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New Trends in Qualitative Research

On-line version ISSN 2184-7770

NTQR vol.10  Oliveira de Azeméis June 2022  Epub July 01, 2022

https://doi.org/10.36367/ntqr.10.2022.e526 

Artigo Original

Narrativas: o que aprendemos sobre métodos online durante a pandemia?

Narratives: What did we learn about online methods during the pandemic?

Ana Claudia C. G. Germani1 
http://orcid.org/0000-0002-7409-915X

Maria Inês Gandolfo Conceição2 
http://orcid.org/0000-0002-4052-3813

Ivone Evangelista Cabral3 
http://orcid.org/0000-0002-1522-9516

Isabel Leme Oliva1 
http://orcid.org/0000-0003-2717-8514

Daniela Freitas Bastos4 
http://orcid.org/0000-0001-9268-6051

Alicia Regina Navarro Dias de Souza4 
http://orcid.org/0000-0002-7588-5152

1Universidade de São Paulo, Brasil

2 Universidade de Brasília, Brasil

3 Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil

4 Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil


Resumo:

Enquadramento: Nos últimos 20 anos, a utilização da Internet em substituição à entrevista face a face em pesquisas qualitativas vem se tornando importante recurso de produção de dados sobre experiências de adoecimento. Com o isolamento social recomendado frente a COVID-19, a transição da forma presencial para as entrevistas online realizadas através de plataformas virtuais, cresceu e provocou reflexões e adaptações necessárias na metodologia. Objetivos/Organização do capítulo: A partir de uma revisão narrativa de literatura foram traçadas as vantagens e limitações do método/técnica online e, em seguida, são apresentados quatro exemplos a partir do Projeto Narrare-COVID 19, proposta inovadora de compartilhamento virtual de narrativas de adoecimento e experiências de cuidado vivenciadas por pacientes, familiares, e profissionais, produzidas através de pesquisa qualitativa com o método HERG - Health Experiences Research Group - desenvolvido pela Universidade de Oxford. Considerações finais: Os quatro exemplos têm um objetivo principal comum e as entrevistas online apresentaram, portanto, similaridades em relação aos cuidados éticos, ao roteiro de entrevista e ao compromisso do registro audiovisual, quando autorizado pelo participante. Houve diferenças em relação às estratégias de recrutamento e disponibilidade de infraestrutura disponível aos entrevistados, no que tange ao acesso à internet e/ou a plataforma (Zoom® e Google Meet®). Os exemplos ilustram e confirmam as contribuições e limitações das entrevistas online apontadas na revisão narrativa.

Palavras-chave: Narrativa pessoal; Pandemia covid-19; Pesquisa qualitativa.

Abstract:

Framework: Over the last 20 years, the use of the Internet to replace face-to-face interviews in qualitative research has become an important resource for the production of data on illness experiences. With the recommended social isolation from COVID-19, the transition from face-to-face to online interviews conducted through virtual platforms grew and provoked reflections and necessary adaptations in the methodology. Objectives/Organization of the chapter: Based on a narrative literature review, the advantages and limitations of the online method/technique were traced, and then four examples are presented from the Narrare-COVID 19 Project, an innovative proposal for virtual sharing of narratives illness and care experiences experienced by patients, families, and professionals, produced through qualitative research with the HERG method - Health Experiences Research Group - developed by the University of Oxford. Final considerations: The four examples have a common main objective and the online interviews presented, therefore, similarities in relation to ethical care, the interview script, and the commitment of the audiovisual record, when authorized by the participant. There were differences in relation to recruitment strategies and availability of infrastructure available to respondents, with regard to access to the internet and/or the platform (Zoom® and Google Meet®). The examples illustrate and confirm the contributions and limitations of the online interviews highlighted in the narrative review.

Keywords: Personal narrative; Covid-19; Qualitative research.

1.Introdução

O surgimento do Netscape®, primeiro website mais amigável com textos e imagens, em 1995, do Hotmail, primeiro serviço de mensagens (e-mail) gratuito, em 1996, e das mídias sociais como Facebook®, YouTube®, e Twitter® em 2004, 2005 e 2006 respectivamente, fizeram da Internet um lugar privilegiado para interações e compartilhamentos de aspectos da vida cotidiana. Em 2016, uma revisão sistemática identificou 229 artigos publicados entre 2007 e 2013, evidenciando que a pesquisa em mídias sociais prioriza a análise de conteúdo de dados de entrevistas ou grupos focais, ou surveys (enquetes), a partir de métodos qualitativos ou mistos, sendo que nestes últimos os dados qualitativos são coletados para explicar resultados quantitativos ou vice e versa (Snelson, 2016). O desenvolvimento da Web 2.0 facilitou maior interação humana através das redes sociais na forma de texto interativo, voz, imagem, reconstrução espacial e vídeo. O funcionamento da vida social e profissional vem sendo influenciado desde então. Sendo assim, não é surpreendente que a interação humana mediada por essas plataformas tenha se tornado um lócus onde a pesquisa qualitativa e os métodos digitais precisam ser mais bem integrados (Gregory, 2018). Nos últimos 20 anos, a utilização da Internet em substituição à entrevista face a face em pesquisas qualitativas vem se tornando importante recurso de produção de dados sobre experiências de adoecimento (Davies et al., 2020; Ziebland, 2020). As entrevistas virtuais são versáteis e adaptáveis às mais variadas situações de doenças específicas até em contextos humanitários. Os desafios de formar pesquisadores qualitativos que adotam essa modalidade nova de cenário de pesquisa inclui uma nova qualidade de observação e de registro do trabalho de campo (Gregory, 2018). Para as narrativas, recomenda-se o exercício de registrar em detalhes como se dão os contatos, como o entrevistador é recebido pelo entrevistado; o grau de disponibilidade do participante para responder às perguntas do entrevistador; local onde esse encontro acontece (casa, escritório, espaço público, etc.); a postura, os gestos, as manifestações corporais e/ou as mudanças na entonação da voz, etc, que são adotadas durante a entrevista (Duarte, 2002). Tudo isso fornece elementos significativos para a leitura/interpretação posterior daquele depoimento, bem como para uma melhor compreensão do universo investigado. O surgimento da pandemia da COVID-19 e a imposição do distanciamento social acelerou tal adaptação nos estudos qualitativos. As entrevistas presenciais foram bruscamente interrompidas e restritas à realização em plataformas virtuais. Entre as mudanças provocadas pela pandemia, muitas universidades compraram licenças de videoconferência para suas comunidades acadêmicas, promovendo as plataformas Zoom®, Microsoft Teams® e Google Meet®, por exemplo, como meio de comunicação e realização de atividades acadêmicas, inclusive entrevistas qualitativas de pesquisa. A transição de entrevistas em pesquisa qualitativa realizadas de forma presencial para as entrevistas online realizadas através de plataformas virtuais, cresceu e possibilitou a continuidade da pesquisa, mas também trouxe reflexões e adaptações necessárias na metodologia (Oliffe et al., 2021). Há discussão sobre as plataformas disponíveis (Santhosh, 2021) e também benefícios, desafios e considerações práticas sobre aspectos éticos (Pocock et al., 2021; Varma et al., 2021). Há inclusive propostas de diferentes formatos - síncrono (com vídeo ou apenas chat) e assíncrono (via e-mail ou troca de mensagens por aplicativos) (Namey et al., 2021). Em especial, neste capítulo, parte-se da ideia de que dentro da pesquisa qualitativa, “as narrativas realizariam mediações entre o interior e o exterior ao eu na relação ser-no-mundo” (Castellanos, 2014). Considerando a complexidade da narrativa em tempos de COVID (Gubrium e Gubrium, 2021), é oportuno uma discussão dos benefícios e das limitações do uso desses recursos, com destaque especial à produção de narrativas sobre experiências de saúde e doença.

2.Contributos e Limitações

A seguir serão apresentadas as contribuições e vantagens sobre a utilização de recursos online na realização de pesquisas e intervenções, bem como as limitações e desvantagens do método, apontadas pelos textos selecionados para a revisão narrativa aqui apresentada. Note-se que há textos que são anteriores à irrupção da pandemia por COVID-19 e outros mais recentes que relatam experiências com o uso dessas ferramentas durante o enfrentamento da crise. A primeira grande contribuição da modalidade online reside no fato de que, com a chegada da pandemia e a imposição de restrições de contato presencial, as ferramentas da internet viabilizaram a continuidade de pesquisas qualitativas, embora o seu uso já estivesse em franca expansão. A crescente aceitação no uso dessa modalidade foi então forçada pela crise sanitária, isto é, passou a ser uma tendência que a pandemia acelerou e se disseminou, pelo menos no curto prazo, mas que tende a permanecer e a se aprimorar mesmo quando finde a crise. A utilização do recurso remoto, quer seja via plataformas virtuais da web, software de videoconferência, fóruns de discussão online, redes sociais, quer seja na temporalidade síncrona ou assíncrona, na natureza do meio de comunicação via texto ou vídeo, é o tema de estudo dos textos revisados. Tais estudos variam quanto ao propósito do uso do método online: há estudos que avaliam as suas propriedades no tratamento de pacientes com doenças degenerativas ou crônicas, tais como a esclerose múltipla (Richardson & Moti, 2021; Synnot et al., 2014), síndrome de Sjogren (Davies et al., 2020), câncer (Emard et al., 2021); estudos que comparam os resultados de intervenções remotas com outras presenciais (Namey et al., 2021; Wong et al., 2021); estudo de caso sobre intervenções remotas em situação de conflitos humanitários (Chiumento et al., 2018); estudos sobre os benefícios, desvantagens e concessões derivadas de estudo com entrevistas em plataformas virtuais (Oliffe et al., 2021; Upadhyay & Lipkovich, 2020; Varma et al., 2021); e estudos das melhores práticas metodológicas de pesquisa online para pesquisadores e educadores (Gregory, 2018), rigor metodológico na execução de pesquisas qualitativas virtuais (Schlegel, 2021) e revisões de literatura sobre alternativas online, riscos e benefícios (Davies et al., 2020; Drewniak et al., 2020). As vantagens da utilização das atividades de pesquisa e intervenções online assinaladas pelos estudos podem ser, assim, organizadas: 1) Eliminação de barreiras geográficas: os métodos online podem facilitar a participação em pesquisas para pessoas que, de outra forma, não poderiam participar por razões de distância geográfica (Synnot et al., 2014), com a vantagem de que o pesquisador pode coletar dados remotamente de indivíduos em vários locais (Namey et al., 2021). 2) Redução de impacto ecológico: reduzem o impacto ecológico ao eliminar a necessidade de viajar ou se encontrar pessoalmente (Namey et al., 2021). 3)Redução de gasto temporal: redução de comprometimento e agravos ao meio ambiente devido à eliminação de viagens (Chiumento et al., 2018). 4) Promoção de acessibilidade: estende a coleta de dados às populações marginalizadas ou àqueles para os quais viajar pode ser difícil (Namey et al., 2021). As atividades online têm demonstrado funcionar bem com populações que enfrentam desafios de saúde únicos e condições crônicas (Synnot et al., 2014), além de permitir o controle da fadiga e reduzir o estresse associado a viagens, o que pode resultar em dados mais ricos e aprofundados e uma experiência mais agradável para o participante (Richardson & Moti, 2021; Synnot et al., 2014). Por sua vez, permite acesso aos médicos por meio de visitas virtuais baseadas na web e telessaúde, tornando possível driblar as barreiras existentes para o cuidado, com potencial para preencher lacunas importantes no tratamento de determinadas doenças, tais como o câncer (Emard et al., 2021). 5) Redução de custos econômicos: os fóruns de discussão online permitem envolver consideravelmente mais pessoas do que em grupos focais convencionais, reduzindo custos de financiamento (Synnot et al., 2014). Estudos de entrevistas presenciais em vários locais incorrem em custos diretos e indiretos significativos, muitos dos quais estão vinculados a viagens do pesquisador e salários associados, diárias e despesas de acomodação; já os estudos online têm custos reduzidos para estender o alcance e a inclusão do recrutamento (Oliffe et al., 2021). 6) Flexibilidade: a realização de entrevistas por meio do chat de vídeo pode ter facilitado a inclusão de indivíduos que não se apresentariam como voluntários para reuniões pessoais (Upadhyay & Lipkovich, 2020). A flexibilidade de participação em um fórum online também pareceu ser mais conveniente para os participantes (Synnot et al., 2014). Ainda, foi reportado que a flexibilidade da entrevista online facilitou a inclusão de participante no estudo, o que significa que ela poderia organizar a entrevista em torno de outros compromissos (Chiumento et al., 2018). 7) Qualidade empírica dos dados: os métodos online não comprometem os dados gerados. Quando comparadas com grupos focais presenciais, observam-se temas semelhantes nas transcrições, embora os grupos focais gerassem discussão e o fórum online gerasse reflexão e descrição criteriosas (Synnot et al., 2014). Estudos empíricos recentes projetados para comparar características de conjuntos de dados qualitativos gerados pessoalmente e online encontraram algumas diferenças na quantidade de dados fornecidos pelos participantes, mas muito pouca diferença no conteúdo temático das respostas (Namey et al., 2021). Oliffe et al. (2021) referem alta qualidade e profundidade das informações pessoais compartilhadas em entrevistas mediadas por tecnologia. Um contraponto aparece especificamente na comparação de grupos focais presenciais e fóruns online, neste caso, constata-se que as respostas dos participantes no fórum online foram mais sucintas e limitadas ao tópico, mas na interação dos grupos focais presenciais foi maior (Synnot et al., 2014). 1) Conforto, bem-estar e confiança: Davies et al. (2020) observaram que tópicos de pesquisa sensíveis podem ser confortavelmente discutidos em formatos online. Por sua vez, Namey et al. (2021) apontam o fenômeno descrito como “efeito de desinibição online”, o qual deriva de estudos que sugerem que os indivíduos são mais propensos a expressar opiniões ou comportamento socialmente não sancionado ou altamente pessoal (“sensível”) em configurações online. Oliffe et al. (2021) encontraram em seu estudo sobre homens que romperam os seus relacionamentos durante a pandemia que os benefícios de ser entrevistado em casa foram especialmente evidentes na conversa franca e livre por parte desses homens. Os pesquisadores observaram que os participantes estavam especialmente relaxados conversando em suas salas de estar, cozinhas e escritórios domésticos - muitas vezes cercados por pertences pessoais, o que por extensão ajudou na riqueza das conversas. A maior das limitações do método online é a tecnológica, isto é, o canal que permite a comunicação e interação entre pesquisador e participante. Não menos relevante é a barreira social da desigualdade de acesso às tecnologias, a qual é a responsável pela exclusão digital (Coelho & Conceição, 2021). Dentre as desvantagens e limitações encontradas na revisão de literatura, podemos assinalar: 1 -Acessibilidade restrita: as atividades virtuais podem não ser acessíveis a todos devido ao acesso limitado à Internet ou à tecnologia, como é o caso de pessoas que residem em áreas rurais com baixa largura de banda. Os dados sobre reembolsos de telemedicina do Medicare sugerem que as disparidades de acesso virtual são especialmente proeminentes em pacientes com status socioeconômico mais baixo, que têm mais de 85 anos e que estão em comunidades de cor (Emard et al., 2021). 2 -Problemas tecnológicos: problemas fora de controle do pesquisador como os de conectividade com a Internet podem prejudicar a pesquisa (Oliffe et al., 2021). De igual maneira, a captura de áudio e vídeo (congelamento, desfoque, irregularidades e áudio fora de sintonia), às vezes, estavam comprometidos pelo sinal, o que pode levar o pesquisador a abdicar do recurso de imagem (Oliffe et al., 2021). Por sua vez, câmeras mal ajustadas e iluminação precária que encobre os rostos dos participantes podem ser interpretadas erroneamente como desinteresse. Os desafios técnicos potenciais incluem problemas de qualidade de som ou webcam, um intervalo de tempo no feed de áudio/vídeo, o que significa que o som e/ou vídeo é transmitido mais lentamente do que em tempo real e dados potencialmente perdidos como resultado de falha tecnológica (Chiumento et al., 2018). 3- Limitação de captura da linguagem não-verbal: as entrevistas com zoom podem botar a perder oportunidades valiosas para os pesquisadores captarem nuances sutis, incluindo a linguagem corporal e as expressões faciais (Oliffe et al., 2021). Além disso, o pesquisador é desafiado a ouvir o que é dito e ver claramente o que é mostrado, podendo comprometer o valor e a qualidade da entrevista e, por extensão, as interpretações desses dados. Mesmo quando disponível, o vídeo restringe a presença física, ao exibir apenas a cabeça e os ombros do participante, deixando ausente outra linguagem corporal, tais como posicionamento de mãos e pernas. Conexões não verbais simples, como contato visual, são impossíveis em formatos online (Chiumento et al., 2018). Além disso, no contexto do estudo transcultural conduzido por Chiumento et al. (2018) no Sul da Ásia, a disponibilidade de expressões faciais não pode ser presumida, visto que as culturas dos participantes da pesquisa incluem mulheres que usam véus para cobrir o rosto. Isso afetou a disponibilidade de pistas não verbais, como sorrisos e, ocasionalmente, a clareza das declarações verbais. Por último, ruídos durante as entrevistas podem levar à interpretação errônea de pistas visuais, como sorrisos ou virar a cabeça, que podem ser pistas não-verbais relacionadas à conversa, ou uma resposta à presença de outras pessoas no recinto (Chiumento et al., 2018). Entrevistas online sem vídeo, de acordo com os autores, são caracterizadas como “desencarnadas”, com a remoção de pistas não verbais agindo de forma a limitar a contextualização da entrevista e que potencialmente reduzem o impacto do entrevistador no encontro da entrevista. 4- Riscos éticos: devido ao formato online, o pesquisador não consegue controlar o ambiente do participante para garantir a confidencialidade. Essa assimetria na segurança relativa do pesquisador versus a do participante traz uma dimensão adicional ao local das entrevistas que pode ter implicações éticas. Além disso, é possível, por exemplo, que os participantes tenham autocensurado as suas respostas por medo de dizer coisa “errada” na frente dos colegas, o que provavelmente afeta a profundidade dos dados da entrevista (Chiumento et al., 2018). 5 -Ruídos e distrações do ambiente: Oliffe et al. (2021) relatam como desvantagens as interrupções constantes como entregas de encomendas, verificações de alarme de incêndio, jardinagem e barulho de vizinhos, e o barulho de escritórios domésticos compartilhados que rotineiramente desafiavam a capacidade do pesquisador de garantir um ambiente silencioso para ouvir ativamente e conversar em particular. Esses ruídos não são totalmente silenciados por fones de ouvido ou microfones direcionais. Na verdade, o fluxo e a espontaneidade das perguntas podem se tornar cada vez mais afetados ou cortados na ausência de alguns ajustes. 6 -Barreiras na construção do rapport: limitações metodológicas notáveis ​​incluem barreiras para construir rapport, devido a pistas visuais e não visuais parciais e dificuldades de interpretação de pausas ou silêncios (Chiumento et al., 2018). Tal situação é ainda mais agravada quando as entrevistas são conduzidas com a presença de um intérprete: a presença de um terceiro desconhecido adicional também pode impactar na construção de relacionamento, já que as conversas e, portanto, as conexões entre o pesquisador e o participante são mediadas por outrem (Chiumento et al., 2018). Ter um relacionamento anterior com o pesquisador, juntamente com familiaridade e conforto com formatos online, foi identificado por um participante como um fator-chave para influenciar até na construção de um relacionamento com o pesquisador que facilitou a condução da entrevista (Chiumento et al., 2018). Em suma, a entrevista online apresenta potencial e versatilidade metodológica e ética, mas não deve ser vista como uma opção fácil (Chiumento et al., 2018). Embora muitas decisões tenham surgido da necessidade, no futuro, os pesquisadores terão a chance de ser mais intencionais sobre a seleção e o uso de modos online de coleta de dados para complementar ou substituir as sessões presenciais (Namey et al., 2021). Ainda que reconheçamos que as entrevistas online tenham potencial e versatilidade metodológicos e éticos, existem desafios práticos inerentes em ambientes com infraestrutura deficiente de Internet e eletricidade (Chiumento et al., 2018).

3.Exemplos Práticos de Entrevistas em Plataformas Online

O Projeto Narrare-COVID 19 é uma proposta inovadora de compartilhamento virtual de narrativas de adoecimento e experiências de cuidado vivenciadas por pacientes, familiares, e profissionais, as quais vêm sendo produzidas através de pesquisa qualitativa com o método HERG - Health Experiences Research Group - desenvolvido pela Universidade de Oxford. Os autores da proposta integram o grupo de pesquisadores brasileiros da rede DIPEx International (DI). O objetivo do projeto Narrare-COVID 19 é compreender, através das narrativas, a experiência de adoecimento de pacientes e a experiência de seus familiares e profissionais de saúde implicados na pandemia da COVID-19, em várias cidades brasileiras. As entrevistas estão sendo registradas em áudio e/ou vídeo, de acordo com a preferência do participante e, após a aplicação da técnica da análise temática (Braun & Clarke, 2012), terá trechos compartilhados no site http://www.narrativasesaude.ccs.ufrj.br. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Parecer nº: 4.122.023 de 29/06/2020, CAAE: 31450720.9.0000.5257

3.1 Exemplo 1

Um primeiro exemplo que gostaríamos de destacar foi a forma de recrutamento de participantes de parte do Projeto Narrare-COVID 19 voltado para “A experiência de adoecimento por COVID-19 de pessoas hospitalizadas em instituições privada” que busca recrutar participantes de maneira intencional, através das mídias sociais (WhatsApp®, Instagram® e LinkedIn®). O entrevistador anunciou através de uma mensagem padrão criada por ele, o recrutamento de participantes que tenham tido experiência de hospitalização em instituições privadas e estejam interessados em conceder uma entrevista relatando sua experiência de adoecimento. A mensagem padrão inclui o objetivo, a proposta do Projeto Narrare-COVID 19, a relevância das entrevistas, como também, os dados de contato para quem se interesse em participar ou obter mais informações. Abaixo, segue mensagem detalhada: “Prezados, Se você ficou internado ou conhece alguém que ficou internado (enfermaria ou CTI) em algum hospital privado e tem interesse e disponibilidade para dar uma entrevista sobre sua experiência de adoecimento, entre em contato comigo. Essa entrevista será parte do meu projeto de mestrado que tem como ênfase “a experiência de adoecimento da população infectada pela COVID-19” e também fará parte de uma pesquisa maior, em nível internacional, intitulada: “Pandemia COVID-19 e a produção de narrativas por pacientes, familiares e profissionais de saúde brasileiros” que tem como objetivos: (1) conhecer as experiências vividas por pessoas que adoeceram e se recuperaram da COVID-19 (novo coronavírus); (2) compartilhar em uma página eletrônica da internet, especificamente criada para isso, sob responsabilidade dos pesquisadores da UFRJ, partes do vídeo e/ou áudio das entrevistas colhidas. Ou seja, o participante será convidado a assinar um termo de autorização de voz e imagem gravadas, autorizando ou não o compartilhamento de sua imagem para os devidos fins. O objetivo dessa pesquisa é permitir que pessoas comuns, estudantes e profissionais de saúde possam conhecer o que sentem e pensam pessoas com COVID-19, familiares de pessoas que tiveram COVID-19, e profissionais de saúde que trataram alguém com COVID-19 durante a pandemia. Inicialmente, a entrevista acontecerá pela internet em dia e hora a combinar. Meu contato para informações e disponibilidade de entrevista. E-mail: xxxxxxxxxxxx@ufrj.br e telefone: (xx)xxxxxxxxx. Sua contribuição é muito importante e valiosa. Obrigada!”. A mensagem, quando divulgada através do aplicativo WhatsApp®, dirigiu-se a grupos específicos com vínculos acadêmicos com a entrevistadora, compostos por múltiplos profissionais de diferentes áreas da saúde, homens e mulheres, de diferentes estados do Brasil e de diversas faixas etárias que, em sua maioria, compartilharam a mensagem padrão em outros grupos sociais, por livre e espontânea vontade. Através do compartilhamento da mensagem padrão pelo aplicativo, alcança-se ainda mais pessoas. Ao se interessar, o potencial entrevistado entra em contato por e-mail ou aplicativo (WhatsApp). No primeiro contato, é enviada toda a documentação para que a entrevista aconteça (ficha sociodemográfica, termo de autorização de imagem e/ou voz e Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE). Após o recebimento da documentação, agenda-se com o entrevistado, a data e a hora para a entrevista online. Das 15 pessoas que já foram alcançadas a partir da mensagem padrão, 12 foram, de fato, entrevistadas. Dentre os três que desistiram, dois retornaram os documentos preenchidos e assinados, entre eles o TCLE, um respondeu à mensagem, mas não entregou os documentos e as justificativas para o não prosseguimento para a entrevista foram razões pessoais. A divulgação da mensagem a partir das redes sociais Instagram e LinkedIn, também se deu através do uso da mensagem padrão citada anteriormente. Basicamente, a mensagem foi divulgada no “feed” (texto exposto de maneira permanente) e no “story” (texto exposto por um período de 24 horas), com a intenção de alcançar qualquer pessoa, seja aquela que se encaixa no perfil da entrevista ou que conheça alguém que viveu a experiência do adoecimento da COVID-19 necessitando internação em alguma instituição privada. Neste segundo caso, novamente, o compartilhamento da mensagem padrão pelas ferramentas dos próprios aplicativos citados foi fundamental para o contato do potencial entrevistado com o entrevistador. O alcance das mídias sociais foi usado para impulsionar a mensagem padrão; as pessoas que não puderam ser acessadas diretamente, o foram indiretamente. Neste primeiro exemplo, a inclusão de participantes foi enormemente facilitada pelas mídias sociais, permitindo chegar a pessoas, algumas inalcançáveis pelo pesquisador até pela distância geográfica e outras talvez não pudessem ser alcançáveis por outros meios.

3.2 Exemplo 2

O sistema de mensagem textual do aplicativo WhatsApp® também foi utilizado para o recrutamento e envio de convite aos potenciais participantes no grupo de pesquisa Crianças com Necessidades de Saúde Especiais, condições crônicas e as suas famílias, o Grupo Crianes, registrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - o CNPq - do Brasil. A técnica de snowball iniciou-se pelo envio de mensagem ao grupo, frequentado por 50 profissionais de saúde (enfermeiros, fisioterapeuta, educadores) e estudantes que desenvolvem pesquisas de iniciação científica, e de conclusão de curso. São pessoas que atuam no Sistema Único de Saúde, como profissionais das redes de atenção ou estudantes desenvolvendo práticas de estágio. Muitos atuavam na linha de frente do atendimento às pessoas com COVID-19, na atenção primária (rede de atenção básica) e atenção hospitalar para pacientes com a doença. Fez-se uma chamada por voluntários interessados em “compartilhar experiências de profissionais de saúde de cidades do estado do Rio de Janeiro, que adoeceram com a COVID-19, por meio de entrevista em ambiente online”. Informou-se que o estudo faz parte do objetivo geral do projeto Narrare COVID-19, que é “compreender, através das narrativas, a experiência de adoecimento de pacientes, e a experiência de seus familiares e profissionais de saúde implicados na pandemia da COVID-19, em várias cidades brasileiras”. Informou-se que o Projeto de Pesquisa foi aprovado pelo CEP, apresentaram-se os critérios de seleção (inclusão e exclusão), tais como ser profissional de saúde, ter apresentado sintomas gripais clinicamente compatíveis com a doença, ter testado positivo para a COVID-19, permanecido em tratamento ambulatorial ou em internação hospitalar, ter acesso à internet, ter disponibilidade e reservar 60 minutos para a entrevista online, em dia e hora de livre escolha. Disponibilizaram-se os contatos da pesquisadora Ivone Evangelista Cabral (e-mail e número de WhatsApp privado) para manifestação do aceite, esclarecimentos adicionais e envio do convite com os documentos da pesquisa. Para aqueles que aceitaram participar da pesquisa como voluntário, foram enviados a ficha sociodemográfica, o termo de autorização de uso de imagem e/ou voz, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, as orientações sobre como proceder para devolvê-los, por WhatsApp®, correio eletrônico ou pessoalmente. Desse modo, atendeu-se à determinação da regulamentação ética da pesquisa com seres humanos adotada no Brasil (Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012 e Resolução nº 510/ 2016), sobre o processo de consentimento e a obtenção do registro do consentimento, com as adaptações necessárias ao cenário de pesquisa online. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) refere-se a todas as etapas que são necessariamente observadas, para que o convidado leia e analise as condições necessárias para participar de uma pesquisa e, assim, se manifestar de forma autônoma, consciente, livre e esclarecida. Desse modo, respeitou-se o tempo adequado para que a pessoa convidada refletisse, consultasse, se julgasse necessário, os seus familiares ou outras pessoas a ajudá-los na tomada de decisão livre e esclarecida para participar da pesquisa. O registro do consentimento consiste no ato declaratório do pesquisador responsável que expressa o cumprimento das exigências éticas de garantia de sigilo, confidencialidade, bem como da manifestação formal do participante como voluntário da pesquisa. Somente após a devolutiva dos TCLE assinados, como anexo de mensagem textual do aplicativo, ou via correio eletrônico, agendou-se a entrevista na Plataforma Zoom, em dia e hora mais conveniente para o participante. Para assegurar o anonimato, os requisitos necessários para o desenvolvimento da entrevista foram compartilhados pelo aplicativo, individualmente para cada participante-contato. Para eles e elas, informou-se o link de acesso à plataforma; para aqueles que optaram pela telefone celular como ferramenta de acesso à plataforma, enviaram-se diretrizes para fazer o download do aplicativo no aparelho celular; reafirmou-se o tempo de entrevista máximo de uma hora; orientou-se a buscarem um ambiente livre de circulação de transeuntes, sem ruídos ambientais e com boa iluminação; posicionamento do telefone celular com a tela no modo de paisagem; manter o microfone e a câmera ligada durante a entrevista. Os preparativos do pesquisador no dia da entrevista consistiram na configuração da tela de fundo da plataforma Zoom para mostrar um ambiente sem sombras, com boa iluminação, livre de circulação de transeuntes, sem ruídos ambientais, mantendo-se o microfone e câmera ligados durante toda a entrevista. Para aqueles participantes com pouca ou nenhuma familiaridade com ferramentas digitais, procedeu-se a um teste de uso da plataforma antes do dia agendado para a entrevista. Os participantes que optaram pelo equipamento laptop, tablet ou computador de mesa, receberam as mesmas recomendações pertinentes ao pesquisador. Combinou-se que diante da possibilidade de queda na conexão de internet, ficaríamos atentos às mensagens do aplicativo de WhatsApp. Essas iniciativas evitaram o desgaste relacionado às falhas no uso da tecnologia de informação digital e interrupções no ritmo da entrevista online.

3.3 Exemplo 3

Um terceiro exemplo que gostaríamos de destacar foi a forma de inclusão de Agentes Comunitários de Saúde (ACS) da cidade do Rio de Janeiro. Os primeiros contatos mostraram o desafio da inclusão de ACS entre os profissionais de saúde participantes, em função da qualidade de imagem e som decorrentes da intensidade do sinal da rede e do próprio equipamento de captação de imagem e som. Considerando que todos optaram por ceder a sua imagem e voz, pedimos a colaboração a um profissional de uma Clínica da Família, que já havia sido entrevistado, no sentido de nos colocar em contato com eles. Depois de lerem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o termo de autorização de imagem e/ou voz e a ficha sociodemográfica, eles foram entrevistados em sequência, numa mesma tarde, tendo o nosso colega colaborador emprestado seu tablet (iPAD®), ajudado a realizar a conexão através da Plataforma Zoom®, providenciado uma sala (de Raios X) para captar a imagem e voz nas melhores condições de silêncio possíveis numa Clínica da Família do município do Rio de Janeiro, tendo o sinal de rede dessa mesma Clínica.

3.4 Exemplo 4

Também a partir do projeto Narrare COVID-19, está sendo desenvolvido em São Paulo, o projeto “Pandemia COVID-19 e a produção de narrativas de mulheres periféricas e as suas familiares na cidade de São Paulo”, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Parecer nº 4.703.055. O objetivo aqui é compreender a experiência de adoecimento de moradoras e das suas familiares, de uma região específica: o Jardim Colombo. Localizado na Zona Oeste da cidade de São Paulo, é parte do complexo de Paraisópolis, a segunda maior favela da cidade e a quarta da América Latina (Gohn, 2010). A população do território - aproximadamente 18.000 pessoas - é marcada por diversas desigualdades e vulnerabilidades, como o direito à moradia digna, saneamento básico, mobilidade urbana e segurança pública e alimentar. As participantes foram inicialmente selecionadas de forma intencional, a partir da coorte de pacientes diagnosticados do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC). Foram usados os endereços de moradia cadastrados, para que fossem selecionadas as mulheres residentes de Paraisópolis ou Jardim Colombo. Diante da dificuldade de contato, foi realizada emenda para que fosse possível utilizar o método de bola de neve e, também, indicações de mulheres elegíveis pelas articuladoras locais, sobretudo da Organização Não-governamental (ONG) Fazendinhando. Tal grupo atua no território, desde 2017 e que durante todas as adversidades da pandemia distribuiu cestas básicas aos moradores. Notamos que o contexto da periferia acentuou a rede de solidariedade entre vizinhos e da comunidade de uma forma particular. Entrevistamos online uma das lideranças locais e ficou evidente, a força da mobilização social. Como será comentado a seguir, conseguimos realizar entrevistas também com o apoio de tais lideranças. Os dados da coorte permitiram localizar oito mulheres, todas elas convidadas por contato telefônico, com aceite de duas. Conseguimos pela parceria com as articuladoras locais mais quatro indicações, tendo uma recusa. Também contamos com a ajuda e apoio de um médico de família e da comunidade que atua no território do Jardim Colombo, com inclusão de mais dois casos. Totalizando sete entrevistas online. Todas as participantes que aceitaram participar receberam o termo de autorização de uso de imagem e/ou voz, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, via Whatsapp®. A ficha sociodemográfica foi preenchida verbalmente pela participante, no início da entrevista. Por opção das entrevistadas a plataforma usada foi o Google Meet®, em razão da praticidade de uso, dispensando a necessidade de instalação de aplicativo. Entre as sete mulheres que tiveram COVID-19, residentes no bairro, duas autorizaram apenas a gravação de áudio. O apoio das articuladoras locais permitiu também melhor acesso a internet. Em um dos casos, para realizar a entrevista, uma participante foi até a casa de uma das lideranças locais que possui uma rede de internet de melhor qualidade. Escutar essas narrativas, no ambiente de pesquisa online, nos faz entender que a pandemia atingiu desproporcionalmente cada recorte da população e que se faz urgente a elaboração de políticas públicas e de fomento ao terceiro setor que colaborem para o combate a desigualdade social, a fome e as iniquidades de saúde. É válido apontar que a voz das crianças é uma marca presente em algumas narrativas dessas mulheres. Com isso, a experiência de adoecimento atinge o cuidado das crianças de uma forma singular. Outro ponto observado até o momento, foi a ausência de familiares que tenham acompanhado tal experiência. Cabe por fim reforçar, o descompasso entre a qualidade dos achados e a quantidade de pixels e clareza do som. Em um dos casos, a câmera do aparelho celular quebrou na véspera da entrevista e frente a todo empenho para que a entrevista acontecesse, optou-se pela interação apenas com o áudio, o que trouxe mais dificuldade para interpretar pausas ou silêncios. O trabalho de campo segue em andamento e frente a intenção de contar com a narrativa do pesquisador, como um segundo nível interpretativo, (Castellanos, 2014) as entrevistas têm sido seguidas pela construção de um diário de campo. Ouvir mulheres periféricas é um convite/convocação para contextualizar os resultados da entrevista online, incluindo elementos indiretos.

4.Considerações Finais

Os quatro exemplos descritos foram desenvolvidos ao longo da maior crise sanitária global, onde a necessidade de isolamento social fortaleceu novas modalidades de comunicação mediadas por tecnologias e ilustram as contribuições e limitações do método, descritas na revisão narrativa. A origem no projeto Narrare COVID-19 faz com que todos eles tenham um objetivo principal comum e as entrevistas online apresentaram, portanto, similaridades em relação aos cuidados éticos, ao roteiro de entrevista e ao compromisso do registro audiovisual, quando autorizado pelo participante. Focamos nos exemplos do uso das tecnologias, mas cabe, mesmo que de forma breve, marcar o cuidado da pesquisa ao lidarmos com as pessoas, a cada entrevista. O agendamento flexível, priorizando a disponibilidade do participante, a versatilidade de plataformas, o respeito à duração das entrevistas sem excessivo desgaste dos participantes e sobretudo a escuta atenta no momento do encontro. Ainda nesta direção, o grupo de pesquisa realizou reuniões periódicas de alinhamento entre as pesquisadoras, localizadas em cidades diferentes (via Google Meet® e também por trocas via Whatsapp®), que vêm permitindo o planejamento e acompanhamento da implementação. Houve diferenças em relação às estratégias de recrutamento e disponibilidade de infraestrutura disponível aos entrevistados, no que tange ao acesso a internet e/ou a plataforma (Zoom® e Google Meet®). Tais diferenças levaram a adaptações, como o preenchimento da ficha sociodemográfica abrindo a entrevista e também opção apenas pelo áudio. Sendo aqui importante pontuar, a inclusão desigual em relação ao acesso e uso da internet no Brasil, sendo que cada vez mais o acesso é realizado por dispositivos móveis (Senne et al., 2020). Ensaio recente explora a aprendizagem não linear da população e sobretudo a oportunidade/necessidade de uma ciência cidadã pesquisa. As autoras fazem apontamentos sobre a herança pós-pandêmica para as práticas de pesquisa qualitativa (Sousa e Mendonça, 2021). Na mesma direção, a reflexão iniciada aqui deixa novas perguntas sobre a entrevista online: Como a identificação e trabalho em parceria com articuladores locais pode ser adaptada para outros locais? Quais outras estratégias e recursos podem favorecer a inclusão de pessoas com acesso restrito aos recursos digitais de comunicação? Quais as particularidades do diário do trabalho de campo para entrevistas online? Como reconhecer os elementos indiretos presentes neste tipo de interação mediada por tecnologia? Como a pesquisa colaborativa que nos permitiu ouvir os outros influencia a nossa experiência pessoal da pandemia? A pandemia, ainda em curso, pede reflexão e diálogo sobre os seus impactos (individuais e coletivos, globais e locais, bio-psico-sociais, entre tantos). Defende-se que as narrativas são forma importante para conhecer e compreender as espessuras significativas da experiência humana de adoecimento. Dessa forma, a adoção consistente de entrevistas no formato online é um compromisso da articulação entre narrativa e ação social (Castellanos, 2014).

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Recebido: 01 de Novembro de 2021; Aceito: 01 de Março de 2022

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