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New Trends in Qualitative Research

versão On-line ISSN 2184-7770

NTQR vol.17  Oliveira de Azeméis out. 2023  Epub 01-Dez-2023

https://doi.org/10.36367/ntqr.17.2023.e843 

Artigo Original

A Excursão no Ensino de Geografia (1936), por João Dias da Silveira

The Excursion in the Teaching of Geography (1936), by João Dias da Silveira

Márcia Cristina de Oliveira Mello1 
http://orcid.org/0000-0001-8517-3901

Natalya Crivellaro Pires1 
http://orcid.org/0000-0003-3293-461X

1 UNESP, Processo n. 2022/05527-6, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Brasil


Resumo

A pesquisa documental e bibliográfica enfatizou a importância das excursões no ensino de Geografia através do olhar do professor João Dias da Silveira (1913-1973). O professor é considerado um importante intelectual de seu tempo, se tornou o primeiro diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UNESP Campus de Rio Claro. A pesquisa teve como objetivo detalhar as características da técnica de ensino “excursão geográfica” proposta por João Dias da Silveira, em 1936; reforçar a contribuição de João Dias da Silveira ao debate sobre o ensino de Geografia no contexto da Escola Nova; e verificar a atualidade da pesquisa de João Dias da Silveira na vivência dos estudantes da ETEC de Ourinhos articuladamente ao Projeto “Nós Propomos!”.

Palavras-Chave: Ensino de Geografia; Excursões geográficas; Escola Nova.

Abstract

The documentary and bibliographic research emphasizes the importance of excursions in the teaching of Geography through the eyes of Professor João Dias da Silveira (1913 - 1973). Considered a consecrated university authority of his time, he became the first director of the Faculty of Philosophy, Sciences and Letters of the UNESP Campus in Rio Claro. The research aims to detail the characteristics of the geographic excursion teaching technique proposed by João Dias da Silveira, in 1936; reinforce João Dias da Silveira's contribution to the debate on the teaching of Geography in the context of Escola Nova; and to verify the relevance of João Dias da Silveira's research in the experience of students at ETEC Ourinhos in conjunction with the “Nós Propomos!” Project.

Keywords: Geography Teaching; Geographical Excursions; New School.

1. Introdução

Este texto é resultado de pesquisa iniciada no ano de 2021 na Universidade Estadual Paulista (UNESP), Câmpus de Ourinhos, vinculada ao curso de Geografia. Teve como objetivos detalhar as características da técnica de ensino excursão geográfica proposta por João Dias da Silveira (1913-1973), em 1936, assim como reforçar a contribuição de João Dias da Silveira ao debate sobre o ensino de Geografia no contexto da Escola Nova.

Foram inúmeros os geógrafos estrangeiros e brasileiros que colaboraram para os primórdios da Geografia escolar e sua entrada no currículo. Dentre tantos, selecionamos João Dias da Silveira. A escolha se deve ao fato do professor Silveira ser um importante nome para o ensino secundário da Geografia. Integrante da primeira turma de licenciados em Geografia da Universidade de São Paulo (USP), formou-se no ano de 1936 e em 1958 foi nomeado diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UNESP, Câmpus de Rio Claro, já tendo anteriormente exercido outras funções no âmbito universitário pela Universidade de São Paulo (USP).

A investigação consistiu em pesquisa documental e bibliográfica. O estudo documental se deu por meio de fontes primárias obtidas na USP, que foram ampliadas em consulta ao acervo da Biblioteca “João Dias da Silveira” da UNESP. Foi considerada como fonte privilegiada de pesquisa o texto “A excursão no ensino de Geografia”, escrito por João Dias da Silveira, em 1936.

Foi detalhada a técnica de ensino indicada para uso na escola secundária à época, especialmente ampliando a compreensão de suas bases teóricas. Após a localização dos dados sobre o autor e a técnica de ensino indicada por ele, os dados foram analisados à luz da bibliografia especializada em ensino e ensino de Geografia.

Na última fase da pesquisa foi analisada a aplicação de atividades articuladamente desenvolvidas junto ao projeto “Nós Propomos!”. Elas foram aplicadas na Escola Técnica de Ourinhos (ETEC), localizada em Ourinhos/SP, com o auxílio do Núcleo de Pesquisa em Ensino de Geografia da Unesp de Ourinhos, quando foram organizadas as atividades que remetam a técnica de ensino utilizada pelo professor João Dias da Silveira. Esta etapa se deu entre setembro de 2022 e fevereiro de 2023.

Quanto ao projeto “Nós Propomos! Cidadania e inovação na Educação geográfica” ele foi iniciado em Portugal no ano de 2011, sendo promovido atualmente em diversos países, incluindo o Brasil, como forma de aperfeiçoar a aprendizagem em Geografia na Educação Básica.

O Nós Propomos! tem como objetivo instigar os estudantes para que possam identificar os problemas cotidianos vivenciados por eles, esses que podem ser apontados através de um trabalho de campo. Na proposta os estudantes podem investigar os problemas encontrados e indicar propostas viáveis que auxiliem na solução do problema.

O projeto “Nós Propomos!” possui um aspecto interdisciplinar, o que dinamiza o ensino de Geografia em rede, promovendo a cidadania ativa dos estudantes, além de ser adaptado para todas as etapas de ensino.

“As ações são sempre no sentido de identificar os problemas por meio de pesquisa de campo progressivamente, as atividades visam incentivar e apresentar soluções viáveis. Além disso, atividade de a investigação em Geografia” (Claudino, 2020, citado por Carvalho Sobrinho, 2021, p. 57).

2. A contribuição de João Dias da Silveira ao debate sobre o ensino de Geografia

O professor João Dias da Silveira após se formar em Geografia e História pela USP, se tornou uma referência no meio universitário, com larga folha de serviços prestados ao ensino (Buschinelli, 1988, p. 12 citado por Garcia, 2008, p.27). No ano de 1936 ele escreveu o artigo “A excursão no ensino de Geografia”, publicado pela revista Geografia. O material foi destinado principalmente para professores do ensino secundário, buscando dar espaço a novas formas de se ver e de se pensar o ensino de Geografia. A intenção era propor uma visão menos tradicional para a época em que as aulas poderiam se resumir a metodologia em que, basicamente, o aluno poderia decorar os conteúdos das aulas.

Ao sugerir alternativas no artigo, Silveira sugere a aprendizagem da Geografia tendo como ponto de partida as excursões geográficas, onde os estudantes observariam na “prática” aquilo que antes ficaria restrito a apenas materiais teóricos vistos dentro da sala de aula. Hoje corresponderia ao trabalho de campo.

As orientações contidas no texto oferecem para o professor um roteiro sobre os passos desde a preparação da excursão até o momento de sua volta até a sala de aula, enfatizando aspectos a serem abordados tanto antes como durante e após a excursão, moldando assim, um caminho a ser percorrido a fim de melhor sistematizar o trabalho de campo.

Além do artigo “A excursão no ensino de Geografia” Silveira escreveu tantos outros textos, entre os anos 1940 a 1970, relacionados principalmente sobre a Geografia física. Silveira acreditava que os problemas sociais seriam amenizados quando a sociedade atingisse um nível cultural alto, sendo assim, pensava que a educação seria a fonte para cada vez mais produzir cultura naturalmente humana, capaz de despertar no homem a condição de humano. Estas premissas faziam parte do movimento da Escola Nova.

A Escola Nova defendia o aprendizado por meio de ações práticas do próprio educando (Santos, 2005), ou seja, os ideais escolanovistas propunham que o aluno não apenas observasse e repetisse, mas que conseguisse demonstrar os conhecimentos aprendidos através da prática. Para Carlos Miguel Delgado de Carvalho (1884-1980) o ensino de Geografia deveria ser útil ao aluno e este deveria ser capaz de perceber tal utilidade na vida prática imediata. Carvalho Sobrinho (2001) reforça que a mudança nos métodos pedagógicos, como proposto pela Escola Nova, só seriam efetivos se houvesse uma mudança na mentalidade dos professores. Sendo assim, não adiantaria realizar transformações radicais nas escolas públicas sem incluir os professores, então, esta foi uma das preocupações do professor Silveira em destinar as orientações sobre o uso das excursões no ensino de Geografia.

A Didática do ensino de Geografia na perspectiva escolanovista possuía particularidades, indo além da memorização do conteúdo, buscava instigar no aluno o desejo de aprender, através de atividades, materiais e recursos didáticos diferenciados dos utilizados convencionalmente pelo professor, como gravuras, fotografias e até mesmo as saídas para fora da sala de aula. A partir de 1950, durante o governo de Jânio Quadros como governador de São Paulo, começaram a ser desenvolvidos projetos expansionistas que buscavam medidas de interiorização da formação docente em nível superior, esse foi um ponto importante para que ocorresse a descentralização do ensino superior, ou seja, nesse período foi pensado a necessidade de levar universidades, principalmente ligadas à licenciatura ao interior do estado, para suprir a falta de professores para atuar no ensino secundário (Bray, 2005, Mauro, 1999).

Pela necessidade da expansão da formação docente à época, em 1957, através da promulgação da Lei n. 3895, foi instituída a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro, localizada no interior do estado de São Paulo. João Dias da Silveira foi escolhido para ocupar o cargo de diretor da nova faculdade, iniciando suas atividades no mesmo ano (Mauro, 1999). Silveira apresentou, em 1960, para o Conselho Estadual de Educação de São Paulo, um relatório que retratava, com detalhes, a organização e funcionamento de cada curso que seria oferecido na faculdade. Dentre as propostas estava o curso de Geografia, com infraestrutura incluindo a criação de laboratórios de geofísica, mapoteca, além da proposta de planejamento e elaboração de trabalhos de campo interuniversitários (Mauro, 1999).

3. Características da técnica de Ensino excursão geográfica proposta por João Dias da Silveira, em 1936

A importância concedida ao trabalho de campo nasce de uma corrente filosófica medieval denominada como nomimalismo, ou seja, um conceito não pode existir por si só, ele apenas pode ser considerado autêntico com base na experiência ou utilização daquele que o define. É com base nesse princípio que a “verdade” deve ser amparada nas experiências pessoais, ou seja, o conhecimento deve estar voltado para o real e nos processos que se desencadeiam dentro da realidade (Claval, 2013).

As experiências pessoais que constituem o conhecimento científico podem ser estabelecidas de diversas formas como, por exemplo, nas ciências exatas e biológicas a experimentação ocorre em laboratórios, onde o pesquisador evidencia as manifestações estudadas de forma apreciável, assim como, pode através dessa percepção do objeto refutar outras interpretações.

Já nas ciências humanas a observação do objeto de estudo quer do pesquisador fazer pesquisas de campo, comparar lugares e regiões (Claval, 2013). Assim, “[...] é no terreno, percorrendo cidades e campos, imergindo nas sociedades autóctonas ou instalando-se nas vilas industriais que o geógrafo, o etnólogo e o sociólogo exploram o mundo e procuram explicá-lo” (Claval, 2013, p.2).

Ainda segundo Claval (2013) o trabalho de campo serve, principalmente, para garantir a autenticidade das observações coletadas e proporcionar a descoberta de realidades que escapam às outras estratégias de investigação, assim como, tem seu papel fundamental para a formação do cidadão. “Sem a experiência prática, o geógrafo deixa escapar uma parte essencial das realidades que ele tem a intenção de dar conta: aquelas que não são fruto da inteligência, mas da intuição, da sensibilidade, do gosto, da estética: aquelas que revelam a diferenciação qualitativa do mundo” (Claval, 2013, p.4).

As saídas a campo favorecem, principalmente, o contato direto com o ambiente de estudo, os principais meios de sua realização nos anos de 1920 e 1930 eram aqueles que usavam de bicicletas ou mesmo os realizados a pé, desta forma poderia ter um contato físico com o meio. Praticar a saída de campo é antes de tudo ter uma visão global daquilo que se estuda: o geógrafo vai de ponto de vista em ponto de vista (Claval, 2013). Na Geografia humana o trabalho de campo não se limita apenas em ir até o local estudado e analisar a paisagem presente, é necessário, muitas vezes, que o pesquisador realize entrevistas ou questionários com os moradores da região para que possa, assim, compreender a realidade dessas pessoas, entender as questões sociais daquela determinada região e, deste modo, compreender o espaço como um todo.

A partir dessas considerações incluímos a possibilidade de ampliar os estudos das particularidades da Didática da Geografia por meio da análise da fonte privilegiada de estudo - o artigo “A excursão no ensino de Geografia", publicado para a revista Geografia v.2, n.4, p.70-73, no ano de 1936, por João Dias da Silveira, que destacou a sua concepção sobre os principais pontos que os professores de escolas secundárias deveriam considerar para ensinar conceitos de Geografia, por meio das excursões geográficas, ou seja, das saídas do ambiente habitual das aulas: a sala de aula.

As excursões geográficas também eram estudadas e debatidas principalmente por Delgado de Carvalho, um exemplo disto é a publicação na Revista de Geografia v.3, n. 4, de 1941, do artigo “A Excursão Geográfica" que apresentou as excursões geográficas como parte fundamental do ensino de Geografia, pois através delas os estudantes poderiam fixar e revisar os conteúdos já aprendidos em sala, além de que as saídas extraclasses estimulam os discentes a despertarem o interesse para o estudo da Geografia (Menezes, 2011). Assim, “O segredo do interesse geográfico está no estabelecimento de contatos com a natureza, escolhidos com acerto os fenômenos que se processam sobre a superfície do globo ou sobre ele atuam” (Carvalho, 1941, p. 666).

O autor mencionou a importância do preparo prévio para a realização do campo, determinando os objetivos específicos a serem alcançados durante essa atividade. Era essencial que nas aulas que precedessem o passeio, fosse feito um debate sobre os conteúdos que seriam observados durante o trabalho de campo, pois assim a saída da sala de aula não se torna uma mera atividade recreativa. Além disso, Delgado de Carvalho (1941) ressaltou a importância de uma boa organização da excursão, podendo ser realizada até mesmo por grupos de alunos, coletando nomes, estudando os melhores horários, os transportes e as despesas que terá durante o campo (Menezes, 2011).

O ponto alto da excursão devia ser a interpretação das paisagens geográficas, onde o aluno poderia orientar-se no espaço, ambientar-se e observar na prática os elementos estudados em sala. Para manter a atenção dos alunos durante as atividades de observação, Delgado de Carvalho citou a necessidade que fosse mencionado, previamente, aos estudantes a realização de relatórios pós-campo, deste modo os alunos tendem a registrar a descrição das paisagens, as observações feitas pelo professor durante o campo e principalmente suas dúvidas em relação ao que foi visto (Menezes, 2011).

Na época, as orientações de Delgado de Carvalho, João Dias da Silveira e de uma vanguarda de geógrafos contribuíram para a constituição do currículo de Geografia para as escolas secundárias. No ano de 1935, a Associação de Geógrafos Brasileiros (AGB) decidiu formar uma comissão, entre os nomes dos integrantes destacavam-se os professores Pierre Monbeig, Aroldo de Azevedo e Maria da Conceição Vicente de Carvalho, que se uniram com o objetivo de propor um novo currículo de Geografia, visando a analisar e a questionar aspectos relacionados ao ensino da disciplina até o momento, assim como, apresentar conteúdos, orientações metodológicas e idealizações para a escola secundária. “[...] estava-se estudando, em nível federal, uma reforma do ensino secundário e a AGB não quis alhear-se do assunto vendo, inclusive ali, o momento de propor mudanças benéficas para a Geografia de modo que ela aparecesse como ciência e não aquele arremedo que até então se fazia. A preocupação era a de substituir o antigo sistema puramente de nomenclatura e mnemônico, por uma compreensão científica da matéria, e Monbeig completa: ‘E nestas condições é dever de todos que se interessam pela Geografia, auxiliar os poderes públicos na difícil tarefa de modernizar o ensino’” (Alegre, 2006, p. 216 citado por Mello, Cuani Junior, 2020, p.6).

O novo currículo valorizava a motivação e o desejo de que o aluno buscasse o conhecimento por si mesmo, sendo assim, cabia ao professor instrumentalizá-lo, através de atividades didáticas, a adquirir conhecimentos, além de propor que os professores ensinassem os conteúdos sem excessos e aulas massantes, respeitando o tempo de aprendizagem de cada aluno. Também observa-se que a partir do Decreto 19.890 de 19 de abril de 1931, as instruções para o curso secundário da Geografia passaram a considerar que “O ensino deve ser, quanto possível, realizado no convívio com a natureza, pois que, destarte, se torna apurada a capacidade de observação e ganham os conhecimentos à solidez que só o contacto com a realidade objetiva pode dar”.

Sendo assim, as excursões não deveriam ser compreendidas como meras saídas do ambiente cotidiano escolar, já que possuem o objetivo de trazer um conhecimento novo, não apenas adquirido como também sentido através de suas próprias experiências observadas em campo. Na época era concebido que as excursões possuíam um grandioso valor na aprendizagem e deveriam ser aplicadas com um objetivo definido, a fim de que não seriam apenas passeios de escola ou simples viagens turísticas, mas sim uma importante contribuição para o ensino geográfico do meio. Para isso, João Dias da Silveira propôs três tempos que os professores secundaristas necessitavam pensar para elaborar uma excursão, sendo eles: a preparação, a realização e a volta.

A preparação, como o nome sugere, diz respeito a preparação necessária que o professor deveria realizar com os alunos para que os mesmos não entrassem na região desconhecendo-a completamente. Para Weiss (1962 citado por Batista, 2018) entende-se que na Pedagogia ativa o aluno aprende através do seu conhecimento prévio, sendo assim, nessa etapa o docente poderia elaborar uma aula descritiva expondo os principais aspectos e a problemática a serem analisados durante a saída, podendo utilizar para isso cartas topográficas, fotografias e esquemas, isso faria com que os alunos se sentissem mais à vontade ao entrarem em contato com a área, além de aguçar a curiosidade dos mesmos.

O processo de realização das excursões geográficas possuía como objetivo chamar a atenção dos discentes para os aspectos analisados anteriormente nas aulas. Era fundamental que o professor guiasse os alunos até a solução de suas dúvidas durante a saída, de modo que as explicações fossem apenas relativas, nunca chegando, de fato, até ao problema. A volta também era fundamental, já que durante a excursão o professor colhia materiais suficientes para serem estudados pelos alunos durante as aulas posteriores, de modo que o conhecimento fosse ordenado de tal forma que o problema geográfico exposto, durante a aula de preparação seriam totalmente esclarecidos. Os aspectos analisados, os exemplos colhidos, as observações feitas na excursão serviriam em diversas aulas oferecendo grandes vantagens práticas quando relacionadas a conhecimentos vividos pelos estudantes.

Na visão de João Dias da Silveira as excursões eram pouco utilizadas como técnica de ensino pelos professores no ensino da Geografia à época. Este fato poderia contribuir para que a disciplina perdesse seu aspecto de estudo da realidade imediata, ficando deturpada, falha e desinteressante. Este fato pode ser observado até os dias de hoje como sabemos.

João Dias da Silveira era um apoiador das ideias escolanovistas, acreditando que as atividades desenvolvidas em classe deveriam ser complementadas e demonstradas na prática. Desta forma, oferece no artigo analisado um guia para que os professores de Geografia pudessem incluir nas escolas aulas com as excursões geográficas.

4. Atualidade do pensamento de João Dias da Silveira

A pesquisa visou a problematizar também a atualidade do pensamento do professor Silveira. Assim, durante o ano de 2022 foram aplicadas aulas e atividades com 50 alunos do 2º ano do Ensino Médio, do curso de Meio Ambiente da Escola Técnica “Jacinto Ferreira de Sá”, localizada em Ourinhos/SP. Entre as atividades desenvolvidas, o trabalho de campo foi o foco maior. Ele foi auxiliado por esta pesquisa.

Durante o trabalho de campo foram relacionados temas referentes ao descarte incorreto dos rejeitos urbanos no município de Ourinhos, onde está localizada a escola, assim foi discutido qual poderia ser o destino correto para esses resíduos, em especial para os resíduos sólidos, por meio da reciclagem.

Pensando nessa problemática, a Geografia juntamente com a Educação Ambiental são fundamentais para a sensibilização dos estudantes a respeito da problemática do descarte inadequado dos resíduos sólidos, de modo que consigam observar o problema e estabelecer de forma coletiva medidas viáveis para a solução dos mesmos. Assim sendo, supomos que será possível desenvolver uma consciência crítica que possibilite uma transformação na vida das pessoas.

Para esta pesquisa a participação se deu no momento quando foram realizadas aulas expositivas ministradas pelos pesquisadores da Unesp, onde foi apresentado o Projeto “Nós Propomos!” aos estudantes, assim como quais os seus objetivos e a importância da participação dos mesmos.

Ao longo das aulas de Geografia do primeiro semestre letivo de 2022 foram discutidos temas sobre a diferença entre lixo e resíduos sólidos, quais as categorias que são separados os lixos (orgânicos, recicláveis, volumosos etc), além da importância de realizar o descarte correto dos efluentes conforme a classificação de cada material.

Na primeira etapa da atividade foi solicitado que os alunos tirassem fotos de locais cotidianos onde fosse possível verificar que há o descarte incorreto dos resíduos, essa atividade teve como objetivo aproximar os estudantes do problema que está sendo estudado em aula, para que compreendessem que o tema é recorrente em diversos pontos do município e requer atenção.

Foi ainda elaborado um Caderno de campo com questões a serem observadas e respondidas pelos alunos durante o trabalho de campo. As perguntas do Caderno foram lidas e explicadas aos alunos na aula anterior ao campo, para que fosse possível esclarecer possíveis dúvidas.

O caderno de campo foi encadernado com um total de 16 páginas, tendo local para colocar dados pessoais, recomendações, anotações realizadas pelo grupo e as respostas escritas das questões solicitadas. Procurou-se elaborar o layout de forma que ficasse didática e atrativa para os alunos, sem muitos textos, dando a oportunidade para que os alunos pudessem escrever, desenhar, colocar suas primeiras percepções etc.

Essa primeira etapa constitui o chamado “pré-campo”, ideia fomentada pelo professor João Dias da Silveira, onde é contextualizado aos alunos o tema que será abordado nas próximas aulas, assim como, feitas atividades para que eles tenham conhecimentos prévios e experiências relacionadas ao que será trabalhado durante o trabalho de campo. O autor também verifica a importância dos docentes terem informações e conhecerem o local onde será realizada a visita dos estudantes, assim poderão desenvolver e articular da melhor forma o roteiro do campo.

Para o trabalho de campo proposto para os alunos da ETEC foram escolhidos três pontos para a visitação: Cooperativa de Reciclagem: Recicla Ourinhos (Av. Jacinto Ferreira de Sá, 3546 - Vila Sândano); Praça Presidente Kennedy - Vila Perino; e Lago do Royal Park (Vila Sândalo). Os alunos saíram da escola às 7h30 da manhã com chegada prevista a Cooperativa Recicla Ourinhos às 8h da manhã. Na primeira parte do trabalho de campo na cooperativa, a coordenadora geral realizou uma introdução a respeito do que já havia sido explicado em aulas anteriores: a diferença entre dejetos e resíduos sólidos.

Também foi explicado o processo dos resíduos sólidos até a chegada na cooperativa, ou seja, desde a saída das residências, passando pelo transporte, separação dos resíduos em: papel, plástico, vidro e materiais não recicláveis que acabam chegando até a cooperativa por conta da má separação do lixo doméstico.

O segundo ponto de visita foi à Praça Presidente Kennedy, este local é frequentado por um público grande de pessoas aos fins de semana, já que possui brinquedos para as crianças e diversos food trucks de lanches e porções. A praça havia sido citada na atividade pré-campo como sendo ponto de descarte incorreto de resíduos sólidos, além dos alunos terem observado que o local não possuía um lugar adequado para que fosse jogado os resíduos produzidos, levando em consideração que a praça recebe muitas pessoas e que os lanches e porções oferecidos aos fins de semana geram muitos resíduos, os “lixos” acabavam por ficar jogados a céu aberto em postes ao redor da praça, gerando o chamado “chorume”.

Sendo assim, ao analisarem novamente o local durante o trabalho de campo os alunos notaram que esse espaço ainda permanece sem a quantidade suficiente de lixeiras para suprir a quantidade de lixo que é produzida, além de estar recebendo os resíduos de forma irregular. Foram dados 20 minutos para que os alunos pudessem conversar com moradores e frequentadores da praça para que obtenham informações relacionadas ao descarte do lixo e qual a opinião dessas pessoas sobre essa questão. As respostas foram anotadas no Caderno de campo.

No local foi proposto que os alunos analisem formas para que o problema pudesse ser resolvido, como: mais lixeiras, lixeiras de coleta seletiva, placas de conscientização, além de maior regularidade na coleta.

O último local de visitação durante o trabalho de campo foi no lago do Royal Park este que recebe muitas pessoas, principalmente aos fins de semana em busca de lazer, acaba sendo palco para o descarte irregular dos resíduos, principalmente pacotes de salgadinhos, bolachas recheadas etc.

O local possui a presença de “lixo” próximo às margens do lago, assim como foi observado, em visita prévia, a existência de barquinhos de passeios que aos fins de semana transportam pessoas sobre o lago. Essa prática acaba por prejudicar os animais marinhos, principalmente os gansos que habitam o lago. Na visita foi exposto um breve histórico relacionado a criação do bairro próximo ao rio e como isso influencia na produção de lixo próximo ao lago e, consequentemente, na vida marinha do local.

Foi proposto para que os alunos observassem a presença de lixo, quais os lixos mais encontrados, se há lixeiras de coleta seletiva e se são utilizadas, se eles conseguem notar se nesse ambiente ocorre efetivamente a separação do lixo orgânico do lixo reciclado etc. As observações foram anotadas no caderno de campo. Assim como já havia ocorrido na praça, foi dado 20 minutos para que os alunos conversassem com moradores e frequentadores do lago do Royal Park para que pudessem obter informações relacionadas ao descarte do lixo e qual a opinião dessas pessoas sobre essa questão.

Debateu-se, ainda no local, possíveis ações que podem ser utilizadas para amenizar os problemas causados pelo lixo, sendo citadas: maior quantidade de lixeiras nas margens do lago, com identificação de “orgânicos” e "recicláveis", projetos de limpeza e conscientização da população.

Ao final do trabalho de campo retomamos as convicções sobre o que João Dias da Silveira se referia ao trabalho de campo. Concluímos que na atualidade, assim como na década de 1930 esta técnica de ensino é parte essencial na constituição dos conhecimentos geográficos e dinamiza a aprendizagem dos estudantes, já que une os conhecimentos já adquiridos por eles por meio dos conteúdos abordados em sala de aula podem ser observados, confrontados e questionados. As atividades realizadas até o momento do campo trouxeram uma abordagem próxima da realidade que os estudantes estão habituados. Assim, procuramos envolvê-los em cada fase do projeto, desde a escolha dos locais que poderiam ser visitados até as discussões na construção de uma análise crítica sobre as consequências do descarte inadequado do lixo urbano e a busca por soluções possíveis para o problema identificado pelos estudantes.

5. Considerações Finais

João Dias da Silveira foi um professor e geógrafo que ofereceu diversas contribuições para a área acadêmica, como docente e gestor de universidades reconhecidas no Brasil, além de ter oferecido aos professores secundaristas possibilidades de pensar a Geografia para além dos moldes tradicionais.

Por muitos anos as metodologias ativas e processos ativos de ensino não estavam presentes nas salas de aula e os professores pouco sabiam como direcionar suas aulas fora do modelo tradicional. João Dias da Silveira foi um dos precursores desse modelo de ensino, que incentivava com que os alunos compreendessem os conceitos geográficos através das saídas a campo, ampliando os já estudados em sala de aula.

Para que fosse possível aplicar as excursões geográficas nas aulas de Geografia do ensino secundário, João Dias da Silveira elaborou um roteiro com os principais pontos sugeridos para o planejamento de um trabalho de campo, contendo: o pré-campo, as observações durante a excursão e a volta da mesma, oferecendo os docentes meios e materiais que podem ser utilizado para a realização dessa atividade extraclasse que irão oferecer aos alunos maior aprendizado e compreensão dos temas abordados nas aulas de Geografia.

Ao fomentar uma reflexão sobre a atualidade do pensamento de João Dias da Silveira verificamos que a técnica de ensino valorizada por ela na década de 1930 pode estar viva nas escolas caso elas ofereçam aos professores e alunos condições de sua realização. Um elemento dificultador é o custo do transporte necessário. No caso desta pesquisa foi investido o valor de R$ 1.000,00 para locação do transporte terrestre dos estudantes. Este valor foi financiado pela Pró-reitoria de Extensão Universitária e Cultura (PROEC) da UNESP. Observou-se também que alguns aspectos permanecem vantajosos como o roteiro de campo, por outro lado, a técnica de ensino atualmente é favorecida pela tecnologia que permite aos professores e alunos o uso de aparelhos celulares para registros pedagógicos, localização e busca de informações.

6. Apoios

PROEC/UNESP e Processos n. 2019/24054-9 e n. 2022/05527-6, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

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Recebido: 30 de Março de 2023; Aceito: 30 de Setembro de 2023

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