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População e Sociedade

Print version ISSN 0873-1861On-line version ISSN 2184-5263

População e Sociedade  no.36 Porto Dec. 2021  Epub Sep 15, 2022

https://doi.org/10.52224/21845263/rev36a1 

Dossier Temático

"A noção de cuidado e as suas possíveis mudanças de significado em contexto pandémico" - Outro olhar sobre a vulnerabilidade dos humanos

"The notion of care and it's possible changes of meaning in a pandemic context" - Another look on human vulnerability

1Universidade Aberta, Departamento de Ciências Sociais e de Gestão, Lisboa, Portugal

2CEMRI - O Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais, FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia, Universidade Aberta, Lisboa, Portugal.


Resumo

Neste artigo parte-se do contexto pandémico da COVID-19 que introduziu a necessidade de criar novas terminologias e novos glossários para abordar outras formas de vida. Na vivência coletiva e individual apareceu de forma clara a importância quotidiana do cuidado dos e das vulneráveis. Cuidado que historicamente foi desvalorizado por ser realizado, maioritariamente, por mulheres e vinculado de forma real e simbólica à esfera materno-doméstica. Tenta-se no artigo apresentar outra forma de compreensão da vulnerabilidade no que ela implica do reconhecimento da fragilidade constitutiva do próprio sujeito.

Palavras chave: Cuidado; COVID-19; género; vulnerabilidade; comunidade.

Abstract

This article departs from the COVID-19 pandemic context, which introduced the need to create new terminologies and new glossaries to address other forms of life. In the collective and individual experience, the daily importance of caring for the vulnerable clearly emerged. Care that has historically been devalued for being, mostly, performed by women and linked in a real and symbolic way to the maternal and domestic sphere. An attempt is made to present another way of understanding vulnerability in terms of what it implies in the recognition of the subject's own constitutive fragility.

Keywords: Care; COVID-19; gender; vulnerability; community.

Introdução

A propósito da “imprevisibilidade das novas variáveis no quadro da organização social”, pegando como possibilidade de escrita a afirmação do filósofo Franco Berardi nas suas Crónicas da Psicodeflação (2021) cuja epígrafe da apresentação da obra é “o inevitável nunca acontece, porque acontece sempre o imprevisível” e a ideia de que vivemos tempos conturbados, estes, os nossos, cujas cartas de marear são constituídas pelas incertezas de vidas, de conceitos, de definições, não por acaso surge a necessidade de criar vários dicionários/glossários numa tentativa de analisar novas questões, novas configurações sociais e políticas, novos conceitos. Cito como exemplos desta necessidade a obra Décroissance Vocabulaire pour une nouvelle ère (2015) na qual é formulada no prefácio pelos organizadores de forma explícita esta necessidade de encontrar novas palavras para novas situações: “quando a linguagem comummente utilizada é inadequada para articular o que pede para ser, chegou a hora de usar uma nova” (D’Alisa, DeMaria & Kallis, 2015, p. 9).

É de referir ainda o Dicionário do Projeto Alice - Espelhos estranhos, lições imprevistas: definindo para a Europa um novo modo de partilhar experiências do mundo” do Centro de Estudos Sociais, que contém uma entrada sobre cuidado (Cunha, Valle & Villar-Toribio, 2019).

No contexto pandémico surge, no âmbito desse mesmo Centro de Estudos, o livro Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise coordenado por José Reis (Reis, 2020a), em que já aparecem entradas como “economia do cuidado” por José Reis e “economias do cuidado com a vida” por Teresa Cunha. Nesta dupla “entrada” sobre a noção de cuidado há, digamos, a proposta de uma abordagem geral da economia a partir desta noção e a definição de Teresa Cunha que dá uma outra conotação à economia do cuidado com a junção de “vida” e no que ela envolve, a saber, que os tempos e ritmos da economia do cuidado e da economia do cuidado da vida não são necessariamente os mesmos e não se estruturam do mesmo modo. José Reis define: “Uma economia do cuidado é, em primeiro lugar, uma economia que assegure o essencial da provisão de um país e de quem lá viva, uma economia que tenha poder sobre si própria e que quebre as dependências mais graves, aquelas que tornam os países, as regiões e as pessoas - isto é, as comunidades - sujeitos a vulnerabilidades” (Reis, 2020b). Teresa Cunha, na definição de “economias do cuidado com a vida”, afirma “que em tempos de crise ou pandemia é incorreto sustentar que a economia está parada. Ao contrário, as economias que produzem a vida incessantemente estão a funcionar na sua máxima capacidade para proteger, alimentar, abrigar, curar, cuidar, produzir alimentos, limpar, apoiar e amar” (Cunha, 2020).

É de considerar também o glossário El lenguaje del coronavirus: un glosario colaborativo | sociologia ordinaria (Casado & Santoro, 2021) que, a partir de uma metodologia participativa, elaborou um glossário de temáticas e imagens relacionadas com a COVID-19. A elaboração do glossário partiu de algumas perguntas formuladas pelos coordenadores, num modo de querer dar conta do presente mas, ao mesmo tempo, querer deixar algo para o futuro na dupla face de crise e de oportunidade. Como diz Pablo Santoro: “(...) porque nos parece que este glosario pandémico puede ser un recurso al que volver en el futuro. Pues, como todo lenguaje y todo habla, responde a su tiempo histórico: da testimonio ordinario de él y lo captura en un momento y un espacio determinados. Creemos que volver a consultar dentro de un tiempo este pequeño juego con las palabras, los silencios y las imágenes de la pandemia que nos atravesaban a principios de febrero de 2021 nos servirá para recordar (algo crucial en este tiempo de aceleración desmesurada, en el que ya hemos olvidado tantos términos que solamente hace unos meses ocupaban buena parte de nuestro vocabulario, como ‘balcones’, ‘abrazos’, ‘papel higiénico’ o 'supercontagiadores’). Pero también para juzgar los caminos que habremos tomado, o dejado de tomar” (Santoro, 2021).

Muitos outros documentos foram escritos entre nós. José Pacheco Pereira e Gonçalo M. Tavares, numa crónica semanal na revista do semanário Expresso, como a quererem formular a inquietação presente que transformou a vida individual e coletiva; como se a partir de uma aceleração desenfreada do tempo nos fosse obrigatório parar e manter a distância dos estranhos, dos espaços habituais e dos rituais que lhe estão ligados e, em simultâneo, ter que conviver com o stranger whitin e não saber lidar com as violências que eventualmente lhe podem estar associadas. Delas, talvez a mais falada, a violência doméstica. A perceção para muitos que as próximas poderiam ser estranhas e, não, íntimas. Sensação que pode ser individual, familiar e comunitária.

Num primeiro momento, neste artigo, iremos contextualizar de forma lata o modo como as questões do cuidado marcaram e marcam em particular as vidas das mulheres na sociedade portuguesa, na sua heterogeneidade.

Num segundo momento, a partir dessa abordagem mais centrada na sociedade portuguesa iremos refletir sobre a vulnerabilidade dos seres rompendo com uma definição do sujeito definido como autónomo e independente para adoptar uma noção de interdependência em que a noção de cuidado é central para a vida em comum de todos os seres e não exclusiva das mulheres.

COVID-19 e contextualização das questões do cuidado na sociedade portuguesa

A pandemia da COVID-19 veio demonstrar de forma clara a dominação permanente e quotidiana a que as mulheres estão submetidas a nível do trabalho do cuidado, das crianças, das pessoas idosas, de dependentes, da vida doméstica e do modo fácil como sob uma aparente igualdade se mantém uma estrutura muito desigual marcada por eixos de diferenciação como género, classe, orientação sexual, etnicidade. Vivendo-se um retrocesso que este contexto pandémico ajuda a reforçar e que toma contornos de violência extrema em certos países e situações como, neste momento, no Afeganistão, mas que existe em muitos contextos nacionais e internacionais; é ainda o caso das constantes tentativas em diversas partes do mundo de eliminação da legislação sobre a interrupção voluntária da gravidez; a violência doméstica que por mais visibilidade que tenha agora do ponto de vista mediático se continua a apresentar de forma naturalizada como traço marcante da dominação masculina (Bourdieu, 2013); e, certamente, em todas estas situações, a violência simbólica cuja visibilidade se torna ainda mais difícil de formular, de dar a ver nos múltiplos espaços aonde a mesma se exerce, que vai da Academia ao reconhecimento do trabalho de cuidado quotidiano das pessoas e dos seres que habitam o mundo. Havendo, pois, processos de invisibilização e de ocultamento ou, antes, de uma visibilidade que não questiona o quadro onde os mesmos se inserem e que nega a possibilidade de cada um e cada uma “ser [alguém] que fala e age na comunidade” (Arendt) no sentido da polis.

Diversos estudos têm revelado as questões acima referidas sobre a situação das mulheres, nomeadamente, na sociedade portuguesa, que a pandemia tornou mais visível e que é reforçada por uma visão demasiado atomizada dos estatutos dos membros que constituem as famílias numa dupla vertente: porque os seus membros sofreram um processo de individualização; como na família, ela própria, instituição abordada de modo individualizado. Isto pode levar, nomeadamente, ao que a socióloga Sílvia Portugal (2014) refere como uma não articulação de políticas, a não pensar as relações de poder no interior da família que não é só uma questão privada mas também social e política. Por exemplo, o tema da conciliação da vida profissional e familiar que, nele próprio, omite e oculta muitas outras esferas da vida pessoal e coletiva, mas que continua a ser visto de forma predominante como feminino e da esfera privada. Não se podem desligar estas questões, por exemplo, da elevada taxa de emprego a tempo integral das mulheres portuguesas, que se conjuga com a mais elevada de desempenho das tarefas domésticas a nível europeu e, ainda, a taxa elevada de famílias monoparentais constituídas por mulheres e seus filhos, contextos que na sua diversidade mostram um mapa que revela certamente um enorme esforço por parte das mulheres nas práticas quotidianas, conjugado ainda com uma rede ainda deficitária a nível de equipamentos coletivos, nomeadamente creches, jardins infantis e centros de dia, para não falar das distâncias entre a casa e o trabalho.1

Neste mapa geral acima referido em que foram referidas situações diversas (trabalho a tempo integral; carência de equipamentos coletivos, etc.) - mas cuja enunciação não pretende abordar de forma aprofundada cada uma delas, porque é no entrecruzar delas que se pode perceber melhor o estatuto subalterno que foi dado às questões do cuidado e de quem historicamente se tem ocupado dele - deve-se incluir também a ocultação das desigualdades entre mulheres na sociedade portuguesa: entre as que têm e podem conciliar carreiras, serviços domésticos e boas condições de habitação e as que sofrem empregos precários, falta de equipamentos coletivos, grandes distâncias entre emprego e casa ainda mais acentuadas no caso das empregadas de limpeza - maioritariamente mulheres migrantes - trabalhando em horários descontínuos na limpeza de escritórios, por exemplo, além da responsabilidade quase exclusiva das tarefas domésticas. Há, pois, imagens de “sucesso” feminino que ocultam e silenciam estas outras vidas, nomeadamente as dessas mãos e gestos que constituem o trabalho de cuidado a nível transnacional2 em quotidianos marcados de forma intensiva pelo trabalho de cuidado dos e das vulneráveis, sob as diversas formas em que continuam a ocupar-se dos outros e das outras mas marcado talvez por uma desvalorização sistemática, contínua e multissecular. Trabalho que impede a possibilidade de ter tempo, isto é, de poder pensar, correr riscos, participar, escrever, intervir.

Neste conjunto de questões em que se tenta referir diversos aspetos da situação diversa das mulheres em Portugal deve-se ainda referir que a sociedade portuguesa era tradicionalmente marcada - e segundo Silvia Portugal ainda é - pelo apoio de redes familiares para suprir a falta de equipamentos coletivos, por exemplo, de vizinhas ou avós que tomam conta das crianças e apoiam nalgumas tarefas domésticas, devemos interrogar-nos até que ponto é que a mudança de papéis sociais das mulheres teve impacto a nível das práticas familiares? Não se manterá ainda uma enorme sobrecarga de trabalho para as mulheres nas famílias, apesar de um quadro jurídico igualitário, que não funciona, todavia, ainda a nível da divisão das tarefas domésticas e suas implicações noutras esferas da vida? Segundo Sílvia Portugal, “[...] este facto não significa que nas políticas públicas exista uma estratégia de articulação entre políticas de família e políticas de igualdade. [...] As políticas de família assumem a igualdade entre os sexos tal como ela é estabelecida na lei, esquecendo que na realidade homens e mulheres têm diferentes responsabilidades na esfera doméstica” (Portugal, 2000, p. 178). No contexto da pandemia viveu-se a confluência daquilo que Sílvia Portugal afirma, constatando essas diferentes responsabilidades na esfera doméstica e a obrigatoriedade de distanciamento que veio impedir essas possibilidades de trocas nas redes de solidariedade, mesmo se esse distanciamento foi vivido por muitos e muitas no quadro de falta de condições habitacionais que não o permitem. De referir o estudo recente sobre a Pobreza e Exclusão Social em Portugal 2021 (EAPN, 2021) elaborado pelo Observatório Social de Luta contra a Pobreza, onde se afirma:

(…) As desigualdades no acesso ao mercado de trabalho e o papel que as mulheres têm enquanto cuidadoras dos elementos dependentes do agregado familiar (crianças, adultos e idosos) serão provavelmente alguns dos fatores explicativos da elevada diferença entre homens e mulheres pobres que se enquadram nesta categoria de “outros inativos”. Para além da situação de pobreza destas mulheres e do seu agregado no momento atual, esta situação irá influenciar o seu percurso futuro na pobreza, nomeadamente durante a idade da reforma. Sem descontos provenientes do trabalho ou com maiores períodos sem este desconto, acrescido ao facto das mulheres terem um ganho médio inferior ao dos homens, as pensões serão igualmente baixas (EAPN, 2021, p. 7)3.

A noção de cuidado: outro olhar sobre a vulnerabilidade dos humanos

Assim, e tendo em conta estes dados recentes quer sobre a feminização da pobreza, quer sobre a contabilização do trabalho não pago que de forma lata incide sobre o cuidado nas suas diversas faces, estamos diante do quadro de precariedade e de vidas precárias. Parece-me importante enunciar o que significa a noção de precariedade no importante texto Habitar la amistad, resistir la precariedad. Amigas en tiempos precarios:

La precariedad remite a una figura del derecho romano (el precarium): aquella figura en que los súbditos suplican al amo un bien que sólo con su consentimiento podrán disfrutar de manera gratuita y temporal. Cuando adjetivamos un sujeto o un objeto como precario estamos afirmando esa incertidumbre de la existencia de las cosas y las personas, de aquello que se sostiene en un equilibrio frágil y que depende de los otros para seguir sosteniéndose (Butler, 2006). De los otros y del sistema económico-político en el que vivimos. Por tanto, con el término precariedad estamos enunciando nuestra propia forma de estar en el mundo en tanto que seres relacionales, desmitificando con ello el solipsismo que el patriarcado y el discurso económico han perpetuado (Cremades & Peiró, 2010).

Esta noção de precariedade aqui descrita pelas autoras é múltipla ou pelo menos dupla, no sentido em que se refere a uma precariedade enquanto marcada pela carência de ordem diversa, mas ela é também a assunção de que a precariedade deve ser encarada como forma de interdependência entre os seres e que, portanto, somos seres relacionais que cuidamos e somos cuidadores e cuidadoras. No entanto, a pandemia veio dar outra visibilidade e significado a estas faces acima descritas da vulnerabilidade, que se materializam em práticas quotidianas ordinárias e repetitivas que fazem um ser humano - como ensiná-lo a falar, a andar, a higiene, a relação com o corpo e com os outros, com os espaços públicos e privados -, que são práticas materiais e simbólicas sem as quais a vida na comunidade não subsiste.

Interrogamo-nos, pois, sobre o que são vidas precárias cuja marca é a vulnerabilidade Quais são as vidas e, nelas, as práticas que contam? Remetendo-nos, desde logo, no contexto da pandemia, para as tarefas consideradas sem valor, marcadas pela desvalorização simbólica e material e pertencendo a uma outra lógica que a do mercado (mesmo na proposta de uma economia do cuidado), a lógica do cuidado, cuja racionalidade, a sua economia de signos, não era/é meramente quantificável. Daí a dificuldade em quantificar as sequências do quotidiano na sua interseção em simultâneo de tarefas e gestos múltiplos, isto é, essa lógica é marcada pela qualidade, pela relação com os corpos, como se algo transbordasse dessa quantificação: um resto que não se consegue contabilizar mas que cujas práticas alteram e criam formas de vida. Resto que nele incarna ambivalência porque deve ser visto em simultâneo como trabalho e como cuidado e afeto, não se podendo reduzir a uma visão dicotómica. É essa ambivalência que cria problemas. Por um lado, que o cuidado não seja visto como trabalho e, por outro lado, a dificuldade da sua marca de alteridade, relação, como é claro no projeto do CESIS: “Apenas em jeito de nota, a merecer naturalmente aprofundamento, importa ainda frisar que qualquer tentativa de medição da magnitude do trabalho não pago de cuidado pecará sempre por defeito, atendendo nomeadamente às suas componentes relacional e afetiva, não captadas por qualquer instrumento de registo estatístico” (CESIS, 2021).

A desvalorização material e simbólica destas tarefas é de tal maneira forte que se mantém quando as mesmas são realizadas, por exemplo, no âmbito dos serviços de saúde, permanecendo também nestes a contaminação da esfera materno-doméstica.

Deste modo, é esse trabalho de “economia do cuidado com vida”, na designação proposta por Teresa Cunha (2021), que obriga a repensar o trabalho de cuidado mantendo a sua componente relacional, cuja importância na vida em sociedade a pandemia de COVID-19 veio mostrar, de forma clara, e que nos obriga a pensar na própria noção da precariedade de vidas, na sua vulnerabilidade e na positividade da interdependência. Do mesmo modo é interessante perceber que muitos dos sintomas referidos pelas pessoas sobre a vivência da pandemia recobrem as caraterísticas do trabalho doméstico realizado, em geral, pelas mulheres, como: rotina, monotonia, sedentarismo, isolamento, trabalhos feitos à peça e à tarefa, em casa e sem distinção com o espaço doméstico; exigência de agilidade, atenção e precisão; ausência de pausas no trabalho; desvalorização implicando ansiedade, depressões, alterações psicossomáticas como perturbações de sono, esgotamento nervoso, maior consumo de tranquilizantes (Joaquim, 2006).

A pandemia veio tracejar a negro estas questões, que se tornaram mais presentes e quotidianas, obrigando a uma outra conceptualização sobre as prioridades para que as vidas possam subsistir e ao reconhecimento da dependência como condição do viver em comum.

Esta pandemia obriga-nos, pois, a uma outra conceção da vulnerabilidade e a vê-la não de uma forma meramente negativa e passiva como forma de habitar o mundo, mas pensá-la no que isso significa de interdependência. No texto “O vírus soberano”, a filósofa Donnatella di Cesare refere que: “O vírus (…) pôs a nu a nossa vulnerabilidade. De repente, descobrimos que não somos impermeáveis, resistentes, imunes (…). Com razão Judith Butler convidou a interpretá-la como um recurso e indicou precisamente no luto, na morte de outrem, aquela experiência que perturba profundamente, que desconcerta o eu soberano” (Di Cesare, 2021, p. 35-36).

A teorização das questões relacionadas com a noção de cuidado tinha merecido até recentemente menos atenção, dado que existem dois pressupostos em particular que a desvalorizam. Por um lado, tudo o que não é remunerado ou que não entra na esfera do mercado não é considerado trabalho. Por outro, o facto de o cuidado ser historicamente atribuído às mulheres já que envolve as “(...) aprendizagens realizadas no quadro duma sociabilidade feminina, a saber, aprender os cuidados do corpo, do alimento, das roupas, da higiene, das doenças, do habitar, o cuidado da vida e da morte, dos que nascem e dos que morrem. Foi uma tarefa imensa. É uma tarefa imensa, esta de construir um mundo humano para habitar a terra (Heidegger)” (Joaquim, 2005, p. 63). Ora, é essa tarefa do cuidado que, num contexto de grandes transformações ou de forma lata de “emancipação das mulheres” desde os anos 1960, implicou que sejam repensadas as tarefas do cuidado dos e das vulneráveis desempenhadas, em grande parte, pelas mulheres, e que as mesmas passem a ser realizadas no âmbito do mercado, através de equipamentos e instituições de diversa ordem3.

De certo modo, o reconhecimento dessas tarefas tem sido feito através da sua valorização pelo mercado e pela esfera das trocas económicas no contexto mercantil e não enquanto fundamento da comunidade. Passa-se também aqui um corte entre a esfera financeira e política, corte cujos efeitos são bem visíveis na atualidade quotidiana, no mundo em que vivemos. É uma questão difícil de resolver que a vivência da pandemia tornou presente e pertinente (ver Care Manifesto4): que a noção de “economia do cuidado” possa ser transformada pela de “economia do cuidado da vida”, em que, eventualmente, se possa repensar numa outra forma de valor que não a estritamente marcada pelas regras do mercado e em que o paradigma da dádiva baseado na obra de Marcel Mauss (2015) pode ajudar a ver a importância de tantos gestos e trocas que, muitos deles, não tendo valor monetário, são fundamentais na criação de laços sociais e de sociedade.

Foi tardio o processo de tornar as mulheres indivíduos, tornando-se nessa autonomização difícil pensar as questões do cuidado na longa duração que implica a criação de um ser humano, como se este fosse um contraexemplo do paradigma da dádiva e do valor inerente de criação e fundamento político da sociedade, esta passagem da esfera privada, deste cuidado da esfera privada familiar para o âmbito do mercado:

(...) os seres que nascem não seriam humanos se não houvesse, para além do trabalho de reprodução, um trabalho de criação do humano, que não é simplesmente material (calor, abrigo, comida, higiene), mas também simbólico (afeto, fala, contacto). Cuidado de si, cuidado dos outros, cuidado do espaço público articulando deste modo a perspetiva pessoal com a comunitária (Joaquim, 2005, p. 62).

Como, em simultâneo, assegurar que as mulheres deixam de estar conectadas com o cuidado de uma forma essencialista - as mulheres não são especialmente vocacionadas para o cuidado e para o relacional, mas foram culturalmente educadas para esse trabalho “de pura perca”, do “para nada” que se dissemina e que não deixa vestígios, mas marca de outro modo - e fazer com que o mesmo seja valorizado ou, de outro modo, que não se perca essa esfera da troca, cuidado, afeto, duplamente atribuído ao feminino relacional que, como afirma a filósofa Françoise Collin, “(…) Numa sociedade cada vez mais baseada na aquisição e nas trocas, a perca é estigmatizada. (…) A perca é assimilada ao lixo” (Collin, 1999, p. 61). Daí se compreende a contestação que os movimentos de mulheres fizeram a esse trabalho de cuidado realizado durante séculos de uma forma vista como não significante mesmo se, em simultâneo, sempre se soubesse da importância desse trabalho5.

Como pensar o cuidado sem que o mesmo seja redutor e obrigatório para as mulheres? A filósofa Elena Pulcini partiu da definição geral de care de Joan Tronto (1993) em “Moral boundaries: a political argument for an ethic of care” (1993) como a atividade genérica que compreende tudo o que fazemos para manter, perpetuar e reparar “o nosso ‘mundo’ de maneira que possamos aí viver da melhor maneira possível” (Pulcini, 2012, p. 11). No texto de Elena Pulcini sugestivamente intitulado “Donner le care” a perspetiva desta filósofa é muito estimulante porque permite em simultâneo ultrapassar a ligação histórica do cuidado às mulheres e a contaminação desvalorizativa - como afirma Joan Tronto, uma “dádiva desvalorizada porque nos reenvia à nossa fragilidade e dependência originais” (Tronto, 1993, p. 13) - que ela em si contém e tentar dar a ver a positividade do cuidado, colocando-o como uma questão universal e necessária e rompendo com a ideia de indivíduo como ser autónomo e independente, a saber, a assunção da condição de vulnerabilidade e o valor da interdependência como constituintes dos seres que partilham o mundo.

Há também neste gesto de releitura e de dessencialização do cuidado a passagem da noção das mulheres de reduzidas e obrigadas (assujetties) ao cuidado para sujeitos do cuidado. Na perspetiva de Elena Pulcini, não se trata somente da questão do cuidar em relação aos outros e da necessidade dessa tarefa/arte, mas também do reconhecimento da fragilidade constitutiva do próprio sujeito em contraponto com o paradigma individualista de um ser humano soberano e separado dos outros seres, cujo reverso aparece com a perspetiva altruísta associada, em geral, ao feminino. Como se o individualismo e o altruísmo fossem o verso e o reverso desta perspetiva de um ser humano autónomo e independente. É para sair deste paradigma individualista que a filósofa propôs o “reconhecimento da dependência, que não implica sujeição e passividade, destitui simplesmente o sujeito da sua posição soberana” (Pulcini, 2012, p. 56). Segundo Joan Tronto, “o care/cuidado interroga fundamentalmente a ideia de que os indivíduos são inteiramente autónomos e independentes. Estar numa situação em que se deve ou tem que se recorrer ao cuidado significa estar numa posição de vulnerabilidade” (Tronto, 1993).

A reformulação da questão do care acima descrita deve ser ainda transposta de uma esfera privada e individual para o mundo global, dando-lhe uma dimensão política que a esfera privada normalmente não contém. Neste âmbito lato, devem referir-se também as trocas e dádivas numerosas que acontecem quotidianamente e em suportes diversos, por exemplo nas redes sociais, free software, partilha de informação, alcoólicos anónimos, movimentos e petições de solidariedade, crowdfunding, bancos de tempo, economia solidária6, xitique,7 etc. Práticas, trocas, dádivas que também elas permanecem invisíveis numa lógica marcada pelo mercado e pela noção de indivíduo autónomo, soberano, que não percebe ou que invisibiliza e desvaloriza estas trocas que são o fundamento do laço social e, por isso, da comunidade em que se realiza a assunção da dependência e da vulnerabilidade enquanto constituintes do sujeito (político), no sentido referido no início do artigo de “ser que fala e age na comunidade.”

Segundo Butler - que critica a noção de uma dependência recalcada e não assumida no sujeito autónomo e soberano -, a partir dessa crítica que “constitui o ponto de partida de uma nova política dos corpos que começaria por reconhecer a dependência e interdependência humanas” (Butler, 2014, p. 84), e que, só a partir desse reconhecimento que deve “(...) ter em consideração a dependência do corpo, as condições de precariedade (…) que podemos pensar um mundo político e social que tentará ultrapassar a precariedade em nome de vidas que se possam viver” (Butler, 2014, p. 94). Isto é uma vida boa num contexto adverso.

Se a noção de vulnerabilidade passa a ser parte constitutiva do modo de pensar a própria existência humana, não se pode desligar essa abordagem da questão formulada por Butler sobre as “condições de precariedade” e o que elas implicam de exposição a formas diversas de vulnerabilidade, isto é, as formas de lidar com elas do ponto de vista social e político. Nesse sentido, coloca-se a questão formulada pelas autoras do livro Qu’est-ce que le care? (2009), a saber: como conciliar a vulnerabilidade geral com as vulnerabilidades? Ou, de outro modo, como, “sob o pretexto de instaurar o care democrático sob uma base democrática - a vulnerabilidade e a interdependência -, não contribuir para banalizar ou mesmo negar as vulnerabilidades particulares, as dos sem papéis, sem habitação (sem abrigo), deslocados pela violência, vítimas de abusos sexuais, etc.?” (Molinier, Lagier & Paperman, 2009, p. 2).

A questão da noção de cuidado liga-se, pois, com a questão da fundamentação do viver em comum, questão que é de sempre e cada vez mais pungente e urgente no contexto em que vivemos, em que segundo o cientista político e historiador Achille Mbembe, “se assiste à instrumentalização generalizada da existência humana e à destruição material de corpos humanos e de populações” (Mbembe, 2003, p. 14). É, pois, fundamental e nosso dever ético, antropológico e político enquanto pensadores e pensadoras e cientistas sociais (sem distinção) retomar a questão de: como é possível viver em comum? E como se pode cuidar, na duração, da vida em comum? Para concluir, apoio-me neste poema à duração de Peter Handke no percurso entre “predecessores e sucessores” que a pandemia nos obriga a pensar como crise e possibilidade e em que a questão do cuidado (ILO, 2018) possa ser o fio que atravessa as diversas políticas no reconhecimento dos e das que o realizam na valorização real e simbólica das suas práticas e vidas8.

Poema à Duração

A verdade é que

a duração não é uma evidência colectiva.

Não constitui nenhum povo.

E, apesar disso, no estado de graça da duração

acabo por não ser simplesmente só eu.

A duração é o meu desprendimento,

ela deixa-me sair e ser.

Animado pela duração,

sou também aqueles outros

que, já antes do meu tempo, estiveram no Lago de Griffen,

(...)

Apoiado pela duração,

eu, ser efémero, levo sobre os meus ombros

os meus predecessores e sucessores,

uma carga impressionante.

(…)

Quem nunca sentiu a duração

não viveu

A duração não aliena,

leva-me ao caminho certo.

(Handke, 2020, p. 75-77)

Referências Bibliográficas

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1Ver dossier recente da revista Cidades, Comunidades e Territórios, 40 (Jun/2020) coordenado por Inês Brasão, Manuel Abrantes e Nuno Dias sobre Trabalho sem fronteiras: perspetivas sobre os serviços domésticos e a prestação de cuidado. Disponível em: https://repositorio.iscte-iul.pt/handle/10071/20542.

2Importa estender esta discussão: “A feminização da pobreza deve ser analisada e considerada como uma dimensão importante no combate à pobreza. (...) que não é um problema associado especificamente a uma população idosa e com baixos níveis de escolaridade. Quando olhamos especificamente para os dados da população com idade entre os 18 e os 64 anos, encontramos uma diferença entre o risco de pobreza das mulheres com ensino superior 33% mais elevada ao dos homens com ensino superior. (...) Assim, se a escolaridade é um fator protetor face à pobreza, o mesmo não se verifica quando olhamos às desigualdades de género no risco de pobreza” (EAPN, 2021, p. 7). De referir também, neste contexto, o projeto do CESIS sobre O valor do trabalho não pago de mulheres e de homens - trabalho de cuidado e tarefas domésticas (2021): “De facto, qualquer que seja a metodologia considerada, o valor do trabalho não pago realizado por mulheres ascende a quase 70% do total do valor monetário do trabalho de cuidado e doméstico. De assinalar que a diferenciação por tipo de tarefa desempenhada - domésticas ou de cuidado - não revela diferenças assinaláveis quando cruzada com a variável sexo” (CESIS, 2021).

3O que Nancy Fraser refere no âmbito da sua reflexão “contra o economismo” que as feministas de segunda vaga “(...) alargaram o conceito de injustiça de modo a que englobe para além das desigualdades económicas, a hierarquização estatutária e as assimetrias de poder político. À distância (le recul aidant), podemos dizer que elas substituíram a uma visão monista, economicista da justiça, uma conceção tridimensional que associa a cultura e a política à economia” (Fraser, 2011, p. 174).

4Disponível em: The Care Manifesto: The Politics of Independence

5Ver Económico de Xenofonte analisado por Michel Foucault, 1984, vol II da Histoire de la Sexualité - Usages des Plaisirs.

6Ver dossier Os desafios da economia solidária na Revista Crítica de Ciências Sociais, n.º 84. Disponível em: https://journals.openedition.org/rccs/536

7Xitique (Moçambique) - forma de associativismo comunitário em que os membros do grupo contribuem monetariamente para que cada um/a receba, de forma rotativa, o conjunto das contribuições.

8Agradecimentos a Anabela G. Couto e Ana Pinheiro pela leitura atenta e amiga deste artigo

Recebido: 21 de Novembro de 2021; Aceito: 07 de Dezembro de 2021

Correspondência: Teresa Joaquim Email: tjoaquim@uab.pt

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