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New Trends in Qualitative Research

versão On-line ISSN 2184-7770

NTQR vol.12  Oliveira de Azeméis ago. 2022  Epub 25-Ago-2022

https://doi.org/10.36367/ntqr.12.2022.e615 

Artigo Original

Da Integração à inclusão: Estudo de caso em Portugal

From Integration to Inclusion: Case study in Portugal

1CIDI-IESF-Instituto de Estudos Superiores de Fafe, Portugal


Resumo:

O trabalho estuda o caso de um Agrupamento de Escolas no Sul de Portugal, onde são amplas as diversidades socioculturais do alunado, como imigrantes e refugiados, além de variadas origens sociais. O estudo de caso seguiu a dinâmica do triângulo de Stake, no sentido de promover a interação entre análise documental, observação e entrevistas semiestruturadas. A particularidade na aplicação da metodologia foi o fechamento contínuo e, depois, intermitente das escolas que obrigou a recorrer ao arquivo de observações da pesquisadora principal e a realizar entrevistas virtuais. Com isso, as perceções da entrevistadora e das.os participantes foram parcialmente limitadas pelo uso de máscaras restringindo a perceção de interações não simbólicas, o que se justifica, porém põe obstáculos à investigação qualitativa. Os vértices do triângulo, em dinâmica, revelaram que a equipa intermédia do Agrupamento, em ampla maioria distingue os conceitos de integração e inclusão. Os documentos analisados apontaram para a coerência com a legislação e normas vigentes. A Equipa Multidisciplinar de Apoio à Educação inclusiva tece uma rede entre escola, famílias e comunidade, na busca das melhores soluções para cada estudante. Apesar das resistências à mudança e às dificuldades de alterar práticas e atitudes enraizadas, a grande maioria concorda que o Agrupamento se encaminha para a escola inclusiva. Apesar dessa coerência com o espírito da Conferência de Incheon, da Unesco, um pequeno grupo busca uma “simplificação” da inclusividade, aplicando-a apenas ao alunado com necessidades educativas especiais. Com isso, se contorna a maior complexidade do conceito, o que se afasta do preconizado.

Palavras-chave: Inclusão educativa; Educação Especial; Estudo de caso, Imigração.

Abstract:

This paper focuses on a School Group in Southern Portugal, where there are wide sociocultural as well as social origin diversities. This case study followed Stake’s triangle, promoting the interaction among document analysis, observation, and semi structured interviews. However, the methodology had obstacles in its application since the pandemic led to lockdown and intermittent school closure. As a result, the first author used the supplementary resource to her personal archive of observation. Interviews were limited to remote technologies and often the use of obligatory masks. These were some obstacles to direct social contact among subjects, recommended solely in exceptional situations. The direct observation and interviews in situ are highly advisable in a qualitative research project. Results show that the intermediate team understood the differences between integration and inclusiveness. Documents were coherent with legislation and norms. The Support Multidisciplinary Team to Inclusive Education established a network among schools, families, and communities to reach the best solutions for each student. Despite of difficulties to change well rooted practices and attitudes, most of the educators agreed that this School Group was in the right way to inclusive schools. Nevertheless, a small group applied the inclusiveness concept to special education only. This bypass to the concept’s application deviates from the spirit of the Incheon Conference, so restricting its sense.

Keywords: Education inclusiveness; Special education; Case study; Immigration.

1.Introdução

A Conferência de Incheon da Unesco enfatizou duas qualidades da educação, incorporadas ao Objetivo de Desenvolvimento sustentável nº 4 das Nações Unidas: qualidade e inclusão. Ambas são transversais a todos os objetivos consensuados ao evento (Unesco, 2015). Assim, levou-se a cabo uma investigação qualitativa sobre a execução da política educativa em Portugal, consubstanciada em atos legais. Para isto, realizou-se um estudo de caso num Agrupamento de Escolas no Sul do País, de modo a definir o conceito de inclusão seguido nas práticas educativas e as formas de desenvolvimento da experiência em campo. O estudo seguiu o clássico triângulo de Stake (2007), composto por análise documental, observação e entrevistas semiestruturadas com dirigentes e professores. As condições adversas da pandemia, com o fechamento das escolas e a oscilação do seu funcionamento, conforme o comportamento da COVID-19, exigiram contornar vários problemas, como a realização de entrevistas por meio virtual e as observações registadas em caderneta de campo, nos poucos e breves períodos de funcionamento presencial, além do arquivo da primeira autora, dirigente do respetivo Agrupamento, que, ao exercer a supervisão, pôde anotar múltiplas observações diretas, não sistemáticas. A principal constatação foi que, tanto na legislação e normas, quanto no entendimento das.os educadoras.es havia uma tendência a estreitar o foco para o alunado com necessidades especiais. Com isso, evitaram-se as preocupações com a pluralidade de línguas e culturas, de que é rica a região (Algarve), como resultado da presença de minorias étnicas, imigrantes e refugiados de mais de um continente. Normas sobre a educação especial eram compreendidas e cumpridas pelas.os educadoras.es, no entanto, deixaram de ser enfatizadas as questões relativas à pluralidade cultural ou a interculturalidade (Cambi, 2001). Esta aceção mais ampla, inerente à qualidade e igualdade, ficou esmaecida, se bem que não esquecida, quer na política, quer nas práticas educativas. Ademais, embora os objetivos das entrevistas tenham sido alcançados, verificou-se que o contacto presencial teria permitido uma interação mais completa, pela compreensão das linguagens corporais e outras, simbólicas e não simbólicas, chamadas pelo clássico antropólogo Edward Hall (1990) de linguagem silenciosa. Desse modo, embora as condições fossem singulares, pela pandemia, consideramos que, preferentemente, a pesquisa qualitativa seja presencial.

2.Contextualização do estudo

2.1 Objetivos

Nos últimos anos, a inclusão tem vindo a assumir reconhecidos contornos hegemónicos em diferentes áreas, sendo especialmente notório na educação. As nossas escolas são o reflexo de uma sociedade caracterizada por uma enriquecedora diversidade social, que nem sempre é entendida da melhor forma como tesouro descoberto, mas como deficiência de capital cultural (Bourdieu & Passeron, 1970). Portugal reconheceu a importância da educação inclusiva ao ratificar, em 1994, a Declaração de Salamanca, tendo mais recentemente, em 2018, assumido a inclusão como uma forma de intervenção educativa prioritária, através da publicação do Decreto-Lei 54/2018 e Decreto-Lei nº 55/2018. Tais normativos visam criar um paradigma de inclusão centrado em fundamentos de equidade, baseado num eixo do respeito pela diferença. A escola tem revelado, ao longo dos anos, uma relevante capacidade de adaptação, deparando- se ainda com inúmeras dificuldades na implementação dos ideais política e legislativamente defendidos. A ténue distinção entre os conceitos de integração e inclusão dificulta a operacionalização da teoria legislativa que evidencia a universalidade da educação. Portugal abraça esta linha educacional inclusiva através da implementação responsável do estabelecido no Decreto-Lei nº 54/2018 (2018), em articulação com o pressuposto do Decreto-Lei nº 55/2018 (2018a), permitindo assim que a escola flua para uma dinâmica de compreensão da diversidade humana. A questão consiste em sensibilizar o corpo docente e restante comunidade educativa para a necessidade de mudança do paradigma educacional, para que a escola não continue a ignorar o que acontece à sua volta nem a marginalizar as diferenças. Embora as políticas educativas assentem num fundamento teórico predominantemente inclusivo, as escolas ainda não o operacionalizaram totalmente, encontrando-se demasiado dependentes do cariz do Decreto-Lei nº3/2008, de 7 de janeiro, o qual anunciava uma educação inclusiva direcionada exclusivamente para os grupos de crianças e jovens tradicionalmente excluídos, os denominados alunos com Necessidades Educativas Especiais. Este normativo prima por caracterizar o público-alvo da Educação Especial os alunos com Necessidades Educativas Especiais de Caráter Permanente “ [...] alunos com limitações significativas ao nível da atividade e da participação, num ou vários domínios da vida, decorrentes de alterações funcionais e estruturais, de caráter permanente, resultando em dificuldades continuadas ao nível da comunicação, da aprendizagem, da mobilidade, da autonomia, do relacionamento interpessoal e da participação social.” (Decreto-Lei nº 3/2008. Artigo 1.º, inciso 1º). As políticas educativas assumidas em Portugal tentavam, deste modo, concretizar o princípio da inclusão defendida pela Declaração de Salamanca e reforçada, em 2011, pela Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Promulgam-se normativos na tentativa de teorizar uma educação inclusiva eficaz e eficiente, mas, “não chega saber como se faz, (…) é necessário querer fazer e acreditar que é possível construir uma escola e, obviamente, uma sociedade onde todos têm um lugar.” (Silva, 2011, p.120). Acreditar é ganhar consciência de que, face às exigências atuais, já não basta integrar os alunos, proporcionar-lhes um espaço comum de aprendizagem, é necessário oferecer-lhes oportunidades para aprenderem ao seu ritmo e de acordo com as suas potencialidades e/ou dificuldades. Não há alunos-modelo, cada um tem características próprias e únicas, assim, o desafio da educação atual consiste em adequar o processo de ensino/aprendizagem a cada um dos alunos, alargando a educação a todos. Em Incheon, o conceito de inclusão transcendeu as necessidades educativas especiais, para abranger diferentes backgrounds sociais e culturais, inclusive aqueles selecionados pelos filtros da reprodução educativa, segundo a teoria bourdieusiana. A inclusão e a exclusão não são totais, ao contrário, há estudantes incluídas.os em certas comunidades e excluídas.os de outras, de modo que cabe ao sistema educativo atuar nessa área cinzenta (Qvortrup, & Qvortrup, 2017). A análise da inclusão, ao decompor-se no âmbito organizacional, é multidimensional, dividindo-se, de acordo com o cubo de Schuelka e Engsig (2020), nos níveis macro, meso e micro. Esta investigação focalizou o nível macro da legislação e normas, o meso do Agrupamento e o micro das escolas. A coerência interna e externa é essencial para que os efeitos se concretizem para as.os discentes. O discurso sobre a temática em causa inclui frequentemente recorrer aos conceitos de integração/inclusão, muitas vezes assumidos como termos idênticos. Esta assunção é fator condicionante da verdadeira construção de uma cultura da escola equitativa, limitando a abordagem integracionista aos alunos considerados “deficientes”. O percurso fez-se encaminhando estes alunos para Unidades Especializadas integradas em escolas regulares, como contemplado no artigo 26º do Decreto-Lei nº 3/2008. Pretendia-se que as Unidades de Apoio Especializado para a educação de alunos com deficiência constituíssem uma resposta educativa especializada organizada em função do “tipo de dificuldade manifestada, pelo nível de desenvolvimento cognitivo, linguístico e social e pela idade dos alunos” (Decreto-Lei nº 3/2008, de 7 de janeiro, artº 26 (2018). Em simultâneo, estes alunos seriam integrados nas turmas regulares, para efeitos administrativos, revelando o despreparo da escola para a inclusão. Incluir não é considerar estes alunos iguais, mas antes reconhecer a sua individualidade, as suas limitações e potencialidades para construir um processo de ensino-aprendizagem que lhes faculte as mesmas condições de sucesso educativo, pessoal e social O presente estudo de caso pretende, pois, descortinar as formas de implementação das metodologias inclusivas, seus fatores facilitadores e obstáculos no Agrupamento selecionado. A partir deste propósito central foram delineados objetivos específicos, nomeadamente aferir a materialização do constante no Decreto-Lei nº 54/2018, em simbiose com o Decreto-Lei nº 55/2018 92 (2018, 2018a); reconhecer o alargamento da inclusão a todos os alunos e avaliar o papel da Direção, Estruturas Intermédias e Equipa Multidisciplinar de Apoio à Educação Inclusiva (EMAEI) na implementação de uma educação inclusiva. O caso em estudo, como informado, é o de um Agrupamento de Escolas, localizado na região Sul de Portugal Continental, mais precisamente no Algarve, cujo Plano de Ação/Projeto de Intervenção da Diretora reflete uma consciencialização da importância de construir uma escola inclusiva, capaz de acompanhar as mudanças sociais emergentes, com base numa visão de autonomia, e outras características. As convicções da preponderância da inclusão no processo educativo encontram-se ainda expressas nos compromissos assumidos, pela mesma, na Carta de Missão, nomeadamente, o investimento “na imagem do Agrupamento como instituição pública, aberta e inclusiva e como fator de coesão entre as várias Unidades Orgânicas que o constituem, desenvolvendo uma forte cultura de Agrupamento” e no Projeto Educativo do Agrupamento, cuja visão assenta “num investimento claro no aluno enquanto indivíduo, através da promoção de uma diversidade de situações de aprendizagem, e enquanto indivíduo social cujo desenvolvimento do sentido de cidadania é fundamental em todo o seu processo formativo.” O Agrupamento em estudo é constituído por nove unidades orgânicas que abrangem todos os Ciclos de Ensino e que se encontram dispersos geograficamente pelo Concelho, acolhendo crianças e jovens de contextos socioeconómicos distintos, pelo que constitui um desafio em termos de diversidade. Podemos considerar a coexistência de comunidades escolares díspares, incluindo minorias étnicas, dentro do mesmo Agrupamento, uma comunidade escolar tipicamente citadina com predomínio de indivíduos de estrato médio-alto, uma comunidade escolar de estrato baixo-médio ligada ao mar e outra comunidade de camada baixa-média tipicamente rural. O Agrupamento de Escolas em estudo apresenta um universo de cerca de 2000 alunos, diferentes quanto ao background familiar, às expetativas face à escola e ao futuro, às condições de vida, aos hábitos culturais, à língua materna, às vivências, às capacidades ou limitações. É um Agrupamento com uma população escolar diversificada, dotada de uma miscigenação cultural, que caracteriza a região algarvia, imprimindo um caráter de extrema exigência à sua missão educativa.

3.Metodologia

O caso em estudo focaliza um Agrupamento de Escolas, localizado no Algarve, cujo Plano de Ação/Projeto de Intervenção da Diretora reflete uma consciencialização da importância de construir uma escola inclusiva que possa responder às exigências sociais, materializada nos documentos estruturantes que alicerçam todo o processo educativo. O Agrupamento é constituído por nove unidades orgânicas que abrangem todos os Ciclos de Ensino (ISCED 0, 1 e 2 na terminologia da Unesco) e que se encontram dispersos geograficamente pelo Concelho, acolhendo uma população escolar diversificada, dotada de uma miscigenação cultural, que caracteriza a região algarvia, imprimindo um caráter de extrema exigência à missão educativa do Agrupamento. Efetivamente, conforme Patton (2000), a escolha da amostra na pesquisa qualitativa, inclusive a destinada à avaliação, segue lógicas próprias, diferentes da investigação clássica, com amostragem aleatória. Na investigação quantitativa busca-se primordialmente a abrangência, enquanto a investigação qualitativa, prefere a profundidade em detrimento da abrangência. Consequentemente, podem-se selecionar casos ricos de informação, como casos extremos ou desviantes, amostra de casos com variação máxima, de casos típicos, de casos críticos, confirmativos ou divergentes e outras amostras, segundo diversos critérios. A experiência em tela aproxima-se de um caso rico em informações por roçar o extremo da diversidade social e cultural, tanto nas raízes históricas (uma região onde a civilização muçulmana alcançou profundas raízes na Península Ibérica e, simultaneamente, pela imigração e arco de diversidades da população local, quer em meio urbano, quer em meio rural. Tais procedimentos, segundo o autor, são perfeitamente legítimos quando os objetivos fogem da ortodoxia. Neste caso, busca-se o sentido inerente às paisagens socioculturais. Estes procedimentos têm sido utilizados largamente pela pesquisa em contexto mundial e ibero-americano. Por estas riqueza e pluralidade cultural, o caso foi selecionado para o estudo, desenvolvido, conforme observação, no triângulo de Stake (2007), com o entrecruzamento dos dados da análise documental, observação e entrevistas semiestruturadas, que foram foco de análise de conteúdo. A dinâmica de interação entre os vértices permite detetar convergências e divergências, para aprofundamento, já que a opção é pela profundidade do caso. A pesquisadora é uma das dirigentes, participante e ao mesmo tempo testemunha da escola, dois papéis sociais que buscou separar na investigação. Por isso, tem em mente as pontes de interação entre as teorias, a legislação e as práticas. Neste caso, o conceito de objetividade não pode ser empirista- positivista, porém, sim, o preconizado por Weber: o pesquisador é um ser imerso no lago, que, sem a condição humana, não seria capaz de compreender (Verstehein) o lago e os demais peixes, ao contrário da objetividade das ciências da natureza e, sim, de acordo com o distanciamento crítico da sua visão participante nas ciências do “espírito” (Geistwissenschaften, na expressão original, tão difícil de traduzir para o português) (Gomes, 2012). No primeiro vértice do triângulo, foram analisadas a legislação e normas, em particular o Decreto-Lei nº. 3/2008 e os vigentes Decretos-Leis nºs 54 e 55/2018 (2008, 2018, 2018a), assim como os documentos de tradução destes atos nas práticas educativas do Agrupamento em tela, isto é, a sua Carta de Missão, o seu Projeto Educativo e outros documentos selecionados. O segundo vértice do triângulo envolve a observação. A limitação aqui consistiu na dificuldade de observar as cenas de salas de aula, corredores e pátios e de entrevistar o alunado, disperso, todo menor de idade, nas condições então correntes. Acrescente-se que, para dificultar a compreensão da “linguagem silenciosa”, antes mencionada, existia ainda o uso compulsório de máscaras, com várias camadas, obrigatoriamente, a dificultar a compreensão da fala e a ocultar parte do rosto, com a sua extraordinária dinâmica. Ainda assim, a primeira pesquisadora aproveitou as “janelas” que se abriram e fecharam, além de recorrer às experiências da sua supervisão e direção, como profissional, para suprimento. Por sua vez, o terceiro vértice foi o das entrevistas semiestruturadas. A escolha desta técnica assentou no facto de permitir recolher uma quantidade significativa de dados e informações que permitirão enriquecer o estudo e promover momentos de reflexão. Segundo Bogdan & Biklen (1994, p. 85), “uma entrevista é utilizada para recolher dados descritivos na linguagem do próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspetos do mundo.” A entrevista foi previamente planeada, tendo sido elaborado um guião que funcionou como linha orientadora das informações que se pretendiam recolher com o estudo em causa. Antes de realizar as entrevistas, procedeu-se a um teste de fiabilidade/eficácia da entrevista que contou com a participação da Coordenadora do Centro de Apoio à Aprendizagem e uma Coordenadora de Disciplina, tendo os dados recolhidos sido utilizados unicamente para aferição da coerência das questões construídas. Atestada a coerência das questões planificadas, partiu-se para a aplicação das entrevistas. Dado o contexto pandémico vivenciado, optou-se por aplicar as entrevistas online, por videoconferência, utilizando o Microsoft Teams. Os dados foram recolhidos através da gravação/transcrição das respostas. Antecipadamente solicitou-se autorização aos inquiridos, conforme as normas da ética da pesquisa, para a aplicação da entrevista. Seguiu-se a organização do material recolhido e a categorização dos dados da pesquisa através da construção de grelhas de análise, no processo de análise de conteúdo (Bardin, 2015). A utilização de meio virtual satisfez aos objetivos, no contexto da pandemia, com o fechamento dos estabelecimentos escolares ou a sua abertura intermitente, conforme o comportamento do vírus na região. A sociologia clássica, ainda na era do rádio e do telefone, na primeira metade do século XX, reconheceu as diferenças entre os contatos sociais diretos, pessoais, e os contatos sociais indiretos (Casale, Tella, & Fioravanti, 2013), por meio de uma técnica, tendo consequências importantes sobre a criança e a conceção de infância, processos analisados percucientemente por Postman (1994), ao tratar do “fim da infância”, pois, mesmo pré-letrada, era exposta a fatos interditos ou parcialmente velados, como o sexo e a violência. Os contactos indiretos multiplicaram-se com a televisão, a internet e outros meios, a partir da Segunda Guerra Mundial. Hoje, por exemplo, os horrores das guerras podem ser vistos até por crianças menores, para as quais não é útil afirmar que o conflito está longe do seu meio e que elas nada têm com isso. Como se indicou acima, esta foi uma das limitações da técnica. Ao invés de uma entrevista presencial em que ocorre o livre trânsito da interação social e a.o entrevistador.a pode observar melhor as reações da.o entrevistada.o, perdem-se as nuances das linguagens simbólica e não simbólica. Portanto, reitera-se que, noutras circunstâncias, a investigação qualitativa seja efetuada em presença. A primeira opção virtual é a comunicação com imagem e som, seguindo-se, na pior das hipóteses, apenas com o som. Como na antropologia, a ousada Margaret Mead (2001) viveu e vestiu-se como as jovens samoanas, aprendeu sua língua, tornou-se íntima de várias delas, imergindo no seu contexto sociocultural para compreender a sua adolescência e compará-la com a dos Estados Unidos. Do mesmo modo, os Diários Índios, de Darcy Ribeiro (2020) resultam das anotações de campo durante a vida vivida pelo ilustre antropólogo brasileiro, cujo centenário este ano se comemora, junto a povos originários do Meio Norte e da Amazónia. Na educação, inúmeras investigações quase etnográficas ou etnográficas resultaram da imersão em escolas durante todo um ano letivo, como na investigação de Lira & Gomes (2018), sobre a violência percebida por adolescentes numa escola de periferia urbana, em Brasília, Brasil. A riqueza descerrada por estes projetos, aqui exemplificados, sugerem o valor das vivências in loco, para compreender os processos sociais. Conseguintemente, cabe frisar a relevância do chamado contacto direto na pesquisa que abdica da abrangência em favor da sua profundidade, para que os seus fins e objetivos plenamente se concretizem. Este é um dos riscos do uso de bases eletrónicas de dados, à disposição sob condições na internet. Ou seja, o uso da computação, inclusive a prospetiva da inteligência artificial, muda as epistemologias, com a pesquisa in vitro a substituir ou a concorrer a pesquisa in vivo (Ganascia, 2018). Como nos jogos de luzes e sombras, existem notáveis vantagens, como a de diferentes investigadores utilizarem os mesmos conjuntos de dados com teorias e metodologias diversas e reiterarem ou não as conclusões de colegas. Todavia, se existe luz, também se pode contar com as sombras. Cumpre refletir sobre tudo o que perdemos com a pesquisa in sílico, nas revoluções do século XXI. Por exemplo, as investigações sobre a transmissão do vírus SARS-CoV-2 por superfícies, realizadas nos ambientes laboratoriais, isto é, in vitro, teve resultados iniciais quase alarmantes. Quando se investigou in vivo, fora das “cápsulas” dos laboratórios, verificou-se que a probabilidade de contágio era muito mais reduzida.

4.Resultados e Conclusões

A caracterização da amostra acompanha a composição nacional do corpo docente, três quartos das.os entrevistadas.os foi do sexo feminino e a maioria absoluta contava com o Mestrado. Eram experientes profissionalmente e se encontravam em maioria na meia-idade. Quatro quintos dos membros da equipa intermédia claramente distinguiam inclusão de integração, abrangendo todo o alunado, com a sua pluralidade sociocultural. Era claro para a maior parte do grupo que a integração não significa necessariamente inclusão e que adotava, na prática, metodologias inclusivas para o alunado com necessidades educativas especiais. Consideravam que a inclusão não se restringe à educação especial, mas, sim, alcança todo o corpo discente, para os quais é preciso traçar diferentes rotas para atingir os mesmos fins e objetivos educacionais. Era também muito elevado o conhecimento sobre a legislação. Diante das diversidades, seguiam uma abordagem abrangente, visando, inclusive, discentes com dificuldades oriundas do capital cultural, social e económico, segundo Bourdieu e Passeron (1970) e que, com frequência, se afastam do caminho do sucesso escolar. A Equipa Multidisciplinar de Apoio à Educação Inclusiva articulava com as famílias, técnicos especializados, docentes e entidades sociais na busca de soluções para a inclusão das.os educandas.os. Com base na consciencialização das.os educadoras.es, declararam que haviam sido dados os primeiros passos rumo a uma escola realmente inclusiva. Notavam mudanças nas práticas docentes nos termos da legislação e normas, embora houvesse um consenso quanto às dificuldades e resistências no sentido de alterar práticas e atitudes incrustadas no fazer educativo. No entanto, uma minoria ainda se restringia à visão de que a inclusão se referia à educação especial. Os documentos do Agrupamento eram coerentes com os atos legislativos e normativos. Igualmente, as observações disponíveis ratificaram a coerência entre documentos, atitudes e práticas da imensa maioria das.os educadores. Ou seja, o Agrupamento selecionado, em que pesasse a sua diversidade e complexidade, se colocava maioritariamente em sintonia com o espírito da Conferência de Incheon e dos Objetivos de Desenvolvimento das Nações Unidas, em especial do nº 4, concernente à educação.

5.Referências

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Recebido: 01 de Fevereiro de 2022; Aceito: 01 de Abril de 2022

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