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New Trends in Qualitative Research

On-line version ISSN 2184-7770

NTQR vol.13  Oliveira de Azeméis Sept. 2022  Epub Sep 08, 2022

https://doi.org/10.36367/ntqr.13.2022.e706 

Artigo original

Percepção de acadêmicas do curso de estética e cosmética sobre a gordofobia

Perception of academics from the aesthetics and cosmetics course on fatphobia

Jorgianna Letícia Ribeiro Braga1 
http://orcid.org/0000-0002-5318-657X

Cristina de Santiago Viana Falcão1 
http://orcid.org/0000-0001-9773-2301

Ana Maria Fontenelle Catrib1 
http://orcid.org/0000-0002-2088-0733

Aline Barbosa Teixeira Martins1 
http://orcid.org/0000-0002-1330-3401

Luara da Costa França1 
http://orcid.org/0000-0002-3080-5163

Mariza Araújo Marinho1 
http://orcid.org/0000-0002-2039-3599

1Universidade de Fortaleza, Brasil


Resumo:

Objetivo: Analisar a percepção de acadêmicas do curso de Estética e Cosmética sobre a gordofobia. Metodologia: Trata-se de um estudo qualitativo realizado em uma Universidade particular do município de Fortaleza/CE com cinco acadêmicas do curso de Estética e Cosmética. A coleta foi realizada por meio de uma entrevista semiestruturada e individual, e após transcrição e análise das falas de acordo com Minayo, emergiram as seguintes temáticas: Definição de gordofobia; Inserção no espaço acadêmico do curso; Situações gordofóbicas sofridas no ambiente acadêmico, e Conscientização no combate a gordofobia. Resultados: A análise das falas despertou para a definição de gordofobia como preconceito e o julgamento das pessoas em relação ao corpo “gordo”, principalmente as alunas com formação em Estética e Cosmética por serem “modelos” para seus clientes, ressaltando essa característica física desde o período de formação acadêmica até a inserção no mercado de trabalho. Considerações Finais: As acadêmicas do Curso de Estética e Cosmética participantes da pesquisa vivenciaram e/ou presenciaram algumas formas de gordofobia, resultando na importância da conscientização dos futuros profissionais da estética e de seus clientes sobre a gordofobia pois, muitas vezes, as acadêmicas se sentem pressionadas a adequação aos padrões impostos para se apresentarem como “modelo” para seus clientes.

Palavras-chave: Preconceito de peso; Gordofobia; Estética; Imagem corporal; Feminismo.

Abstract:

Objective: Analyze the perception of academics of the Aesthetics and Cosmetics course about fatphobia. Methodology: This is a qualitative study carried out at a private university in the city of Fortaleza/CE with five academics from the Aesthetics and Cosmetics course. The collection was carried out through a semi-structured and individual interview, and after transcription and analysis of the speeches according to Minayo, the following themes emerged: Definition of fatphobia; Insertion in the academic space of the course; Fatphobic situations suffered in the academic environment, and Awareness in the fight against fatphobia. Results: The analysis of the speeches led to the definition of fatphobia as prejudice and the judgment of people in relation to the "fat" body, especially students with a background in Aesthetics and Cosmetics for being "models" for their clients, emphasizing this physical characteristic since the period of academic formation until the insertion in the job market. Final Considerations: The academics of the Aesthetics and Cosmetics Course participating in the research experienced and/or witnessed some forms of fatphobia, resulting in the importance of raising awareness of future aesthetic professionals and their clients about fatphobia because, often, academics feel pressure to adapt to the imposed standards to present themselves as a “model” for their clients.

Keywords: Weight Prejudice; Fatphobia; Aesthetics; Body Image; Feminism.

1.Introdução

Os corpos atualmente necessitam de uma diversidade de cuidados, transformando-se em objetos de adoração E essa busca pelo corpo perfeito para satisfazer outras pessoas e a si mesmas, inúmeras pessoas se sujeitam a variados métodos de modificação corporal. Dessa forma, nem todos os corpos são aceitos. Os corpos desejados e acolhidos são magros e jovens, e todos objetivam tê-los dessa forma para se considerarem respeitados (Ferreira, & Carneiro, 2014). De forma geral, a não aceitação social de pessoas que se encontram acima dos índices de gordura corporal aceitos, é chamada de gordofobia. Uma aversão que se manifesta em forma de desrespeito às pessoas gordas, na fobia que a sociedade possui em engordar ou quando uma pessoa gorda passa por esse preconceito devido a sua forma física (Vaz, Sanchonete, & Santos, 2018). Existe um aumento significativo de discussões a respeito de dificuldades ligadas ao padrão estético, gordofobia e autoimagem, graças aos movimentos sobre a necessidade de se trazer isso à tona (Rocha, Santos, & Maux, 2019). Santolin, & Rigo (2012) afirmam que na história ocidental, várias palavras foram e ainda são usadas para categorizar pessoas consideradas como portadoras de qualquer condição que ultrapasse uma quantia de gordura corporal ou limite de volume, como: gordo, obeso ou corpulento. Segundo Rangel (2018), a gordofobia “é utilizada para denominar o preconceito, estigmatização e aversão englobados por meio de uma opressão estrutural na sociedade que atinge as pessoas gordas”. É uma forma de discriminação estruturada e disseminada nos mais variados contextos socioculturais, consistindo na desvalorização, estigmatização e hostilização de pessoas gordas e seus corpos. As atitudes gordofóbicas geralmente reforçam estereótipos e impõem situações degradantes com fins segregacionistas; por isso, a gordofobia está presente não apenas nos tipos mais diretos de discriminação, mas também nos valores cotidianos das pessoas (Silva, & Cantisani, 2018). A pesquisa se torna relevante devido a necessidade em conhecer, como as acadêmicas do curso de Estética e cosmética percebem o preconceito com as pessoas gordas, durante a sua formação, entre os pares e nos atendimentos de seus paciente/clientes. Questiona-se sobre a perpetuação de padrões estéticos impostos pela sociedade, reforçando o discurso gordofóbico. Diante do exposto, objetivou-se analisar a percepção das acadêmicas do curso de Estética e cosmética sobre a gordofobia.

2.Métodos

Trata-se de um estudo qualitativo realizado em uma Universidade particular do município de Fortaleza. A coleta foi realizada no mês de março de 2020. Participaram da pesquisa cinco acadêmicas do curso tecnológico de Estética e cosmética. Destaca-se que esse quantitativo de participantes, resultou do início da pandemia, pois a partir do dia 16 de março a universidade parou as atividades presenciais. Segundo Bogdan, & Biklen (1994) os dados adquiridos com aproximadamente esse quantitativo passam a ter semelhanças e diferenças que em virtude da repetição de conteúdo, passam a não promover novas compreensões para a pesquisa. Foram incluídas no estudo acadêmicas do curso de Estética e Cosmética, independente do índice de massa corpórea e do gênero, devidamente matriculado(a) na Instituição de ensino superior (IES). Aqueles estudantes que por motivos de saúde e/ou viagem e/ou outros compromissos não estavam em atividades na universidade, no momento da coleta de dados, contemplaram os critérios de exclusão. A divulgação da pesquisa foi realizada por meio de visitas às salas de aula, com autorização do(a) professor(a), ao término das aulas. As pesquisadoras apresentaram o tema e os objetivos da pesquisa, e disponibilizaram o telefone para agendamento das entrevistas, de acordo com a disponibilidade dos(as) participantes e das pesquisadoras. Após a triagem dos(as) voluntários(as), informou-se sobre o dia, horário e local das entrevistas, em destaque, a importância da leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em duas vias, autorizando sua participação, seguindo as orientações dispostas na Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 2012) com parecer nº 3.773.907. As entrevistas foram agendadas e realizadas em uma sala reservada e silenciosa para essa atividade, onde estavam presentes somente as pesquisadoras e o(a) entrevistado(a). Para coleta dos dados, utilizou-se um instrumento semiestruturado e individual, com perguntas objetivas constando dados sociodemográficos, se estava satisfeito(a) com seu corpo (resposta sim ou não), o preenchimento da escala de silhuetas refletindo sobre sua imagem corporal e a imagem que classifica como gorda. A escala de silhuetas de Stunkard, Sorensen, & Schulsiger (1983) é composta por um conjunto de figuras humanas numeradas de 1 a 9, independente do sexo, que representam desde a magreza (silhueta 1) até a obesidade severa (silhueta 9), organizadas em quatro categorias: silhueta 1-delgada; silhuetas 2 a 5- normal; silhuetas 6 e 7- sobrepeso; e silhuetas 8 e 9 - obesa. O guia de temas a respeito da gordofobia foi utilizado para direcionar a entrevista e a gravação se deu por meio de celular Lenovo Vibe k5. Após as entrevistas, realizou-se a transcrição das falas na íntegra. Os dados sociodemográficos e a análise da escala de silhuetas foram analisados de forma descritiva, sendo está última disposta em tabela. Para exploração das respostas das voluntárias, aplicou-se a análise temática defendida por Minayo (2010), contemplando as três fases (investigação temática, exploração, interpretação referencial). A investigação temática, por sua vez, consiste funcionalmente de três estágios: (1) pré-análise, (2) exploração do material; (3) análise das respostas obtidas e interpretação. A segunda fase da exploração é denominada de descrição analítica, averiguação do material. Nesse momento é feito uma profunda leitura dos dados coletados, como leitura, especificação e categorização, direcionadas pelos representativos teóricos. A última fase de análise é caracteriza por interpretação referencial e/ou interação com os resultados obtidos e entendimento. Esse estágio ganha proporção a partir das interações com os contextos não visuais (a linguagem, o contexto histórico) para entender seus aspectos sociais, da sua tese, sua especialidade e suas características. Destaca-se que a análise foi realizada por duas pesquisadoras, e em seguida, eleitas as categorias temáticas: Definição de gordofobia, Inserção no espaço acadêmico do curso, Situações gordofóbicas sofridas no ambiente acadêmico e Conscientização no combate a gordofobia. A partir do método de análise qualitativa, as falas das voluntárias foram organizadas por temas, possibilitando uma análise de forma mais clara. Utilizou-se siglas (P1, P2, P3, P4 e P5), sendo P (participante) e os números referente a entrevista 1, 2. respectivamente, com o objetivo de garantia de anonimato das participantes.

3.Resultados e discussão

Participaram da pesquisa cinco estudantes do curso tecnológico de Estética e Cosmética de uma IES em Fortaleza- Ceará- Brasil, com faixa etária entre 19 e 33 anos, sendo todas do gênero feminino e quanto ao estado civil, quatro (4) solteiras e uma (1) casada. As acadêmicas foram questionadas quanto às suas percepções sobre a própria imagem corporal, tendo como base a imagem corporal segundo Stunkard, Sorensen, & Schulsiger (1983), onde quatro (n=4) participantes responderam estar insatisfeitas com o próprio corpo, mas apontando a silhueta como normal, variando entre as imagens 2 e 5 (n=3) e somente uma delas apontou a silhueta 6 referente ao sobrepeso. Destaca-se que a participante P2 apresenta-se satisfeita com sua imagem corporal, referindo a silhueta 6, que caracteriza o sobrepeso, quando menciona a sua autoimagem (Tabela). Quanto à classificação sobre como a pessoa gorda pode ser definida, percebe-se que todas as participantes apresentaram, o mesmo padrão corporal, apontando as silhuetas 6 (n=3) e 7 (n=2), referentes ao sobrepeso (Tabela 1).

Tabela 1 Avaliação da imagem corporal e classificação quando a gordura, segundo a escala de silhuetas. (n=5) , 2020. 

Após a interpretação, de forma descritiva, dos dados sociodemográficos, da autoimagem e a representação do corpo gordo de acordo com a escala de silhuetas, seguiu-se para a análise das falas que por meio das temáticas apresentadas, sendo a primeira delas, definição de gordofobia.

4.Definição de gordofobia

A entrevista iniciou com o questionamento às acadêmicas sobre o que elas entendiam por gordofobia. As respostas resultaram na gordofobia como a discriminação de pessoas gordas. No entanto, uma participante definiu a gordofobia correlacionando com a dificuldade que as pessoas acima do peso apresentam para seguir os padrões de beleza da sociedade. Dentre as participantes que definiram a gordofobia como uma forma de preconceito, percebe-se as seguintes falas:

“Eu acho que é o simples… não o simples fato, mas tipo assim, simplesmente menosprezar uma pessoa, duvidar da capacidade dela só porque ela é gorda, meio que subjugar só porque ela é gorda.” (P2, 19 anos).

“É o preconceito contra as pessoas que são acima do peso, independente de qualquer fator.” (P4, 19 anos).

A sociedade experiência um período de gordofobia generalizada, as pessoas gordas estão suscetíveis a desumanização dos seus corpos. Neste caso, o termo gordofobia é geralmente utilizado para caracterizar sistemas de opressão que se referem aos corpos gordos, mostrando a desvalorização, hostilização e estigmatização das pessoas gordas, que se dão de diversas formas (culturais, médicos, sociais e mediáticos) para manter corpos com modelos socialmente aceitáveis e admirados, como corpos hipertróficos ou magros. Deste modo, a gordofobia acontece através de meios de discriminação social dos indivíduos que não se encaixam no padrão corporal de beleza classificado ideal, possuindo como contribuição o discurso do apelo estético e da medicina, fortalecendo o domínio destes corpos frente aos padrões atuais (Araújo, Coutinho, Alberto, Santos, & Pinto, 2018). A rotulação e a desvalorização de corpos gordos podem ser explicadas por vários preconceitos que presumem que pessoa gorda é sem controle, deprimida, descuidada e fracassada. Pré-julgamentos tão automáticos que as próprias pessoas gordas associam uma figura de si incapaz e doente. Outro pensamento gordofóbico é o da incapacidade física do corpo gordo, que é constantemente visto como preguiçoso, sedentário e inapto de praticar atividades físicas. Essa exclusão é naturalizada até pelas pessoas gordas, no entendimento de que seus próprios corpos não devem ser vividos, a todo momento procurando maneiras de fugir dele na incessante obrigação ou oportunidade de emagrecer, pois ser gordo é um defeito reversível (Paim, & Kovaleski, 2020). Quanto a participante que correlacionou a gordofobia com a dificuldades de seguir padrões estéticos, pode-se observar a seguinte fala:

“Eu acho que há pessoas que realmente são gordinhas né, que pra sociedade hoje em si não é fácil, porque hoje tem aquela o padrão né. Vamos dizer o padrão de beleza atual da mulher brasileira, acho que é isso.” (P1, 28 anos).

Para a grande maioria da sociedade, nota-se uma grande dificuldade em se definir o que é a gordofobia e de que forma ela é construída e usada. Na cultura contemporânea, corpos gordos são objetos de rotulação. Viver em um corpo excedente não é fácil nos dias de hoje: espaços são diminuídos, objetos são feitos para serem menos pesados, leveza e velocidade se tornam princípios valorizados e palavras de ordem. Gordos não são acolhidos em lugares públicos como em catracas de metrôs, roletas de ônibus, portas giratórias de bancos, as poltronas, dentre outros. Essas pessoas também passam por um cenário dramático para se vestirem: a grande maioria das marcas de moda tradicionais produzem apenas roupas que no máximo vão até as numerações 46 ou 48 (Aires, 2019). Uma outra questão que reforça esse padrão estético são as mídias, redes sociais e revistas que influenciam, de modo indireto ou direto, a exigência da busca incessante pelo corpo tido como perfeito, a fim de se ter maior aceitação social e pessoal. A importância que a sociedade dá ao padrão de beleza direcionado ao corpo magro que, aparentemente jovem, fortalece o ambiente sociocultural de que se tem que perder peso e rejuvenescer a todo custo, causando ansiedade na sociedade, que dá forças a um mercado de produtos cosméticos e dietéticos que está em constante crescimento e procedimentos cirúrgicos (Fort, Skura, & Brisolara, 2016).

5.Inserção no espaço acadêmico do curso

O sentimento de pertença e a inserção no espaço acadêmico do curso de Estética e Cosmética, se apresenta desafiador na visão das entrevistadas, tendo em vista que as profissionais em formação se sentem pressionadas a apresentar um corpo dentro dos padrões estéticos. Deifelt (2019) aponta que as mulheres são levadas a uma obsessão devido à valorização pela sua aparência. O culto ao corpo tem como efeito colateral a eterna insatisfação com o próprio corpo e a procura pela fonte da juventude que as cirurgias plásticas e os cosméticos prometem. Percebe-se que as acadêmicas se sentem pressionadas a estarem em um padrão no espaço acadêmico, como segue na fala abaixo:

“Assim, a gente sabe que o nosso curso de Estética tem tipo uma pressão né, porque todo momento dos workshops que a gente vai participar a gente vê que o pessoal fala muito nisso, que a gente tem que cuidar da imagem, que a gente é o espelho do nosso paciente, e aí a gente se sente um pouco…. às vezes pressionada né? então não adianta eu falar assim “Não, a gente tá inserida.” não tá, a gente sente uma pressão.” (P5, 33 anos).

“As vezes sim às vezes não, depende….. tipo assim, depende do assunto que é tratado entendeu tipo assim, tem alguns assuntos que é super tranquilo mas tem outros, é meio que mais complicado.” (P2,19 anos).

Existem algumas disciplinas do curso de Estética e Cosmética que não objetivam o corpo perfeito, como a Massoterapia, Drenagem Linfática Manual, Terapias de SPA, dentre outras. Na disciplina Psicologia, conteúdos que contemplam pressão estética são discutidos durante as aulas. Percebe-se que a frequência de falas gordofóbicas apresentadas pelas estudantes tem se apresentado menor, favorecendo a conscientização corporal. A gordofobia no meio acadêmico é mais “normalizada” entre os cursos da área da saúde, devido à preocupação excessiva com o corpo e a relação entre corpo gordo e indivíduo doente. Uma pesquisa experimental do tipo estudo de caso realizada por Claro, Falbo, Cristine, Balbuena, Lima, Caccavo, & Tavares (2015) teve como finalidade quantificar a satisfação com a auto imagem corporal de 19 alunas dos 1º e 2º semestres do curso de graduação de Educação Física de uma universidade. O resultado do questionário apresentou que o grau de preocupação moderada com a aparência física foi maior quando comparada com aquelas que apresentava preocupação de forma acentuada, leve preocupação e nenhuma preocupação. Embora tratando-se de pessoas cursando o nível superior em Educação Física, continuou claro que vários não se julgam dentro dos padrões relacionados a quem é profissional de Educação Física, porém apesar disso, não atrapalha em fazer as atividades e fazer parte dos eventos do curso. A observação dos próprios profissionais da saúde para preservar seu “peso apropriado” deve-se ao fato de precisarem ser exemplos para os pacientes. Consequentemente, é necessária uma formação em saúde que oriente os profissionais a comprometer-se com seu conhecimento, com as pessoas e seus lugares de vivências, preparados para pesquisar os motivos sociais que aumentam a formação das violações de direitos, desigualdades e da desumanização de certos grupos (Silva, & Cantisani, 2018).

6.Situações gordofóbicas sofridas no ambiente acadêmico

As acadêmicas foram questionadas quanto a possíveis situações gordofóbicas vivenciadas ou observadas no ambiente acadêmico. Uma participante afirmou não ter sofrido por ser magra, mas a maioria das participantes relataram ter vivenciado tais situações. Algumas mulheres podem ter dificuldade em reconhecer alguma atitude gordofóbica que sofreram ou presenciaram, por ser um preconceito bastante comum e enraizado na sociedade. Arraes (2014) discute que a própria resistência social pode ser vista na dificuldade em se encarar a gordofobia e reconhecê-la como preconceito. Isso ocorre porque é conveniente criticar e constranger quem é gordo, sendo considerado normal fazer comentários opressores a respeito do que a pessoa gorda come e usar esses costumes intrusivos como desculpas para uma preocupação hipócrita com a saúde do indivíduo gordo. Essa obsessão com a saúde do gordo evidencia possíveis atitudes gordofóbicas, visto que se presume que aquela pessoa tem a saúde problemática apenas por ser gordo, ao mesmo tempo que indivíduos magros não são questionados e interrogados em relação aos seus níveis de glicose ou colesterol. A princípio, o magro é considerado saudável culturalmente, independente de outras causas. A participante que relata não ter vivenciado nenhuma situação gordofóbica afirma o seguinte:

“Não, (Eu) nunca passei porque eu sempre fui magrinha né, mas se eu passar, me colocando no lugar de quem é gordinha, se eu fosse gordinha eu realmente ia debater isso porque é uma das coisas que precisa ser debatida e no nosso curso existe muita essa vertente né, que as gordinhas não podem superar as magras mas eu acho que tem tudo a ver, por que não uma gordinha na parte da estética né?.” (P1, 28 anos).

As participantes que relatam ter passado por situações gordofóbicas tem as seguintes falas:

“Várias piadas a meninas soltando, mas tipo, como muitas delas já passaram por situações parecidas, não é nada agressivo, são só comentários, piadas, mas mesmo assim afeta.” (P4, 19 anos).

“Sim, tipo assim, não é querendo “passar pano”, mas tipo, parece que é mais desinformação ou não vontade de entender. Mas já sim, porque falaram tipo, ficam meio que menosprezando algumas coisas, falando que tem que fazer tal coisa, ter tal padrão pra se inserir no mercado de trabalho.” (P2, 19 anos).

As pessoas gordas são mais suscetíveis a serem objetos de piada e ridicularizadas, principalmente se essa pessoa for do sexo feminino (Bennett, Wagner, Obleada, & Latner, 2019). A pressão estética sofrida pelas mulheres estimula a procura de intervenções estéticas. Os profissionais que trabalham na área da estética necessitam saber que os tratamentos não são apenas superficiais, pois podem representar uma modificação no padrão de vida de muitas pessoas. Quando se busca entender o comportamento social de quem procura incessantemente a perfeição, é importante levar em consideração a cultura como seu grande responsável (Barros, & Oliveira, 2017). Diante desse contexto, o atual sistema econômico se fundamenta no consumo e comercialização do físico e da aparência socialmente aceita. Os padrões estéticos desse modo se tornam mais fortes com o avanço capitalista, uma vez que, a formação dos padrões estéticos está atrelada em construções históricas e culturais (Rezende, Nascimento, & Alves, 2018).

7.Conscientização no combate a gordofobia

Por fim, as acadêmicas foram questionadas em relação a importância sobre o combate a gordofobia. As respostas resultaram em dois padrões, na importância da militância e na dificuldade em conscientizar as pessoas, como nota-se por meio das falas:

“Difícil viu, é uma pergunta bem complexa.” (P3, 20 anos).

“Assim, como eu nunca passei por isso né, ai eu não sei como reagir mas assim, provavelmente se eu me sentisse assim eu geralmente fico na minha, eu não costumo bater boca.” (P5, 33 anos).

Devido à falta de estudos e orientações sobre o assunto, torna-se difícil a conscientização sobre os efeitos da gordofobia. Na percepção de outras estudantes se destacam a importância de se dialogar usando a militância, como pode-se perceber:

“Tipo… militância, eu acho que militância é a melhor forma de fazer, é… conscientizar as pessoas, porque muito disso é falta de informação e agressividade nos comentários.” (P4, 19 anos)

“Militando. Eu tento trazer esse assunto pro dia-a-dia, conversar com as pessoas que estão próximas a mim pra meio que conscientizar. “ (P2, 19 anos).

O Feminismo é então um movimento criado para se reivindicar, debater, protestar e que se tem como objetivo o fim da repressão e desigualdade de gênero, decorrente de uma sociedade patriarcal que inferioriza as mulheres (Silva, & Silva, 2019). É uma forma militância que tem uma grande influência sobre o empoderamento das mulheres e na luta do combate a gordofobia. Nos últimos tempos, a padronização do corpo feminino vem passando por “quebras” estimuladas pelos movimentos feministas, que apresentam discussões de gênero e transformaram o corpo em um importante objeto político de luta por direitos. Os movimentos feministas atuais são divididos, de forma a abranger todos os corpos femininos, como os brancos, gordos, negros, heterossexuais, homossexuais, bissexuais, com deficiência, transgêneros, cisgêneros e indígenas, com o objetivo de que cada mulher possa lutar com especificidade por suas causas individuais e também por uma causa coletiva, ao mesmo tempo que se entendem parte de um grupo social grandemente discriminado, o de mulheres (Gómez, & Rocha, 2018). Vive-se em um período em que o corpo excluído está saindo de um lugar de invisibilidade e procura um espaço que possa ser notado e aceito pela sociedade. Se tem um fortalecimento que emerge desse corpo, sua pluralidade, sua independência e suas relações sociais. As ações complexas desenvolvidas em massa provocam sinais que surgem nas alterações de comportamento, provocando assim uma movimentação que torna central quem estava marginalizado: os corpos gordos (Nechar, 2018). O estudo apresentou limitações, considerando que a divulgação da pesquisa iniciou em março de 2020, contemplando um número pequeno de entrevistadas, tendo em vista o início da pandemia Covid-19 e a necessidade de distanciamento social.

8.Considerações finais

Percebe-se que as participantes da pesquisa definem gordofobia como sendo a aversão que algumas pessoas apresentam sobre corpos que estão acima do peso e esse preconceito, algumas vezes, está presente durante formação acadêmica do curso de Estética e cosmética, pois as mesmas referem se sentir pressionadas a estar dentro dos padrões impostos pela sociedade, considerando que é um curso que cuida de aspectos voltados para saúde, beleza e bem-estar. Destaca-se a importância de momentos de discussão e conscientização sobre o combate a gordofobia que, atualmente, são promovidos pela instituição de ensino superior, onde se realizou a pesquisa, em parceria com outros cursos do centro de ciências da saúde.

9.Referências

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Recebido: 01 de Fevereiro de 2022; Aceito: 01 de Abril de 2022

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