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População e Sociedade

versão impressa ISSN 0873-1861versão On-line ISSN 2184-5263

População e Sociedade  no.37 Porto jun. 2022  Epub 02-Jan-2023

https://doi.org/10.52224/21845263/rev37a3 

Dossier Temático

A descentralização de competências na área da educação: o caso do município da Covilhã

The decentralization of competences in the field of education: the case of the municipality of Covilhã

1ISCAC - Institute of Accounting and Administration, Coimbra Business School, Coimbra, Portugal.

2Instituto Politécnico de Coimbra, Coimbra, Portugal


Resumo

Nos últimos anos, em Portugal, o processo da descentralização de competências na área da educação foi objeto de um debate alargado, não tendo sido possível, até ao momento, alcançar um consenso abrangente relativamente à realidade e especificidades que o consubstancia. O objetivo deste trabalho é analisar a perceção que os principais atores, a nível municipal, têm deste processo. A metodologia adotada é de cariz qualitativo, através do estudo de caso do Município da Covilhã, tendo sido inquiridos os envolvidos neste processo de transferência de competências, através de entrevistas semiestruturadas. A perceção geral dos intervenientes auscultados é que este processo pode ser caraterizado como extremamente positivo, muito embora persistam alguns aspetos que podem ser melhorados, sobressaindo a falta de recursos financeiros para fazer face às novas responsabilidades assumidas.

Palavras-chave: Descentralização da Educação; Perceções dos Atores Locais; Governo Local; Município da Covilhã.

Abstract

In recent years, in Portugal, the process of decentralizing competences in education has been the subject of a wide debate. However, until the present days, it has not been possible to reach a comprehensive consensus regarding the reality and specificities that embody it. The objective of this work is to analyze the perception that the main actors, at the municipal level, have of this process. The methodology adopted has a qualitative nature, through the case study of the Municipality of Covilhã, those involved in this process of transfer of competences having been questioned, through semi-structured interviews. The general perception of the surveyed individuals is that this process can be characterized as extremely positive, although there are still some aspects that can be improved and the lack of financial resources to face the new responsibilities assumed has been highlighted.

Keywords: Education Decentralization; Perception of Local Actors; Local Government; Municipality of Covilhã.

Introdução

A discussão do papel do Estado na sociedade desencadeou, nas últimas décadas, a implementação de profundas reestruturações no âmbito do setor público, abarcando alterações na atuação e funcionamento das organizações públicas. É neste contexto que surgiu a tendência crescente de descentralização um pouco por todo o mundo, incluindo a descentralização da prestação de serviços públicos (Diaz-Serrano & Meix-Llop, 2019; Dick-Sagoe, 2020). A este propósito, Kyriacou e Roca-Sagalés (2019, p. 755) referem que a “prestação descentralizada de serviços públicos tem sido uma importante impulsionadora de uma tendência de descentralização que varreu o mundo nas últimas décadas”.

Sabir et al. (2021) indicam que o termo ‘descentralização’ é usado quando se pretende aludir a um padrão particular de distribuição de autoridade organizacional ou política. Por seu lado, Dick-Sagoe (2020) assinala que a descentralização envolve a transferência de poder do governo central para o governo local. Isto porque, em termos teóricos, a resolução de problemas, de forma mais célere, eficaz e eficiente, e a melhoria da prestação de serviços aos cidadãos, por parte dos governos locais, é expectável, dado a sua proximidade às comunidades que servem e o seu conhecimento profundo das caraterísticas económicas, sociais, culturais, etc., das regiões onde atuam (Diaz-Serrano & Meix-Llop, 2019; Kyriacou & Roca-Sagalés, 2019; Ponte, 2021).

No que concerne às áreas alvo de descentralização, Fandel, Marišová, Malatinec e Lichnerová (2019) referem que se assistiu, em muitos países, à transferência de competências entre o governo central e governo local quanto à educação, ao ordenamento do território, cultura, saúde, entre outros.

Centrando o foco na área de educação, as políticas educativas têm sofrido transformações profundas em muitos países europeus, e não só, em que a aposta passou por uma postura descentralizadora, promovendo-se a intervenção educativa dos poderes locais (Lopes, 2020).

Portugal não foi exceção neste processo de descentralização de competências, incluindo na área da educação, tendo-se assistido, nos últimos anos, a um gradual processo de alargamento das competências das Autarquias Locais nesta matéria, em que o município assume um papel preponderante (Ponte, 2021; Silva, & Vieira, 2021). Assim, desde a implementação da democracia portuguesa, após a revolução de 25 de abril de 1974, foram publicadas diversas peças legislativas cujo âmago era a transferência de competências, na área da educação, do estado central para a administração local (Santos, Neves, & Marques, 2019), numa lógica de atribuição de uma maior autonomia ao poder local e melhorar a eficiência e eficácia dos processos (Pacheco, 2012), originando um quadro de regulação local da educação (Leite & Machado, 2018).

No entanto, esta descentralização tem sido objeto de um alargado espaço de debate, não tendo sido possível, até à presente data, alcançar um consenso abrangente relativamente à realidade e especificidades que o consubstancia, pelo que temos assistido a sucessivos entraves e adiamentos. Constata-se que este transformou-se num processo moroso, nem sempre tranquilo e com respostas díspares por parte dos diferentes municípios portugueses, não obstante o normativo comum. Em suma, este processo nem sempre surtiu os efeitos desejados (Lopes, 2020). Outro facto que não pode ser descurado: a possibilidade de os municípios assumirem “um papel tão relevante na esfera educativa, tratar-se-á de um novo paradigma organizacional que carece de adaptação e adoção pelos diversos atores envolvidos” (Lopes, 2020, p. 12).

Toda esta problemática faz com que a investigação desta temática na realidade portuguesa continue a ser premente e necessária, principalmente quanto aos novos paradigmas organizacionais daí decorrentes e à perceção dos responsáveis locais sobre esta realidade.

Assim, o objetivo do presente trabalho, tendo por base o recente processo de descentralização de competências na área da educação encetado pelo governo português, consiste na análise da perceção que os principais atores, a nível municipal, têm deste processo. Esta análise permitirá aos responsáveis municipais dos territórios que só agora vão implementar o processo de descentralização de competências, concretamente na área da educação, percecionarem a estratégia seguida, as dificuldades sentidas e as medidas adotadas numa perspetiva de Benchmarking. Desta forma, poderá ser uma ferramenta que permitirá melhorar e aprimorar a estratégia adotada pelos diferentes atores.

A metodologia adotada é de cariz qualitativo, através do recurso a um estudo de caso, concretamente o estudo da realidade do município da Covilhã, tendo sido inquiridos os envolvidos neste processo de transferência de competências na área da educação nesse município, através de entrevistas semiestruturadas.

Para além desta introdução, o presente trabalho apresenta um enquadramento teórico da descentralização de competências, com o foco na área da educação, seguido de uma contextualização dessa descentralização no caso português e as especificidades do Município da Covilhã. Após a apresentação da metodologia da investigação, será realizada a apresentação, análise e interpretação dos resultados. Finaliza-se com as principais conclusões e com a indicação das referências bibliográficas utilizadas.

1. Descentralização de Competências: Enquadramento Teórico

Segundo Pinho (2020, p. 43), a centralização poderá apresentar, em termos teóricos, diversas vantagens, destacando-se a garantia da unidade do Estado ou uma melhor coordenação da ação político-administrativa de um país. Todavia, os inconvenientes são de monta: burocracia; ineficácia administrativa; e consequente aumento dos gastos financeiros públicos. Este autor salienta, igualmente, o facto de uma centralização excessiva criar “um sentimento de afastamento entre a população e o poder central, o que gera uma falta de perceção da existência de problemas locais que só com a devida proximidade, alcançada através da descentralização, se conseguem identificar e resolver”.

O termo ‘descentralização’, todavia, não é consensual (Lopes, 2020), não existindo uma definição única, já que é algo complexo, com diversos tipos e subtipos de descentralização identificados na literatura, e englobando diversas dimensões (Sabir et al., 2021). No entanto, por forma a contornar esta quezília estéril, será seguida a perspetiva prevalecente na literatura, de que são exemplo Dick-Sagoe (2020) ou Sabir et al. (2021). Estes autores indicam que a descentralização envolve a transferência de poder do governo central para o governo local (ou outro tipo de governação de nível baixo, com autonomia), num processo de redefinições de estruturas, procedimentos e práticas de governação, podendo ser identificadas três partes ou dimensões: descentralização administrativa; descentralização fiscal; e descentralização política.

A dimensão administrativa refere-se à transferência, por parte do governo central, de atribuições ou competências de planificação e gestão, “possibilitando assim a existência de um sistema de governação multinível e cumprindo o princípio da subsidiariedade” (Lopes, 2020, p. 33), enquanto a dimensão fiscal abarca os acordos financeiros, entre os governos locais e o governo central, no âmbito das transferências de competências, ou seja, a repartição de recursos entre as partes envolvidas (Dick-Sagoe, 2020). Por fim, a dimensão política onde o que está em causa é a redistribuição de poder e autoridade, por forma a sustentar a descentralização (Batista, 2014).

No campo da educação, ao longo das últimas décadas assistiu-se à alteração das políticas educativas de muitos países, assente numa postura descentralizadora, em que foi promovida a intervenção educativa das instâncias locais (Lopes, 2020). Portugal não passou ao largo deste processo descentralizador na área da educação. Apesar de alguns constrangimentos financeiros, é indiscutível que os municípios portugueses dispõem de cada vez mais responsabilidades e competências que lhes permitem atuar com maior eficácia e eficiência sobre as necessidades da comunidade educativa local (Pinhal, 2014).

As razões que estão por detrás dos processos de descentralização na área da educação não diferem das que são invocadas aquando da descentralização de outro tipo de serviços públicos, como a saúde ou a proteção social: melhor utilização dos recursos públicos disponíveis; mais eficiência e eficácia na prestação do serviço; prestação de um serviço público de melhor qualidade; redistribuição do poder para órgãos decisórios locais, com melhor perceção e conhecimento das necessidades educacionais (Diaz-Serrano, & Meix-Llop, 2019).

A lógica teórica inerente é deveras simples: a proximidade geográfica das instituições públicas locais às comunidades que servem pode melhorar a qualidade da prestação dos serviços públicos, dado o seu conhecimento profundo das caraterísticas económicas, sociais, culturais, etc., das regiões onde atuam, ou dito de outra forma, um acesso a informação que não será tão imediata para as estruturas centrais; por outro lado, a descentralização pode evitar a armadilha burocrática dos sistemas demasiados centralizados (Diaz-Serrano & Meix-Llop, 2019; Dick-Sagoe, 2020; Kyriacou & Roca-Sagalés, 2019; Ponte, 2021).

Esta é a premissa teórica, mas os resultados obtidos pelas investigações que incidem sobre a descentralização, designadamente da descentralização educativa, apontam, por vezes, noutras direções. Dick-Sagoe (2020) indica que as descobertas empíricas de muitos estudos de caso provam que os ganhos teóricos da descentralização não são alcançados facilmente, muito embora, na perspetiva de Kyriacou e Roca-Sagalés (2019), a base de inúmeras investigações seja a determinação dos efeitos positivos das políticas de descentralização, nomeadamente no caso da educação.

Em termos de investigações concretas, Dick-Sagoe (2020) concluiu que a descentralização levou a diversos aspetos positivos, embora não tenha prosseguido uma investigação especificamente direcionada para a área da educação. Em termos de prestação de serviços, resultou em alguns ganhos na satisfação das reais necessidades das comunidades locais, tendo-se assistido, igualmente, a um aumento dos níveis da prestação de serviços, em algumas situações. Porém, segundo este autor, o nível de qualidade desses prestadores de serviços locais permaneceu questionável, sugerindo a exigência de mais transparência e accountability aos intervenientes locais.

Centrando a atenção apenas no campo educativo, Diaz-Serrano e Rodríguez-Pose (2014) constataram no seu estudo que a descentralização política exerceu um efeito negativo, estatisticamente significativo, na satisfação dos cidadãos com o sistema educacional.

Anos depois, outra investigação continuou a detetar problemas na descentralização política. Os resultados obtidos por Diaz-Serrano e Meix-Llop (2019) indicaram a existência de um impacto negativo da descentralização política sobre os resultados escolares, tendo estes autores indicado que a interpretação que pode ser retirada desta consequência negativa da descentralização política não é óbvia. Todavia, evidenciaram um impacto positivo da descentralização fiscal nos resultados educacionais, o que lhes permitiu defender que alguns dos pressupostos teóricos, anteriormente enunciados, tinham sido confirmados empiricamente, concretamente: “a vantagem dos governos locais na prestação de serviços aos cidadãos devido às suas vantagens informacionais em relação às características económicas ou sociais das regiões” (Diaz-Serrano & Meix-Llop, 2019, p. 1310). Já Kyriacou e Roca-Sagalés (2019) demonstraram que a descentralização, até ao nível municipal, ajuda a melhorar a qualidade percebida dos serviços públicos educativos.

No contexto português, e afunilando para as perceções dos atores locais envolvidos na descentralização de competências, Lopes (2020) indica que este processo contribuiu para o acentuar das assimetrias entre as escolas de diferentes municípios e para o elevar de obstáculos quanto à construção da autonomia escolar, já que existe um maior controlo em virtude de o poder se encontrar agora mais próximo. Por outro lado, assistiu-se a uma maior exposição dos trabalhadores, docentes e não docentes, à influência e à pressão dos interesses locais.

No entanto, não são só aspetos negativos. O mesmo autor evidenciou a convergência de opinião, em algumas temáticas, dos atores envolvidos no processo de descentralização educativa. Estes consideraram este processo “como uma mais-valia para o desenvolvimento do local e do sistema educativo em geral”. Em sentido oposto, a “politização da educação, a possível transferência da gerência do pessoal docente e o aspeto financeiro são os aspetos apontados como negativos” por estes (Lopes, 2020, p. 4).

O estudo conduzido por Ponte (2021) pretendeu dar a conhecer as perceções dos diretores escolares sobre o processo de descentralização da educação portuguesa, além da identificação dos efeitos que este processo poderá ter no desempenho quotidiano destes profissionais. Nesse sentido, os dados recolhidos demostram que estes concordam com a implementação desta descentralização e que, de um modo geral, não obstante os constrangimentos sentidos, o balanço geral é positivo. Quanto aos principais efeitos no seu trabalho, estes passam pela sobreposição de papéis/funções e multiplicidade de tarefas, pelo papel de mediador do diretor escolar ou pelas novas exigências sobre o seu cargo e reconfiguração do seu papel, entre outros.

Numa perspetiva sociológica, temos a investigação desenvolvida por Gonçalves, Nova, Pascueiro e Pimentel (2018). Estes autores concluíram que, de uma forma geral, “os atores educativos parecem estar pouco capacitados para o processo de democratização no contexto da definição de uma política educativa local”, o que é preocupante, já que este processo, para ser eficaz, exige “a sua mobilização no processo de tomadas de decisão, da implementação de estratégias e no processo de regulação”. Os autores referem mesmo que os “intervenientes no processo educativo parecem não se rever nesses papéis de intervenientes no processo de reflexão e de construção de estratégias locais e de regulares das escolas do seu concelho”, o que não deixa de ser sintomático, considerando que os entrevistados eram docentes ou elementos com assento num dos principais órgãos de gestão escolar, o conselho geral (Gonçalves, Nova, Pascueiro & Pimentel, 2018, p. 15).

2. Descentralização de Competências em Portugal na área da Educação

Sampaio e Leite (2015, p. 717) referem que “as políticas públicas de educação condicionam a forma como as escolas se organizam e influenciam as ações desenvolvidas pela comunidade escolar”. No âmbito do processo de modernização do sector público português, foi promovida nos últimos anos uma importante reforma do sistema educativo, através de uma descentralização de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais, concretizando os princípios da subsidiariedade, da descentralização administrativa e da autonomia do poder local. Esta reconfiguração da área da educação “assenta num processo de territorialização da ação política através de movimentos de descentralização, re-centralização e re-descentralização que envolve três principais intervenientes no processo: a Administração Central, o Município e a Escola” (Leite & Machado, 2018, p. 262).

Embora Portugal seja um país de tradições centralistas no que à administração da educação diz respeito (Silva & Vieira, 2021), a partir de 25 de abril de 1974 assistimos à implementação de políticas educativas que transitaram de uma lógica centralizadora para uma lógica local, através da implementação de diversas medidas legislativas, replicando, dessa forma, a tendência verificada em diversos países europeus (Ponte, 2021).

Esta descentralização caracterizou-se pelo envolvimento de atores locais. Deste modo, o campo educativo passou a contar com outros intervenientes, como as Autarquias Locais, “o que se traduziu na delegação de competências para os Municípios, bem como na celebração de contratos de autonomia com as escolas”. Resultado: assistiu-se a uma gradual alteração do papel desempenhado pelo governo local na área da educação, através da atribuição de mais funções e competências, assumindo os municípios “uma responsabilidade acrescida na resposta e satisfação de necessidades públicas” no campo da educação (Silva & Vieira, 2021, p. 39).

Esta filosofia reflete o próprio texto da Constituição da República Portuguesa, já que nesta está vertido o princípio da descentralização administrativa, nos seus artigos 6.º, 239.º e 268.º (Santos, Neves & Marques, 2019). Além disso, o n.º 2, do art.º 235.º refere que “[a]s autarquias locais são pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respetivas”. Continuando numa perspetiva jurídica, para Amaral (2016, pp. 725-726) a descentralização apresenta inúmeras vantagens, nomeadamente:

(…) primeiro, a descentralização garante as liberdades locais, servindo de base a um Sistema pluralista de Administração Pública, que é por sua vez uma forma de limitação do poder politico - o poder local é um limite ao absolutismo, ou ao abuso do poder central; segundo, a descentralização proporciona a participação dos cidadãos na tomada de decisões públicas em matérias que concernem aos seus interesses, e a participação é um dos grandes objetivos do Estado moderno (cfr. art.º 2 da CRP); depois, a descentralização permite aproveitar para a realização do bem comum a sensibilidade das populações locais relativamente aos seus problemas, e facilita a mobilização das iniciativas e das energias locais para as tarefas de administração pública; por ultimo, a descentralização tem a vantagem de proporcionar, em princípio, soluções mais vantajosas do que a centralização, em termos de custo-eficácia.

Este processo, de acordo com Fernandes (2014), pode ser dividido em três fases: entre 1976 e 1986 as funções desempenhadas pelos municípios na área da educação eram claramente reduzidas e delimitadas; entre 1986 e 1996, aquando da publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de outubro), os municípios passaram a ser reconhecidos enquanto agentes educativos supletivos e parceiros sociais que detinham um estatuto semelhante aos agentes privados; por fim, após 1996 passam a ser reconhecidos como um interveniente de estatuto público, com uma intervenção muito mais “congruente com o seu estatuto constitucional de poder local autónomo” (Ibidem, p. 50).

Torna-se claro que a partir da década de oitenta do século passado começa a esboçar-se o abandono das tomadas de decisão de cariz uniforme e ditadas pelo Estado Central, em que a Lei de Bases do Sistema Educativo é um marco significativo nesta mudança, na medida em que “recusa o modelo burocrático e centralizado de administração na sua forma concentrada” (Souza, Castro & Rothes, 2013, p. 14).

Outro marco legislativo basilar é a publicação da Lei nº 50/20181, de 16 de agosto, que vem definir um novo quadro alargado, no que à transferência de competências diz respeito, para os órgãos das autarquias locais e das entidades intermunicipais no domínio da educação (Ponte, 2021; Santos, Neves & Marques, 2019). Neste sentido, numa lógica de proximidade, eficácia, economia e eficiência, esta lei veio alargar as competências das entidades intermunicipais e dos órgãos municipais, podendo as mesmas ser delegadas nas freguesias, em diversas áreas de atuação, incluindo a educação, ação social, saúde, entre outras.

Posteriormente foi publicado o Decreto-Lei n.º 21/2019, de 30 de janeiro, que concretiza o quadro de transferência de competências para os órgãos municipais e para as entidades intermunicipais no domínio da educação, designadamente as competências relacionadas com o plano de transporte escolar, rede da oferta de educação, construção, requalificação e modernização de edifícios escolares, equipamento, conservação e manutenção de edifícios escolares, apoios e complementos educativos e gestão de pessoal não docente. O objetivo é uma partilha harmoniosa de responsabilidades entre entidades intermunicipais/áreas metropolitanas, autarquias, juntas de freguesia e escolas, “auspiciando promover a autonomia das instituições e potenciando o poder local na tomada de decisões” (Silva & Vieira, 2021, p. 52). Em suma, estamos perante, por um lado, uma aplicação universal a todos os municípios da descentralização na área da educação, e, por outro, à junção num único diploma de todas as matérias passíveis de serem descentralizadas (Ponte, 2021).

Neste contexto legislativo, ficou definido que a transferência das novas competências para as autarquias locais e entidades intermunicipais seria efetuada a partir de 2019, sem embargo do preconizado pelo n.º 3 do seu artigo 4.º, “[t]odas as competências previstas na presente lei consideram-se transferidas para as autarquias locais e entidades intermunicipais até 1 de janeiro de 2021, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 40.º”. Até janeiro de 2021 ocorreu um período de adaptação no qual as Autarquias, Comunidades Intermunicipais e Áreas Metropolitanas podiam deliberar aceitar ou não a transferência de competências referentes aos anos 2019 e 2020 (Silva, & Vieira, 2021). No entanto, os prazos têm vindo, sucessivamente, a ser adiados. A última protelação atirou a conclusão do processo, na área da educação, para 1 de abril de 2022 (cf. Decreto-Lei n.º 56/2020, de 12 de agosto).

A contestação e a renitência de algumas autarquias locais, quanto à aceitação de competências na área da educação, levou a que, no final de 2021, apenas 161 municípios, dos 278 municípios de Portugal Continental, tenham assumido competências na área da educação (DGAL, 2022), podendo ser apontadas diversas razões para isso, como por exemplo: o envelope financeiro atribuído a cada município é escasso face aos custos que incorrem com estas novas competências; aumento de necessidades administrativas, designadamente quanto ao número de procedimentos de contratação ou de registos contabilísticos, etc.

Não obstante estes adiamentos e alguma relutância no abraçar de novas competências, a realidade é que atualmente em Portugal as estratégias e políticas educativas seguem lógicas de governação em rede, fruto direto dos postulados teóricos do paradigma da Governance. Em termos práticos, o resultado é o envolvimento e a cooperação de diferentes entidades na área educativa (Barroso, 2016), sobressaindo o governo local de entre estes intervenientes, visto que este assume um papel central neste processo (Santos, Neves & Marques, 2019).

3. Descentralização de Competências na área da Educação: Município da Covilhã

A Covilhã é um município de média dimensão que integra o distrito de Castelo Branco, na Região Centro, com uma área de 555,60 km², sendo constituído por 21 freguesias com caraterísticas muito próprias. Para muitos, define-se como a porta de entrada da Serra da Estrela e, de acordo com os Censos 2021, tem 46.457 habitantes2. Acrescente-se que o Município da Covilhã (MC), no âmbito da reforma de organização territorial, foi integrado na Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela.

O MC, enquanto autarquia local, exerce as suas atribuições em plenitude e exclusividade na defesa dos interesses dos cidadãos que integram o seu território. A lei, no âmbito da autonomia que deve pautar o exercício das respetivas competências e atribuições, apenas proporciona ao Governo o exercício da tutela administrativa. Concretamente, conforme o descrito no art.º 4.º, da Lei n.º 75/2013, de 15 de setembro:

A prossecução das atribuições e o exercício das competências das autarquias locais (...) devem respeitar os princípios da descentralização administrativa, da subsidiariedade, da complementaridade, da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos e a intangibilidade das atribuições do Estado.

Silva e Vieira (2021, p. 47) referem que a Lei n.º 75/2013 estabelece o regime jurídico da transferência de competências do Estado para as Autarquias Locais e para as Entidades Intermunicipais. Também prevista nesta peça legislativa está “a delegação de competências através de contratos interadministrativos a celebrar entre o Governo e os Municípios, numa lógica de aprofundamento da descentralização”.

Por seu lado, Gonçalves et al. (2018) indicam que esta fase da descentralização no sistema educativo português foi operacionalizada através dos Contratos Interadministrativos previstos na Lei nº 75/2013, sendo as responsabilidades na área da educação repartidas entre Ministério, Municípios e Escolas, em que o papel dos Municípios na definição das políticas de planeamento local da educação é deveras essencial, designadamente: criar os conselhos municipais de educação; elaborar a carta educativa; participar nos conselhos gerais de cada agrupamento de escolas ou escolas não agrupadas; propor e conceder parecer sobre a constituição de agrupamentos de escolas, alargamento da rede de educação pré-escolar e implementação do programa Escola a Tempo Inteiro (AEC); e participar na assembleia de escola de forma a intervir na definição das orientações específicas de cada estabelecimento.

No caso concreto do MC, todos os níveis de ensino estão presentes no seu território, desde o pré-escolar ao ensino superior, incluindo escolas tecnológicas e profissionais, o que permite proporcionar uma oferta educativa extremamente diversificada e integradora. Foi neste contexto que o MC definiu a educação como sua prioridade, proporcionando um ensino abrangente e global em prol da sua população de forma a garantir que a mesma seja capacitada das competências necessárias para o desenvolvimento do seu território.

A política do MC, no domínio da educação, integra como principais fatores de atuação: o apoio aos estabelecimentos de ensino, investimento em equipamentos e infraestruturas; o incremento de parcerias; a implementação de programas e projetos relevantes; a sistematização da oferta educativa municipal em consonância com o Plano Estratégico Municipal.

Por forma a reforçar a aposta na educação, o MC aceitou a transferência de competências no domínio da educação, ao abrigo do Decreto-lei n.º 21/2019, de 30 de janeiro, através da deliberação do Órgão Executivo, em 27 de junho de 2019. A mesma foi aprovada pelo Órgão Deliberativo, na sua reunião de 28 de junho de 2019, por maioria, com 27 votos a favor e 6 votos contra. A aceitação por parte do MC da competência na área da educação tinha como premissa a sua implementação a partir de 1 setembro de 2019, coincidente com o início do ano escolar 2019/2020.

Importa desde já salientar que os diferentes contratos, com o período de vigência por ano civil, mantiveram-se em vigor até dia 31 de dezembro de 2019 e cuja gestão foi mantida pela Direção-Geral dos Estabelecimento Escolares (DGEstE). Os contratos cuja vigência coincidia com o ano escolar transitaram para a gestão do MC a partir de setembro de 2019.

Neste sentido, as principais alterações implementadas pela transferência de competências foram as seguintes: mudança da titularidade de edifícios escolares (8 edifícios que integram o parque escolar); transição para o mapa de pessoal do MC de 207 lugares de assistentes operacionais e 41 assistentes técnicos; assunção dos encargos das escolas dos 2.º e 3.º ciclos e ensino secundário (água, eletricidade, gás, combustíveis, comunicações, e outras associadas ao seu funcionamento); o fornecimento de refeições e circuitos de transportes das crianças com necessidades específicas e leite escolar3.

Para além das alterações formais, no âmbito da gestão escolar, tendo por base o novo quadro de competências, o objetivo de melhoria da educação, por parte do MC, passou por: aposta num novo paradigma de partilha das novas competências, assente nos princípios de corresponsabilização e valorização da autonomia e projetos educativos dos Agrupamentos de Escolas e Escolas não agrupadas; alargamento e renovação da sua Intervenção Socioeducativa, através da implementação de novos projetos como o Espaço dos Sentidos, Eu Sou + e Tecer; proporcionar melhores condições de aprendizagem através da requalificação do parque escolar, na renovação de mobiliário escolar, na aquisição de equipamentos informáticos e material didático.

Trata-se de um processo que exige uma relação de proximidade e de partilha de informação permanente e dinâmica entre todos os intervenientes, nomeadamente o MC, os quatro agrupamentos escolares (Frei Heitor Pinto, A Lã e a Neve, Pêro da Covilhã e Teixoso) e as duas escolas não agrupadas (Campos Melo e Quinta das Palmeiras), além da DGEstE, através da dinamização da Comissão de Acompanhamento prevista no âmbito do artigo 66.º, do Decreto-lei n.º 21/2019, de 30 de janeiro.

4. Metodologia da Investigação

Este estudo é um estudo de caso qualitativo, tendo-se centrado num Município português específico, que aderiu ao processo de descentralização de competências no domínio da educação. O MC foi selecionado por ser um município de média dimensão, integrar no seu território um conjunto de agrupamentos com caraterísticas diferenciadas e por ter já uma experiência de dois anos no âmbito do processo de descentralização da educação.

Para melhor compreender a forma como se processou a descentralização de competências entre a administração central e o MC, foram realizadas dezoito entrevistas semiestruturadas individuais aos atores principais deste processo, designadamente os diretores dos quatro agrupamentos de escolas e dois das escolas não agrupadas4, os seis coordenadores técnicos e os cinco encarregados operacionais dessas escolas, bem como a vereadora do município da Covilhã, com o pelouro da educação, responsável pelo acompanhamento e implementação do processo. Estas entrevistas foram realizadas entre 24 de fevereiro e 6 de abril de 2022, por videoconferência, através da plataforma ZOOM.

Após a realização das entrevistas, foi realizada a seleção, análise e tratamento da informação relevante retirada das respostas obtidas, o que permitiu a aquisição de um conhecimento detalhado da perceção dos atores sobre a descentralização de competências na área da educação, num município português de média dimensão e do interior.

5. Apresentação, Análise e Interpretação dos Resultados

Considerando que em dezembro de 2021 apenas pouco mais de metade dos municípios portugueses aceitaram a transferência de competências na área da educação (DGAL, 2022), a primeira questão que importava ver esclarecida seria a razão, ou razões, da adesão da autarquia covilhanense a este processo de transferência.

Sendo a educação definida pelo MC como um pilar do seu desenvolvimento, enquanto sociedade integradora, a vereadora com o pelouro da educação refere que “o Município da Covilhã considera e trata a área da educação como fundamental, dada a sua transversalidade e o impacto em todas as outras áreas”. Nesse prisma, a descentralização de competências é essencial, sendo perentória a defender que:

“numa área tão vital como a educação, uma maior partilha de responsabilidades entre a Administração Central e a Administração Local pode significar uma gestão mais eficaz e eficiente, mais adaptada e adequada aos territórios e às suas especificidades; porque uma gestão baseada na proximidade aos territórios, às instituições e agentes educativos e alunos/pais e encarregados de educação pode corrigir problemas de equidade e necessidades de diferenciação”.

Esta perspetiva vai ao encontro dos pressupostos teóricos da descentralização: uma melhor gestão dos serviços e dos recursos públicos derivada da proximidade geográfica e dos conhecimentos dos atores públicos locais (Diaz-Serrano & Meix-Llop, 2019; Dick-Sagoe, 2020; Kyriacou & Roca-Sagalés, 2019; Ponte, 2021). Os resultados de Lopes (2020, p. 4) convergem e reforçam o entendimento que os atores locais “consideram a municipalização da educação, suportada pela proximidade, como uma mais-valia para o desenvolvimento do local e do sistema educativo em geral”.

Identificadas as razões da aceitação de novas competências na área da educação por parte deste município, o foco das entrevistas direcionou-se para o objetivo desta pesquisa, ou seja, a análise da perceção dos principais atores, a nível municipal, sobre este processo. Nessa perspetiva, a vereadora e os diretores escolares foram questionados sobre a adequação das atribuições e competências autárquicas na educação face às necessidades dos Agrupamentos e Escolas não Agrupadas.

Na ótica da vereadora “as competências que o Município assume não são excessivas, do ponto de vista da sua capacidade de gestão e intervenção de proximidade e no âmbito das suas competências”. De uma forma geral, os diretores escolares também partilham desta visão. Por seu lado, os diferentes coordenadores técnicos vão ao encontro desta perspetiva, pois consideram como adequadas e suficientes as transferências de atribuições e competências na educação.

Todavia, isso não quer dizer que não existam áreas que possam ser melhoradas. Desde logo, situações que serão transversais a qualquer instituição pública portuguesa, como, por exemplo, a excessiva burocratização de alguns processos, que até já tinha sido detetada por Ponte (2021, p. 126), em que os diretores escolares entrevistados realçaram “que a burocracia continua a ser absorvente e assume novos contornos”, no contexto da descentralização de competências.

Para além destas questões mais corriqueiras, uma outra foi alvitrada pelo diretor do agrupamento de escolas Frei Heitor Pinto: ao nível da gestão de recursos humanos, a atual impossibilidade da contratação de docentes. Para este diretor “no futuro, o caso da contratação ou não dos recursos humanos docentes deve ser discutida”. Isto porque “com a falta de docentes no interior do país e tendo em conta as especificidades muito próprias do nosso território, (…) este processo também poderá ser objeto de delegação”.

Além disso, quando os diretores escolares são questionados sobre o âmbito da intervenção municipal em educação, nomeadamente quanto ao cumprimento estrito das competências formais ou se se verifica uma maior intervenção e colaboração em domínios não formais, as respostas já são mais diferenciadas. Enquanto alguns diretores consideram que o MC exerce apenas as competências que estão previstas em legislação, outros há, como é o caso da diretora da Escola Secundária Campos Melo, que acham que as competências exercidas pelo município da Covilhã, na área da educação

“vão um bocadinho mais para além, nomeadamente com as preocupações na implementação do Plano Nacional para a Promoção do Sucesso Escolar em que o Município da Covilhã tem mostrado preocupações e ações, em termos de proatividade, para criar mais condições para que todos os alunos e alguns alunos especificamente possam ter mais apoios.”

Esta última ótica é corroborada pelo estudo de Lopes (2020, p. 112), já que para este autor o Município de Sesimbra, no âmbito da descentralização de funções educativas, tem pautado “pela assunção de competências que ultrapassam, em muito, as impostas por decreto”.

Importa igualmente avaliar a perceção que os diferentes intervenientes têm quanto ao processo de descentralização e as consequências que o mesmo teve na organização e gestão das escolas. Para os diferentes atores, o facto de o município da Covilhã celebrar um contrato interadministrativo com os Agrupamentos de Escolas e Escolas não Agrupadas, em que procede à delegação de competências e à transferência de valores que permita o exercício das competências transferidas, traduz-se num aspeto relevante na gestão escolar. A questão da maior proximidade é também salientada como uma mais-valia, principalmente porque permite uma maior rapidez na resolução dos problemas que surgem ao nível da gestão das escolas e agrupamentos de escolas.

Neste sentido, a diretora da Escola Secundária Campos Melo salienta que a transferência de competências para a autarquia covilhanense veio permitir “...sobretudo, em termos da gestão do pessoal não docente, uma agilização de procedimentos e uma proximidade para a resolução de problemas (…) e um maior esforço por parte da autarquia para corresponder às reais necessidades das escolas”. Além disso, na opinião da mesma diretora, “a autarquia tem sabido promover a articulação entre as escolas e as diversas instituições a operar no território e que podem trazer mais valias para as escolas e ganhos efetivos para todos”.

No âmbito da gestão de recursos humanos, a transferência do pessoal não docente para o MC foi um dos aspetos mais relevantes neste processo de descentralização de competências. Porém, numa fase inicial, a reação destes trabalhadores a esta nova realidade não terá sido a melhor. Nas palavras do diretor do Agrupamento de Escolas Frei Heitor Pinto: “inicialmente foi uma reação manifestamente má, de muita insegurança e intranquilidade”. Embora esta perceção tenha sido corroborada por todos os entrevistados - diretores, coordenadores técnicos e encarregados operacionais -, a perspetiva da vereadora não é tão negra, destacando a ambivalência dessa reação: “por um lado, passaram a usufruir de algumas vantagens pela sua integração no mapa de pessoal do Município; por outro lado, poderão ter sentido alguma perda de segurança ou referência por deixarem de estar enquadrados num Ministério”.

Em termos sintéticos, estes profissionais receavam poderem, no âmbito de uma gestão discricionária da autarquia, ser deslocados para outras escolas, com claros inconvenientes quer para sua a sua vida profissional (integração em novos grupos de trabalho, adaptação a novos alunos, dificuldades de mobilidade), quer para a sua vida pessoal (alteração de horários, menor tempo para a família).

No entanto, decorridos dois anos de descentralização, os receios iniciais apresentados pelo pessoal não docente já se encontram praticamente debelados existindo agora uma maior acalmia e entendimento quanto à dinâmica organizacional destes profissionais. Por outras palavras, com o passar do tempo “todos os receios foram eliminados e as coisas até estão a correr bem”, como refere a coordenadora técnica do Agrupamento de Escolas Pêro da Covilhã, embora seja uma opinião generalizada e partilhada por todos os entrevistados.

Aspeto igualmente relevante é a forma como se processa a articulação, ao nível da organização e gestão do pessoal não docente, entre a Autarquia e os Agrupamentos de Escolas e as Escolas não Agrupadas. É que apesar da descentralização, a gestão do pessoal não docente manteve-se na incumbência dos diretores escolares, já que o MC delegou nestes a sua gestão. Tal proporcionou a inexistência de qualquer interferência da Autarquia na gestão quotidiana e, não menos importante, em resultado de uma maior proximidade, existe uma maior celeridade na substituição destes profissionais quando se verifica a indisponibilidade dos mesmos.

Para a coordenadora técnica do Agrupamento de Escolas Pêro da Covilhã: “em termos de recursos humanos, acho que [a situação] melhorou bastante porque nós tínhamos bastantes dificuldades em fazer as substituições tão rapidamente como elas estão a ser feitas desde que passámos para a autarquia”. Tal vai de encontro às palavras proferidas pela encarregada operacional do Agrupamento de Escolas Pêro da Covilhã, sobre esta questão: “foi uma mais-valia nos recursos humanos. Há uma gestão de recursos humanos mais rápida”.

Este é um processo que tem sido gerido e melhorado ao longo deste período de dois anos, tal como é afirmado pela vereadora entrevistada:

“Uma vez que o poder de direção foi legalmente conferido às direções de agrupamento ou escola, o que as dinâmicas e necessidades de todos os dias justifica plenamente, apenas houve que afinar (ainda em afinação) procedimentos em que as responsabilidades são partilhadas (avaliação e poder disciplinar, por exemplo) ou em que é imprescindível partilhar informações geradas no âmbito de uma das partes (gestão da assiduidade, por exemplo), em que ainda se verificam alguns problemas a superar. A coordenação é assegurada pela área de Recursos Humanos em termos de processamento de faltas e vencimentos, sendo a coordenação funcional assumida no âmbito do pelouro de Educação e da divisão de Educação e Juventude, devendo passar por esta todos os assuntos relativos ao universo escolar, seja em termos de mero conhecimento ou intervenção”.

A necessidade de afinação deste processo também é reconhecida pelos outros atores, como a diretora da Escola Secundária Campos Melo: “Houve necessidade de alguma clarificação e convergência (…). Agora é mais fácil e rápido resolver questões em relação ao pessoal não docente”.

Questões não menos relevantes, na gestão do pessoal não docente, prendem-se com a definição de competências, promoção de formação, avaliação desempenho, definição do conteúdo funcional e exercício do poder disciplinar. Estes aspetos suscitam especial menção já que, estando os funcionários sob a tutela da autarquia, continuam a desempenhar funções em espaços do Agrupamento de Escolas e Escolas não Agrupadas e são geridos pelos diretores escolares.

Relativamente a estes aspetos, na ótica dos diretores escolares tem existido uma real articulação com a autarquia. Por exemplo, no caso da avaliação de desempenho, esta é aprovada pelo Conselho Coordenador da Avaliação sob proposta da respetiva unidade orgânica (neste caso, sob proposta do Agrupamento de Escolas ou Escola não Agrupada).

No entanto, existindo um conjunto de unidades orgânicas diferenciadas, e sem a existência de um elemento comum, poderá originar a que se verifique alguma arbitrariedade no processo de avaliação do desempenho. O grau de exigência e de ponderação, por exemplo, poderão ser diferenciados nas diferentes unidades orgânicas. Este fator é corroborado pelo diretor do Agrupamento de Escolas Pêro da Covilhã que afirma que “deveria haver um elemento comum que pudesse observar para não haver estas disparidades (…) [e] para se poder atribuir uma menção justa no âmbito do Município da Covilhã”.

Um dos aspetos que merecem maior relevância na descentralização de competências, independentemente da área, resulta dos recursos materiais e financeiros que acompanham o processo de transferência. Este tem sido um dos maiores problemas e entraves sentidos neste processo, sendo assinalado tanto na literatura científica (cf. Pinhal, 2014; Santos, Neves, & Marques, 2019; Silva, & Vieira, 2021) como pelos próprios intervenientes. Quanto a estes últimos, a título de exemplo, a Associação Nacional de Municípios Portugueses sempre foi bem vocal na preocupação sentida com os constrangimentos financeiros associados à descentralização de competências em território português, o que está bem patente no seu plano de atividades para 2022 (ANMP, 2022).

No MC essa preocupação também existe. A vereadora entrevistada afirmou que “limitado é o suporte financeiro que a Tutela transfere para o Município relativamente a algumas subáreas de responsabilidade”. Noutra parte da entrevista acrescentou: “faltam mais recursos financeiros, um suporte a assumir pela Tutela de forma mais adequada às responsabilidades assumidas pelo Município e às necessidades das escolas e dos agentes educativos e alunos”. Neste contexto, o MC tem como estratégia uma rigorosa gestão dos recursos financeiros e, no âmbito de uma atuação mais geral, proporcionar um aumento de escala na contratação de bens e serviços de forma a proporcionar a obtenção de preços mais competitivos.

Para os diferentes diretores escolares, os valores transferidos, que são delegados através dos contratos interadministrativos celebrados, têm sido geridos com parcimónia de forma a evitar situações de insuficiência. Contudo, os valores auferidos, atendendo à recente escalada de preços, não permitirá, a curto prazo, garantir a sustentabilidade financeira. Aliás, para o diretor da Escola Secundária Quinta das Palmeira, “(…) a Câmara já se apercebeu que, em muitas situações, vai ter que, dentro do seu orçamento, alocar mais verbas à escola”.

Esta perceção é transversal aos diferentes intervenientes, mesmos para aqueles que se encontram mais distantes da gestão financeira. Veja-se, a título de exemplo, o que é defendido pelo encarregado operacional do Agrupamento de Escolas Frei Heitor Pinto: “caso a Câmara aceite mais competências, tem de haver mais dotação financeira porque a Câmara tem os recursos financeiros limitados”.

Conforme o exposto, verifica-se claramente que as questões relacionadas com os recursos financeiros são um tema ainda não encerrado e que merece especial atenção por parte dos intervenientes, o que vai de encontro às palavras de Silva e Vieira (2021, p. 48): “ao aumento de responsabilidades e competências das Autarquias deverá corresponder uma dotação financeira adequada às funções a desempenhar”.

De outro modo, não obstante o facto de a descentralização de competências na área da educação até pode ser encarada de uma forma positiva pelas autarquias, a verdade é que as verbas atribuídas neste contexto são insuficientes, o que leva as autarquias locais a recorrer a verbas próprias para fazer às novas responsabilidades (Santos, Neves & Marques, 2019, p. 305). A pesquisa de Lopes (2020) corrobora esta perspetiva, pois conclui que os atores locais identificam o aspeto financeiro como negativo, a par da politização da educação e da possível transferência da gestão do pessoal docente.

Em jeito de resumo, podemos assinalar que os entrevistados, quando questionados sobre a perceção que têm da intervenção da autarquia na área da educação, classificam-na, de forma unânime, como positiva. Esta conclusão está em linha de conta com o trabalho de Ponte (2021), que incidia sobre as perceções dos diretores escolares sobre o processo de descentralização da educação em curso. Os dados recolhidos por este autor demostram que estes manifestam uma clara concordância em relação à implementação deste processo, e que, em termos gerais, o balanço é bem positivo, não obstante a existência de alguns constrangimentos.

Um dos aspetos mais salientados pelos intervenientes está relacionado com o princípio que foi instituído pelo MC desde o primeiro momento. Para a autarquia covilhanense os diretores escolares sempre foram vistos como parceiros neste processo, ou seja, como elementos ativos na procura do sucesso da descentralização administrativa no âmbito da educação. Para o diretor do Agrupamento de Escolas A Lã e a Neve considera que

“a autarquia teve aqui uma perspetiva interessante, ou seja, não tentar inicialmente assumir todas as competências na sua plenitude, ou seja, passando essa responsabilidade para os diretores das escolas, apoiando no que é necessário, mas mantendo a gestão pedagógica e financeira nas próprias escolas. Isso também nos deu alguma confiança nesta fase inicial. Não sabemos se no futuro irá ser sempre assim. Mas acho que isso foi importante para nós, no sentido em que se considera como um voto de confiança no sentido de nós percebermos que era importante, embora houvesse esta descentralização, mas que não iria haver uma mudança por aí além, até porque, como eu costumo dizer, de educação percebem as escolas, de saúde percebem as instituições de saúde e, portanto, eu acho que foi importante e foi bastante adequada e positiva”.

Esta perspetiva não é única, já que todos os diretores consideraram muito relevante a delegação de competência do município da Covilhã nas respetivas direções por transmitir um grau de confiança no seu trabalho e por proporcionar uma menor intromissão na gestão quotidiana. Esta visão destoa da de Lopes (2020, p. 36), já que para este autor o processo de descentralização de competências na área da educação “contribuiu para um maior controlo sobre as escolas em virtude de o poder se encontrar agora mais próximo, o erguer de obstáculos à construção da autonomia da escola, uma maior exposição do pessoal não docente e dos professores à influência e à pressão dos interesses locais”.

Contudo, quanto os entrevistados neste estudo, denota-se uma clara preocupação quanto à parte pedagógica, verificando-se uma defesa intransigente da autonomia por parte das escolas. O diretor do Agrupamento de Escolas A Lã e a Neve considera mesmo “que há uma área [em] que [a Câmara] não deve intervir que é a parte pedagógica, que deve manter-se sempre na escola”. Quem corrobora com esta opinião é o diretor da Escola Secundária Quinta das Palmeiras que afirma que “a nível da educação, nunca podemos esquecer a necessidade da autonomia da escola, independentemente de a autarquia estar próxima da escola, a autonomia das escolas tem de ser garantida”.

O trabalho de Gonçalves et al. (2018, p. 15) também apontava neste sentido, já que estes autores defenderam existir uma relutância, por parte dos atores educativos, “em reconhecer competências ao nível da gestão e implementação de medidas de cariz pedagógico e curricular à Câmara Municipal”.

Conclusões

Este estudo foi realizado no contexto da descentralização de competências na área da educação em Portugal, tendo por objetivo a análise da perceção que os principais atores, a nível municipal, têm deste processo, através de um estudo de caso, no Município da Covilhã.

Nesse sentido, decorridos que estão dois anos desde a efetiva descentralização de competências no campo educativo, a perceção geral dos intervenientes auscultados, ligados ao caso concreto do MC, é que este processo pode ser caraterizado como extremamente positivo, além de terem sido consideradas como adequadas e suficientes as transferências de atribuições e competências nesta área. Para este sentimento positivo muito contribuiu o facto de os diretores escolares terem sido vistos pelo MC, desde o início, como parceiros neste processo de descentralização; a perceção de uma maior rapidez na resolução dos problemas que surgem ao nível da gestão escolar; a gestão do pessoal não docente ter-se mantido sob a alçada dos diretores escolares, o que evita a interferência da autarquia na sua gestão quotidiana.

Não obstante esta perceção geral positiva, ainda persistem alguns aspetos que podem ser melhorados, segundo os atores locais entrevistados. De entre estes, sobressai a falta de recursos financeiros para fazer face às novas responsabilidades assumidas pelo MC. Dito de outra forma, as verbas atribuídas, neste contexto, pelo Estado Central ao MC foram percecionadas como sendo claramente insuficientes.

Entretanto, alguns obstáculos já foram ultrapassados, como os receios iniciais sentidos pelo pessoal não docente das escolas que foi transferido para o MC, existindo agora uma melhor perceção quanto à dinâmica organizacional destes profissionais.

Por fim, não pode deixar de ser referido a intransigente defesa da autonomia pedagógica das escolas, por parte dos entrevistados. Em suma, na sua ótica, a parte pedagógica deve ser uma competência exclusiva das escolas e o MC não deverá imiscuir-se nesta área.

Em termos de limitações, sendo este um estudo caso, este trabalho não esgota, de forma alguma, a investigação nesta área. Uma forma de ultrapassar esta limitação será a realização de um estudo futuro mais amplo, a nível nacional, onde se consiga situar a posição que os atores envolvidos têm sobre uma questão, que não sendo nova nem recente, acarreta nos dias de hoje um significado que poderá alterar a forma como vemos o ensino.

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1Anteriormente, em 2015, foram celebrados diversos contratos interadministrativos de delegação de competências na área da educação, mas com um número reduzidos de Municípios: Águeda, Amadora, Batalha, Cascais, Crato, Maia, Matosinhos, Mealhada, Óbidos, Oeiras, Oliveira de Azeméis, Oliveira do Bairro, Sousel, Vila Nova de Famalicão e Vila de Rei. Para além de serem poucos os municípios envolvidos neste processo, a celebração destes contratos gerou bastante controvérsia, tanto por questões formais como éticas (Silva & Vieira, 2021).

3Uma maior pormenorização destas alterações está presente no Apêndice 1.

4Os quatro agrupamentos escolares do MC são: Frei Heitor Pinto; A Lã e a Neve; Pêro da Covilhã; e Teixoso). As duas escolas não agrupadas são: Campos Melo; e Quinta das Palmeiras

Apêndice 1

As principais alterações que decorreram da transferência de competências provenientes da aplicação do Decreto-Lei n.º 21/2019, de 30 de janeiro, relativamente ao Município da Covilhã, encontram-se estruturadas na tabela seguinte: 

Competência Procedimento
Construção, requalificação e modernização de edifícios escolares (artigo 31.º) Construção, requalificação e modernização de edifícios escolares passam a ser da responsabilidade das autarquias em resultado do definido nas cartas educativas. O município da Covilhã, no âmbito do Portugal 2020, tem promovido diversas requalificações dos estabelecimentos de ensino.
Equipamento, conservação e manutenção de edifícios escolares (artigo 32.º) A aquisição de equipamento básico, mobiliário, material didático e equipamentos desportivos, laboratoriais, musicais e tecnológicos, utilizados para a realização das atividades educativas, são igualmente transferidos para a autarquia. De igual forma, o município da Covilhã, no âmbito do Portugal 2020, procedeu à aquisição de equipamentos tecnologicamente mais modernos e eficientes.
Ação Social Escolar (artigo 33.º) A organização e gestão de procedimentos de atribuição de apoios de aplicação universal e de aplicação diferenciada ou restrita, diretos ou indiretos, integrais ou parciais, gratuitos ou comparticipados.
Apoios Alimentares (artigo 35.º) O fornecimento de refeições em refeitórios escolares dos estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário é gerido pelas câmaras municipais. Refeitórios escolares da rede pública, com a exceção dos refeitórios escolares do Agrupamento de Escolas Frei Heitor Pinto (Escola Sede, EB 2/3 do Paul e EB 2/3 do Tortosendo) da Escola Secundária Campos Melo e da Escola Básica Pêro da Covilhã, que se mantêm na modalidade de gestão direta, com as refeições a serem confecionadas com recurso a pessoal não docente dos próprios estabelecimentos, são transferidos para o município da Covilhã
Circuitos especiais de transporte (artigo 36.º) Os alunos que integram centros de apoio à aprendizagem existentes nos estabelecimentos de ensino, em resultado de uma determinada especificidade são assegurados pelo município da Covilhã. Importa referir que os restantes transportes escolares já eram assegurados pela autarquia
Residências escolares (artigo 37.º) A gestão e o funcionamento das residências escolares (incluindo conservação, manutenção e equipamento) que integram a rede oficial de residências para estudantes são da competência das câmaras municipais. De referir que esta competência não teve impacto no município da Covilhã por inexistência de qualquer equipamento no seu território
Alojamento (artigo 38.º) A gestão e o funcionamento das modalidades de colocação junto de famílias de acolhimento e alojamento facultado por entidades privadas, mediante estabelecimento de acordos de cooperação, são igualmente objeto de transferências para os municípios. Esta competência, até à data, não foi objeto de qualquer situação no município da Covilhã
Escola a tempo inteiro (artigos 39.º e 40.º) No âmbito desta competência, são transferidos para as autarquias locais, as atividades de animação; apoio à família; e as atividades de enriquecimento curricular no 1.º ciclo do ensino básico. Esta competência, para o município da Covilhã, apresenta-se como estratégica no âmbito da Política Educativa Municipal. No âmbito desta competência destaca-se o projeto EU SOU+ em que proporciona aos educandos um conjunto diversificado de atividades, promovidas por uma equipa multidisciplinar, que dinamiza os participantes no âmbito da gestão emocional e experiências científicas, instrumentos musicais, atividades lúdicas sobre alimentação saudável, iniciação à literacia digital, jogos coletivos tradicionais entre outras atividades ao ar livre. Outro projeto relevante, criado em 2019, no edifício da Biblioteca Municipal da Covilhã, é o Espaço dos Sentidos. Este equipamento é constituído por duas salas em que se dinamiza atividades de promoção da estimulação e de integração sensorial, tendo por base a área da Terapia Ocupacional, destinado a alunos com necessidades específicas. As atividades de enriquecimento curricular são realizadas em articulação com as Direções dos Agrupamentos de Escolas.
Pessoal não docente (artigos 42.º a 45.º) A transferência da competência de gestão de pessoal não docente resultou na integração de 248 trabalhadores no mapa de pessoal do município da Covilhã. A transferência do pessoal não docente da administração central para o mapa de pessoal do município da Covilhã teve por base a publicação da lista dos trabalhadores, na 2.ª série do Diário da República (Despacho n.º 203-A/2020, de 7 de janeiro - Homologação da lista de trabalhadores com vínculo de emprego público que exercem funções nos Agrupamentos de Escolas e Escolas não agrupadas da rede escolar pública do Ministério da Educação e que transitam para o mapa de pessoal dos Municípios). A gestão do pessoal não docente é da responsabilidade do Presidente da Câmara Municipal (nos termos das alíneas a) e d), do n.º 2, do artigo 35.º, da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro), podendo o Presidente da Câmara Municipal delegar nos órgãos de direção, administração e gestão dos Agrupamentos de Escolas e Escolas não agrupadas as suas competências próprias (o município da Covilhã promoveu a delegação nos diretores de Agrupamento de Escolas e Escolas não agrupadas através do Despacho do Presidente n.º 94, de 6 de setembro de 2019). Neste sentido, os diretores dos Agrupamentos de Escolas e Escolas não agrupadas exercem, relativamente ao pessoal não docente, os seguintes poderes: poder de direção; fixação do horário de trabalho; distribuição do serviço; e poder disciplinar de aplicação de pena inferior a multa. Como forma de colmatar a exiguidade de pessoal não docente, o município da Covilhã promoveu a reposição de rácios, por recurso às reservas de recrutamento que se encontravam em vigor nos agrupamentos escolares e escolas não agrupadas, contratando, por tempo indeterminado, 13 assistentes operacionais. Por recurso à Portaria n.º 586-A/2020, de 29 de setembro, foram recrutados, através do recurso à contratação a prazo, de mais 10 assistentes operacionais, até ao termo do ano letivo 2020/2021. De acordo com a Portaria n.º 73-A/2021, de 6 de abril, que procede à segunda alteração à Portaria n.º 272-A/2017, de 13 de setembro, que regulamenta os critérios e a respetiva fórmula de cálculo para a determinação da dotação máxima de referência do pessoal não docente, por Agrupamento de Escolas e Escolas não agrupadas estão definidos 226 assistentes operacionais e 47 assistentes técnicos para os quatro Agrupamentos de Escolas e as duas Escolas não Agrupadas.
Fornecimentos e serviços externos (artigo 46.º) A contratação de fornecimentos e serviços externos essenciais ao normal funcionamento dos estabelecimentos educativos, designadamente eletricidade, combustível, água, outros fluidos e comunicações, compete aos municípios. O município da Covilhã, no âmbito do processo de diálogo permanente com as direções dos Agrupamentos de Escolas e das duas Escolas não Agrupadas, procedeu à celebração de contratos interadministrativos com as mesmas transferindo os montantes financeiros para que os possam gerir em função das suas necessidades específicas e num quadro de autonomia e colaboração institucional.

Fonte: Elaboração própria com base na legislação assinalada

Recebido: 28 de Abril de 2022; Aceito: 12 de Junho de 2022

Correspondência: Miguel Lira E-mail: mlira@iscac.pt

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