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Political Observer - Revista Portuguesa de Ciência Política

On-line version ISSN 2184-2078

PO-RPCP vol.15  Lisboa June 2021  Epub Jan 20, 2022

https://doi.org/10.33167/2184-2078.rpcp2021.15/pp.137-141 

Original Article

The Making of Global International Relations

Diogo Machado1 

1Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa (NOVA-FCSH) - Portugal.


Acharya, A., & Buzan, B. (2019). The Making of Global International Relations: Origins and Evolution of IR at its Centenary. Cambridge: Cambridge University Press.

Apesar de progressos recentes, não é segredo que a disciplina das Relações Internacionais (RI) continua a ser dominada pelo Ocidente, tanto do ponto de vista institucional, como do ponto de vista teórico. Em primeiro lugar, a grande maioria da produção científica é oriunda de países ocidentais, sobretudo dos EUA. Em segundo lugar, as teorias e entendimentos prevalecentes na disciplina são, geralmente, abstrações da história ocidental e refletem as preocupações e visões deste conjunto de países. Desta forma, as Relações Internacionais continuam a marginalizar as realidades históricas, sociais, políticas e culturais do Sul Global, assim como as suas vozes e perspetivas.

Consciente disto, Amitav Acharya (2014) propôs o movimento Global International Relations (Global IR): a aspiração normativa de construir uma disciplina mais diversa e inclusiva que tenha em conta as vozes, experiências, conhecimento e contributos da grande maioria das sociedades do mundo, especialmente daquelas não-ocidentais que têm sido marginalizadas.

É neste contexto que Amitav Acharya e Barry Buzan (2019) escrevem The Making of Global International Relations. A obra é deliberadamente publicada no alegado centésimo aniversário da disciplina, propondo-se a rever criticamente a sua produção científica até então de uma perspetiva de Global IR. Os autores recontam a História das Relações Internacionais (os acontecimentos que as RI estudam) e a História da disciplina das Relações Internacionais (a produção teórica das RI) a partir do séc. XIX de forma crítica, iluminando o enviesamento ocidental das narrativas dominantes e acrescentando as histórias e pensamentos negligenciados que ocorreram fora do Ocidente. Estas duas histórias distintas estão muito interligadas para os autores, que argumentam que o desenvolvimento da disciplina reflete grandemente a prática das Relações Internacionais - é precisamente pelo facto de o Ocidente ter dominado a sociedade internacional que as RI se estruturaram em torno dele. Assim sendo, nos capítulos ímpares é contada a história da prática e nos pares a história da disciplina no mesmo período do capítulo que lhe antecede

Os primeiros dois capítulos ocupam-se do período entre o séc. XIX e 1919. Naquele século, tiveram lugar as revoluções da modernidade, cujo principal efeito foi criar um enorme fosso de poder e riqueza entre os Estados do core (ou Ocidente) e os da periferia, o que permitiu que o primeiro grupo de Estados criasse um sistema em que eles estipulavam as regras de acordo com os seus interesses, ao passo que as sociedades da periferia eram exploradas e colonizadas (p. 16). A modernidade criou então a versão 1.0 da GIS, também chamada western-colonial GIS, que estava hierarquicamente dividida entre um core privilegiado e uma periferia subordinada.

No segundo capítulo, os autores contrariam a ideia convencional de que a disciplina nasceu em 1919 como reação à I Guerra Mundial. Durante o séc. XIX, é possível identificar muito pensamento sobre RI, mas que não era feito sob este rótulo nem de forma consciente. Muitos destes pensadores não eram sequer académicos ou refletiam no seio de outras disciplinas, mas os seus contributos têm ligações óbvias com RI e antecedem muitos daqueles posteriores à I Guerra Mundial. Por estas razões, devem ser considerados na historiografia da disciplina. Através da revisão de vários autores de diferentes correntes teóricas no core, Acharya e Buzan mostram que o pensamento de quase todos estava imbuído de racismo e “supported imperialism on the grounds of the necessity for the West to bring backward cultures up to the ‘standard of civilisation’” (p. 49). Apesar de as RI serem feitas maioritariamente no Ocidente para o Ocidente, os autores identificam alguns contributos da periferia motivados sobretudo pelo anti-colonialismo, o que pode explicar o facto de terem sido marginalizados: Tenshin no Japão, Calvo e Drago na América Latina, Naoroji na Índia, entre outros.

Os dois capítulos seguintes versam sobre o período entre guerras. No terceiro, os autores concluem que a I Guerra Mundial não alterou a versão 1.0 da GIS, pelo que a estrutura core-periferia desigual e as instituições do racismo e do colonialismo se mantiveram. No quarto capítulo, 1919 é apontado como o ano em que a institucionalização da disciplina começa, tendo sido particularmente prolífica nos EUA e no Reino Unido, mas praticamente inexistente na periferia. Isto teve a consequência de o debate nas RI se ter centrado no contexto europeu, nomeadamente em torno de como evitar outra guerra. Apesar de o debate ter contado com múltiplas teorias que ultrapassam a dicotomia idealismo-realismo, todas elas “were focused on preserving and propagating Western ideas and values. This West-centrism easily took on racist content” (p. 93). Também na periferia se estabeleceram importantes debates e ideias que, mais uma vez, foram negligenciados pela historiografia da disciplina. Estas ideias não estavam apenas relacionadas com o anti-colonialismo, mas também com internacionalismo, ordem mundial, desenvolvimento, cooperação e justiça. Os autores destacam, por exemplo, a proposta pan-asiática sinocêntrica de Sun Yat-sen, o conceito de Mahabharata proposto por Sarkar, várias propostas de Pan-Arabismo e Pan-Islamismo pós-vestefalianas no Médio Oriente e a promoção de normas de não-intervenção, direitos humanos e desenvolvimento na América Latina.

Os capítulos quinto e sexto debruçam-se sobre o período entre 1945 e 1989. O principal acontecimento deste período não foi a Guerra Fria, mas sim a descolonização porque transformou profundamente a sociedade internacional, deslegitimando o racismo e o colonialismo, e garantindo igualdade formal aos Estados da periferia. Surge assim a versão 1.1 da GIS, ou western-global GIS, que permaneceu dominada pelo Ocidente em termos de poder e riqueza, mas em que foi reconhecida igualdade soberana à periferia, que agora tinha independência e voz nas Relações Internacionais. Por seu turno, a disciplina das RI manteve-se dominada pelo Ocidente, devido à sua predominância de poder e forte institucionalização. A teoria no core continuou a ser construída com base na sua experiência histórica e ignorando a periferia, o que é visível na obsessão pela Guerra Fria e armas nucleares ao mesmo tempo que a descolonização era um tema marginal. No entanto, houve contributos teóricos assinaláveis na periferia, especialmente a teoria da dependência articulada pelo argentino Prebisch e desenvolvida pelos brasileiros Cardoso e Faletto, que foi muito influente na teorização posterior no core.

Os dois capítulos seguintes analisam o período pós-1989. No sétimo, é argumentado que o fim da Guerra Fria trouxe a afirmação dos EUA como a única superpotência e uma interdependência entre os países sem precedentes. Neste cenário de domínio de uma potência liberal e dos seus aliados, houve tentativa de expandir a esfera demoliberal, às vezes de forma coerciva, o que levou a que algumas potências emergentes se opusessem ao domínio ocidental. Os autores argumentam que a teleologia liberal teve fracos resultados, assistindo-se a um ressurgimento do autoritarismo, nacionalismo, religião e políticas identitárias. A tendência neste período é para a aproximação de poder entre o core e a periferia, apesar de alguns Estados nesta zona ainda não se terem modernizado. A crise económica de 2008 marca a transição da GIS 1.1 para a 1.2, ou de uma GIS dominada pelo Ocidente para uma pós-ocidental. “The economic crisis has weakened the West materially, and in addition the liberal ideology that underpinned its authority has also eroded” (p. 216).

No oitavo capítulo, os autores argumentam que a institucionalização das RI se estendeu à periferia, com quem também se erodiram fronteiras institucionais. Contudo, a periferia tem um nível de institucionalização ainda relativamente baixo e com variações regionais significativas devido a fatores como falta de financiamento, Estados falhados e controlo autoritário. Os EUA permaneceram o país mais influente nas RI, mas nunca detiveram hegemonia intelectual. A partir de 1989, o domínio de teorias positivistas e materialistas foi contestado no core por um número crescente de abordagens teóricas distintas ditas pós-positivistas como o construtivismo, as teorias críticas e o feminismo. No entanto, o terceiro grande debate “did little to bring the Global South ‘in’, in the sense of paying attention to the history, ideas and agency of Non-Western societies” (p. 242). A forma como a história deste debate é contada tende a excluir o pós-colonialismo, abordagem teórica pós-positivista com origem no Sul Global que tem trazido um contributo substantivo à disciplina. No fundo, o pensamento do Sul Global continua a ser em grande medida marginalizado pelas RI, apesar de existirem contributos teóricos e empíricos muito interessantes.

No nono capítulo, os autores elaboram a sua visão de como será a GIS 2.0, que é encapsulada pelo conceito de deep pluralism:

By deep pluralism we mean a diffuse distribution of power, wealth and cultural authority, set within a strongly integrated and interdependent system, in which there is a significant move towards a GIS in which both states and non- state actors play substantial roles. […] Such a world might feature different economic and political ideologies and systems, including the remnants of the liberal order” (p. 265).

O décimo e último capítulo vem reafirmar o argumento geral do livro: “IR privileges Western history, ideas, practices and leadership, while marginalising those of the Rest” (p. 295). De seguida, reveste-se de uma índole normativa, propondo que a disciplina caminhe no sentido de Global IR e apontando estratégias e caminhos para o efeito.

The Making of Global International Relations é um trabalho ambicioso que propõe reconstruir a História das Relações Internacionais e da disciplina num espaço relativamente curto (320 páginas). Isto leva a que em alguns momentos seja inevitável sentir-se que os autores não aprofundam suficientemente os temas que exploram. Por exemplo, em alguns capítulos sobre a história da disciplina é bastante mais explorada a teorização no Ocidente do que no Sul Global - os exemplos de autores ou propostas teóricas desta zona são relativamente escassos e pouco aprofundados, mesmo com a definição ampla de teoria utilizada. No entanto, tem que ser salientado que o objetivo do livro não é fazer uma cobertura exaustiva dos mesmos. Além disto, os próprios autores admitem que é muitas vezes difícil encontrar e ter acesso a estes contributos.

Em todo o caso, esta obra sucede nos objetivos a que se propõe. Em primeiro lugar, constitui-se como o primeiro trabalho abrangente e sistemático que conta a história das Relações Internacionais e da disciplina de uma perspetiva não ocidental e, assim, verdadeiramente global. Inúmeros volumes foram publicados sobre História das Relações Internacionais (quer a nível dos acontecimentos, quer da teoria), mas seria mais correto chamar-lhe História das Relações Internacionais Ocidentais, porque ignora realidades e perspetivas do Sul Global e é “largely built on the assumption that Western history and Western political theory are world history and world political theory” (p. 3). Desta forma, este contributo é um passo muito importante na rutura com o western-centric mainstream e na construção de uma disciplina verdadeiramente inclusiva e universal. A sua relativa brevidade e cobertura acessível, mas rigorosa, de diversos períodos históricos importantes torna-o num excelente recurso para os docentes utilizarem em cursos introdutórios, caso desejem romper com os programas focados no Ocidente.

Em segundo lugar, o livro concretiza perfeitamente o propósito de demonstrar que as RI continuam a ser dominadas pelo Ocidente e a marginalizar o Sul Global. Ao longo de vários capítulos, os autores evidenciam os contributos substantivos de pensadores não-ocidentais e a forma como foram ignorados pelo mainstream das RI. Também mostram como a História convencional das Relações Internacionais é uma história do Ocidente contada do seu ponto de vista, ignorando o racismo, o colonialismo, a descolonização e muitos outros acontecimentos do Sul Global. Isto reflete-se a nível das teorias dominantes, que são abstraídas da realidade europeia. Sucedem de igual forma em ilustrar como este legado ainda é visível nos dias de hoje sob a forma de etnocentrismo (ou eurocentrismo), falso universalismo, racismo, disjuncture e negação de agência nas RI (p.286). A título de exemplo, os autores destacam a certo momento o facto de o regionalismo em zonas não-ocidentais ser estudado através de teorias abstraídas da integração europeia, o que não só não permite capturar as caraterísticas das diversas formas de regionalismo, mas também acaba por sobrevalorizar o regionalismo europeu em relação aos demais.

Juntando uma escrita breve e acessível com um argumento inovador, claro e bem corroborado, The Making of Global International Relations promete ser um trabalho influente nas RI e uma contribuição muito importante na transformação da disciplina.

Referências

1. Acharya, A, Buzan B. (2019). The Making of Global International Relations: Origins and Evolution of IR at its Centenary. Cambridge: Cambridge University Press. [ Links ]

2. Acharya A. (2014). Global International Relations (IR) and Regional Worlds: A New Agenda for International Studies. International Studies Quarterly, 58(4), 647-659. https://doi.org/10.1111/isqu.12171 [ Links ]

DIOGO MACHADO é estudante do mestrado em Relações Internacionais: Governança Global e Teoria Social na Universidade de Bremen & Universidade Jacobs. É licenciado em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Nova de Lisboa. Membro Associado do Observatório Político. Interesses de investigação: política externa chinesa, ordem internacional, teoria social.

DIOGO MACHADO is a MA International Relations: Global Governance and Social Theory Student in University of Bremen & Jacobs University. He holds a BA in Political Science and International Relations by the New University of Lisbon. Associate Member of the Political Observer. Research interests: Chinese foreign policy, international order, social theory.

Received: April 05, 2021; Accepted: June 22, 2021

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