1.Introdução
A cultura cigana mistura mistério e arte no mundo ocidental. Pensar na dança como uma proposta de reinventar o envelhecer foi o objeto desse estudo. A dança contempla para muitos a representação e o aprendizado. O aprendizado de coreografias, de novas culturas e de uma prática artística que é capaz de resgatar o feminino e implementar novos significados nas mulheres, permeando o imaginário social e coletivo daqueles que praticam e daqueles que permanecem como expectadores. A imagem de uma Deusa é um símbolo importante para as mulheres enquanto procuram a tradição da dança sagrada, essa sacerdotisa é uma mulher real com a qual se busca uma identificação (Stewart, 2016). Esse estudo apontou a possibilidade de reinvenção no envelhecimento com propostas de novos aprendizados, necessidade de pertencimento e convívio social. Foi objeto das observações a forma como indivíduos ressignificam objetos, rituais e linguagem, com a intenção de se apropriar dos mesmos; além da busca pela sensação de pertencimento, de espaço/lugar para socializar (Certeau, 2014; Tuan 1903). Na forma como envelhecemos é possível desvelar sempre dois lados, um que poderá direcionar para a saúde, mantendo propósitos de vida, e outro que poderá levar ao adoecimento, aos padrões mentais destrutivos e comportamentos negativos. A diferença está no modo como a consciência se torna condicionada, ou treinada, pelas atitudes, pressuposições ou crenças (Chopra, 1994). A proposta do estudo foi inserir o aprendizado das danças ciganas e outras danças orientais como prática artística e terapêutica em uma Casa de Terapias Naturais e Práticas Corporais. A estratégia foi apresentar as tradições e culturas, implementando a dança como condição terapêutica, na recuperação, promoção e prevenção da saúde mental e física dos participantes. Para isso, foram estruturadas e implementadas coreografias semanalmente ensaiadas com o uso de vestimentas apropriadas, com o objetivo de permitir a aquisição de novos sentidos e significados ao envelhecimento através da dança. O grupo foi organizado e acompanhado pela Terapeuta Ocupacional que integra a equipe de profissionais na Casa. O estudo permitiu possibilidades de intervenções terapêuticas no cotidiano dos idosos, ampliando suas perspectivas, que passaram a ter uma ocupação com a confecção das peças utilizadas nas coreografias. Além disso, observou-se um resgate da autoestima e recuperação dos agravos a saúde mental de alguns integrantes que apresentavam depressão, síndrome do pânico e transtorno de ansiedade. As observações demonstraram participantes proativos e protagonistas na busca de uma vida mais plena e autônoma. As evidências científicas apontam que o fenômeno da medicalização se tornou uma constante no campo da saúde física e mental, demonstrando a existência de um cuidado fragmentado e não legitimado pelas práticas de humanização e acolhimento aos indivíduos (Bezerra et al., 2014). A aspiração, a atividade, o propósito definem o homem e o libertam. A luta para reinventar e moldar o futuro nos faz romper o ciclo da repetição biológica, de um cotidiano inexpressivo e repetitivo. O homem se torna livre e com poder de escolhas, ao realizar algo concreto, baseado na sua busca pela liberdade e autonomia (Beauvoir,1990).
2.Método
O estudo foi de natureza descritiva com abordagem qualitativa. A coleta de dados foi realizada pela observação participante, que segundo Fernandes (2011) permite a interatividade entre o pesquisador, os sujeitos observados e o contexto no qual eles vivem. Utilizou-se também uma entrevista semiestruturada, com as seguintes questões norteadoras: “O que despertou seu interesse no aprendizado dessas danças?”, “O que esperava obter com a inserção nas práticas”, “Qual (is) foram os pontos positivos e negativos com o aprendizado?”
2.1 População e local de estudo
Idosos integrantes de uma Casa de Terapias Naturais e Práticas Corporais (CTNPC), localizada no bairro de Curicica - Rio de Janeiro, totalizando 10 participantes. A CTNPC pertence ao Sistema Único de Saúde e oferece práticas integrativas e complementares como: grupos de equilíbrio, práticas corporais (exercícios de Qi Gong), meditação, auriculoterapia, constelação familiar, artesanato, reiki, dança terapêutica entre outras. A apresentação das danças na modalidade de dança oriental, partiu da demanda do grupo de participantes mulheres, que frequentavam o espaço e que foram sensibilizadas pelas autoras a (re) inventarem seus cotidianos. Todas as participantes que integraram o grupo estavam aptas a frequentá-lo não havendo impedimento físico para a prática de terapias corporais. Dessa forma, as etapas incluíram a confecção do vestuário, noções de cultura e tradições das danças orientais, ensaios e apresentações com coreografias. Foram realizados 10 encontros com observação participante, para investigar os atores sociais em suas atividades práticas. A técnica além de possibilitar a imersão da pesquisadora no campo de investigação, pode fazer emergir significados que contribuíram na elucidação das questões que nortearam o estudo. As observações foram acompanhadas de registros fotográficos. Quanto aos critérios de inclusão e exclusão, foram incluídos idosos e participantes que integram a CTNPC, que estavam aptos para realizar atividades corporais e que manifestaram o desejo de inserção no projeto. Foram excluídas os idosos que integram a CTNPC, realizam as práticas integrativas e complementares, porém não desejavam a inclusão no projeto. O estudo foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa sob o número CAAE N º 18093519.9.0000.5284. Utilizou-se o método do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), pois possibilitou a organização e tabulação de dados qualitativos de natureza verbal, obtido através dos depoimentos. A escolha deste tipo de abordagem justificou-se, porque a pesquisa teve a intenção de ouvir os discursos socialmente compartilhados (Lefevre & Lefevre, 2010). Quando as ideias são compartilhadas, é natural que essas mesmas ideias se repitam entre os sujeitos entrevistados, neste caso o uso da estratégia, propôs demonstrar o quanto esses discursos se repetem entre os entrevistados. O roteiro de entrevistas com perguntas semiestruturadas permitiu que o pesquisador tivesse uma flexibilidade maior, favorecendo as intervenções (Minayo, Assis & Souza, 2005). Pelo Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) foi possível dar voz aos autores, que expressaram os sentimentos e as percepções experimentadas com a dança e a representação, no resgate da autoestima e das propostas de reinvenção na vida cotidiana. Foram utilizadas três figuras metodológicas: a Ideia Central, as Expressões chave e o Discurso do Sujeito Coletivo. Os discursos foram gravados e transcritos na íntegra.
3.Resultados e Discussão
Participantes predominantemente do sexo feminino, havendo somente um representante do sexo masculino, com idade que variou de 18 a 86 anos, o grupo teve como característica a intergeracionalidade, com a participação de mulheres jovens e de mulheres com idades que variaram de 40 a 86 anos.
3.1 Análise dos Discursos dos Sujeitos Coletivos - Participantes da dança
A primeira pergunta realizada aos participantes foi o que despertou seu interesse no aprendizado dessas danças? Como produto, três IC foram desenvolvidas. De acordo com as IC (Quadro 1), destacamos os seguintes significados: O sonho, o que foi abandonado, a necessidade de concretização de algo que se tornou impossível. “Eu sempre sonhei em fazer dança cigana, nunca pude bancar”. A valorização do movimento e do exercício ao corpo. A alegria, a necessidade de pertencimento e acolhimento. Para alguns caracterizada também pelo contentamento, alegria em conviver e vontade de socializar. O olhar sobre o cuidado em saúde, possibilitou ressignificar espaços. Nesse contexto, as práticas corporais, como a dança, além de ser um cuidado às pessoas, pela atividade física e pelo movimento, incorpora saberes que organizam as relações humanas, na produção de vínculo, autonomia e acolhimento (Mehry, 2007). É necessário abandonar o paradigma cartesiano de que a mente está separada do corpo e do mundo social. O indivíduo se reúne com o propósito de interagir e de se envolver profundamente com seu eu, de maneira que possa se identificar com um determinado papel, instituição ou grupo como forma de garantir interação social (Goffman, 2014). O espaço onde realizam a dança é terapêutico, pois permite a socialização e a sensação de pertencimento. Tuan (1983) estabelece a relação entre espaço e lugar, afirmando que o espaço que inicialmente é indiferente, transforma-se em lugar na medida que o conhecemos, nos tornando íntimos, associando a ele um valor. O DSC primeira IC (Quadro 1) refere a concretização de um sonho abandonado na juventude. Goldenberg (2015) cita alguns aspectos positivos do envelhecimento, afirmando serem os mais relevantes nos discursos de suas pesquisas, dentre eles, citamos: Encontrar um projeto de vida, identificar o significado da existência, conquistar a liberdade, cultivar amizades, viver intensamente o momento, aceitar a idade e dar muitas risadas. Enquanto jovens, na maioria das vezes, inicia-se a vida com a necessidade de ganhar a autonomia, não como um poder de escolha, mas como uma imposição socioeconômica e cultural. Como forma de garantir o sustento, cumprir as obrigações de um mundo supostamente sólido; casar-se, ter filhos, se inserir no mercado de trabalho e mais algumas outras condições que se traduzem em responsabilidades. A vida cotidiana no envelhecimento, traz para muitos a aposentadoria de si mesmo. Sendo difícil ressignificar a existência, se (re)inventar, e buscar novos propósitos. No entanto, como diz a autora (p. 38) muitos recusam uma “morte simbólica” ou uma “morte social”, sendo capazes de criar positivas representações sobre a velhice. Porém, não basta a vontade! Em um mundo em que há uma liquefação, uma fluidez das estruturas e instituições sociais (Bauman, 2005), há muita dificuldade para os mais velhos.
[...] Nossas vidas, quer o saibamos ou não e quer o saudemos ou lamentemos, são obras de arte. Para viver como exige a arte da vida, devemos, tal como qualquer outro tipo de artista, estabelecer desafios que são (pelo menos no momento em que estabelecidos) difíceis de confrontar diretamente [...] (Bauman, 2009, p.31)
Os desafios podem trazer a resiliência. Como afirma Hanson e Hanson (2019, p. 212), [..] “todos temos sonhos que ignoramos ou adiamos. Eles repousam dentro de nós, como a moeda no fundo do poço”. É preciso que se compreenda o processo de autossabotagem e para o autor três áreas são consideradas fundamentais da vida, amor (relacionamentos, amizades), trabalho (emprego, carreira, ações altruístas) e brincadeira (criatividade, imaginação, diversão, passatempo, prazer, admiração). Pelo DSC a dança se tornou interessante para os participantes porque proporcionou lazer, alegria, amizade, admiração e diversão. Admiração inclusive pela descoberta de si mesmo, ao representarem as dançarinas ciganas, ao resgatarem a autoestima e o respeito por si mesmo. É fato que as políticas públicas vigentes ensejam as possibilidades que se evidencia nos discursos, pois traduzem formas inovadoras na gestão do cuidado. As políticas do Ministério da Saúde, no caso a Política de Nacional de Humanização (2010), fomentam o protagonismo e a inclusão, com propostas de mudanças nas práticas de gestão e de cuidado, como política inclusiva, equitativa, democrática, solidária e capaz de promover e qualificar a vida do povo brasileiro. A Política Nacional de Atenção Básica (Ministério da Saúde, 2012), no seu artigo 2º, aponta ações de saúde, no âmbito individual, familiar e coletivo, que abrangendo a promoção, a proteção da saúde e a prevenção de agravos, inclui a saúde do idoso como área estratégica para operacionalização da Atenção Básica (AB) no país. A Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (Ministério da Saúde, 2015, p.7) cita a importância do cuidado integral, com atuação nos campos da prevenção de agravos e da promoção, manutenção e recuperação da saúde baseada em modelo de atenção humanizada e centrada na integralidade do indivíduo. Os discursos representados no Quadro 1, relacionam-se diretamente com as três ideias centrais e as reflexões dos autores que citam a necessidade de pertencimento e acolhimento (Ministério da Saúde, 2010; Ministério da Saúde, 2012), a importância das práticas corporais e integrativas no cotidiano do envelhecimento (Ministério da Saúde, 2015; Camargo, 2017; Sampaio, 2014). De acordo com a segunda IC (Quadro 1), observa-se o benefício dos movimentos, das práticas corporais, e das relações que se estabelecem na relação terapêutica. A dança proporciona a possibilidade de expressar sentimentos, emoções e significados, a experiência é lembrada quando é importante, e de alguma forma reflete nossa vivência social ou pessoal, quando nos toca, nos sensibiliza (Bondía, 2002). Gouvêa (2012, p. 172) relata em seu estudo, que experimentar a dança, [...] é uma maneira de libertar energias aprisionadas pela estratificação, de dar voz ao corpo de expressão enrijecido pelas muitas camadas sobrepostas que sufocam o livre fluir das intensidades do corpo paradoxal. Dançar altera a percepção de mundo e favorece as relações interpessoais. A autora refere a importância da dança como forma de libertação do ego.
[...] Experimentar a lentidão pelo esvaziamento do ego, aprender a ultrapassar a subjetividade que se fundamenta no eu e na consciência para alcançar os devires (p.172).
A terceira IC (Quadro 1), aponta para a importância do pertencimento, da alegria e do acolhimento com a dança. A PNH (2010) registra o compromisso ético e político dos gestores e trabalhadores do campo da saúde de garantir a autonomia e o protagonismo dos sujeitos. No caso, onde a dança foi considerada uma proposta de representação e reinvenção, foi possível evidenciar corresponsabilidade, solidariedade, vínculos estabelecidos e a participação coletiva. A Transversalidade, como um dos princípios da PNH, aumenta o grau de socialização e comunicação nos grupos, a política é inclusiva, tanto coletivamente como individualmente., traduzindo experiências singulares, como mudança das percepções, afetos e dos comportamentos (Ministério da Saúde, 2010). Nos apropriarmos das ideias de Bondía (2002), ao afirmar neste artigo, que a dança foi experimentada como uma vivência das representações que os idosos fizeram das dançarinas do oriente, que foi capaz de ampliar a percepção de mundo e de si mesmo nas relações com os outros. Tuan (1983), diz que as pessoas se apropriam do espaço e do lugar, atribuindo a eles significados e organização, de forma a elaborar seus comportamentos, e ainda afirma: o espaço se torna lugar quando a ele atribuímos valores. A princípio os usuários chegam até o espaço, porque são encaminhados para atividades integrativas e complementares de caráter terapêutico. Na medida em que se envolvem uns com os outros, socializam, e atribuem ao espaço, valores. E nessa condição, vão se sentindo pertencentes a um grupo, com a sensação de que são acolhidos no coletivo.
Quadro 1: Ideia Central e Discurso do Sujeito Coletivo em relação ao questionamento: O que despertou o seu interesse nessas danças?

Fonte: O autor.
No segundo quadro, quando questionados com o que esperavam com a inserção na prática de dança, ouvimos dos participantes que muitos estavam medicados por agravos a condição de saúde mental, representados na primeira IC (Quadro 2), esperando que com a inserção na CTNPC, juntos às terapias pudessem obter melhora e recuperação da saúde. Observamos, no entanto, que na medida que aderiam aos tratamentos apresentados e propostos na Casa, a saúde foi aos poucos sendo recuperada, e aliada a ela, a autoconfiança e a alegria pelo lazer e pela inserção nas práticas corporais, segunda IC (Quadro2). De acordo com Sampaio (2014), aprendemos a cuidar de doentes e não de indivíduos, em sua singularidade, com o olhar para suas diferentes dimensões: biológicas, psicológicas, sociais, culturais e espirituais. Isso ocasionou uma fragmentação no cuidado, onde nem sempre se considera a multidimensionalidade, a história de vida, o contexto sociocultural e as condições que levaram ao adoecimento. A saúde mental é uma condição transversal a todos os ciclos de vida, havendo a necessidade de incluí-la no processo saúde/doença, como forma de garantir o cuidado integral. Como descrito na terceira IC (Quadro 2), a dança é movimento, possibilidade de improviso e representação, para Ossona (1988), a dança é também uma forma de expressar os sentimentos: desejo, alegrias, pesares, gratidão e poder. Sendo assim, realizando juntos a confecção dos trajes e dos ornamentos para dar lugar a dança, o imaginário coletivo dos participantes foi permeado por interpretações glamourizadas, cheias de alegria e desejos simbólicos. O desejo, os símbolos e as representações transmitem a sensação simbólica de poder e semelhança com as dançarinas do oriente. Pouco a pouco o ritual para as aulas e apresentações, foi trazendo socialização e convivência. Ao realizarem as aulas, os participantes imergem em um jogo simbólico que estabelece a vivência de outros papéis que não os próprios nas atividades cotidianas das aulas. Buscam na dança o lúdico.
[...] depois que vim pra cá comecei a dançar, toda maravilhosa. [...] A dança me deixou muito feliz.
Sotero e Ferraz (2009) afirmam que a dança carrega consigo representações, intenções, conceitos e rituais, capazes de aproximar o sujeito de sua ancestralidade, garantindo-lhe identidade cultural e tudo que faz do ser humano um sujeito. Goldenberg (2015) relata em seus estudos sobre o envelhecimento que homens e mulheres encontraram o significado da vida realizando coisas simples, fazendo o que gostam e o que aprenderam a gostar, motivados pela própria vontade, e não pela necessidade de responder às demandas sociais, por vezes contestando inclusive os preconceitos e os modelos socialmente impostos. A dança como prática corporal, vem funcionando como um recurso com ênfase no acolhimento e necessidades individuais, estabelecendo um vínculo terapêutico e integrando os participantes com o meio ambiente e a sociedade. As PICs trazem uma abordagem diferenciada aos sujeitos, tendo como base o cuidado integral, onde todas as dimensões do cuidado são consideradas, além disso, têm se mostrado competentes em aliviar o sofrimento mental e físico, incentivando o autocuidado, a autoconfiança das pessoas e os processos de educação popular (Barreto, Nunes & Aroucha, 2014). Batista (2015, p.176) afirma sobre as práticas Integrativas e Complementares: “Seu objetivo, portanto, é diferente daqueles da assistência alopática, também conhecida como medicina ocidental, em que a cura da doença deve ocorrer através da intervenção direta no órgão ou parte doente”. Nesse sentido, as PICs, vêm sendo cada vez mais utilizadas no Brasil e em outros países, promovendo o crescimento assertivo de práticas não convencionais na recuperação da saúde dos indivíduos.
Quadro 2: Ideia Central e Discurso do Sujeito Coletivo em relação ao questionamento: O que esperava obter com a inserção nas práticas?

Fonte: O autor.
No terceiro quadro, quando questionados sobre os pontos positivos e negativos encontrados na dança, percebemos na primeira IC, que a prática possibilitou a criação de vínculos, sensação de bem-estar e alegria, observado nos DSC.
[...] isso é uma coisa apaixonante, libertadora. [...] Cresci muito, melhorei muito. Pro corpo é uma maravilha. [...] Adoro essa Casa aqui Vou continuar me dedicando. [. ] Eu me sinto outra mulher, depois que dancei.
Foi desafiadora quando esbarrou nas limitações físicas, segunda IC (Quadro 3). A dança segundo Stewart (2016), traduz a expressão humana, embalada por ritmos, toca o nosso ser além do alcance do vocabulário da razão. [ ] transmite a partir da alma mais profunda aquilo que não pode ser verdadeiramente expresso por meio de palavras (p.24). A autora cita:
“A dança e o ritual criam a comunidade, reunindo as pessoas tanto emocional quanto fisicamente em um sentimento especial de intimidade e abandono compartilhado. À medida que a comunidade participa, ninguém é mais um desconhecido. Nós os tornamos companheiros na mesma jornada” (p.26)
Na representação, desempenha-se um papel, supondo que os observadores encarem com seriedade a impressão sustentada pelos atores, os personagens observados naquele momento, possuem atributos que os atores creem ter de fato (Goffaman, 2014). Goffman afirma [ ] “o ator pode estar inteiramente compenetrado de seu próprio número. Pode estar sinceramente convencido de que a impressão de realidade que encena é a verdadeira realidade (p.29)”. Assim, se torna possível traduzir a dança para os participantes, uma representação das dançarinas, onde chegam a se convencer do espetáculo que encenam, dando voz a criatividade e a reinvenção. Existem desafios? Sim, existem. Sentem dores físicas, que já se tornaram crônicas, o cansaço por vezes se torna extremo, mas há fé, há a crença da melhora. As vezes a religiosidade ampara os desafios e consola.
“Estou me sentindo cada vez mais feliz graças a Deus”. [. ] quero sair daqui curada, em nome de Jesus, eu creio.
Hanson e Hanson (2019, p. 35) citam:
“[. ] existe o refúgio fundamental de ter fé no que há de bom dentro de você. Isso não significa ignorar o resto. Você simplesmente está percebendo sua decência, sua doçura, sua bondade, suas boas intenções, suas habilidades e seus esforços.”
Algumas estratégias são fundamentais para criarem perspectivas melhores de futuro e aumentar a resiliência. Como foi possível evidenciar na terceira IC, O sentimento de superação traz alívio aos momentos desafiadores. E sentimentos como: Ter compaixão por si mesmo, saber aproveitar o momento, o presente; evitar pensar demasiadamente no futuro, ter calma e motivação para novos aprendizados, são desafios presentes todos os dias na vida de cada um, não é possível evitá-los. Usar das adversidades para aprender pode significar uma maneira de se tornar mais resiliente e autoconfiante. Contudo, o modo reativo de responder as adversidades da vida podem contribuir para o medo e o isolamento, destruindo possibilidades de crescimento e resistência emocional. Caradec (2014) aborda as transformações corporais e a forma de “apegos” com o mundo, inferindo que diante das dificuldades encontradas, os idosos criam estratégias de reconversão que são classificadas em três modalidades: adaptação, abandono das atividades e volta por cima. Como no cenário descrito, os participantes, conseguem na maioria das vezes, persistir nas tentativas de melhoras e recuperação da saúde, adaptando-se às limitações. Não se abandonam, não se entregam, mas envolvem-se com uma nova atividade com novas propostas de engajamento e (re) invenção.
4.Considerações Finais
O estudo buscou responder a três questões. A primeira diz respeito ao significado e interesse pelas danças orientais, a segunda o que esperavam obter com as práticas corporais, praticando aulas de dança e confeccionando os vestuários, e o terceiro a identificação de aspectos positivos e negativos na inserção das práticas. Observou-se que há algo de lúdico ao praticarem as danças orientais, pela representação e reinvenção de um cotidiano simbólico associado a cultura oriental. O interesse aumenta na medida que adquirem novos conhecimentos e burlam as pequenas dificuldades, tornando-se ativos fisicamente, resgatando aos poucos a autoestima e a autoconfiança. Os desafios são impostos diariamente, pelas limitações físicas e emocionais. Contudo, ao se sentirem acolhidos e pertencentes ao grupo, vão se tornando aos poucos mais resilientes, obtendo benefícios que envolvem autodeterminação e vontade de continuar aprendendo a nova cultura. Os participantes vão se inserindo cada vez mais nos rituais de preparo para as apresentações, nas dinâmicas corporais, na confecção de peças e ornamentos e nos cuidados com o corpo. O grupo é formado em sua maioria por mulheres com idade superior a 50 anos, porém tem o caráter intergeracional. O que de certa forma favorece não só a troca de experiências, mas uma convivência harmoniosa e acolhedora. Verifica-se por evidências científicas que o fenômeno da medicalização ainda é uma constante no campo da saúde física e mental, promovendo um cuidado fragmentado, sem considerar a pluralidade e a multidimensionalidade dos aspectos envolvem a gestão do cuidado na recuperação e promoção da saúde das pessoas. No que se refere as PICs, as práticas consideradas coletivas, e nesse caso a dança, vêm trazendo a socialização e o resgate de si mesmo, despontando como forma de garantir um cuidado humanizado e integral, impactando rapidamente na recuperação da saúde física e mental dos idosos da CTNPC, assim como na prevenção dos agravos e na redução de danos à saúde. No campo da saúde, ao considerarmos a multidisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade ampliamos de forma significativa o acolhimento e as práticas humanizadas, legitimando os determinantes sociais e todas as dimensões que envolvem o cuidado, considerado fundamental, o protagonismo dos sujeitos na promoção e recuperação de sua saúde.