, alcançando pessoas necessitadas; e (3) reconhece as importantes contribuições dos portugueses imigrantes e seus descendentes para os Estados Unidos, que têm enriquecido tanto a nossa Nação. (Resolução 1401)

Apesar da imigração para os Estados Unidos estar a diminuir consideravelmente, mantêm-se de ambos lados intensas relações de comércio, turismo e lazer, de colaboração militar e de diplomacia, onde constam Consulados e representações consulares tanto de Portugal como dos Estados Unidos em vários pontos dos territórios, assim como os EUA mantêm a Base das Lajes como plataforma fundamental de projeção de forças militares no Atlântico.

Assume especial destaque o papel do Consulado norte-americano nas décadas de 1960 e 1970, quando prestou um papel da maior importância no apoio às vagas de emigração dos Açores para os Estados Unidos, uma função que continuaria a desempenhar nas décadas seguintes, embora de uma forma mais atenuada devido a novas circunstâncias, quer na Região, quer nos Estados Unidos.

Atualmente a missão do Consulado norte-americano nos Açores é desenvolvida em três domínios principais: 1) manter os laços históricos de parceria e amizade com o povo e com o Governo da Região Autónoma dos Açores e de Portugal; 2) prestar serviços de alta qualidade aos cidadãos dos EUA nos Açores, salvaguardando a sua segurança e bem-estar, uma função de importância crescente face ao grande aumento de fluxos turísticos dos EUA para os Açores; e 3) aumentar os intercâmbios educacionais, comerciais e culturais entre os Estados Unidos e os Açores, especialmente nas áreas da energias renováveis, das tecnologias verdes, dos negócios e do turismo.

O Consulado dos Estados Unidos nos Açores é o mais antigo posto diplomático norte-americano, do género, no mundo. Conta já, no ano de 2022, com duzentos e vinte e sete anos de funcionamento contínuo que consolidaram o aprofundamento de uma relação de amizade, de cooperação e de respeito mútuo que muito contribuiu para a concretização de interesses comuns que beneficiaram ambas as partes, ao longo de mais de dois séculos de história e destino comuns (Fontes, 2021).

4.Desafios das relações transatlânticas e a centralidade dos Açores

A política externa portuguesa tem sido caraterizada, desde o 25 de Abril de 1974 e a consequente descolonização, por ser euro-atlântica. Ou seja, independentemente de fazermos parte da União Europeia, valorizamos a nossa dimensão atlântica. Nesse sentido, são os nossos arquipélagos atlânticos - os Açores e a Madeira - que conferem ainda a Portugal algum poder de negociação internacional (Moreira, 1979). Geograficamente é um país arquipelágico, assente no “triângulo estratégico nacional” continente-Açores-Madeira (Palmeira, 2016, p. 119). Esta caraterística confere-lhe uma das maiores zonas económicas exclusivas (ZEE) da Europa e do mundo, facto de suma importância quando se analisa o potencial marítimo, tanto no plano económico como político. Pela sua posição, o “mar português” é, simultaneamente, fronteira e ponte entre os continentes europeu, americano e africano, o que lhe atribui particular relevância geopolítica. Daqui resulta que o nosso poder funcional, no que diz respeito às Relações Internacionais, decorre do nosso relacionamento atlântico. E não apenas do Atlântico Norte. O Atlântico Sul não pode nem deve ser esquecido, na medida em que este espaço geopolítico reveste-se para Portugal de especial relevância, uma vez que, entre muitos outros aspetos, a língua portuguesa é falada nas suas duas margens (Andrade, 2017, pp. 87-88).

Na contemporaneidade, a posição estratégica do Arquipélago dos Açores ganha uma renovada relevância, quando percebemos que toda a geopolítica se aproxima do mar e os modelos de governação a partir do mar correspondem a uma evolução das tendências geopolíticas (Marques Guedes, 2018).

Os oceanos estão a receber cada vez mais atenção, seja na economia, quando junto ao mar se concentra cerca de 95% do comércio mundial, onde a União Europeia mostra um empenho crescente em desenvolver a economia azul, seja na ciência, ao percebermos que ainda conhecemos muito pouco dos oceanos e que os recursos e as potencialidades são enormes para o desenvolvimento da vida humana no planeta. Acrescidas a estas potencialidades, temos grandes desafios quanto ao modo, muitas vezes insustentável, como exploramos os recursos marinhos: a água, as espécies marinhas e os minerais. Os problemas decorrentes da poluição, da sobre pesca, mas também do tráfico internacional de droga, da pirataria, da segurança, entre outros impõem um grande esforço de articulação na governação dos oceanos. Toda esta problemática aliada à crescente imprevisibilidade das relações internacionais, numa conjuntura internacional rapidamente mutável, requer ao nível da política novas configurações geoestratégicas a vários níveis.

Ao nível científico, com previsíveis impactos sociais e económicos, Portugal deu início a um arrojado projeto denominado Centro Internacional de Investigação do Atlântico - AIR Center, sediado nos Açores, mas incluindo parceiros de toda a bacia atlântica. É uma estrutura de colaboração internacional para enfrentar os desafios globais e as prioridades locais no Oceano Atlântico. Promove uma abordagem integrativa do espaço, clima, oceano e energia no Atlântico, apoiada por inovações tecnológicas emergentes e avanços na ciência dos dados, e através da cooperação Sul-Norte e Norte-Sul.

Segundo dados institucionais, o AIR Center (2022) é o resultado de um longo processo de diplomacia científica chamado Atlantic Interactions, que é uma iniciativa intergovernamental em curso para libertar todo o potencial do Oceano Atlântico para a sociedade. Estas discussões diplomáticas resultaram numa agenda científica colaborativa internacional para o espaço, clima, energia e ciências oceânicas no Atlântico, que teve início em 2012.

O 1º Workshop Internacional Atlantic Interactions, realizado em Nova Iorque, Estados Unidos da América, em junho de 2016, foi conduzido pelo Governo português e deu início a um processo sistemático de diplomacia científica. Seguiram-se cinco Workshops de Alto Nível sobre indústria, ciência, governação, diálogos e outros workshops científicos e políticos.

O estabelecimento formal do AIR Center foi conseguido como conclusão do 2º Diálogo de Alto Nível sobre Interações Atlânticas, realizado em Florianópolis, no Brasil, em novembro de 2017. Foi reconhecido que o AIR Center se tornaria uma organização multilateral em rede, numa associação com infraestruturas científicas e de investigação nacionais e internacionais.

A Associação para o Desenvolvimento do AIR Center foi legalmente constituída em abril de 2018 como uma associação sem fins lucrativos com sede na Ilha Terceira, Açores, e instalações em Lisboa, Portugal. Foi nomeada uma Equipa de Implementação para apoiar a transição para uma equipa permanente. No processo, o primeiro Diretor Executivo do AIR Center, Joaquim Brito, foi nomeado em finais de 2018. Uma abordagem orientada para a missão do AIR Center na década de 2020-2030 foi recomendada em agosto de 2019, no contexto da instalação de dois escritórios do AIR Center no Brasil.

Os principais desafios das relações transatlânticas relacionam-se com a especificidade da bacia atlântica, mas também com os desafios globais, como as alterações climáticas e o papel que a ciência e a tecnologia poderão desempenhar na salvaguarda de habitats, incluindo os humanos, como também ao nível da segurança e defesa, onde a NATO assume um papel fundamental, para a estabilidade e progresso das comunidades da bacia atlântica.

Muito embora a conjuntura geopolítica e geoestratégica tenha mudado radicalmente desde o fim da Guerra Fria, em novembro de 1989, até hoje, surgiram novas ameaças que têm de ser tidas em conta pela Comunidade Internacional. Neste contexto, inclui-se, por exemplo, o terrorismo transnacional que tem vindo a causar ao longo dos últimos anos problemas muito complexos e com consequências dramáticas um pouco por todo o mundo.

Depois de evidenciada a centralidade do Arquipélago dos Açores ao nível das rotas e intercâmbios do Atlântico, onde o futuro se constrói assente na colaboração científica, importa também pensar essa centralidade ao nível da segurança e defesa, onde assume especial destaque a Base das Lajes na ilha da Terceira.

Andrade (2017), invocando uma característica muito importante deste novo mundo em que vivemos, e que se consubstancia na sua grande imprevisibilidade, entende que os EUA não irão abandonar a base das Lajes. Se por um lado é inegável que, no decurso dos últimos anos, assistiu-se a uma redução substancial do número de efetivos militares naquela base. Por outro lado, o especialista nas relações transatlânticas não acredita que haja uma retirada total daquela base, avançando uma explicação para tal facto assente num dos principais pressupostos da Geopolítica: se eventualmente forem criados vazios de poder, eles serão imediatamente preenchidos por alguém (Andrade, 2017, p. 76).

Para os Estados Unidos da América, esse papel resultante da conjugação das opções estratégicas com uma rigorosa análise técnico-militar, incluindo o estudo detalhado das capacidades e limitações dos meios disponíveis, estava bem definido desde, pelo menos, 1994. A base das Lajes é então considerada uma base chave para a projeção de forças dos Estados Unidos para o Médio Oriente. No documento elaborado pelo U.S. General Accounting Office (1994), intitulado Strategic Mobility - Serious Problems Remain in U.S. Deployment Capabilities, de abril de 1994, das dezasseis bases consideradas imprescindíveis por parte da Administração norte-americana, seis estavam na Europa e uma delas era a Base das Lajes.

Percebemos que os EUA não iriam tolerar que outra potência se instalasse neste primeiro meridiano atlântico, já fora do espaço territorial americano, mas anterior a qualquer outro território da outra margem deste oceano. Sabemos pela história, que a defesa dos Estados Unidos começa não em terra, mas de um lado, no arquipélago dos Açores no Atlântico e, de outro lado, no arquipélago do Havai no Pacífico.

Importa ter em consideração a diminuição substancial desde 2015, quer de militares norte-americanos quer de civis portugueses que trabalham na base das Lajes, o que tem causado um significativo impacto económico e social, que não tem sido mitigado palas autoridades norte-americanas. Ao mesmo tempo surgem consequências da presença norte-americana nos Açores de difícil resolução, como a contaminação dos solos circundantes às Lajes, que poderão contaminar os aquíferos não apenas daquela zona, mas de outras zonas da ilha. Este assunto tem marcado a agenda das reuniões da Comissão Bilateral Permanente do Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os Estados Unidos da América.

Neste sentido, e tendo em conta que desde o início da década de noventa do século passado a Região Autónoma dos Açores deixou de receber qualquer contrapartida de natureza financeira por parte dos Estados Unidos da América, muito embora a ideia fosse substituir essa componente financeira por uma cooperação (científica, tecnológica, comercial, etc.) significativa, tal não se veio a concretizar. Pelo que, na nossa perspetiva, Portugal de uma forma concertada deve ser firme na exigência dos americanos descontaminarem os solos adjacentes à base das Lajes, ao mesmo tempo deve renegociar o atual Acordo de Cooperação e Defesa entre os dois países, de forma a poder garantir a Portugal e, obviamente aos Açores, algumas contrapartidas que, de facto, não têm vindo a ocorrer nos últimos tempos. Referimo-nos, essencialmente, ao desenvolvimento conjunto de projetos de cooperação, a vários níveis, e em várias áreas, entre os dois governos, mas que envolvessem concretamente o arquipélago dos Açores de forma a ter impacto no seu desenvolvimento sustentável (Andrade, 2017, pp. 71-72).

Por sua vez, Portugal projeta ganhar nova relevância atlântica ao criar o Centro para a Defesa do Atlântico (CeDA), através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 66/2018 - Diário da República n.º 99/2018, Série I de 2018-05-23 (Diário da República, 2018). O objetivo principal da implementação do centro é colmatar lacunas existentes no espaço Atlântico e contribuir para o reforço da afirmação de Portugal como produtor de segurança junto de instituições como a União Europeia, a ONU, a NATO, a CPLP, aliados como os EUA e da comunidade internacional em geral.

Atlântico constitui um vasto espaço geopolítico e geoestratégico, que liga três continentes e inclui mais de 50 Estados costeiros, desde o estreito de Davis, no Atlântico Norte, até à Antártida, no Atlântico Sul. A bacia do Atlântico contém aproximadamente 30 % das reservas de petróleo e 35 % das reservas de gás conhecidas, nomeadamente no golfo da Guiné. Integra importantes rotas marítimas com destino ou partida da Europa, da América e de África, sendo ainda o oceano atravessado pelo maior número de cabos submarinos de comunicações.

Sendo evidente a sua importância estratégica, o Atlântico constitui um meio de comunicação essencial para o desenvolvimento científico e económico, mas simultaneamente um espaço de ameaças à soberania dos Estados, à segurança dos seus cidadãos e, reflexamente, à segurança global.

Como já referido, os desafios e as ameaças à segurança do Atlântico são múltiplos, complexos e de diversas fontes e natureza, desde o reforço crescente da presença de meios navais no Atlântico Norte até às rotas de narcotráfico da América Central e do Sul em direção à África Ocidental, em trânsito para a Europa. Estes desafios, ainda que com uma evidente expressão no mar, carecem de uma abordagem holística, ou seja, no mar, em terra, no espaço aéreo e até no ciberespaço.

O desafio será, por todas estas razões, proceder a um debate alargado, no âmbito da sociedade portuguesa, relativamente a estas questões, por forma a ser delineada a melhor estratégia a adotar pelo Estado neste novo mundo em que vivemos. Parece-nos, todavia, que a nossa participação na Identidade Europeia de Segurança e Defesa deve ser uma prioridade de afirmação de Portugal no âmbito europeu e, ao mesmo tempo, como um contributo para definir, conjuntamente com os Estados Unidos da América, uma relação mais equilibrada no seio da própria OTAN. E aqui, como questiona Andrade (2017, p. 89), que papel desempenhará os Açores nessa nova equação de segurança e defesa? Isto é, com a implementação de uma Política Externa e de Segurança Comum por parte da União Europeia, como serão vistos os Açores e que papel poderão vir a desempenhar no futuro? Será o arquipélago perspetivado como sendo a defesa avançada dos Estados Unidos, como tem sido até agora, ou da Europa? Ou, como conciliar as duas pretensões?

5.Conclusão

Em síntese, diríamos que Portugal deverá continuar a tentar compatibilizar a sua política externa no âmbito da União Europeia com o seu relacionamento com os Estados Unidos da América, incluindo a relação com os Países de Língua Oficial Portuguesa, quer em África quer na América do Sul, num contexto em que o arquipélago dos Açores desempenhará um papel fundamental, na continuação daquilo que se tem verificado ao longo dos séculos.

O Arquipélago dos Açores tem sido uma ponte e interface atlântica de relações que se perdem no tempo, migrações de ambos os lados, apoio e base logística e militar, principalmente dos Estados Unidos da América, a partir da Primeira Guerra Mundial. Se por um lado, projeta a Europa a ocidente, também permanece desde essa altura como base avançada da defesa dos Estados Unidos a oriente e de proteção das rotas do Atlântico.

Num mundo de hoje, pós-guerra fria, desde a queda do Muro de Berlim em 1989, em que os EUA, principalmente desde a desestruturação da União Soviética em 1991, se assumiram como hiperpotência ou como única grande potência, o arquipélago dos Açores continua a ser relevante ao nível geopolítico e geoestratégico. A base das Lajes, apesar da redução de efetivos, em linha com a racionalização de recursos humanos possibilitada pela tecnologia, mantém-se como uma das principais bases de interesse estratégico norte americano fora do seu território.

A relação estreita entre os EUA e os Açores permitiram à Região e a Portugal fazer parte do esforço que o mundo ocidental, liderado pelos norte-americanos, desenvolveu na defesa da Paz, da Liberdade, da Democracia, da segurança, da livre navegação aérea e marítima e da estruturação de uma Comunidade Internacional subordinada a regras e dotada de instituições multilaterais comprometidas com a promoção e a salvaguarda do direito Internacional e dos Direitos Humanos.

A Europa e a América do Norte, que já foram o velho e o novo mundo, são acima de tudo uma vasta comunidade que partilha essencialmente os mesmos valores e modos de vida tantas vezes conotados como pertencendo ao Norte Ocidental. Neste enquadramento entre oriente e ocidente, os Açores poderão contribuir, como sempre souberam fazer, mantendo a relevância da sua posição estratégica, para a renovação da aliança atlântica, face a novos desafios globais, tanto ao nível da defesa e segurança, como das alterações climáticas, as migrações, as pessoas refugiadas, o terrorismo, a pobreza e a desigualdade crescente.

Para além da segurança e defesa, as novas alianças também se fazem de investigação e ciência, novos desafios suscitam novas potencialidades e possibilidades de ação. De novos projetos como o Centro de Defesa do Atlântico ou o Air Center poderão ser dados saltos qualitativos na longa relação transatlântica.

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*Este estudo foi realizado no âmbito do projeto “Eurilhas - A Dimensão Insular da Europa e as ilhas na União Europeia: heteronomia, autonomia e subsoberania”, financiado pelo Governo Regional dos Açores (M1.1.C/C.S./001/2019/01).

Recebido: 13 de Janeiro de 2022; Aceito: 22 de Julho de 2022

PAULO VITORINO FONTES

É doutorado em Teoria Jurídico-Política e Relações Internacionais (summa cum laude) pela Universidade de Évora em 2016. Licenciado em sociologia pela Universidade dos Açores em 2000, concluiu o mestrado em sociologia pela mesma Universidade em 2012. As suas áreas de investigação incidem sobre Ciência Política, Relações Internacionais, Filosofia Social e Política e Estudos Europeus, abordando temas mais gerais, desde a teoria crítica da política internacional, dos Direitos Humanos até aos mais específicos, relativos aos Açores, às relações transatlânticas e à integração e política europeia. É Professor Auxiliar da Universidade dos Açores e é membro integrado do Centro de Estudos Humanísticos da mesma Universidade desde 2019 e membro colaborador do Centro de Investigação em Ciência Política das Universidades do Minho e de Évora desde 2013.

Holds a PhD in Legal-Political Theory and International Relations (summa cum laude) from the University of Évora in 2016. He graduated in sociology from the University of the Azores in 2000 and completed his master's degree in sociology at the same university in 2012. His areas of research focus on Political Science, International Relations, Social and Political Philosophy and European Studies, addressing more general issues, from critical theory of international politics, Human Rights to more specific ones, concerning the Azores, transatlantic relations and European integration and policy. He is an Assistant Professor at the University of the Azores and has been an integrated member of the Centre for Humanistic Studies of the same University since 2019 and a collaborating member of the Research Centre in Political Science of the Universities of Minho and Évora since 2013.

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