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População e Sociedade

versão impressa ISSN 0873-1861versão On-line ISSN 2184-5263

População e Sociedade  no.40 Porto dez. 2023  Epub 20-Jan-2024

https://doi.org/10.52224/21845263/rev40a2 

Dossier Temático

Sobre as dinâmicas de cooperação e/ou competição na Eurorregião Galiza-Norte de Portugal

On the dynamics of cooperation and/or competition in the Euroregion Galicia-North Portugal

Celso Cancela Outeda1 
http://orcid.org/0000-0001-9034-2896

Bruno González Cacheda1 
http://orcid.org/0000-0002-1833-0003

1Universidade de Vigo, Facultade de Ciencias Sociais e da Comunicación, Departamento de Socioloxía, Ciencia Política e da Administración e Filosofía, Vigo (Galicia), España.


Resumo

Atualmente, as relações entre a Galiza e Portugal parecem caracterizar-se por um certo paradoxo. Por um lado, desde os anos 1990, a União Europeia (UE) promoveu a cooperação territorial através de contribuições financeiras (INTERREG) para a execução de projetos comuns. Posteriormente, proporcionou um quadro jurídico-institucional através da regulamentação dos Agrupamentos Europeus de Cooperação Territorial (AECT). Esta cooperação, especialmente a cooperação transfronteiriça, é concebida como um instrumento útil para melhorar a competitividade de certas zonas locais e regionais (efeito de barreira) e para aproximar os cidadãos. Ao mesmo tempo, no contexto da globalização e da internacionalização dos mercados, os Estados praticam uma "política do melhor lugar". Tentam criar dentro das suas fronteiras as condições mais adequadas para atrair investimentos e a valorização do capital. Desta forma, são geradas dinâmicas de concorrência entre territórios. Este artigo tem precisamente como objetivo realizar uma análise das dinâmicas de concorrência e cooperação que se podem detetar na Eurorregião Galiza-Norte de Portugal. Para isso, analisaremos o discurso dos principais atores e agentes envolvidos nos processos produtivos da Eurorregião: políticos, empresários e sindicatos.

Palavras-chave: Globalização; Concorrência; Cooperação Transfronteiriça; Investimentos.

Abstract

At present, relations between Galicia and Portugal seem to be characterised by a certain paradox. On the one hand, since the 1990s, the EU has promoted territorial cooperation through financial contributions (INTERREG) for the implementation of joint projects. Later, it provided a legal-institutional framework through the regulation of European Groupings of Territorial Cooperation (EGTC). This cooperation, especially cross-border cooperation, is conceived as a useful tool for improving the competitiveness of certain local and regional areas (barrier effect) and for bringing citizens closer together. At the same time, in the context of globalisation and the internationalisation of markets, states are practising a "best place policy". They try to create the most suitable conditions within their borders for attracting investment and capital appreciation. In this way, competitive dynamics are generated between territories. This article aim to carry out an analysis of the dynamics of competition and cooperation that can be detected in the Galicia-North Portugal Euroregion. To this end, we will analyse the discourse of the main actors and agents involved in the productive processes in the Euroregion: politicians, business leaders and trade unions.

Keywords: Globalization; Competition; Cross-Border Cooperation; Investments.

Introdução

O surgimento da globalização e da integração europeia trouxe consigo uma série de alterações nas dinâmicas estabelecidas entre as instituições públicas e os atores socioeconómicos. As relações socioeconómicas ligadas aos movimentos de capitais e aos investimentos produtivos têm sido analisadas num contexto de crescente deslocalização de capitais para espaços económicos e geográficos ligados a vantagens competitivas para a instalação e o desenvolvimento de atividades produtivas. Estas dinâmicas são frequentemente exemplificadas pelo forte crescimento das atividades industriais e produtivas em continentes como a Ásia, em detrimento de zonas como a Europa.

Neste contexto, assumem importância analítica conceitos como o de estado nacional de concorrência ou de política de localização ótima (Jessop, 2008; Hirsch, 1996), que implicam a atuação dos Estados como agentes facilitadores do estabelecimento de investimentos nos seus territórios. Esta ideia estaria associada a diversas variáveis relacionadas com os custos de produção e com a capacidade de realizar os processos associados à produção e à distribuição de forma flexível e com menores custos. Concretamente, em zonas dotadas das infraestruturas necessárias, e cujos fatores de fixação (preço dos terrenos, nível de tributação e benefícios fiscais ou complexidade burocrática) e de produção (custos laborais) apresentam vantagens competitivas nos mercados globais. Assim, podemos ver como a ideia de política de localização ótima tem estado associada, fundamentalmente, a dinâmicas competitivas.

Por outro lado, para além das dinâmicas gerais referidas no parágrafo anterior, o processo de integração desenvolveu-se na Europa. Este incluiu uma série de marcos como a criação do mercado único (livre circulação de mercadorias, trabalhadores, capitais, serviços e liberdade de estabelecimento...), a abolição dos controlos nas fronteiras internas (Espaço Schengen) e o estabelecimento da União Económica Monetária (UEM), que modificaram as capacidades e o comportamento dos estados-membros e dos atores socioeconómicos. Enquanto produtora de políticas públicas, e em particular da política de coesão, a UE impulsionou significativamente a cooperação territorial através de contribuições financeiras canalizadas principalmente através do programa INTERREG. Este facto atraiu a atenção de agentes públicos e privados em busca de novas oportunidades.

Em 2006, a UE estabeleceu a base jurídica e institucional para esta cooperação, regulamentando os Agrupamentos Europeus de Cooperação Territorial (AECT). De um modo geral, a cooperação territorial, e em particular a cooperação transfronteiriça, é considerada um instrumento eficaz tanto para o processo de integração europeia como para as entidades territoriais envolvidas. O seu desenvolvimento levou à configuração de novos espaços funcionais transfronteiriços, caracterizados pela intensificação das relações entre os atores institucionais e socioeconómicos. Um exemplo disso são as chamadas Euro-regiões, que se apresentam como um espaço territorial capaz de gerar oportunidades no contexto da crescente competitividade resultante da globalização e da integração europeia. Por outro lado, o desenvolvimento desta cooperação entre vários agentes político-institucionais tem contribuído para a formulação de um discurso positivo que a vê como um instrumento para ultrapassar desvantagens partilhadas e para se posicionar no contexto global e europeu.

Tendo apontado os principais elementos teóricos relacionados com as dinâmicas e estruturas que facilitam a concorrência e/ou a cooperação em zonas fronteiriças, devemos agora especificar o objetivo principal do nosso trabalho. Através desta investigação, tentaremos melhorar o conhecimento aplicado para determinar as tendências e práticas de caráter cooperativo e/ou competitivo no âmbito dos investimentos produtivos na Eurorregião Galiza-Norte de Portugal. Para isso, analisaremos o discurso dos principais atores e agentes envolvidos nos processos produtivos da Eurorregião: dirigentes políticos, empresariais e sindicais. Para organizar a análise, iremos recolher informação dos discursos dos referidos atores em seis categorias de estudo: salários, impostos, preços dos terrenos industriais, burocracia, infraestruturas e atração de investimento. Para o efeito, será realizada uma análise de conteúdo qualitativa utilizando várias fontes jornalísticas da Galiza e do Norte de Portugal. Antes de apresentarmos os resultados e a conclusão da nossa investigação, iremos abordar os conceitos mais importantes da discussão que atravessa o problema de investigação que dá origem a este trabalho.

1. Cooperação ou competição na Eurorregião Galiza-Norte de Portugal?

1.1. Estruturas, dinâmicas e experiências de cooperação

Este quadro teórico permite analisar as complexas relações entre a Galiza e a região Norte de Portugal, destacando como a cooperação e a competição podem coexistir e, em última instância, afetar o desenvolvimento e a dinâmica da Eurorregião Galiza-Norte de Portugal (Cancela, 2023). Na Europa, a cooperação territorial, em particular a cooperação transfronteiriça entre entidades locais e/ou regionais, tem uma longa história. Na década de 1950, esta cooperação foi promovida (política e juridicamente) pelo Conselho da Europa para promover a reconciliação entre antigos antagonistas da Segunda Guerra Mundial e a melhoria das infraestruturas fronteiriças. Na década de 1990, a UE tentou estimular (no plano económico-financeiro) este tipo de cooperação devido à criação do mercado único e do Espaço Schengen ou ao desaparecimento dos regimes comunistas de Leste (Perkmann, 1999). Nesta altura, verificou-se uma aceleração da cooperação transfronteiriça; a cooperação generalizou-se e intensificou-se (Rojo, 2009) e chegou mesmo às fronteiras externas da UE (programa PHARE).

Em geral, a cooperação foi entendida como uma ferramenta útil tanto para o processo de integração como para os territórios participantes. Neste sentido, Rojo afirma que "a consolidação e a irreversibilidade do processo de construção euro-regional serão reforçadas, consequentemente, pela perceção, de ambos os lados da fronteira, dos benefícios e vantagens económicas recíprocas inerentes [...]" (Rojo, 2009). Para isso contribuiu, sem dúvida, a implementação do Espaço Schengen (abolição dos controlos fronteiriços nas fronteiras internas), que implicou "a transformação da própria fronteira, de fronteira de segurança em fronteira Schengen, dotou os arquitectos de novos recursos [...]" (Malloy, 2010).

Progressivamente, as iniciativas patrocinadas pela UE (INTERREG) atraíram o interesse de intervenientes públicos e privados. Em certos casos, surgiram novos espaços que vão para além do transfronteiriço para o inter-regional (macro-regiões). O aumento das relações e das trocas nestes novos espaços permite a configuração de redes de políticas compostas por peritos, instituições (locais e regionais) e atores (ONG, grupos de interesse...) (Scott, 2002). Por outras palavras, estamos a assistir a uma reestruturação ou redefinição territorial na Europa (Rojo, 2009).

O desenvolvimento da cooperação transfronteiriça configurou novos espaços funcionais e operacionais, unidades territoriais supra-fronteiriças e supra-estatais onde as relações entre os atores institucionais e socioeconómicos se intensificam para dar origem a uma nova realidade social (Rojo, 2009). De facto, o conceito de Euro-região refere-se, em geral, a estes espaços. No entanto, cada um destes espaços tem perfis políticos, económicos, sociais, étnicos diferentes. Têm estruturas institucionais diferentes (AECT, comunidades de trabalho, comunidades de interesse, etc.). Diferem em termos dos objetivos e metas que perseguem (melhoria das infraestruturas, posicionamento estratégico global); em termos dos atores envolvidos, públicos (a nível europeu, estatal, regional e local) e privados (empresas, ONG, sindicatos, etc.); em termos da disponibilidade de recursos (económico-financeiros, político-institucionais); em termos da dinâmica de ação (regular ou irregular, proativa ou reativa); e em termos dos retornos produzidos (numerosos ou escassos, tangíveis ou intangíveis).

São criadas redes multinível com uma dimensão vertical (ligando os níveis de decisão local, regional, nacional e europeu) e redes com uma dimensão horizontal (atores públicos e privados em torno de políticas sectoriais). Embora se refira à contribuição do "regionalismo transnacional" para a governação, Scott indica que "[...] a mera existência de redes e grupos de trabalho transfronteiriços pode ser vista como uma ajuda para criar o capital social do qual - segundo Robert Putnam - depende a comunidade política" (Scott, 2002). Assim, esta reestruturação territorial leva ao surgimento de espaços sociais onde atores públicos e privados contribuem para a determinação de determinadas políticas públicas; surge, assim, um espaço político comum ou partilhado (Malloy, 2010).

Atualmente, a cooperação territorial europeia nas suas diferentes versões (transfronteiriça, transnacional, inter-regional, ultraperiférica) está incluída na Política de Coesão, especificamente na coesão territorial. Desde o final do século passado, é considerada um objetivo prioritário, a par da coesão social e económica. O seu principal objetivo é reduzir os desequilíbrios entre os territórios no conjunto da UE. A coesão territorial responde a um esquema evolutivo devido a forças ou fatores intra-UE (disparidades económicas e sociais internas, impacto da União Económica e Monetária, alargamentos da UE); atualmente, a coesão territorial enfrenta desafios extra-UE e globais (competitividade internacional). Neste sentido, "o ordenamento do território europeu tem procurado avançar no sentido de levar o desenvolvimento económico a todas as regiões europeias [e satisfazer] a necessidade de aproveitar as oportunidades de desenvolvimento económico e de integração global para além das chamadas megalópoles europeias, Blue Banana ou ‘pentágono’, e avançar para o policentrismo" (Martín-Uceda & Castañer, 2018). Consequentemente, esta abordagem abre a porta a dinâmicas competitivas entre diferentes territórios.

No caso específico da Galiza e do Norte de Portugal, a cooperação desenvolvida na Eurorregião Galiza-Norte de Portugal é o resultado de iniciativas de instituições públicas lançadas no início da década de 1990. Inicialmente, começaram a nível regional e, mais tarde, os atores locais participaram com diferentes objetivos. Assim, foram criadas diferentes estruturas: a Comunidade de Trabalho-Galiza-Norte de Portugal e o AECT-GNP, o Eixo Atlântico e várias Eurocidades - que geraram iniciativas transfronteiriças e novos AECT, contribuindo para aumentar a densidade institucional (Cancela, 2023).

Desde os primeiros anos de cooperação transfronteiriça entre a Galiza e o Norte de Portugal, gerou-se um discurso único entre os responsáveis políticos, os atores socioeconómicos e os meios de comunicação social que apresenta a cooperação de forma positiva, como uma oportunidade para superar desvantagens comuns. Ao mesmo tempo, a Euro-região é apresentada como um espaço territorial capaz de gerar oportunidades num contexto de competitividade que se intensificou como consequência da globalização e da integração europeia. A ideia de que existem interesses estratégicos, convergentes ou partilhados em setores como os transportes, o ambiente, os recursos naturais, a investigação e o ordenamento do território, que requerem coordenação, tem vindo a ganhar terreno. A cooperação proporciona uma vantagem competitiva aos territórios fronteiriços; é também fundamental para o seu desenvolvimento socioeconómico (a cooperação como resposta ao efeito de barreira). Além disso, confere uma certa dimensão política à Eurorregião Galiza-Norte de Portugal. As instituições que atuam neste quadro têm uma certa capacidade de influenciar outras agendas políticas (estatais, interestaduais, europeias).

Em suma, foram criados programas específicos, que são, naturalmente, de grande importância, mas não devemos esquecer o que foi alcançado no domínio das perceções, ideias e discursos, ou seja, o património imaterial da cooperação (confiança e capital social). Como assinala Coletti (2010), "a estabilidade das acções de cooperação transfronteiriça deve-se ao valor metafórico e imaginário que ultrapassa os resultados concretos destas práticas. A criação de espaços de cooperação transfronteiriça está frequentemente ligada à construção de uma identidade. Ligada aos percursos culturais e históricos comuns de um território ou às oportunidades de desenvolvimento económico e social que se abrem para a nova comunidade transfronteiriça".

Trata-se de uma experiência cooperativa que envolve sobretudo atores públicos empenhados na cooperação transfronteiriça (não foram detetados episódios de crise, nem mesmo durante a crise económica de 2008). Este caso também mostra um aumento da institucionalização: várias unidades de governação (UE, Comunidade de Trabalho, AECT, Eixo Atlântico) foram criadas e promovidas por organizações estatais (com recursos públicos) num contexto caracterizado por uma elevada institucionalização (e eficácia). A cooperação transfronteiriça é vista como uma oportunidade (gerada pelo Conselho da Europa e pela UE; ambas as organizações são forças exógenas em termos de recursos jurídicos e financeiros). Consequentemente, os atores orientaram as suas ações para os benefícios derivados da política de coesão europeia, gerando assim uma lógica competitiva.

É também possível detetar uma capacidade de mobilização de outros atores, como as universidades e os atores da sociedade civil, e a consequente criação de redes informais (empresas, sindicatos, associações). Os atores públicos, promovidos por outras instituições políticas e alimentados por fundos públicos, tendem a harmonizar as suas ações em busca de um entendimento mútuo. Não há oposição à cooperação transfronteiriça ou a ações que promovam redes formais ou informais. Os objetivos estratégicos - inicialmente limitados ao âmbito da cooperação transfronteiriça - foram alargados ao âmbito inter-regional (sustentabilidade, inovação e investigação, qualidade de vida, serviços públicos). Os atores institucionais compreendem que há interesses interdependentes a ter em conta nas suas ações mútuas. Assim, para atingir determinados objetivos estratégicos, utilizam os seus recursos políticos e administrativos. Finalmente, tanto a UE como as entidades regionais ou locais divulgam ideias e valores sobre a cooperação transfronteiriça para gerar uma narrativa ou discurso. Isto oferece um quadro partilhado no qual os atores interpretam que tipos de desempenhos ou tácticas são possíveis e legítimos, ou seja, utilizam-nos para dar sentido ao que os outros fazem.

1.2. Estrutura, dinâmicas e experiências de competição

Em contraste com a visão que destaca as dinâmicas de cooperação originadas pela construção europeia, vários autores (Jessop, 2008; Hirsch, 1996) enfatizam o incremento das relações de competição decorrentes das transformações estruturais associadas à globalização neoliberal e à construção de mercados transnacionais. Com a crise do Estado fordista que emergiu após a Segunda Guerra Mundial e se manifestou no início da década de 1970, iniciou-se uma rápida transformação dos sistemas e articulações económicas, sociais e políticas do mundo ocidental.

Neste contexto, a articulação dos conflitos e dos processos sociais e económicos nos espaços nacionais através da intervenção concertada e da regulação estatal é progressivamente erodida (Hirsch, 1996), dando lugar a uma intervenção orientada para a criação de novos mercados. A chamada passagem do fordismo para o pós-fordismo (Jessop, 2008) ou do "estado de segurança" para o "estado de competição nacional" (Hirsch, 1996) materializa-se, em suma, na perda de controlo monetário por parte dos Estados, no aumento das transações internacionais, na modificação da relação entre capital produtivo e capital financeiro, em benefício deste último (Stockhammer, 2013).

A nova visão económica e política hegemónica modifica a consideração do fator salário como uma variável associada à procura interna. Desta forma, a variável salário passa a ser vista como um custo de produção numa estrutura de mercado cada vez mais internacionalizada. O novo paradigma está associado ao surgimento de formas de organização baseadas na flexibilidade e em conceitos económicos como a competitividade (Streeck, 2016; Jessop, 2008; Hirsch, 1996). Estas transformações acompanham o processo de globalização, que traz consigo uma crescente unificação estrutural da economia capitalista a nível mundial. As principais características da globalização são a financeirização e a internacionalização dos fluxos económicos, tanto para dentro como para fora, a expansão da multinacionalização, a integração dos mercados, a construção de zonas económicas formadas por grupos de Estados, bem como uma maior inter-relação económica entre regiões pertencentes a diferentes Estados (Jessop, 2008).

Um exemplo paradigmático da construção de blocos económicos inter-estatais em plena globalização e expansão do modelo pós-fordista é o caso da Europa e da UE. A este respeito, há que assinalar dois marcos da integração económica e política europeia. O Ato Único e o Tratado de Maastricht, assinados em 1986 e 1992, respetivamente, resultaram na criação e institucionalização das chamadas quatro liberdades: a livre circulação de mercadorias, capitais, pessoas, trabalhadores e serviços. Posteriormente, em Maastricht, foram articuladas uma série de medidas monetaristas (Mitchell, 2016) que visavam o controlo da inflação em relação à política monetária, a abertura financeira, a liberalização e desregulamentação e o financiamento dos défices públicos através dos mercados financeiros (Medialdea & Sanabria, 2013). Da mesma forma, o controlo do défice e da dívida pública, premissas do neoliberalismo no auge da sua popularidade, estavam em voga nos meios académicos e económicos da época, como refere Stiglitz (2014).

Apesar do aparente paradoxo em todos os processos sobrepostos acima enumerados, o papel central do Estado nestes processos deve ser sublinhado. De acordo com a teoria ordoliberal, a sociedade de mercado teria de ser conduzida pelo Estado, de preferência através de regras e mecanismos constitucionais. Bons exemplos são as disposições criadas pelos Estados nos Tratados citados nos parágrafos anteriores, especialmente as que se referem a questões monetárias e de concorrência (Ryner, 2015). Em todo o caso, nesta nova realidade político-económica, e não apenas na sua criação e promoção, o papel do Estado continua a ser central. Como defende Hirsch (1996), o novo Estado que emerge da reconfiguração globalizante e pós-fordista é fortemente intervencionista, tanto económica como socialmente, sendo a sua função essencial a "valorização do capital em operações internacionalmente flexíveis". O Estado nacional concorrencial, longe de desaparecer, estaria agora centrado na procura contínua da "política de localização óptima", tentando criar dentro das fronteiras nacionais as condições mais adequadas para a valorização do capital, dando origem a políticas de austeridade concorrencial sob a forma de redução de salários, de benefícios fiscais ou de redução das prestações sociais e da despesa pública.

É, pois, necessário analisar o papel do Estado nacional da concorrência no contexto de uma UE construída sem medidas de harmonização laboral ou fiscal. De acordo com Stiglitz (2014), a livre mobilidade de capitais e bens sem uma prévia harmonização fiscal incentiva uma corrida competitiva para o fundo do poço entre os Estados, com o objetivo de captar e atrair capitais dentro das suas fronteiras. Para Martin (2013), o atual quadro institucional europeu incentivaria a concorrência entre Estados no domínio do trabalho. Assim, os Estados membros, com o objetivo de melhorar as suas posições competitivas nos mercados internacionais, apostariam numa corrida ao fundo do poço na esfera salarial. Este tipo de desvalorização competitiva teria, para além dos conflitos e interesses sociais e políticos, uma lógica económica derivada do quadro ordoliberal, segundo o qual os governos devem ser pró-ativos na criação de mercados e na manutenção da concorrência nos mesmos. Desta forma, incentiva-se a mercantilização do mundo do trabalho e transforma-se o fator salário na variável de ajustamento por excelência, sobrepondo-se assim aos instrumentos clássicos da macroeconomia anteriormente articulados no sistema fordista e no Estado securitário (Stockhammer, 2016).

As dinâmicas concorrenciais delineadas nos parágrafos anteriores constituiriam o núcleo das políticas propostas pela Troika para os Estados do Sul da Europa em resposta à multi-crise de 2008. Neste sentido, a chamada desvalorização interna materializada através do ajustamento dos salários e dos custos de produção traduzir-se-ia numa escalada competitiva nos Estados do Sul da Europa para reduzir os preços por esta via com o objetivo último de aumentar as exportações. Prevaleceria, assim, a lógica ordoliberal, que coloca o Estado como elemento central na concorrência descendente em determinados padrões laborais ou fiscais, no papel apontado por Hirsch (1996) da política de localização óptima para a valorização do capital flexível internacional.

É neste contexto que devemos situar o espaço transnacional e transfronteiriço que configura a Eurorregião Galiza-Norte de Portugal. Para além das dinâmicas competitivas entre Estados associadas à política de "localização óptima" para a atração de investimentos, a abertura das economias nacionais e a passagem do Estado de segurança para o Estado de concorrência favoreceriam a articulação de sistemas de cooperação transfronteiriços destinados a melhorar a competitividade de determinados espaços locais e regionais no quadro da globalização e da internacionalização dos mercados (Jessop, 2008).

Assim, a partir dos principais elementos teóricos expostos nas secções anteriores, que configuram a discussão associada às dinâmicas de cooperação e concorrência a nível europeu e transfronteiriço, tentaremos determinar as relações estabelecidas pelos principais atores institucionais e socioeconómicos ligados aos investimentos produtivos na Eurorregião Galiza-Norte de Portugal. Para isso, utilizando o método e os materiais descritos na secção seguinte, tentaremos responder à seguinte pergunta de investigação: De uma forma hegemónica, que dinâmicas ligadas às ideias de cooperação e/ou competição estão a ser estabelecidas entre os atores institucionais, sociais ou económicos da Eurorregião Galiza-Norte de Portugal em relação à atração de investimentos produtivos?

2. Material e método

Para responder à pergunta de investigação formulada na secção anterior e com o objetivo de poder determinar as tendências relacionadas com as dinâmicas de cooperação/concorrência na Eurorregião Galiza-Norte de Portugal em termos de investimento empresarial e de processos produtivos, procederemos a uma análise de conteúdo qualitativa de várias fontes jornalísticas recolhidas em diferentes jornais de ambos os lados da fronteira. Para tal, procurámos, em primeiro lugar, artigos de imprensa com declarações dos principais atores envolvidos nos processos produtivos da Eurorregião: políticos, empresários e sindicalistas. O trabalho de campo foi concebido e realizado por dois investigadores durante o mês de novembro de 2023. Para localizar as notícias, foi utilizado o Google como motor de busca para um período de tempo que abrange a última década. As palavras-chave utilizadas foram as seguintes: empresário; empresa; companhia; decisor político; sindicatos; investimento; Galiza; Norte de Portugal; deslocalização; cooperação; concorrência; competitividade.

Após a pesquisa com base nos critérios acima descritos, foram selecionadas um total de 30 notícias de interesse para a nossa investigação. As informações foram extraídas dos jornais Diário do Minho, Correio do Minho, O Minho, La Voz de Galicia, Faro de Vigo, Atlántico Diario e Galicia Confidencial. Após uma análise de conteúdo qualitativa efetuada de forma independente, foi anotada uma série de itens que abrangem as principais questões que estão no centro das relações de cooperação/concorrência entre os principais atores de ambos os lados da fronteira:

  1. Salários

  2. Impostos

  3. Preços dos terrenos industriais

  4. Burocracia

  5. Infraestruturas

  6. Atração de investimentos

As categorias supracitadas têm sido observadas de forma recorrente nas notícias da imprensa e nos depoimentos analisados. Além disso, as categorias utilizadas são úteis para sintetizar as informações mais relevantes relacionadas ao nosso objetivo de pesquisa. Com base nos itens apresentados nesta secção, ordenaremos as informações mais importantes na secção de resultados que será apresentada a seguir.

3. Resultados

Como referimos, o objetivo principal do nosso trabalho surge relacionado com a análise das dinâmicas de concorrência e cooperação na Eurorregião Galiza-Norte de Portugal na esfera produtiva. Seguindo as categorias de análise expostas na secção metodológica, nesta secção organizaremos as informações e evidências empíricas com base no emissor das afirmações relacionadas ao nosso objeto de estudo. Desta forma, e antes de mais, abordaremos os dados qualitativos provenientes das declarações dos responsáveis ligados às instituições públicas. A seguir, apresentaremos a visão da comunidade empresarial. Por fim, analisaremos a perspetiva dos dirigentes sindicais de ambos os lados da fronteira.

3.1 Dirigentes de instituições públicas

Relativamente à primeira categoria de análise, encontramos declarações de responsáveis institucionais de ambos os lados da divisão. Em primeiro lugar, o antigo presidente da Xunta de Galicia, Núñez Feijoo, aponta a legislação laboral e a fixação do salário mínimo, da responsabilidade do Governo espanhol em Espanha, como um fator em que o Governo português teria vantagem competitiva: "a legislação laboral e o salário mínimo, da responsabilidade do Governo, e onde Portugal nos ganha de goleada" (O Minho, 12.01.2020). Ao fator salário, o presidente da Câmara Municipal de Valença do Minho, Jorge Salgueiro Mendes, acrescenta o grau de conflitualidade sócio-laboral como elemento a ter em conta na atração de capitais e investimentos da Galiza para o território situado do lado português da fronteira: "O que mais ouço dos empresários galegos, para além do facto de a terra ser mais barata, é que procuram Portugal por causa da boa relação entre trabalhadores e empregadores, sem conflitos sindicais" (Dopeso, 24.01.2018).

Na segunda área de análise, a dos impostos, encontramos um padrão semelhante ao dos salários. Assim, de acordo com as declarações analisadas, as empresas receberiam um tratamento fiscal mais favorável em território português. A este respeito, o antigo presidente da Junta da Galiza, Núñez Feijoo, afirmou em 2020:

O chefe da Xunta referiu-se às "facilidades fiscais" oferecidas por Portugal e lamentou que na Galiza as reduções fiscais para as empresas dos municípios fronteiriços "sejam muito modestas ou inexistentes" (Faro de Vigo, 10.01.2020).

Mas talvez a categoria que tenha gerado mais debate tenha a ver com o preço dos terrenos industriais. Nesta secção, encontramos declarações divergentes entre os responsáveis de diferentes instituições. Para Núñez Feijoo, o preço dos terrenos industriais não seria uma razão para a deslocalização industrial, uma vez que o preço na Galiza e no Norte de Portugal seria muito semelhante. No entanto, o presidente do município fronteiriço de Valença do Minho vê este fator como um elemento-chave de atração para as empresas galegas em território português (Dopeso, 24.01.2018). Seguindo a mesma ideia, mas com um tom de denúncia, o plenário da Câmara Municipal de Vigo e o seu conselheiro de Finanças Jaime Aneiros pronunciaram-se em 2017, em declarações publicadas no Atlántico Diario:

O plenário da Câmara Municipal de Vigo aprovou hoje, com os votos a favor do PSOE e as abstenções do PP e do Marea, solicitar ao governo central e à Xunta medidas para fazer face à "concorrência desleal" em que a administração de Portugal está a incorrer para atrair investimento. O vereador das Finanças, Jaime Aneiros, manifestou a "preocupação" do governo local com os incentivos fiscais e a oferta de terrenos industriais "a um preço simbólico ou quase gratuito" por parte do governo português e de certas regiões do norte do país, e que constituem "um ataque" ao sector produtivo local (Atlántico Diario, 27.04.2017).

Note-se que, em relação ao quinto elemento de análise, a burocracia, não encontrámos declarações entre decisores institucionais de ambos os lados da fronteira. Em contrapartida, é de salientar o ponto de vista expresso pelo secretário-geral do Eixo Atlântico em relação à falta de incentivos e à deficiente coordenação das políticas de infraestruturas, de que é exemplo a gestão dos três aeroportos da Galiza. Em declarações ao Correio do Minho, Vázquez Mao salienta que:

"A falta total de incentivos" da Xunta da Galiza para a fixação de empresas, em contraponto a "uma política muito mais atractiva" de Portugal para a captação de investidores daquela região espanhola. E a falta de coordenação entre os aeroportos e os portos galegos algo que assegurou não aconteceu em Portugal (Correio do Minho, 08.03.2017).

No entanto, face às tendências concorrenciais registadas em matéria de salários, impostos e preço dos terrenos industriais, podemos observar diversas práticas e elementos de cooperação entre os dois lados da fronteira. Neste caso, a tendência registada parece estar relacionada com a necessidade de atrair investimentos a nível europeu e mundial. Em primeiro lugar, devemos observar e recolher as palavras de Nuno Almeida, responsável pelo AECT Galiza-Norte de Portugal, nas quais aponta para as sinergias que podem ser produzidas através da cooperação em relação ao setor automóvel ou aeroespacial:

"Estando perfeitamente patente a colaboração e o trabalho no setor automóvel, estamos agora a avançar para o setor aeroespacial, aproveitando as competências que a Galiza tem, nomeadamente no seu centro ligado a este setor na província de Lugo", disse à Lusa, em conversa telefónica, o responsável. O objetivo é conjugar as competências galegas com "as que as empresas portuguesas têm", referindo-se especificamente ao Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Produto (CEIIA), em Matosinhos (distrito do Porto), "a alguns centros tecnológicos e às próprias empresas ligadas ao setor automóvel" (Diário do Minho, 28.01.2022).

Na mesma linha, António Cunha, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-Norte), enunciou a necessidade de cooperar para obter fundos europeus para o desenvolvimento de processos produtivos ligados aos veículos e à mobilidade eléctrica:

Norte e Galiza estão especialmente alinhados em radicar na eurorregião o projeto ibérico de referência da mobilidade elétrica e do automóvel autónomo. (...) É a localização natural dos investimentos estruturantes que precisamos de realizar na agenda do automóvel do futuro", realçou, no discurso proferido durante a conferência "Fundos Europeus: o Minho e a Galiza" (O Minho, 18.10.2021).

3.2. Líderes empresariais

Em primeiro lugar, abordaremos as declarações dos representantes das empresas relativamente à variável salário. De acordo com as declarações dos líderes empresariais, esta questão parece gerar respostas contrastantes. De acordo com Juan Manuel Vieites, presidente da Confederação Galega de Empregadores (CEG), as diferenças salariais entre os dois lados da fronteira são menos importantes e menos multifacetadas do que se pensa: "sempre nos centrámos nas diferenças salariais entre Espanha e Portugal como um dos fatores de competitividade a ter em conta, mas não se trata de uma realidade linear, nem isenta de nuances". Acrescenta que

Há muitas empresas espanholas que operam em Portugal e que continuam a pagar aos seus trabalhadores salários regidos pela regulamentação espanhola e por convenções colectivas de trabalho e, no entanto, são competitivas em Portugal. E da mesma forma, as empresas portuguesas que vêm trabalhar para a Galiza devem pagar os salários legalmente aplicáveis no sector e na área geográfica de destino (El Correo Gallego, 23.09.2021).

Por seu lado, Óscar Rivas, das Industrias Trimar, admite que, na área das grandes empresas, os movimentos empresariais entre a Galiza e o Norte de Portugal podem estar a ocorrer devido a diferenças salariais: "As grandes empresas vêm pela mão-de-obra, nós fizemo-lo pela terra" (Dopeso & Cedrón, 23.01.2018). Quanto à centralidade do fator salarial, Jorge Cebreiros, da Confederação Patronal de Pontevedra, aponta outras causas como motor dos movimentos de ambos os lados da fronteira (Boullosa, 2023). Em todo o caso, duas ideias centrais podem ser deduzidas dos diferentes depoimentos registados: a aproximação em termos de mão-de-obra e de salários dos dois lados da fronteira e a persistência de uma vantagem favorável aos empregadores do lado português em termos de custos de mão-de-obra.

A nível fiscal, Enrique Mallón, secretário-geral da Associação de Empresários Metalúrgicos (ASIME), aponta para uma menor carga fiscal a nível local: "há uma menor carga fiscal dos impostos locais, que são mais elevados em Espanha" (Galicia Confidencial, 13.03.2018). Este facto estaria relacionado com o diferente modelo institucional e jurisdicional estabelecido em ambos os lados da fronteira. Como salienta Luís Ceia, presidente da Confederação Patronal do Alto Minho, os autarcas portugueses competem entre si com o objetivo de atrair capital e investimento para os seus territórios. Neste sentido, os impostos locais seriam uma das alavancas utilizadas no modelo de concorrência acima referido. A este respeito, Luís Ceia afirma que:

"(Os autarcas) competem entre si. Cada um pode fazer as reduções que são da sua competência, e até eliminar impostos. Até põem pessoal da câmara a trabalhar para eles. Perceberam que isso é uma mais-valia para o seu município. Agora, os presidentes de câmara vão ao aeroporto à procura de empresários" (La Voz de Galicia, 09.07.2017).

No que diz respeito à questão fiscal e institucional, Juan Manuel Vieites, da Confederação Galega de Empresários (CEG), aponta a maior simplicidade e harmonização do sistema fiscal em Portugal como um elemento atrativo para as empresas. Na opinião do empresário, tal seria o resultado do estabelecimento de uma tributação a dois níveis territoriais: estadual e local.

No entanto, se há uma variável que tem sido identificada como fundamental para explicar a deslocalização da produção e a atração de investimento produtivo, é o preço por metro quadrado dos terrenos industriais. Para Jorge Cebreiros, da CEP, é necessário "baixar o preço por metro quadrado" para travar a deslocalização industrial. E sublinha: "em termos de terrenos, as disparidades são muito significativas. Se precisar de 30 000 metros quadrados e houver uma diferença de cem euros por metro, não há dúvida de que o empresário escolherá a opção mais vantajosa" (Boullosa, 2023). A par da redução dos preços, Cebreiros apela a soluções imaginativas para colocar os terrenos industriais à disposição dos empresários em condições favoráveis:

Sabemos que, nalguns casos, isso não é possível, porque se trata de terrenos que, como os da Plisan, estão protegidos pelo Estado. Mas há que procurar soluções imaginativas para estes casos, como o direito de superfície (que permite construir em terrenos alheios) para que, através de empréstimos ou subsídios, as empresas possam cobrir as suas necessidades de terrenos (Boullosa, 2023).

Várias empresas ligadas aos setores automóvel e metalúrgico são igualmente favoráveis à mesma abordagem. É o caso da Valver ou da Pipeworks, cujas unidades de produção no Norte de Portugal localizaram aí a sua produção, fortemente condicionada pelo preço dos terrenos industriais. Por detrás do preço simbólico dos terrenos em solo português estaria o quadro competitivo e as dinâmicas de concorrência a nível local, como sublinha Luís Ceia (La Voz de Galicia, 09.07.2017).

Outro aspeto muito destacado nas fontes jornalísticas consultadas, e apontado como fator determinante na escolha de se estabelecer numa das margens da Eurorregião, tem a ver com a diferente complexidade e agilidade nas relações estabelecidas entre as empresas e as instituições públicas. A este respeito, Jorge Cebreiros, presidente da Associação de Empresários de Pontevedra, contrasta a lentidão burocrática das administrações públicas espanholas com a rapidez e agilidade das administrações portuguesas no atendimento aos empresários. E acrescenta: "Em Portugal, os processos são resolvidos em três meses e aqui, apesar de a Xunta ter aprovado uma lei de simplificação, está a demorar muito tempo" (Boullosa, 2023). Para Juan Manuel Vieites, do CEG, a simplicidade do modelo institucional português e a repartição de competências entre as diferentes administrações em Espanha favoreceriam o Norte de Portugal na captação de investimento produtivo:

O facto de ter um interlocutor único ou principal para liderar o processo de implementação e arranque de um projeto empresarial, como acontece em Portugal, é uma grande vantagem" (...) "A distribuição de poderes no nosso Estado não pode ser um obstáculo que frustre ou atrase iniciativas tão necessárias neste momento (El Correo Gallego, 23.09.2021).

Na secção de infraestruturas, podemos observar críticas relacionadas com as infraestruturas que ligam as zonas industriais da Galiza. Segundo Jorge Cebreiros, para além da competitividade do preço dos terrenos industriais, as zonas industriais do norte de Portugal oferecem uma melhor comunicação e estão mais bem equipadas em termos de serviços do que as da Galiza: "E não nos referimos apenas ao facto de haver melhores infraestruturas do que no Norte de Portugal, mas também ao facto de haver melhores infraestruturas no norte do país" (El Correo Gallego, setembro de 2021); não nos referindo “apenas ao facto de haver fibra, mas de haver boas vias de comunicação, tanto rodoviárias como ferroviárias" (Boullosa, 2023).

Finalmente, no que diz respeito à categoria de estudo relativa à ideia de cooperação entre os diferentes atores presentes em ambos os lados da fronteira, observamos novamente uma tendência semelhante à apontada por diferentes decisores institucionais. De acordo com os depoimentos observados, e que mostraremos de seguida, poder-se-á concluir que existem dinâmicas e experiências de cooperação que visam posicionar o espaço euro-regional como um pólo competitivo a nível económico à escala europeia e global. Exemplo desta ideia é a criação do Agrupamento Europeu de Interesse Económico promovido pela Confederação Empresarial do Alto Minho (CEVAL) e pela Câmara de Comércio, Indústria e Navegação de Tui. Nas palavras de Luís Ceia, o objetivo deste instrumento de cooperação seria: "dinamizar a atividade empresarial dos dois lados da fronteira. Pretendemos fazer uma caraterização do tecido empresarial, trabalhar na atração de investimento e na criação de redes de networking". E acrescenta: "é do nosso interesse, em termos de posicionamento estratégico, apresentarmo-nos com o nosso pacote completo: trazer empresas de um lado e do outro e apresentarmo-nos como um mercado único, em termos de dimensão, diversidade e complementaridade" (Nogueira, 2023).

3.3. Dirigentes sindicais

Nesta última subsecção da secção de resultados, abordaremos a perspetiva dos dirigentes sindicais de ambos os lados da fronteira. Esta secção é determinada pela ênfase especial na questão laboral como variável central dos sindicatos. Desta forma, encontraremos afirmações tangenciais relacionadas com as outras categorias de estudo.

No que respeita à questão laboral, a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP) argumenta que a deslocalização de empresas da Galiza para o Norte de Portugal teria a ver com a procura de salários mais baixos e condições mais precárias. Neste sentido, o sindicato da CGTP relativiza o peso dos incentivos fiscais e do preço dos terrenos como fatores centrais nos processos de deslocalização entre a Galiza e o Norte de Portugal. Sobre a importância dos salários e das condições de trabalho, Carlos Arménio, secretário-geral da CGTP, salienta: "o offshoring é a procura de salários baixos e precários. É esse o problema". E aponta os riscos do modelo competitivo e do dumping salarial que lhe está associado para toda a euro-região: "hoje a deslocalização é para Portugal, mas amanhã haverá outras deslocalizações para a Europa de Leste ou para Marrocos" (Galiza Confidencial, 16.02.2017).

Carlos Silva, diretor da União Geral de Trabalhadores (UGT) em Portugal, apresenta uma visão diferente da de Arménio e da CGTP. Para ele, a chave para a atração de empresas e capitais estrangeiros está associada às políticas do Governo português e, sobretudo, às medidas das autarquias: "se as empresas investem em Portugal é porque têm benefícios físicos e terrenos mais baratos, a um preço simbólico". Para Carlos Silva, o papel dos sindicatos não pode ser separado da criação de emprego, embora com "direitos e salários que não estejam abaixo da média" (Galicia Confidencial, 16.02.2017).

Do lado dos sindicatos galegos, Ramón Sarmiento, da Comisiones Obreras (CCOO), faz uma análise em termos de vencedores e perdedores. Para este dirigente sindical, os grandes beneficiários dos processos de dumping salarial e de deslocalização seriam "as multinacionais e o capital galego que foi para Portugal". Por outro lado, os principais prejudicados seriam os trabalhadores galegos, que veriam as suas condições de trabalho progressivamente reduzidas. Mas também os trabalhadores portugueses, através da aceitação de condições de trabalho precárias, uma vez que, na opinião de Sarmiento, a instalação de empresas no norte de Portugal estaria associada "ao salário mínimo português" (La Vanguardia, 03.02.2017). Em relação a esta questão, os três principais sindicatos do setor automóvel na Galiza (CIG, CCOO e UGT) solicitaram em 2017 que a Xunta de Galicia apresentasse uma queixa junto da União Europeia por concorrência desleal.

Por seu lado, Paulo Carril, da Confederação Intersindical Galega (CIG), denunciou em 2018 a sobre-exploração dos trabalhadores transfronteiriços na Galiza e em Portugal. Na opinião deste sindicalista, as empresas "contornam as poucas leis utilizando a fronteira para fazer uso de mão-de-obra mais barata e impondo condições precárias que atingem níveis de escravatura. Ao mesmo tempo, há um desvio e deslocalização de empresas para o norte de Portugal". Esta situação, segundo Carril, está a ocorrer perante a passividade e inação das instituições públicas (Europa Press, 04.07.2018).

Para concluir esta secção, citaremos as declarações feitas a partir da esfera sindical no âmbito da Confederação Sindical Inter-Regional (CSIR), que reúne os sindicatos galegos CCOO e UGT e as organizações portuguesas CGTP e UGT. Este fórum sindical defendeu a convergência salarial como alternativa ao dumping laboral na Euro-região. Por último, o CSIR apelou a uma maior coesão social na Euro-região (Europa Press, 23.10.2018).

4. Conclusões

Como resultado da análise dos dados hemerográficos à luz do quadro teórico utilizado, é possível detetar a existência de dois níveis ou dinâmicas. Por um lado, é possível distinguir um nível interno de concorrência entre Estados, ligado à utilização da política de "localização ótima" destinada a atrair investimentos e a abrir as economias nacionais, com a consequente passagem de um estado de segurança para um estado de concorrência.

Por outro lado, é possível detetar uma dinâmica de cooperação a nível euro-regional com o objetivo de posicionar este espaço de captação de fundos e investimentos no contexto internacional. De facto, para além de procurar atenuar o chamado efeito barreira decorrente da fronteira de segurança, a cooperação transfronteiriça e inter-regional tem como objetivo melhorar a competitividade dos espaços locais e regionais no contexto da globalização, da internacionalização dos mercados e do mercado único europeu. A dinâmica da cooperação deve ser orientada para o aproveitamento dos recursos políticos e das vantagens económicas recíprocas inerentes que aumentam a atratividade deste espaço euro-regional.

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Recebido: 01 de Dezembro de 2023; Aceito: 19 de Dezembro de 2023

Correspondence to: Celso Cancela Outeda E-mail: ccancela@uvigo.gal

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