SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.7Pedagogical Foundations of the Training Model for Primary School Teachers and Adult Educators in Implementation in MozambiqueDevelopment of learning and core content in an online research Master author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


New Trends in Qualitative Research

On-line version ISSN 2184-7770

NTQR vol.7  Oliveira de Azeméis June 2021  Epub Nov 10, 2021

https://doi.org/10.36367/ntqr.7.2021.20-30 

Artigos Originais

Uma política pública de combate ao insucesso e ao abandono escolares em Moçambique: o programa de ensino bilingue

A Public Policy to Combat School Failure and Dropout in Mozambique

José Bento Aleixo1 
http://orcid.org/0000-0001-9262-7393

Alsone Jorge Guambe2 
http://orcid.org/0000-0001-6626-8040

Luis Miguel dos Santos Sebastião1 

1 CIEP-UÉ. Universidade de Évora, Portugal.

2 Instituto Superior de Estudos de Defesa, Moçambique.


Resumo:

O presente estudo intitulado “Uma política pública de combate ao insucesso e ao abandono escolares em Moçambique: o programa de ensino bilingue”, visa compreender o processo de implementação do Ensino Bilingue no sistema de ensino moçambicano, respondendo à questão “Quais os desafios e as oportunidades para o desenvolvimento do programa de ensino bilingue em Moçambique?”. Numa pesquisa baseada no paradigma interpretativista, de carácter exploratório e abordagem qualitativa, foram analisados documentos relativos ao ensino bilingue. Através de entrevistas semi-estruturadas efectuadas a membros séniores do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano, professores, directores das escolas e membros de Serviços Distritais de Educação, Juventude e Tecnologias de dois distritos, um com apoio de parceiros e outro sem apoio de parceiros, todos envolvidos no ensino bilingue, os dados recolhidos que foram sujeitos à análise de conteúdo do qual se concluiu que a língua é apenas um dos factores causadores do desperdício e abandono escolares. São factores facilitadores da implementação da modalidade bilingue a existência de recursos humanos, docentes e não docentes, parceiros para a educação e comunidades das zonas rurais que pressionaram a introdução de turmas bilingues nas escolas. Enquanto que, a não aceitação, o desconhecimento da filosofia desta modalidade e a pobreza, constituem-se em factores inibidores. Para a redução do impacto dos factores inibidores, suge-se maior investimento na disseminação e a inclusão das línguas moçambicanas na formação de alguns profissionais como médicos e jornalistas.

Palavras-chave: Ensino bilingue; Sistema de ensino; Língua materna; Escola; Moçambique.

Abstract:

The present study entitled “A public policy to combat school failure and dropout in Mozambique: the bilingual education program”, aims to understand the process of implementing Bilingual Education in the Mozambican education system, answering the question “What are the challenges and opportunities for the development of the bilingual education program in Mozambique?” In a research based on the interpretive paradigm, with an exploratory character and a qualitative approach, were analyzed documents related to bilingual education. Through semi-structured interviews with senior members of the Ministry of Education and Human Development, teachers, school directors and members of District Services for Education, Youth and technologies from two districts, one with partner support and the other without partner support, all involved in bilingual education, were collected data that were subjected to content analysis from which it was concluded that language is just one of the factors that cause school waste and dropout. Factors that facilitate the implementation of the bilingual modality are the existence of human resources, both teaching and non-teaching, partners for education and communities in rural areas that pressured the introduction of bilingual classes in schools. While non-acceptance, and the lack of knowledge about the philosophy of this modality and poverty, are inhibiting factors. To reduce the impact of inhibiting factors, it is suggested greater investment in the dissemination and inclusion of Mozambican languages in the training of some professionals such as doctors and journalists.

Keywords: Bilingual education; Education system; Mother tongue; School; Mozambique.

1. Introdução

O processo de educação em Moçambique foi evoluindo ao longo dos tempos, acompanhando a dinâmica do desenvolvimento socioeconómico do país, melhorando as suas técnicas e tornando a educação mais abrangente e acessível a cada vez mais crianças.

No entanto, as taxas de desperdício consubstanciadas por reprovações e abandono escolares eram elevadas, de acordo com Patel (2006), chegavam a exceder a fasquia dos 90%.

Estudos encomendados pelo Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH) concluíram que tais níveis de desperdício nos primeiros anos de escolarização, eram causados pelo problema da língua usada nas escolas, para comunicação entre professores e alunos num ambiente em que a maior parte dos alunos tinham o primeiro contacto com a língua portuguesa somente na escola, (Benson, 1997).

Para solucionar este problema, em 2003, foi introduzido o ensino bilingue no sistema de ensino básico moçambicano, e iniciado a sua expansão pelas províncias do país, enquadrado no processo de reforma educacional objectivando para além da melhoria da qualidade de ensino oferecido aos alunos, a retenção da criança na escola com maior enfoque para a rapariga.

Hoje, o país conta com 19 línguas padronizadas em uso em turmas bilingue, 1.908 escolas envolvidas no processo de ensino bilingue, 3.853 professores a ensinar a 244.739 crianças a ver o mundo e a interpretá-lo na sua própria língua (MINEDH, 2019). E decorridos quase 30 anos após o lançamento da primeira experiência do ensino bilingue, julga-se ser o momento oportuno para se saber quais os desafios e as oportunidades para o desenvolvimento do programa de ensino bilingue em Moçambique? O objectivo é de compreender o processo de implementação do Ensino Bilingue no sistema de ensino moçambicano.

2. Situação Linguística Moçambicana

A população de Moçambique é de 27.909.798 habitantes (INE, 2019), com uma diversidade linguística que constitui um verdadeiro mosaico de riqueza étnico-cultural, parte considerável dela fala mais de uma língua de origem bantu devido a casamentos mistos, entre nubentes de etnias diferentes e/ou a migrações das pessoas, (Chibutane, 2012). A tabela 1 mostra a taxa bruta do multilinguismo por área de residência.

Tabela 1: Taxa bruta de monolinguismo, bilinguismo e multilinguismo da população de mais de 5 anos por área de residência. 

A tabela 1, mostra que a taxa de monolinguismo é alta nas áreas rurais, o que significa que nestas áreas, as misturas étnicas são muito reduzidas.

Quanto à população com idades compreendidas entre os cinco e os nove anos de idade, 83.7% tinha uma língua banto como língua materna, 11.4% tinha a língua portuguesa e um total de 4.8% declarou ter outras línguas estrangeiras e desconhecidas como língua materna (INE, 2013).

As zonas urbanas, onde as convergências étnicas são grandes as taxas de bilinguismo e multilinguismo são maiores. Na Província de Maputo, 43.9% da população é monolingue, 45.2% bilingue e 10.9% é multilingue (INE, 2013).

3. Modelos do Ensino Bilingue

Ensino bilingue é o processo de aquisição de conhecimentos científicos feito em duas línguas (Sheffler, 1973). Ouane e Glanz (2011) apresentam três tipos de modelos de educação relacionados com aplicação de línguas, usados em países africanos: modelo subtractivo, modelo de Transição, e modelo aditivo.

Apesar de ligeiras diferenças nas denominações dos modelos apresentados por diferentes autores, eles coincidem nos seus conceitos, que a seguir se apresentam.

3.1 Modelo Subtractivo

Também conhecido como modelo de submersão, em África foi característico de países lusófonos e francófonos usado desde o período colonial visando conferir aos nativos o estatuto de “assimilados” (Romaine, 2001). Este modelo, tinha como objectivo a retirada o mais rápido possível dos alunos do uso das línguas maternas, para passar para L21 como meio de aprendizagem. Muitas vezes, isso envolvia entrada directa para a L2 desde o primeiro ano de escolaridade. Em Moçambique, este modelo vigorou até o ano 2004.

3.2 Modelo de Transição

Iniciado nos anos 70 em países anglófonos como a Inglaterra, Estados Unidos da América, Austrália, Canadá, entre outros, visava acomodar os filhos de imigrantes falantes de outras línguas e tinha um carácter assimilacionista. Este modelo consiste em usar a L12 para trazer a criança ao nível de proficiência capaz de compreender as matérias em L2 (Heugh, 2011).

Em função da rapidez com que a transição é feita, são consideradas duas variantes para o modelo de transição:

Saída Precoce

Também conhecido por weak bilingual, projectado para a fluência numa única língua-alvo, a L2, geralmente a língua oficial. Os alunos começam o processo de ensino e aprendizagem com a língua materna como meio de ensino enquanto a língua oficial é dada como disciplina e gradualmente vão efectuando a transição para a língua oficial como meio de instrução (Heugh, 2011; Ouane & Glanz, 2011).

Saída Tardia

A L1 é usada como meio de educação para além dos três anos, até os cinco ou seis anos, só depois é que a L2 passa a ser usada como meio de ensino (Heugh, 2011; Ouane & Glanz, 2011).

Este modelo tem a vantagem de conferir bases mais sólidas para uma melhor aprendizagem da L2, porém a grande desvantagem é o facto de não permitir o contínuo desenvolvimento da L1 das crianças, visto a L1 ser abandonada com a adopção da L2 como meio de ensino no fim do ensino primário.

3.3 Modelo Aditivo

Este modelo visa o ensino de duas ou mais línguas, inicia-se o processo de ensino e aprendizagem com a L1 como meio de educação e a L2 como disciplina, quando a L2 passa a meio de educação, a L1 não é retirada do processo, continua a ser dada em sala de aulas como disciplina. Este modelo, também conhecido como strong bilingual model permite que o aluno alcance alto nível de proficiência em ambas as línguas (Heugh, 2011).

4. Modelo Moçambicano do Ensino Bilingue

Em Moçambique, o ensino bilingue acontece na escola primária, onde é usado o modelo transição com características de manutenção. Este modelo consiste no uso das L1 das crianças nos primeiros anos de escolaridade enquanto paralelamente aprendem a língua portuguesa. Findos três anos de escolaridade, a língua portuguesa vai gradualmente tomando o lugar de meio de ensino, antes ocupado pelas L1, que passam a ser dadas como uma disciplina. Após 3 anos de escolaridade, na 4ª classe, supõe-se que a criança tenha adquirido habilidades que lhe permitam continuar os estudos na língua portuguesa.

5. Metodologia

Para compreender o processo de implementação do Ensino Bilingue no sistema de ensino moçambicano, efectuou-se um estudo dividido em duas fases, revisão de literatura e parte empírica.

A revisão de literatura constituiu a parte teórica do estudo, onde se apresentam os conhecimentos existentes sobre o ensino bilingue, frutos duma pesquisa bibliográfica e documental. Concordando com Laville e Dionne (1999), foi efectuada recolha e análise de materiais constituidos por livros, artigos, teses bem como relatórios de avaliações do processo de implementação do ensino bilingue efectuados por especialistas e auditores tanto internos como externos ao processo. Consultou-se também legislação moçambicana sobre o assunto, desde a Constituição da República às diferentes leis que regulam o sistema de ensino em Moçambique bem como relatórios e documentos emitidos pelo MINEDH.

Os dados recolhidos dos documentos apontados foram sujeitos à análise crítica e reflexiva. Depois, efectuou-se o trabalho de campo, visando explorar os conhecimentos e experiências de pessoas que deram seu contributo na idealização, estudos e gestão do processo de implementação e expansão do ensino bilingue, isto é, concordando com Creswell (2003), uma das características de estudo qualitativo, onde os dados descritivos foram recolhidos com o intuito de aprender mais.

O acesso ao campo, foi facilitado por um antigo colega de trabalho e amigo que trouxe para a linha de contacto um gestor do MINEDH, que veio a tornou-se uma figura de grande importância pois permitiu estabelecer outros contactos, segundo a técnica de Snowball, que consistiu no contacto por parte do pesquisador de um pequeno grupo de membros com características capazes de fornecer informação relevante para a pesquisa, e a partir desses obter contacto com terceiros, (Walliman, 2006), e assim foi a recolha de dados empíricos no MINEDH, Direcção Provincial da Educação e Desenvolvimento Humano (DPEDH) da Província de Maputo, e em três dos oito distritos da Província de Maputo.

Os professores entrevistados durante o Seminário de Capacitação de Professores que teve lugar no distrito da Manhiça, foram escolhidos por conveniência. Tratou-se, pois, de uma amostra não-probabilística, uma “amostra formada em função de escolha explícita do investigador” (Laville & Dionne, 1999, p. 170).

A escolha dos distritos, baseou-se no facto seguinte, dos oito distritos da Província de Maputo, quatro têm as escolas com turmas bilingue, apoiadas por um parceiro da educação3, que é a Agência de Desenvolvimento de Povo para Povo (ADPP) e as escolas dos restantes quatro distritos, são assistidos pelo MINEDH. Este facto, despertou interesse que levou a optar pela escolha de distritos vivenciando cada uma das duas condições.

O terceiro distrito, o distrito da Manhiça, foi onde durante três dias ocorreu o Seminário de capacitação de professores bilingue, no decurso do qual houve interacção com professores em capacitação e respectivos formadores.

A escolha das escolas para o estudo, foi feita segundo o critério de escolas com ensino bilingue em funcionamento há pelo menos cinco anos.

A identificação dos participantes neste estudo (e o seu recrutamento) aconteceu conforme a estratégia de amostragem por cadeias de referência, ou seja, utilizando-se, para o recrutamento destes sujeitos, a técnica metodológica snowball também chamada snowball sampling (Biernacki & Waldorf, 1981).

Por razões éticas, foram atribuídos a cada participante um código alfanumérico, onde a letra corresponde à inicial do grupo a que inclui o participante de acordo com a função desempenhada em relação ao programa de ensino bilingue, que são: T - “Técnico”, académicos que desenvolvem actividades no MINEDH, e na ADPP; D - “Decisor”, elementos com poder de decisão ao nível do MINEDH e DPEDH da província de Maputo; G - “Gestor” membros de direcção do Serviço Distrital de Educação Juventude e Tecnologias (SDEJT) e escolas visitadas; P - “Professor” professores da modalidade bilingue e os que frequentaram o seminário de capacitação. O número foi de atribuição sequencial.

5.1 Entrevistas

A recolha de dados empíricos foi feita através de entrevistas e concordando com Bogdan e Biklen (2007), sendo uma pesquisa qualitativa, não foram levadas para o campo hipóteses para testar.

As entrevistas foram semi-estruturadas, onde apoiando em algumas perguntas iniciais se deu início à conversa que se seguiu em função das respostas obtidas, sem, no entanto, se distanciar dos objectivos, como referem Laville e Dionne (1999) e Stake (2009), o que permitiu recolher um grande volume de informação e através de perguntas de insistência esclarecer situações que afiguraram menos claras.

As perguntas abertas, permitiram aos entrevistados expressar livremente suas ideias, sentimentos e emoções. E alguns participantes falavam com paixão, sem esconder a fé com que defendiam suas ideias, demonstrando reviver as emoções experimentadas, ilustravam o que diziam com situações vivenciadas, o que segundo Stake (2009, p. 82), “O propósito para a maior parte dos entrevistadores não é obter simples respostas de sim ou não, mas a descrição de um episódio, uma ligação entre factos, uma explicação”.

As entrevistas foram todas presenciais, previamente marcadas e agendadas de acordo com a disponibilidade de cada participante, que foi informado dos objectivos da entrevista, bem como da liberdade de responder ou não às questões que lhes foram colocadas. Com a autorização dos mesmos, as entrevistas foram gravadas em suporte magnético e posteriormente transcritas, tendo sido submetidas à análise de conteúdo com a ajuda do software de análise qualitativa de dados WebQDA.

Foram efectuadas 14 entrevistas sendo seis a membros decisores do MINEDH e DPEDH, três a técnicos envolvendo no ensino bilingue, quatro a chefes de SDEJT e directores de escolas e cinco a professores de modalidade bilingue.

6. Resultados

Foram estabelecidas categorias prévias, e no processo da análise, algumas delas foram reformuladas e ajustadas, enquanto que outras novas emergiram dos dados para acolher elementos novos que as entrevistas trouxeram e que se afiguraram significativos (Bardin, 2011). No fim acharam-se nove categorias das quais emergiram 28 subcategorias as quais couberam 260 Unidades de Registo. Como representado na figura 1.

Figura 1: Gráfico de categorias em função das unidades de registo. 

Concordando com Souza, Costa Moreira e Souza (2013), foi considerada a ideia tanto mais significante, quanto maior a sua frequência contabilizada com apoio do WebQDA.

Assim sendo, no gráfico da figura 1, pode-se verificar que a categoria “Dificuldades detectadas na implementação do programa” onde estão inscritos os factores de constrangimento da implementação do programa de ensino bilingue, apontados pelos participantes das entrevistas, foi a que teve maior frequência, 23,79% do total das frequências obtidas pelas categorias, enquanto que a categoria “Recursos necessários” que faz referência aos recursos considerados necessários para uma implementação do ensino bilingue de acordo com o planificado, porém, não disponíveis e a categoria “Avaliação do programa” que se refere às opiniões formadas sobre aspectos relacionados com o programa de ensino bilingue, são as categorias com frequências mais baixas, 4,83% cada uma.

Desta figura, pode-se inferir à partida que os respondentes atribuíram importância às dificuldades que enfrentam na implementação do programa de ensino bilingue.

6.1 Dificuldades Detectadas na Implementação do Programa

Com seis subcategorias, esta categoria aborda factores causadores de constrangimento no processo da implementação do programa de ensino bilingue. O estabelecimento desta categoria, visou trazer o ponto de vista dos participantes sobre factores tidos como inibidores ao processo de implementação e expansão do ensino bilingue.

A subcategoria “Factores sociais dificultadores”, que se refere as características da vida social, teve frequência mais alta, 28,13%. Nela são abordadas características como a pobreza causada pela falta de emprego sedentário, que faz com que muitas famílias tenham que migrar frequentemente, a baixa renda, que obriga as crianças a desenvolver actividades remuneradas para ajudar aos pais, (G5_5_1) a deficiente rede escolar, que obriga as crianças a percorrer longas distâncias da casa à escola e vice-versa, como refere Benson (1997).

6.2 Facilidades Detectadas na Implementação do Programa

Dividida em quatro subcategorias, nesta categoria foram abordados factores que facilitam a implementação do programa em estudo.

Em nove das 14 entrevistas realizadas, os participantes referiram 23 vezes aspectos que dão a entender que a reacção positiva das comunidades, de modo particular as das zonas rurais, contribuiu para facilitar a implementação do ensino bilingue. A aceitação das comunidades rurais ao programa do ensino bilingue foi marcada pela exigência e pela pressão manifestada no sentido de se introduzir a modalidade bilingue e mesmo à revelia da Direcção Provincial de Educação algumas comunidades introduziram o ensino bilingue nas suas escolas (T5_69_2; D2_6_1).

6.3 Dificuldades Detectadas na Implementação do Programa

As categorias “Dificuldades detectadas na implementação do programa de ensino bilingue” e “Facilidades detectadas na implementação do programa de ensino bilingue” têm cada uma, uma sub-categoria que se refere às reacções das comunidades, abordando reações dificultadoras e facilitadoras respectivamente. À primeira vista este antagonismo parece demostrar algum conflito de opiniões, porém, estas situações foram verificadas em espaços temporais distintos, de acordo com D5, “no período da experimentação nós acabamos por ter uma expansão não programada porque as comunidades pressionavam exigindo mais escolas com o ensino bilingue […]”, (D5_6_1).

Depois do período da expansão, houve uma tendência estacionária, ao que se seguiram focos de regressão como o reportado no relatório final da 1ª supervisão pedagógica do ensino bilingue de 2018, da Direcção Nacional do Ensino Primário (DINEP) do MINEDH, segundo o qual há escolas onde o ensino bilingue foi descontinuado, sem que os SDEJT e a DPEDH tivessem conhecimento.

6.4 Ganhos Percebidos

Visando identificar de acordo com a visão dos entrevistados os ganhos conseguidos com a implementação e expansão do ensino bilingue em Moçambique, na categoria “ganhos percebidos”, foram abordados o que se considera resultados positivos visíveis, obtidos como fruto do referido programa, que são: Participação nas aulas, aproveitamento pedagógico, assiduidade e retenção, preservação da identidade cultural.

O aproveitamento pedagógico e retenção da criança na escola, são dois dos aspectos que mais pesaram para a introdução do ensino bilingue, e neste estudo, estas duas das cinco subcategorias somam 63,13% do total de frequências da categoria em discussão.

Para os entrevistados, o aproveitamento dos alunos da modalidade bilingue é melhor se comparado com os alunos da modalidade monolingue (G4_6_2).

Assiduidade e retenção - o nível de desistência registou um ligeiro decréscimo, o que é visto como sinal de que a modalidade bilingue está a responder positivamente ao combate às reprovações e ao abandono escolares.

6.5 Apoio de Parceiros

A categoria “Apoio de parceiros” tem como subcategorias, as quatro áreas de actuação dos parceiros, a formação de professores, produção de materiais, melhoria da qualidade de vida dos alunos e a expansão da modalidade bilingue.

Os parceiros para a educação jogam um papel muito importante na vitalização do Sistema Nacional da Educação (SNE) em geral e na implementação e expansão da modalidade bilingue em particular. “O dia em que efectivamente, por exemplo, ficarmos sem os parceiros, vai ser um grande desafio de facto”, (D2_1_2 - D2_2_5).

Para além do financiamento ao sistema de educação por parceiros internacionais, quando se fala em parceiros para a educação concretamente na modalidade bilingue, refere-se à duas organizações que trabalham na área de literacia:

  • A United States Agency for International Development (USAID) com seu programa “Vamos ler” que actua desde fevereiro de 2018 nas províncias de Nampula e Zambézia e fornece apoio técnico, logístico e financeiro para a implementação da modalidade bilingue através das línguas Chuwabo, Lomwe, Macua e portuguesa.

  • A ADPP, que com seu projecto Food For Knowlodge (FFK), actua na Província de Maputo, expandiu a modalidade bilingue em quatro dos oito distritos da Província, onde trabalha desde fevereiro de 2017, nas áreas de literacia e nutrição.

Os dois parceiros acima identificados, contribuíram para a expansão da modalidade bilingue como demostra o gráfico da figura 2.

Figura 2: Comparação de número de alunos de modalidade bilingue que na Província de Maputo frequentam escolas com apoio e sem apoio da ADPP-FFK. 

O gráfico da figura 2, representa a evolução do número de alunos que frequentaram a modalidade bilingue desde 2013.

Até finais do ano lectivo 2016, todas as escolas de todos os distritos da Província de Maputo, para efeitos do ensino bilingue, dependiam totalmente do esforço financeiro que a DPEDH da província recebia do MINEDH.

7. Conclusões

O ensino bilingue está em curso em todas as províncias do país e nos primeiros anos da sua introdução verificou-se um crescimento acentuado de escolas e alunos que aderiam a este ensino, mas com o andar dos tempos verifica-se uma desaceleração ao nível de aderência.

Os problemas do insucesso e abandono escolares, que se verificam em cada escola do país, mesmo os originados por alguns factores comuns, são acompanhados por factores étnico-culturais característicos de cada grupo populacional, associados às condições sócio-económicas de cada província ou distrito.

São vários os factores que contribuem para o insucesso e o abandono escolares, entre eles tem-se:

  • Problema linguístico; o currículo do sistema de ensino moçambicano, obedeceu desde o tempo colonial ao modelo de ensino subtractivo, voltado para o uso da língua portuguesa desde o primeiro dia de aulas.

  • Problemas étnico-culturais; actividades tradicionalmente acometidas às crianças, coincidem com o período lectivo, isto faz com que as crianças faltem às aulas durante dias, resultando em casos de desistência ou reprovação.

Dos vários factores que contribuem para o insucesso e abandono escolares, o governo elegeu o problema da língua e para resolvê-lo, em 1990, introduziu no sistema de ensino a modalidade bilingue em línguas moçambicanas, língua portuguesa e língua de sinais moçambicana.

A implementação do programa de ensino bilingue, é influêncidada por factores facilitadores e inibidores que a seguir se elencam:

7.1 Factores facilitadores

  • Existência de recursos humanos disponíveis e motivados para o ensino bilingue;

  • Comunidades rurais favoráveis à implementação do ensino bilingue;

  • Ganhos alcançados, que servem como factores demonstrativos de aplicação de uma política acertada, são exemplos:

  • O aproveitamento pedagógico dos alunos da modalidade bilingue ser melhor que os da modalidade monolingue;

  • O nível de desistência ter registado um decréscimo.

  • Existência de parceiros que dão apoio, financiando a aquisição de materiais, construção de escolas, implementando e expandindo o programa de ensino bilingue, aliviando o fardo que seria suportado pelo Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano;

  • Existência da legislação que regula o processo de ensino bilingue;

7.2 Factores inibidores

  • Deficiente disseminação, condiciona o nível de aceitação do ensino bilingue;

  • Desistência motivada pela pobreza, falta de emprego sedentário;

  • Falta do uso das línguas moçambicanas na comunicação social.

8. Sugestões

Para melhorar o processo de difusão das línguas moçambicanas, fazendo com que elas sejam usadas não só para comunicação interétnica, mas também para veicular informação étnico cultural e científica, preservando a riqueza e identidade culturais sugere-se:

  • Maior investimento na disseminação da filosofia do programa de ensino bilingue, envolvendo todas as esferas da sociedade;

  • A inclusão das línguas moçambicanas na formação de profissionais, principalmente os que trabalham de forma directa com as comunidades falantes dessas línguas, como pessoal médico e jonalistas;

  • Edição e publicação de obras em línguas moçambicanas, esse facto encorajaria os autores moçambicanos a escreverem nas línguas moçambicanas;

  • Que sejam incentivadas a criação e inclusão de programas infanto-juvenis em línguas moçambicanas nos meios de comunicação como a rádio e televisão.

No campo de pesquisas, sugere-se que, se façam estudos comparativos sobre o desempenho dos alunos oriundos de turmas bilingue e monolingue frequentando o ensino secundário.

9. Referências

Bardin, l. (2011). Análise de conteúdo. Tradução Luís Antero Reto, Augusto Pinheiro. Edição revista e ampleada. Edições 70, 281p. [ Links ]

Benson, C. J. (1997). Relatório final sobre o ensino bilingue: Resultados da avaliação externa da experiência da escolarização bilingue em Moçambique (PEBIMO). INDE. [ Links ]

Biernacki, P. & Waldorf, D. (1981). Snowball Sampling: Problems and techniques of Chain Referral Sampling. Sociological Methods & Research, vol. nº 2, November. 141-163p. [ Links ]

Bogdan, R. C. & Biklen, S. K. (2007). Qualitative Research for Education An Introduction to Theory and Methods. 5th ed. Parison. [ Links ]

Chibutane, F. (2012). Panorama linguístico moçambicano: Análise dos dados do III recenceamento geral da população e habitação 2007. INE. [ Links ]

Heugh, K. (2011). Theory and practice - language education models in Africa: research, design, decision-making and outcomes, In: (org.) A. Ouane, & C. Glanz, Optimising learning, education and publishing in africa: the language factor a review and analysis of theory and practice in mother-tongue and bilingual education in sub-saharan Africa. (pp. 105- 156), UIL/ADEA. [ Links ]

INDE/MINEDH. (2003). Plano Curricular do Ensino Básico (PCEB): Objectivos, Política, Estrutura, Plano de Estudos e Estratégias de Implementação. INDE. [ Links ]

INDE/MINEDH. (2003). Programa do ensino básico. INDE. [ Links ]

INE (2013). Panorama sociodemográfico de Moçambique. INE - Direcção de Estatística Demográfica, Vitais e Sociais. [ Links ]

Laville, C. & Dionne, J. (1999). A construção do saber: manual de metodologia de pesquisa em ciências humanas. UFMG. [ Links ]

Ouane, A., & Glanz, C. (2011). Optimising learning, education and publishing in africa: the language factor a review and analysis of theory and practice in mother-tongue and bilingual education in sub-saharan Africa. UIL/ADEA. [ Links ]

Patel, S. A. (2006). Olhares sobre a educação bilíngüe e seus professores em uma região de Moçambique. UNICAMP - Instituto de Estudos da Linguagem. [s.n.]. [ Links ]

Romaine, S. (2001). Bilingualism 2nd ed. Blackwell publishers, Ltd. [ Links ]

Souza, N. F., Costa, P. A., Moreira, A., & Souza, D. N. (2013). WebQDA - Manual do utilizador, ISBN: 978-959-97392-3-9. Universidade de Aveiro. [ Links ]

Stake R. E., (2009). A arte de investigação com estudo de caso, 2ª edição Fundação Calouste Gulbenkian. [ Links ]

Walliman, M. (2006). Social research méthods. SAGE Publications. [ Links ]

1 Língua Segunda, adquirida em adição à língua materna, em Moçambique, L2 é língua oficial, a língua portuguesa.

2Língua Primeira, língua materna, para maior parte dos moçambicanos, é uma língua de origem bantu.

3Parceiros, são Organizações Não Governamentais (ONG), ligadas a educação e que possuem capacidade financeira, têm ou contratam técnicos, nacionais ou estrangeiros, especializados nas várias áreas da educação. Trabalham em coordenação com o MINEDH, de acordo com o programa do ministério apoiando técnica e financeiramente as suas actividades.

Recebido: 18 de Março de 2021; Aceito: 28 de Abril de 2021

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons