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New Trends in Qualitative Research

versão On-line ISSN 2184-7770

NTQR vol.8  Oliveira de Azeméis jun. 2021  Epub 25-Nov-2021

https://doi.org/10.36367/ntqr.8.2021.26-34 

Artigos Originais

Covid-19, confinamento e teletrabalho: Estudo qualitativo do impacto e adaptação psicológica em dois estados de emergência

Covid-19, Lockdown and Telecommuting: A Qualitative Study of the Psychological Impact and Adaptation in Two Emergency States

1 Centro de Investigação em Psicologia - Universidade Autónoma de Lisboa, Portugal

2 Universidade Autónoma de Lisboa, Portugal


Resumo:

Introdução Desde o primeiro caso de Sars-Cov-2 reportado, os estudos realizados, indicam o impacto negativo na saúde mental, com níveis elevados de medo, ansiedade e sintomas depressivos. Em Portugal, a percentagem de morbilidade mental é elevada. Ter baixo rendimento económico, ser jovens e mulher aumenta o risco de vulnerabilidade psicossocial. Poucos estudos focam as vivências subjetivas e os processos de adaptação em diferentes fases da pandemia; Objetivos Aceder ao impacto psicológico do confinamento devido à COVID-19 e processo de adaptação na I e III Fases da pandemia (Abril/2020- Janeiro/2021) mediante a realização online de entrevistas semiestruturadas; Métodos As entrevistas de dez portugueses em teletrabalho foram gravadas, transcritas e analisadas recorrendo à metodologia IPA e análise Lexical com Alceste®, permitindo cruzar os resultados atestando a validade das temáticas consensuais; Resultados As classes da análise lexical comprovam os temas emergentes da IPA. Os participantes em teletrabalho, experienciam impacto laboral, familiar e social, sentimentos negativos e dificuldades no equilíbrio trabalho- vida/família, adotando estratégias de adaptação psicológica eficazes desde o início da pandemia. No segundo confinamento, relevam menor ansiedade, mas maior desgaste, frustração, adaptando as estratégias de autorregulação ao longo do tempo; Conclusões Ao identificarem as dificuldades e impacto negativo do confinamento, os participantes adotaram intuitivamente estratégias adaptativas de autorregulação cognitiva, comportamental e emocional diferentes ao longo do tempo, em prol da sua saúde mental e bem-estar. Apresentamos um modelo da evolução do impacto psicológico e processo de adaptação em dois confinamentos, possivelmente relevante no delineamento de medidas mais humanizadas e programas de prevenção/intervenção psicológica de proximidade.

Palavras-chave: Covid-19; Teletrabalho; Adaptação Psicológica; Estratégias de Enfrentamento; Regulação Emocional.

Abstract:

Introduction Since the first reported case of Sars-Cov-2, studies show the negative impact on mental health, with high levels of fear, anxiety and depressive symptoms. In Portugal, the percentage of mental morbidity is high. Having low income, being young and female increases the risk of psychosocial vulnerability. Few studies address the subjective experience and adaptation processes in different pandemic stages; Objectives To access the psychological impact of COVID-19 lockdown and adaptation process in Phases I and III of the pandemic (April/2020-January/2021) by conducting online semi-structured interviews; Methods Interviews of ten Portuguese teleworkers were recorded, transcribed and analyzed using the IPA methodology and Lexical Analysis with Alceste®, allowing to compare findings attesting the validity of the consensual themes; Results The classes of lexical analysis corroborate the IPA’s emerging themes. In telecommuting, participants experience work, family and social impact, negative feelings, and difficulties in work-life balance, adopting, efficient coping strategies since the beginning of the pandemic. In the second lockdown, participants show less anxiety, but more stress, frustration, adapting self-regulation strategies over time; Conclusions By identifying the difficulties and negative impact of the lockdown, participants intuitively coped by adopting different adaptive cognitive, behavioral and emotional self-regulation strategies over time for their mental health and well-being. We present a model for the evolution of psychological impact and adaptation processes in two lockdowns, which may help to design more humanistic measures and outreach psychological prevention/intervention programs.

Keywords: Covid-19; Telecommuting; Psychological Adaptation; Coping; Emotional Regulation.

1 Introdução

Desde o primeiro caso reportado com o vírus SARS-Cov-2, a Dezembro de 2019, em Wuhan, a expansão global foi galopante, exigindo esforços conjuntos dos governos, agências, populações e investigadores campos científicos variados, no estudo e proteção face à pandemia de Covid-19. Diversos estudos quantitativos foram publicados sobre o impacto da pandemia ao nível físico, social e mental, mas poucos focaram as perceções e vivências subjetivas da pandemia, consequente confinamento e respetivos processos de adaptação psicológica aos constrangimentos físicos, sociais e laborais. A investigação qualitativa contribui para a compreensão do impacto e processos de adaptação psicológica à pandemia em condições de confinamento, no campo teórico do coping e autorregulação. Informações sobre os processos individuais poderão contribuir para o ajustamento de medidas e construção de materiais informativos baseados na evidência científica quantitativa e qualitativa. A pandemia provocou medo na população pela sobrecarga de notícias e incompreensão das medidas governamentais nem sempre claros ou contraditórios. (Ivbijaro, et al., 2020). Peritos e jornalistas contribuíram para transmitir informação relevante necessária à mudança comportamental, ocupando grande parte do espaço informativo em simultâneo com a circulação de outras informações menos fidedignas nas redes sociais.

Em prol da saúde pública, contenção do número de contágios, internamentos e mortes, foram decretados em Portugal dois estados de emergência com confinamentos totais prolongados (I Fase, 18/ Março-2Maio/2020 e III Fase, 15/Janeiro-Abril/2021) Implicaram a limitação da mobilidade e liberdade individual, o distanciamento físico de família, amigos e colegas, o encerramento das escolas, de muitos setores de atividade económica e a implementação do teletrabalho sempre que possível. O teletrabalho acarreta longas horas de tempo de ecrã e a conjugação das atividades pessoais, familiares e laborais num único espaço. Condições desafiadoras em termos de bem-estar, saúde mental e equilíbrio entre a vida laboral-pessoal-familiar. Dependendo das características dos trabalhadores, o trabalho em casa e a flexibilidade laboral foram também associados à maior produtividade e bem-estar e à diminuição de custos nas organizações (Merone & Whithead, 2021).

1.1 Impacto do Confinamento Covid-19 na Saúde Mental

Estudos anteriores acerca do impacto da pandemia/confinamento na saúde mental, revelam que a associação a níveis elevados de ansiedade (Huang & Zhao, 2020; Salari, et al. 2020), depressão, stresse, perturbações de sono, sentimentos e emoções como raiva, medo (Torales et al., 2020; Vindegaard, et al., 2020), tédio, medo de contágio e de perda financeira/emprego (Mariani, et al., 2020). O impacto difere entre países, em Portugal Delmastro e Zamariola (2020) encontraram menor stresse e maior bem-estar, mas outros autores identificaram menor saúde mental, e níveis moderados/elevados de ansiedade e depressão. Ser jovem, mulher, ter baixo rendimento económico e instabilidade laboral acresce o risco de vulnerabilidade psicossocial (Oliveira & Fernandes, 2020; Passos et al. 2020; Paulino, et al., 2021). O risco é mais evidente em populações em situação de vulnerabilidade e risco psicossocial/pobreza, sujeitas a perda de rendimentos ou trabalho, dificuldades no acesso à saúde, stresse, desespero, isolamento social e discriminação (Matias et al., 2020).

A solidão e as dificuldades de autorregulação emocional associam-se aos sintomas depressivos e são fortes preditores longitudinais de saúde mental (Goarke, et al., 2021). Se quem se encontra em teletrabalho sente dificuldades na gestão do equilíbrio trabalho- família, a solidão e a falta de propósito é sentida por quem vive sozinho (Carnevale & Hatac, 2020). Mais do que o medo de contágio, o confinamento surge associado ao maior isolamento, solidão, menor bem-estar e saúde mental. Num estudo qualitativo verificaram que 90% dos participantes reconheceram impactos negativos na saúde mental, reportando dificuldades no acesso à tele-saúde, falta de suporte social, elevada ansiedade, solidão, medo, incerteza, dor e raiva.

1.2 Estratégias de Adaptação

A adaptação psicológica poderá incluir as estratégias de coping e autorregulação emocional-cognitiva-comportamental mais ou menos adaptativas face à situação. A dificuldade na gestão do horário/condições de trabalho em casa, constitui um fator de risco para o stresse (Reizer, et al., 2021). A falta de suporte familiar e a desregulação emocional associadas ao stressor confinamento, predizem um aumento dos sintomas depressivos e ansiosos O suporte social familiar (telecontacto com família/amigos/colegas), entreajuda (Mariani, et al., 2020), nível educativo e flexibilidade psicológica são fatores de resiliência, protetores da saúde mental (Gloster, et al., 2020). Para Fernandez, et al. (2020) a comunicação digital foi a estratégia mais usada no combate à solidão em confinamento. A manutenção das rotinas, atividade física/ao ar livre, hobbies, meditação, autocuidado, alimentação; as estratégias de coping de focalização (no trabalho e limitação de exposição às notícias), resolução de problemas, orientação para a tarefa, suporte social; e de autorregulação como o otimismo e a procura de um sentido, contribuem para o sentimento de “normalidade” exercendo um efeito protetor face a ansiedade e depressão (Cruz, et al, 2020; Fullana, et al., 2020; Gao, et al., 2020; Gerhold, 2020; Ivbijaro, et al., 2020; Matias et al., 2020).

O presente estudo qualitativo com recurso a dois tipos de análise de entrevistas semiestruturadas (IPA/Análise lexical) pretende responder às questões de investigação: Qual o impacto psicológico dos dois confinamentos devido à pandemia de Covid-19 em pessoas em teletrabalho? Quais as estratégias de adaptação psicológica foram adotadas nos dois confinamentos, Março de 2020 e Janeiro de 2021?

2 Metodologia

De uma recolha de dados inicial com 20 participantes, apenas 10 profissionais portugueses em situação de teletrabalho se disponibilizaram a realizar as duas entrevistas (80% Mulheres; 20% Homens) com idades compreendidas entre os 22 e os 51 anos (M=33.6, DP=9.66), licenciados, 80% casados/união de facto e 30% com filhos. A fim de responder às questões em estudo, foram realizadas entrevistas semidiretivas online em dois cortes temporais, na 1ª vaga pandémica/confinamento entre Abril/2020 (tempo 1-T1) e na 3ª vaga pandémica/confinamento Janeiro/2021 (Tempo 2-T2) com a inclusão de três questões relativas às duas últimas semanas: 1) Quais os principais impactos da pandemia Covid-19 na sua vida? 2) Que sentimentos experienciou? 3) Que estratégias adota para lidar com a situação? Esta técnica de recolha de dados qualitativos é útil na compreensão de novos fenómenos, permitindo a emergência de conteúdos, experiências subjetivas, valores, crenças, sentimentos e emoções, próximos da realidade (Aarsand & Aarsand, 2018). A participação foi voluntária, mediante consentimento informado, garantindo o anonimato/confidencialidade, e possibilitando a desistência. As entrevistas foram gravadas, transcritas, preparadas num corpus e apagadas após análise, seguindo o Regulamento Geral Proteção de Dados-RGPD.

Na análise qualitativa, a IPA-Interpretative Phenomenological Analysis ocorreu em etapas (Peat et al., 2018): leitura flutuante independente (3 juízes); leitura/análise fenomenológica e codificação até à saturação do texto independente (3 juízes); discussão conjunta dos temas e subtemas encontrando um consenso e desenvolvimento de um quadro compreensivo do fenómeno (4 juízes); organização síntese dos dados em tabelas/figuras (Fig. 1).

As narrativas de ansiedade relacionavam-se à preocupação consigo e pessoas próximas, à disrupção das rotinas pessoais/trabalho, incerteza quanto ao futuro laboral e na saúde, incrementado para quem tem perturbações mentais prévias. (Ivbijaro, et al. (2020) O prolongamento da pandemia/confinamento, poderá contribuir para uma maior morbilidade das perturbações mentais.

Na análise lexical quantitativa posterior, submetemos separadamente o texto ao software ALCESTE® (Analyse Lexicale par Contexte d’un Ensemble de Segments de Texte) a fim cruzar e aferir a validade dos resultados encontrados na IPA. A análise agrupa as palavras segundo a relevância, raiz e inclusão no texto, reduzindo o enviesamento interpretativo e permitindo a comparação com a análise subjetiva. Após a preparação prévia do texto, a análise decorreu em etapas (Reinert, 1986): a simplificação (identificação de palavras, redução à sua raiz), agrupamento; divisão do corpus a Unidades de Contexto Elementar (UCE’s) com comprimento estandardizado a fim de comparar a ocorrência da distribuição; análise do vocabulário, realização da dupla Classificação Hierárquica Descendente(CHD), posterior Análise Fatorial de Correspondências(AFC), extraindo os grupos representativos/classes lexicais e percentagem de variância; realização de Classificação Hierárquica Ascendente(CHA), acedendo à relação entre palavras intraclasse/contexto. Mediante composição, valores por classe, e inclusão nas UCE’s denominámos cada classe, atribuindo-lhe significado. Neste estudo focámos a composição das classes nos dois momentos de avaliação, na 1ª vaga pandémica/confinamento(T1) e na 3ª(T2) e sua comparação com a análise subjetiva IPA, procurando uma maior validade de resultados qualitativos (Fig.1).

Figura 1:Delineamento do estudo e procedimentos metodológicos. 

3 Resultados

3.1 Análise Qualitativa - IPA

O consenso entre a análise fenomenológica independente resultou nos temas centrais das entrevistas e na emergência de subtemas: 1) Impacto (T1-42.73%/T2-44.37%); 2) Sentimentos (T1-57.31%/T2-55.63%); 3) Adaptação (T1-41%/T2-23.24%). Verificamos que a temática Sentimentos é expressiva em número de ocorrências, seguida do impacto e adaptação, verificando-se uma alteração temporal (tabela 1). Em T1, a qualidade/tempo em família foi valorizada positivamente (30%); salientamos o impacto do confinamento no quotidiano, sobrecarga laboral, gestão de múltiplos papéis e dificuldade no equilíbrio trabalho-família e “em desligar do trabalho”. Socialmente, o impacto apontado foi a falta de liberdade e de contacto físico (80%). Os sentimentos de solidão, medo do contágio e ansiedade associados ao vírus, foram prevalentes, adotando intuitivamente, antes de qualquer campanha informativa, estratégias de autorregulação e coping adaptativas como: atividade física, evitar as notícias; controlar o tempo de ecrã/redes sociais, positividade. Em T2, as dificuldades na gestão quotidiana e equilíbrio trabalho-vida/família mantêm-se (12.68%), acusando desgaste nas condições laborais e sobrecarga de trabalho (23.24%). Ainda que os sentimentos de ansiedade face ao vírus tenham diminuído, aumentam as menções de solidão e isolamento social (32.39%).

As estratégias de coping, autorregulação cognitiva-emocional-comportamental focam-se agora na família, autocuidado e procura de bem-estar (23.24%).

Tabela 1: Resultados da análise IPA das entrevistas dos dois confinamentos (T1/T2). 

3.2 Análise Lexical

O corpus do texto foi reduzido a Unidades de Texto Elementar-UCE, sendo 92% com duas classes(T1), e 71% com quatro classes(T2), considerados relevantes e com riqueza de vocabulário (T1-95%/T2-81%), assegurando a análise satisfatória CHD (Fig. 2). Em T1 a Classe 1-Gestão tempo/trabalho-vida (65.91% das ECU) indica alterações na gestão quotidiana do tempo/atividades em casa, procurando um equilíbrio trabalho-vida/família: “trabalho oito horas e não consigo só oito horas a trabalhar, faz com que prolongue muito mais o tempo disponível e que prolongue o tempo que tenho e para gozo próprio também, faz com que não aproveite tanto como aproveitava” (mulher, 28 anos, s/filhos; X 2 = 10). A classe 2-Impacto, (34.1%) ansiedade e medo relacionados ao vírus/informação: “essa ansiedade evidentemente é provocada pelo isolamento, pelo receio de ficar infetado, pelas consequências que isso poderá ter. E também muito potenciado pela comunicação social, pelas redes sociais, portanto acho que uma das formas de evitar essa ansiedade que qualquer um de nós pode sofrer, no fim e distanciar se um pouco daquilo que vem nas notícias.” (homem, 51 anos, 2/filhos; X 2 = 15).

Em T2, a Classe 1-Impacto (36%) revela menor ansiedade/medo, apesar da preocupação da perda financeira/laboral persistir: “nesta fase da pandemia e comparativamente ao primeiro isolamento, não sinto qualquer tipo de ansiedade.

O primeiro isolamento, como era ainda uma situação nova e completamente desconhecida, teve um maior impacto para mim, nessa primeira fase senti alguma ansiedade e muitos receios/medos relativamente ao contágio.” (mulher, 37 anos, s/filhos; X 2 = 19). A classe 2-Gestão tempo/trabalho-vida (25%) compreende o equilíbrio/gestão quotidiana e adoção de novas rotinas: “(...)A pandemia está a ser passada em família realizando teletrabalho e cursos e-learning, com as escolas em funcionamento é mais fácil o teletrabalho, pois uma criança de 6 anos com aulas online não é de fácil gestão.” (mulher, 44 anos, separada, 1/filho; X 2 = 36). A Classe 3-Adaptação (21%) incorpora estratégias de autorregulação/coping: “O isolamento e a-distância) para com as pessoas de quem mais gostamos é realmente complicado e difícil para todos. O facto de continuar a trabalhar a partir de casa, de aproveitar o tempo para treinar em casa, ver series/filmes, cozinhar e organizar coisas que já há muito tempo pretendia fazer, mas adiava, mantém-me com a mente ocupada e tranquila.” (mulher, 37 anos, s/filhos; X 2 = 22). A classe 4-Sentimentos (18%): “não) é um esforço de todos, o que faz com que me sinta um pouco frustrado e desiludido, o meu estado de espírito, normalmente é assim, às vezes sinto me um pouco mais em baixo é verdade porque nós vemos os casos a aumentarem as coisas a descambarem.” (homem, 36 anos, s/filhos; X 2 = 22). A CHA confirma a CHD, nos dois momentos que, junto com a contextualização das UC’s no corpo de texto, atesta os temas emergentes da IPA.

Figura 2: Classificação Hierárquica Descendente dos dois confinamentos (T1/T2). 

4 Discussão

A análise qualitativa permitiu identificar as vivências subjetivas e processos de adaptação em dois estados de emergência (Abril/2020-Janeiro/2021), um consenso inter-juizes e o racional teórico da discussão. Da discussão conjunta dos resultados das duas análises, contruímos um modelo compreensivo do impacto, vivências e processo de adaptação dos participantes aos confinamentos em pandemia Covid-19 (Fig. 3). A análises confirmam resultados de estudos anteriores. O impacto negativo sentido inicialmente (T1: Medo, ansiedade, angústia) (Mariani, et al. 2020) deu lugar à solidão, frustração e intolerância(T2) (Carnevale & Hatak, 2020). Acentuou-se o medo de perdas financeiras, sobrecarga laboral e dificuldades na gestão quotidiana das áreas pessoal/laboral (De Marchi, 2020; Juranek et al., 2020; Reizer, et al., 2021). Encontrámos igualmente relatos de flexibilidade, liberdade (Merone & Whithead, 2021; Salin et al., 2020) e tempo de qualidade em família possibilitando estreitar os laços afetivos ao longo do tempo (Evans et al., 2020). As estratégias de autorregulação/coping adotadas rapidamente e intuitivamente em T1, (máscara, distanciamento, higienização, coping adaptativo) foram ajustadas ao longo do tempo conforme a perceção do impacto (autocuidado, autorregulação emocional, evitamento das notícias) (González-Padilla & Tortolero-Blanco, 2020). Verificamos que a procura de suporte social-digital e distração, foram constantes em prol da resiliência e bem-estar (Park et al., 2021).

Figura 3: Modelo emergente das análises IPA/Lexical quanto ao impacto e adaptação aos confinamentos. 

Este estudo salienta que, previamente a qualquer ação psico-educativa em saúde mental, os participantes recorreram organísmicamente e intuitivamente a estratégias de coping/autorregulação protetoras/adaptativas, identificando o que facilitava ou prejudicava o seu bem-estar. Com o prolongamento das medidas em diversos confinamentos, o cansaço e saturação decorrentes, obrigaram à adequação das estratégias iniciais ao novo confinamento, mais autocentradas. Não obstante, são necessárias ações psico- educativas e clínicas, durante e após o confinamento em pandemia. Estas deverão focar- se no combate ao isolamento, à solidão, ao stresse na promoção de estratégias de regulação/coping adaptativas, ajustadas à realidade e vivência de cada sujeito, considerando a complexidade dos processos individuais.

5 Conclusões

O presente estudo contribui para a compreensão dos processos subjetivos de adaptação psicológica, estratégias de autorregulação e de coping utilizadas nos confinamentos mais longos da população em dois tempos distintos: 1º vaga pandémica de Covid-19 (Abril/2020) e 3ª vaga (Janeiro/2021). A opção metodológica de analisar os dados recorrendo a IPA e análise lexical, permitiu aferir a validade dos resultados, assim como a compreensão do processo de adaptação psicológica ao longo da pandemia. Perante a ameaça à saúde pública/individual e a identificação da vivência de stresse, emoções e pensamentos negativos, verificámos uma adaptação global, intuitiva e orgânica das estratégias de adaptação utilizadas pelos participantes, independentemente da sua idade e tipologia familiar. Da 1ª para a 3ª vaga, as estratégias consideradas eficazes foram mantidas, porém, evidenciaram-se preocupações de estabilidade a longo prazo e o desgaste emocional com gradual frustração e intolerância perante os concidadãos desrespeitadores das restrições impostas. Apesar dos sentimentos negativos emergentes, concordantes com estudos quantitativos anteriores, globalmente os participantes focaram- se nos aspetos positivos (flexibilidade de horário, conforto, qualidade de vida, tempo familiar), investido em si e revelando resiliência. Salientamos a relevância dos resultados qualitativos ou o recurso a metodologias mistas no acesso aos processos subjetivos de adaptação psicológica, nomeadamente em grupos mais vulneráveis.

A dimensão do grupo de participantes, homogeneidade do nível de escolaridade e realização da entrevista online constituem possíveis limitações do estudo. Em populações mais vulneráveis são expectáveis maiores dificuldades de adaptação. Pós pandemia a vulnerabilidade e morbilidade em saúde mental, poderá acentuar-se.

Futuramente, a continuidade do teletrabalho ou de sistemas mistos, com flexibilidade de horário e local de trabalho, poderá permitir maior liberdade na gestão do tempo ajustadas aos objetivos e às necessidades da pessoa e da organização que integra, em prol do seu ajustamento e equilíbrio da vida pessoal-trabalho.

As ações de prevenção e o apoio psicológico, técnico especializado deverá complementar as informações generalistas disponibilizadas, privilegiando os grupos mais vulneráveis O cenário pós-pandémico poderá implicar mudanças estruturais na organização do trabalho, da vivência do espaço pessoal e familiar e da prestação de serviços, nomeadamente em tele-saúde. A par da saúde física, a saúde mental deverá ser uma prioridade na agenda governamental e das organizações a fim de mitigar os efeitos adversos da pandemia, promover competências de autorregulação e criar condições para o equilíbrio vida-família- trabalho e bem-estar dos cidadãos.

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Recebido: 18 de Março de 2021; Aceito: 28 de Abril de 2021

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