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Political Observer - Revista Portuguesa de Ciência Política

On-line version ISSN 2184-2078

PO-RPCP vol.15  Lisboa June 2021  Epub Jan 20, 2022

https://doi.org/10.33167/2184-2078.rpcp2021.15/pp.39-56 

Artigo Original

O Acorde Conceitual do Nazismo: Considerações sobre o conceito de nazismo a partir de uma metáfora musical

The Conceptual Chord of Nazism: Considerations about the concept of nazism based on a musical metaphor.

José D’Assunção Barros1 

1Departamento de História, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Brasil.


Resumo

Todos os campos de saber valem-se conceitos, e estes têm sido bem estudados nas disciplinas as mais diversas. Neste artigo, pretendemos expor a possibilidade de nos aproximarmos da construção e compreensão dos conceitos (em quaisquer campos de saber) a partir de uma noção musical - a de acorde. O universo experimentado para esta possibilidade será o do conceito de Nazismo. Pretendemos aplicar a forma do acorde-conceitual ao estudo de um conjunto de características mínimas que poderiam configurar um conceito adequado de Nazismo. O objetivo é demonstrar, a partir deste exemplo, que este procedimento teórico também é viável para o estudo de outros objetos, nos vários campos de pesquisa.

Palavras-chave: Conceito; Acorde; Nazismo; Totalitarismo; Definição

Abstract

All fields of knowledge need concepts, which have been well studied in the most diverse disciplines. In this article, we intend to expose the possibility of approaching the construction and understanding of concepts (in all fields of study) associating this with a musical notion - the ‘chord’. The universe experienced for this possibility will be that of the concept of Nazism. We intend to apply the conceptual chord form to the study of a set of minimum characteristics that could configure an adequate concept of Nazism. The objective is to demonstrate, from this example, that this theoretical procedure is also viable for the study of other objects, in the various fields of research.

Keywords: Concept; Chord; Nazism; Totalitarianism; Definition

1.Conceito: uma construção abstrata a partir de uma referência concreta

Neste artigo, trazemos uma proposta nova que pode ser aplicada a inúmeros objetos de estudo, que é a possibilidade de aproximar as idéias de ‘conceito’ e de ‘acorde’ - esta última inspirada na música e em outras esferas de saberes e práticas que também se valem da noção de acorde - de maneira a pensar os mais diversos objetos como ‘acordes conceituais’. Propomos aplicar esta proposta ao estudo do conceito de Nazismo. A partir deste exemplo, queremos sugerir que a perspectiva dos acordes conceituais pode ser aplicada aos mais diversos campos de estudo. O estudo do conceito de Nazismo, por exemplo, poderia se valer deste recurso, de modo que o artigo também se propõe a ser um convite para que outros pesquisadores e pensadores aprimorem esta elaboração conceitual, que aqui apenas iniciamos a modo exemplificativo. Para iniciar a exposição desta proposta mais geral de tratamento acórdico dos conceitos, gostaria de partir de uma definição de conceito, por nós mesmos elaborada:

Um conceito é uma representação complexa, elaborada e abstrata da realidade percebida - habitualmente evocada através de uma simples expressão verbal, imagem ou fórmula - e capaz de funcionar como uma unidade de conhecimento e de comunicação (Definição proposta pelo próprio autor do artigo)1.

Sabemos que, para compor a ‘compreensão’ (ou “intensão”) de um conceito, precisamos articular diversos elementos que são as “notas” do conceito. Dependendo da compreensão (ou intensão) do conceito, produz-se ou viabiliza-se certa “extensão” (o campo de aplicação do conceito, ou o conjunto de fenômenos ou casos que a este passam a se aplicar em função da compreensão proposta. Neste artigo, pretendo sustentar a ideia de que podemos aproximar a noção de conceito e a noção musical de “acorde”, e deste modo produzir “acordes conceituais” para a compreensão de conceitos os mais diversos. O exemplo em que nos apoiaremos para ilustrar este procedimento, como se disse, é o conceito de nazismo. Antes, consideremos alguns elementos pertinentes à noção de “acorde”.

Um “acorde”, na teoria e na prática musical, pode ser entendido como um conjunto de notas musicais que soam juntas e assim produzem uma sonoridade compósita. De maneira simplificada, podemos dizer que o acorde é um som constituído de outros sons, cada um dos quais integra a sua identidade sonora (a estrutura total do acorde), mas sem que sejam destruídas as identidades individuais de cada som que entra na composição do acorde. Na Música, estes sons que possuem determinada identidade individual, e que são os elementos básicos que são utilizados para a composição de melodias (e também na estruturação harmônica dos acordes), são chamados de ‘notas musicais’. Já com relação a este som compósito que é o ‘acorde’, deve-se notar ainda que não são apenas as notas constituintes do acorde aquilo que configura a sua identidade sonora, mas também as relações de cada uma destas notas com cada um das outras e com a totalidade que as integra. Um som interferido por um outro, e mediado por um terceiro, transforma-se na verdade em um fenômeno sonoro novo, de modo que podemos dizer que um acorde corresponde não apenas a uma combinação de sons, mas também a uma combinação de relações de sons que interagem reciprocamente.

Quadro 1 Representação de um acorde na pauta musical2

Os músicos, desde fins da Idade Média, desenvolveram um recurso para representar graficamente os sons musicais: as partituras baseadas em pautas musicais que procuram transmitir informações sobre os sons que compõem determinada composição musical, situando cada nota no tempo, de modo a que se possa mostrar a sucessão de sons que está ocorrendo, e também mostrando aquelas notas que soam ao mesmo tempo, como ocorre com os acordes. Na imagem acima, representei um acorde em uma tradicional pauta de cinco linhas. Todas as notas soam juntas no mesmo momento, e por isso são agrupadas de maneira superposta em uma única vertical (ou seja, elas ocupam simultaneamente o mesmo espaço-tempo sonoro).

Não obstante a utilidade trazida pela possibilidade de representar graficamente a música, devemos sempre compreender que o acorde é um fenômeno sonoro, independente da representação que lhe atribuamos em uma folha de papel. A representação de acordes na pauta, e de melodias formadas por notas musicais em sucessão, foi apenas um recurso que os músicos inventaram para comunicar, uns aos outros, a música a ser executada. No caso do acordes, deve-se entender que, na realidade musical efetiva, as notas não se manifestam uma por cima da outra, mas sim uma “por dentro” da outra. Nos acordes, portanto, ocorre efetivamente uma interpenetração das notas que o constituem. Além disso, quando nos pomos à escuta de acordes, é oportuno lembrar que podemos apreender tanto a totalidade das notas - captando o efeito sonoro que o agrupamento provoca - como também, se afinarmos o ouvido em certas direções, podemos ainda continuar a identificar as notas individuais que fazem parte do acorde. Podemos mesmo fazer o esforço auditivo de tentar captar, no interior de um acorde, apenas o ‘intervalo’ formado por duas notas que interagem uma sobre a outra.

‘Intervalo’, a propósito, é o nome que damos, em música, à relação entre duas ‘notas’. Um ‘dó’ em combinação com um ‘mi’ produz certa sensação nos ouvidos humanos; um ‘dó’ associado ao ‘mi bemol’ já provoca outra sensação, completamente diferente, pois da relação entre estas duas notas surge um outro intervalo. Para o que nos interessa, enfim, um acorde é um som formado por vários sons que soam simultaneamente, uns interferindo nos outros e todos terminando por produzir uma coisa nova. Tal como bem sabem todos aqueles que praticam música, não é possível, senão rudimentarmente, representar um fenômeno musical e sonoro: só podemos senti-lo, depois de apreendê-lo através de nossos recursos auditivos. Só é possível perceber isto - esta realidade pungente que é o fenômeno sonoro, capaz de agregar simultaneamente realidades diversas que se presentificam em um único movimento - quando ouvimos ou tocamos música.

Diversos campos de saberes e práticas - tais como a arte da perfumaria, a enologia, a culinária, a pintura - beneficiaram-se do conceito de acorde através de uma atitude interdisciplinar que proporcionou a cada um destes campos a introdução de toda uma nova perspectiva e de um novo vocabulário que inclui, além do conceito de acorde, a ideia de harmonia, notas, consonância, e outras palavras que primordialmente eram encontradas apenas na prática musical. Na Música - ou mais especificamente no sistema harmônico que se desenvolveu na ao longo história da música nas culturas ocidentais - o acorde costuma ser constituído por uma suposição de intervalos de terças que se estabelecem, do grave para o agudo, a partir da “nota fundamental”. O acorde corresponde a uma simultaneidade de sons, a um feixe transversal de notas musicais que passam a interagir umas com as outras de modo a formar uma coisa nova. Não obstante, tal como já mencionei anteriormente, quando escutamos um acorde, de uma só vez podemos prestar atenção no todo (na totalidade acórdica), em cada nota específica que o constitui, e em cada relação singular que se estabelece entre duas ou três notas no interior do acorde (ou seja, podemos escutar setorialmente as relações entre as notas e grupos de notas no interior do acorde). O acorde é um portal de percepções integradas. É esta propriedade de apresentar o todo de uma só vez, mas também de preservar a possibilidade de percepção de que este todo é formado por unidades menores - as suas ‘notas’ - que encontramos como ponto de analogia entre os acordes e os conceitos.

No início deste artigo, havíamos proposto uma definição inicial de conceito, a qual levava em consideração a sua natureza e funções - enfatizando os aspectos essenciais que caracterizam os conceitos, como a complexidade, o seu caráter abstrato ou a sua propriedade representacional, e também os papéis básicos dos conceitos na Ciência, ou seja, a possibilidade de que os conceitos funcionem como ‘unidades de conhecimento’ e ‘unidades de comunicação’. Vamos agregar, neste momento, outra definição. Nesta, que complementa a anterior, levaremos em consideração a estrutura e a forma que são características de todos os conceitos

Um conceito é uma estrutura harmônica de sentidos cuja ‘compreensão’ é constituída por diversas ‘notas’ que interagem umas sobre as outras (e todas sobre o todo) [Definição também proposta pelo próprio autor do artigo].

A primeira definição que propusemos para a ideia ‘conceito’ procurava responder a três ordens de perguntas: qual a natureza dos conceitos, quais os seus veículos mais gerais de propagação, e para que servem os conceitos? Saberemos, pela primeira definição, que os conceitos são representações da realidade percebida (eu poderia acrescentar, como alternativa, da “realidade imaginada”). Mas estas representações não podem ser lacunares ou insuficientes - precisam ser “representações complexas”. Esta complexidade pode ser apresentada de maneira simples em uma definição que deve ser a mais sintética possível, mas que de modo algum pode ser apresentada de maneira insuficiente (deixando de expor, por exemplo, ‘notas’ de um conceito que seriam essenciais para defini-lo). Também passamos a saber que os conceitos podem ser veiculados em diferentes tipos de linguagens - principalmente a linguagem verbal, a visual, e a matemática. Sobretudo, começamos a compreender, através desta definição, as funções essenciais dos conceitos: eles constituem simultaneamente “unidades de conhecimento” e “unidades de comunicação”.

A segunda definição, acima exposta, complementa esta primeira, pois nos fala da ‘forma’ e da ‘estrutura’ dos conceitos. Sabemos agora que os conceitos podem ser considerados como “uma estrutura harmônica de sentidos”, e que são constituídos por tantas notas quanto forem necessárias - e, na verdade, somente as notas necessárias, pois as notas obsoletas ou desajustadas devem ser limpadas da enunciação da ‘compreensão’ do conceito, da mesma forma que um músico exclui do seu acorde as notas que são desnecessárias ou que não contribuem para o efeito estético que ele deseja atingir com o seu acorde. O principal, além disso, é compreender que estas notas que constituem a ‘compreensão’ de um conceito não formam um mero amontoado de ‘notas’, mas sim uma totalidade harmônica dentro da qual as notas “interagem umas sobre as outras” (“e todas sobre o todo”). Enfim, um conceito, consoante a segunda definição acima proposta, é literalmente um acorde. Os conceitos continuam funcionando como “unidade de conhecimento” e “unidade de comunicação”. Mas a definição, ao aproximar a ideia de conceito da ideia de acorde, deixa entrever que os conceitos também se inserem em uma música mais ampla, em uma harmonia conceitual que também pode integrá-los em uma teoria formada pela sua articulação com outros conceitos. Não proponho que a segunda definição substitua a primeira, que é mais técnica, mas apenas que pensemos nela de modo a complementar o que podemos conhecer e sentir acerca dos conceitos.

No princípio deste artigo, vimos que a ‘compreensão’ de um conceito é constituída pelos elementos que devem ser evocados - juntos e interagindo uns sobre os outros - para que possamos atingir a essência necessária de um conceito - aquilo que precisa ser explicitado necessariamente na definição de um conceito se quisermos efetivamente dar a perceber todos os seus aspectos necessários e suficientes. Estes elementos que constituem a compreensão de um conceito já são denominados pela filosofia de ‘notas’ do conceito. Podemos aproximar estas ‘notas’ que fazem parte da compreensão de cada conceito das notas que constituem os diversos acordes musicais (ou olfativos, culinários, cromáticos, ou de quaisquer outros tipos que já existam). Neste sentido, postularemos que podemos tratar os conceitos - seja aqueles utilizados na filosofia como em quaisquer outras áreas, como a História, Antropologia, Teologia, Física, Biologia - como “acordes conceituais”. Aqui entramos no campo de aplicação prática e de demonstração da viabilidade deste modo de ver as coisas. Examinaremos, na segunda parte deste artigo, o acorde conceitual do Nazismo.

2. Sobre a pertinência de uma conceituação de Nazismo

O Nazismo é um fenômeno transversal, que pode vir a atravessar realidades sociais e políticas diversas, ou esteve apenas vinculado a um acontecimento histórico específico, localizado no espaço e no tempo? Perguntar isso é indagar se podemos ‘conceituar’ o Nazismo (tratá-lo como um conceito, com potencial de generalização aplicável a outros eventos e movimentos), ou se apenas podemos descrevê-lo, tratando-o como um evento único e irrepetível. No primeiro caso, poderíamos falar de um ‘acorde conceitual do Nazismo’; no segundo caso, poderíamos falar apenas de um ‘acorde de identidades’ relacionado ao Nazismo histórico. Uma situação e outra poderiam ser beneficiadas significativamente pela nossa proposta de aplicação da expansão teórica da ideia de acorde para as formulações científicas, conceituais ou não.

De um lado, a importância de pensar em um conceito de Nazismo seria a de nos mantermos em guarda: acontecimentos como o hitlerismo dos anos 1920 ao fim da 2ª Grande Guerra poderiam se repetir um dia, com variações de quaisquer tipos e trazendo ao cenário histórico novos atores e novas vítimas? Também poderíamos nos perguntar se o conceito ajudaria a compreender na sua variedade as atitudes nazistas, e não apenas as atitudes nazistas localizadas na época histórica em que se estabeleceu este regime hitlerista na Alemanha, mas também atitudes análogas ou próximas ao nazismo em épocas posteriores - a exemplo dos grupos neonazistas, ou mesmo de partidos nazistas que ainda são organizados em várias partes do mundo. De outro lado, reconhecer ao menos a possibilidade de pensar em um ‘acorde de identidades’ aplicado ao Nazismo poderia ajudar a compreender mais sistematicamente aquele fenômeno histórico, ou outros análogos que tenham surgido na época e posteriormente.

Com relação aos movimentos ou partidos de inspiração nazista - aqueles que se reconhecem como tais, ou mesmo se valem de autodenominações nazistas - podem ser citados vários em diversas partes do mundo, e em plena atividade. Nos Estados Unidos da América, um Partido Nazista Americano foi fundado em 1959, propagando pela primeira vez a expressão “White Power”. Em 1974 foi fundada a Aliança Nacional, que além do fortalecimento de uma ideologia nazista se dedica a enaltecer a figura de Hitler. Também nos EUA está em vigor desde 1990 uma comunidade virtual chamada Stormfront, que apregoa abertamente a “supremacia branca” e possui mais de 60.000 membros no mundo inteiro. Com esta comunidade se relaciona a Frente Nacional da Inglaterra, um partido de extrema direita que nega publicamente se apoiar em diretrizes nazistas, mas que só admite em suas fileiras associados de “cor branca”. Os EUA ainda viram surgir outros movimentos nazistas ou neonazistas como o Aryan Nations, fundado nos anos 1970, e na década seguinte foi fundado outro grupo análogo, o White Aryan Resistance War. Estes e outros movimentos de inspiração nazista talvez justifiquem se falar em um conceito de nazismo com propriedades generalizadoras. Não será objetivo deste artigo aprofundar o estudo destes movimentos, pois nosso interesse é uma conceituação mais geral do Nazismo como possibilidade de exemplificar a aplicabilidade do procedimento de pensar os conceitos como acordes, de acordo com as reflexões que desenvolvemos na primeira parte deste artigo. De todo modo, é oportuno comentar que as notas pertinentes a um possível acorde conceitual nazista, que já discutiremos, parecem estar presentes em todos estes movimentos - embora possamos distingui-los por esta ou por aquela nota que se torna mais preponderante em cada caso. Assim, o American Nazi Party - cujo líder, Lincoln Rocwell, havia sido um atento leitor de Mein Kampf - apresenta o ‘racismo contra negros’ como a nota preponderante de um acorde que pretende replicar o nazismo em solo estadunidense. Já o movimento ultradireitista Front National - partido de tipo fascista criado na França, em 1971, por Jean-Marie Le Pen - apresenta a ‘xenofobia’ como nota preponderante de seu acorde, centrando suas principais ações destrutivas na rejeição às leis de imigração, uma demanda social tipicamente francesa.

Com o ‘Quadro 1’, proponho uma reflexão sobre o conceito de Nazismo utilizando a forma estrutural de um acorde como padrão de visualização. A escolha da superposição de terças como modelo de acordes decorre apenas de um recurso de visualização já esclarecido neste artigo - mas os acordes, e em particular os acordes conceituais, não têm necessariamente esta forma, ou forma alguma. Escolhemos tão somente um modo de visualizarmos este imbricamento de notas sobre o qual discorreremos a seguir.

3. Considerações iniciais sobre a simbologia e conceituação do Nazismo

O exemplo proposto de construção de um acorde conceitual para a apreensão da ideia de Nazismo, em nossa interpretação, está sintetizado visualmente no Quadro 2. Queremos alertar que nossa proposta não é fazer um balanço crítico ou um rastreamento sistemático das diversas propostas de definição de Nazismo, e tampouco um estudo de profundidade sobre o tema, de modo que o artigo convida a que o procedimento aqui empregado seja mais tarde utilizado por autores especializados no tema, os quais poderão acrescentar muitos elementos, e com mais propriedade, ao acorde conceitual que aqui sugerimos. Nossa proposta neste artigo é principalmente a de mostrar que os conceitos podem ser trabalhados como acordes, e a aplicação deste procedimento ao esclarecimento sobre um possível acorde conceitual relacionado ao Nazismo surge neste momento como uma exemplificação. Trabalhamos com simplicidade em torno desta idéia e da possibilidade de representá-la como um acorde conceitual. O esquema visual, que será abordado em maiores detalhes mais adiante, sintetiza visualmente, no lado esquerdo do quadro, a nossa proposta de construção de um acorde conceitual que possa sintetizar os aspectos necessários e suficientes para uma compreensão do Nazismo. Baseamos nossa reflexão sobre o problema em características bem reconhecidas do Nazismo de acordo com diversos autores, mas o nosso objetivo não é confrontar comparativamente esta bibliografia especializada, e sim oferecer um exemplo para a utilização do recurso que estamos propondo3.

Quadro 2 A acorde conceitual do Nazismo. Quadro elaborado pelo autor deste artigo. 

Se pudermos tratar o Nazismo como um acorde conceitual, que notas entrariam na sua ‘compreensão’? Quero lembrar que, para criarmos uma boa compreensão de conceito, todas as notas necessárias e suficientes para a definição do conceito deverão estar presentes. Não poderão faltar aspectos essenciais na compreensão deste conceito, da mesma maneira que não poderá haver sobras, isto é, menções a aspectos que já não façam parte daquilo que é estritamente necessário para definir a coisa que está sendo conceituada. Todo conceito, como foi discutido na primeira parte deste artigo, deve ir ao âmago, dirigir-se à “essência necessária” da coisa representada. Neste sentido, a compreensão de um conceito precisa encontrar a sua afinação exata. Para dois autores distintos, esta “afinação exata” pode diferir; mas ambos precisam ter para si que a alcançaram.

Para elaborarmos o acorde conceitual que iremos construir agora, precisaremos registrar - de uma maneira ao mesmo tempo densa e sintética - todos os aspectos que são essenciais para a compreensão do Nazismo. Nada de importante que seja intrínseco a este sistema político - ou a este campo ideológico de atitudes, se expandirmos um pouco o conceito - poderá ficar de fora e deixar de ser explicitado. Os acordes conceituais, tal como os acordes musicais, devem ser lidos debaixo para cima (por isso, a sua forma de leitura adequada foi sugerida através de uma longa seta paralela que aponta para o alto). Devemos situar no baixo do acorde (na nota mais grave) aquele elemento com o qual começaríamos a relatar a definição do conceito, se o estivéssemos expressando verbalmente. Por exemplo, ao tentarmos definir o Cristianismo, é comum que se diga que é uma ‘religião’ com tais e tais características. Chamar atenção para o fato de que o Cristianismo é uma religião, logo à saída, define a nota-base do acorde conceitual de Cristianismo. Para o nosso caso - o Nazismo - devemos seguir este mesmo procedimento e iniciar pela escolha da nota-base4. Penso que podemos começar por dizer que o Nazismo é um ‘sistema político’, e logo em seguida poderíamos acrescentar “de extrema direita” (esta já seria uma segunda nota)5. Em uma outra leitura, poderíamos preferir dizer que o Nazismo é (ou foi) um ‘movimento político’, ou também que é uma ‘atitude sociopolítica’ ou uma ‘ideologia’. Estas seriam outras possibilidades para construirmos a nota-base deste acorde conceitual. Mas vamos ficar por ora com o ‘sistema político de extrema direita’, para nos atermos à situação histórica específica de um movimento sociopolítico e ideológico que atingiu o poder nesse país singular que foi a Alemanha dos anos 1930, e que terminou por impor uma ditadura ‘totalitária’ àquele país antes de iniciar a sua desventura belicista.

O ‘totalitarismo’, de baixo para cima, pode ser a nossa terceira nota6. Em uma compreensão de conceito, procuramos agrupar as notas de acordo com certa lógica. Estas três notas definem um regime político, e é adequado que estejam juntas no acorde, como seria igualmente adequado que, ao desfiarmos verbalmente a compreensão do conceito de Nazismo, as mencionássemos nesta ordem - algo como “o Nazismo é um sistema político de extrema direita que aspira ao totalitarismo’. Esta tríade poderia na verdade ser aplicada a muitos sistemas políticos de extrema direita, como os diversos fascismos da mesma época - a começar pelo fascismo italiano, o primeiro de todos, e a partir daí incluindo outros regimes como o franquismo espanhol e o salazarismo português7. Para se diferenciar destas outras possibilidades de fascismo - anda que compartilhando mais algumas notas - o Nazismo precisará acrescentar as suas próprias notas singulares. Mais para o topo do acorde começaremos a ver quais são elas. Por ora, podemos lembrar o ‘ultranacionalismo’ como nota importante do Nazismo (aspecto com o qual que acompanha outros fascismos originados na mesma época)8.

Estas quatro primeiras notas - ‘sistema político’ de ‘extrema-direita’, que aspira ao ‘totalitarismo’ e se apóia em uma ideologia ‘ultranacionalista’ - compõem um primeiro acorde dentro do poliacorde. Temos aqui as quatro notas que expõem a estruturação interna do Nazismo como um regime político de tipo fascista - pois, até aqui, temos um acorde-base que é compartilhado por todos os demais regimes fascistas da época e talvez de outros tempos, pois infelizmente a experiência fascista não se esgotou no século XX. Estas quatro notas apresentam uma certa unidade: são fortalecidas por relações intervalares específicas. Já as duas notas que se apresentam a seguir revelam como o Nazismo se projeta para fora: o ‘imperialismo expansionista’ e o ‘militarismo’ dão-se as mãos em um intervalo bem característico.

Era comum na narrativa nazista a reivindicação do direito alemão ao seu ‘espaço vital’9. Através deste discurso, a nota ‘ultranacionalismo’ une-se em um intervalo significativo com as notas ‘imperialismo’ e ‘militarismo’: a primeira parece justificar as outras duas com a concomitante projeção de um discurso agressivo para fora, particularmente diante do contexto da época, que favorecia o projeto de explorar o orgulho alemão através da ideia de resgatá-lo das humilhações impostas pelo Tratado de Versalhes. Os nacionalismos de tipo fascista costumam se alimentar de inimigos emblemáticos: quando não são encontrados fora, podem ser buscados no interior da própria sociedade. Eram os judeus na Alemanha nazista (mas também os comunistas, os liberais não alinhados, os ciganos, eslavos e turcos, os estrangeiros internos). No Front National da França recente, sob a liderança da família Le Pen, talvez sejam os imigrantes10. Nos partidos nazistas estadunidenses, os negros, mas também os latinos.

Com as próximas notas do acorde conceitual nazista entramos nas informações pertinentes à estruturação partidária, institucional e social dos movimentos de tipo nazi-fascista. A estrutura é hierárquica: no topo dela deve estar a figura do Führer (ou do líder), a quem costuma ser atribuído um caráter de infabilidade, já que é cultuada a ‘obediência incondicional ao líder’11. A nota do ‘fanatismo’ se junta a este grupo, formando com a nota do ‘culto ao líder’ um intervalo ressonante. Vamos nos ater ao caso mais específico do Nazismo alemão. Ali, aparece altissonante a nota do ‘arianismo’ (no nazismo estadunidense tem-se um similar culto à ‘supremacia branca’). O ‘arianismo’, no Nazismo alemão, não é senão a outra face de uma radical ‘intolerância à alteridade’12.

Para não alongar muito o acorde, reunimos em seu topo o feixe de rejeições que coroam essa intolerância contra o outro. O Nazismo alemão foi bem marcado pela ênfase no antissemitismo, mas são típicos nos nazismos - se estendermos o conceito para outras experiências fora da Alemanha hitlerista - os discursos de ódio contra negros, homossexuais, estrangeiros, comunistas13. No próprio nazismo hitlerista, sabemos que o antissemitismo assumiu uma centralidade cuja obsessão é bem esclarecida pelos comentários de Hitler, em seu livro Mein Kampf (1924), não só como uma motivação profunda do nacional-socialismo, mas também como uma estratégia política de direcionar o ódio popular contra um bode-expiatório centralizado14. Não obstante, todos estes ‘ódios menores’ e medianos acham-se igualmente bem representados na arquitetura de intolerância construída por Hitler. Os comunistas e socialistas - denominados por Hitler como um só bloco sob a cifra “bolchevistas” - aparecem amalgamados aos judeus em um único movimento conspiratório contra a humanidade (a presença de “teorias da conspiração”, aliás, poderia ser evocada como mais uma das notas do acorde que representa a típica atitude nazista). Os negros de origem africana, mais distantes geograficamente, são convocados para o ‘discurso de ódio’ do manual hitlerista através da mediação francesa, sendo atingidos em uma das passagens do Mein Kampf com um único golpe retórico que também se dirige contra os franceses e indivíduos de origem judaica15. Os eslavos, por sua vizinhança através de países como a Polônia e a Tcheco-Eslováquia - mas também por sua inserção como minoria imigrante inserida na própria sociedade alemã - são indicados como povos que a Natureza já teria disponibilizado previamente para a escravidão16. Contra a mulher, adicionalmente, dirige-se a imposição da sua submissão plena à dominação masculina.

Para não estender muito além o espaço visual do acorde, indicamos alguns ‘outros aspectos’, entre os quais podemos citar a curiosa amálgama da ‘modernidade técnica’ com o ‘conservadorismo social’. Cabe ainda lembrar que a prática nazista esmerou-se na arte da propaganda; e que os neofascismos, nos dias de hoje, estendem esta preocupação em incorporar a técnica da propaganda para os recursos midiáticos pertinentes ao ciberespaço, instrumentalizando sites de internet, redes sociais, lives no youtube e divulgações abusivas através de dispositivos como o whatsup, culminando com a prática das fake news. Com eles, o acorde da intolerância totalitária adentra o mundo da sociedade digital.

Sobre a possibilidade de utilizar o “nazismo” como conceito que poderia abarcar outras realidades que não a Alemanha hitlerista, a polêmica se apresenta. Possivelmente os partidos nazistas nas várias partes do mundo que reivindicaram esta bandeira, e que usam a própria suástica como símbolo - a exemplo de movimentos nazistas dos Estados Unidos da América - podem ser mais facilmente enquadrados em um conceito expandido de Nazismo. Para outros movimentos de extrema direita, tem-se preferido o uso do conceito de “fascismo”, também com seu uso extenso - já que o fascismo histórico, no sentido mais rigoroso desta expressão, é o fascismo italiano de Mussolini (1883-1945). Como foi o primeiro movimento de extrema direita a atingir o poder na Europa da primeira metade do século XX, o Fascismo acabou emprestando sua designação a uma possibilidade de se conceituar, lato sensu, os mais diversos fenômenos e movimentos de extrema direita. De outra parte, “nazismo” e “fascismo” apresentam muitas notas em comum, mas o “arianismo” é obviamente uma especificidade nazista, e o antissemitismo também tende a ser visto como uma nota mais específica do nazismo hitlerista ou de inspiração mais direta no modelo hitleriano.

No caso de admitirmos a possibilidade de abordar o “nazismo” e o “fascismo” como conceitos aplicáveis a situações diversas - e não como expressões que apenas designam estes acontecimentos únicos que foram o nazismo e o fascismo históricos - podemos nos perguntar se, nestes casos, temos conceitos ‘agrupadores’ ou ‘transversais’. Os conceitos agrupadores são aqueles que se desdobram em outros, que formam conjuntos maiores nos quais cabem outros conceitos que vão se desdobrando uns dos outros porque novas notas são acrescentadas à sua compreensão de modo a torná-los mais específicos. Ou, em outros casos, o ‘conceito agrupador’ simplesmente abarca um certo conjunto de fenômenos ou objetos. Já os ‘conceitos transversais’ são aqueles que também são generalizadores mas de uma outra forma: não como caixas que contém os fenômenos que eles representam (como os ‘conceitos agrupadores’), e sim como conceitos que afetam situações diversas, que ‘atravessam’ um número diversificado ou extenso de situações.

De um lado, se considerarmos os movimentos que se autodeclararam ou foram identificados como nazistas, o conceito de nazismo pode conformar um ‘conceito agrupador’. O nazismo, como conceito, agruparia fenômenos históricos diversos, a começar pelo próprio Nazismo histórico - o sistema político que começa como movimento sociopolítico partidário logo após a Primeira Guerra (1914-1918) e que assume o poder total em 1933, formando o Estado Nazista. Mas haveria outros nazismos também agrupáveis por este conceito, como os movimentos ou partidos que surgem em algumas partes do mundo em momentos diversos, conforme já foi citado anteriormente - a exemplo de movimentos que ostentam a suástica (ou análogos) como símbolo, e por vezes até mesmo o culto ao próprio Hitler e à “Bíblia Názi” (o Mein Kampf), em países como os Estados Unidos e Inglaterra. E poderíamos imaginar, ainda, que o conceito agrupador ‘nazismo’ apresenta potencial para abrigar eventualmente as possibilidades de retornarem no futuro movimentos e sistemas como o que aconteceu na Alemanha hitlerista. Neste sentido, conservar o nazismo como conceito pode não ter tanto sentido histórico, mas não obstante conservar um sentido sociológico, preventivo. O uso do nazismo como ‘conceito agrupador’ também permite falar de distopias totalitárias criadas pela literatura ou pelo cinema: um cineasta poderia imaginar, em um filme, um sistema nazista que teria se instalado em algum lugar, em um futuro distópico.

Não obstante os possíveis usos do nazismo como ‘conceito agrupador’ - se não historicamente, ao menos sociologicamente (para agrupar movimentos sociopolíticos diversos, ainda que minoritários), ou mesmo literariamente (no caso das criações distópicas) - o nazismo poderia ser considerado como um ‘conceito transversal’ se, ao invés de estarmos falando de sistemas ou movimentos políticos, estivermos falando de ‘atitudes nazistas’ ou de ‘comportamentos nazistas’ encaminhados por indivíduos ou grupos de indivíduos. Existem de fato grupos de inspiração nazista e tribos urbanas, como os skinheads, que se deixam atravessar por uma ‘atitude nazista’. Alguns deles são mais habitualmente classificados como grupos neonazistas, mas podemos dizer que os indivíduos que deles fazem parte apresentam uma ‘atitude nazista’, da qual até mesmo se orgulham. Não apenas são portadores dos símbolos nazistas, como também proferem os “discursos de ódio” e praticam a intolerância contra a alteridade, sob a forma de racismo, xenofobia, homofobia, antissemitismo e outras fobias de alteridade. Frequentemente são sexistas, mas de tal forma naturalizada que não percebem a misoginia que está presente em suas atitudes. Habitualmente, alguns dos indivíduos que se agrupam para praticar a ‘atitude nazista’ reproduzem a estrutura hierárquica típica do nazismo, reconhecendo e seguindo um líder do grupo, que é obedecido como a um “lobo α” que lidera a alcateia. São fanáticos, e cultuam construções de superioridade que remontam ao nazismo histórico, como a sempre repisada ideia da “supremacia branca”.

4. Considerações Finais

A proposta aqui realizada - a possibilidade de assimilar a linguagem musical, e, mais especificamente, a idéia de acorde a um modo de construir e trabalhar com conceitos nos diversos campos de saber - oferece um interessante campo de trabalho para temas os mais diversos. Nossa escolha de um tema complexo, o do Nazismo, para exemplificação da proposta, foi neste artigo acompanhada da humildade de abordar um tema que, é claro, deve ser percorrido pelos especialistas. Nossa contribuição é muito modesta no que concerne à reflexão sobre o Nazismo, que certamente tem sido desenvolvida em muitas direções pelos especialistas na temática - e sobre quais elementos adicionais deveriam ser associados à ‘compreensão’ de um conceito adequado de Nazismo. Gostaria de acrescentar, nesse ponto, que o presente artigo tem como proposta sugerir mais sistematicamente a prática de um procedimento, que aqui denominamos de ‘acordes-conceituais’, e propor que o mesmo seja usado para a elaboração da configuração conceitual de quaisquer outros sistemas políticos, para além do Nazismo. Além disso, para ainda mencionar o caso particular do acorde-conceitual de Nazismo, e procedimento pode prosseguir fazendo substituições em notas que já resultariam em novos acordes-conceituais que definem outros regimes fascistas (para considerar uma acepção mais ampla desta palavra). Por exemplo, se seguirmos adiante, agregando novas notas, ou substituindo algumas do acorde-Nazismo que foi aqui estudado, ou se dermos outras intensidades a algumas notas específicas como a do “racismo”, poderemos chegar a outros acordes-conceituais relacionados a regimes de tipo fascista. No entanto, notas bem diversas poderiam resultar em uma boa síntese acórdica de outros sistemas políticos. Deste modo, o que desenvolvemos neste artigo - tomando como exemplificação o acorde-conceitual do Nazismo - foi a proposta de um procedimento que se convida a que seja utilizado no âmbito de estudos da Ciência Política, da História, da Sociologia, ou, na verdade, de quaisquer outros campos de saber e com relação às mais diversas temáticas de estudo.

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1. Esta definição é proposta, neste momento, pelo autor deste artigo. Por outro lado, para estudos sobre o conceito de ‘conceito’, ver DAHLBERG, 1978, p.101-107; HJORLAND, 2009, p.1519-1536; FERRATER-MORA, 2004 MACULAN e LIMA, 2017. Este último artigo, em especial, discute com eficácia, e mais panoramicamente, os usos diferenciados do conceito de ‘conceito’ na Filosofia, Linguística, Terminologia das Ciências da Informação, e em distintos aportes teóricos.

2. Todos os quadros e figuras que aparecem neste artigo foram elaborados pelo seu próprio autor.

3. Para uma compreensão do nazismo e dos fascismos históricos, no próprio período hitlerista, cf. a trilogia de Richard Evans sobre a ascensão, apogeu e queda do nazismo alemão (EVANS 2010, 2012 e 2013). Para uma análise comparativa dos diversos regimes nazi-fascistas, cf. Mann, 2008. Para uma análise dos fascismos como movimentos e processos sujeitos à mutabilidade, e que demandam definições não estáticas do conceito, ver a obra Anatomia do Fascismo, de Robert Paxton (2007). Para uma “definição mínima” do Fascismo, ver Eatwell, 1996, Pinto, 2013 e Allardyce, 1979. Com relação a um estudo sobre a personalidade autoritária, há o clássico da Escola de Frankfurt e organizado por Adorno (1950), e para uma análise do uso do simbolismo e da propaganda pelo nazismo histórico e em outras ocasiões, cf. Tchakhotin, 1967.

4. Na harmonia musical, existe uma distinção entre o ‘baixo’ de um acorde - a sua nota mais grave - e a ‘fundamental’ do acorde, a qual deve ser compreendida como a nota que gera o acorde. A nota fundamental de um acorde pode ser percebida se reposicionarmos um acorde que esteja eventualmente invertido, reconduzindo-o à sua posição fundamental no modelo das terças superpostas. Quando os acordes estão em posição fundamental (e não invertidos) a nota fundamental coincide com o baixo do acorde; já nas inversões, a fundamental é deslocada para posições superiores. Acredito que possamos pensar no acorde conceitual nazista de tipo hitlerista como um acorde que tem em seu baixo o primeiro elemento que enuncia a compreensão do conceito - o fato de podermos vê-lo como um sistema político, como um movimento, como uma ideologia, ou como uma atitude - e que tem como nota fundamental a completa ‘intolerância em relação à alteridade’, no caso nazismo hitlerista sendo particularmente saliente a nota do ‘arianismo’.

5. A noção de extrema direita - operacionalizada para atender à mesma necessidade de classificar certas posições no espectro político da direita e da esquerda - apresenta outras expressões correlatas, como a de direita radical ou ultradireita. Demarca-se em relação à direita mais habitual pelo seu radicalismo em relação a questões como o sentimento de alteridade (CAMUS e LEBOURG, 2017, p.22), e outras como as formas extremadas de nacionalismo, xenofobia e anti-comunismo, frequentemente acompanhando suas posições por discursos de ódio. Neste sentido, esta nota (sistema político de extrema-direita) dialoga com outras do mesmo acorde que estamos elaborando, e aqui se coloca mais especificamente como uma forma de situar estas posições no espectro político tradicional. Por outro lado, o campo da extrema-direita, no que concerne aos regimes governamentais que já aconteceram na História, também pode ser desdobrado em regiões distintivas. Com relação ao aspecto da emergência destes regimes nos seus contextos históricos, por exemplo, Camus e Lebourg (2017) distinguem os regimes nacionalistas de direita surgidos através de movimentos ou reações conservadores (Espanha franquista, Portugal salazarista, Chile de Pinochet) dos surgidos por movimentos revolucionários (Itália Fascista e Alemanha Nazista). Como referências teóricas para uma discussão dos conceitos de Extrema Direita, ver HILLIARD e KEITH, 1999; CARLISLE, 2005; KOPEČEK, 2007, CAMUS e LEBOURG, 2017.

6. Não será nosso objetivo discutir pormenorizadamente o totalitarismo no que concerne à sua aplicação aos seus exemplos históricos específicos. Um clássico sobre o tema é a obra Origens do Totalitarismo, de Hannah Arendt, na qual a autora discute o que configura o totalitarismo nos quadros de movimentos e regimes políticos que envolvem articuladamente a presença de uma liderança carismática, o apoio das massas, a aliança com um setor das elites, um certo modo de organização política, o monopolismo partidário, um papel importante para a propaganda e, mais especificamente para o momento em que o movimento se consolida no poder, o “domínio total” que se espraia para todas as esferas da vida. O próprio totalitarismo, se considerarmos todos os aspectos que o integram, também poderia ser abordado como um acorde. Não obstante, neste ensaio estaremos nos referindo basicamente - ao tomar o totalitarismo como nota do acorde do Nazismo - a este “domínio total” que é almejado ou atingido quando o movimento totalitário assume o poder estatal (ARENDT, 2000, p.488-511).

7. A classificação do franquismo espanhol e do salazarismo português como formas de fascismo, por outro lado, não é consensual, embora seja evidente que estes tenham sido governos autoritários. Sobre a possibilidade de entender estes sistemas como relacionados ao aspecto do ‘totalitarismo’ - uma nota do acorde que será mencionada mais adiante - os autores se dividem. Raymond Aron, em Democracia e Totalitarismo, sustenta que os regimes totalitários constituem uma subespécie de monopolismo (modo político que se opõe aos pluralismos democráticos), e que, ainda que a Espanha franquista e o Portugal salazarista devam ser certamente classificados como regimes monopolistas, não seria apropriado entendê-los como totalitários, pois embora os cidadãos não tivessem neles liberdade política, conservavam uma certa liberdade cultural, religiosa e econômica. Além da nota totalitária, faltaria ao salazarismo a liderança carismárica, o partido único mobilizando as massas e a ideologia belicista e expansionista (PINTO, 1990, p. 696). Por isso, um amplo conjunto de analistas tende a excluir o salazarismo português de uma possível classificação como regime fascista. Já entre os que entendem o salazarismo como um exemplo histórico de fascismo, podemos citar Woolf (1968) e Lucena, 1984. Um balanço completo e sistemático pode ser encontrado no artigo de Antonio Costa Pinto sobre a questão (1990, p.695-713).

8. O ultranacionalismo será aqui entendido como uma forma radicalizada e extrema de nacionalismo, habitualmente acompanhada de aspectos como a xenofobia; no caso do Nazismo alemão, foi articulado à crença na superioridade ariana e aos objetivos expansionistas encaminhados por Hitler. Quanto ao conceito mais amplo de “nacionalismo”, este conhece uma longa história de usos valorativos ou depreciativos, e a palavra pode também ser empregada em muitos âmbitos fora da esfera política, como na arte e na música. Por isso, utilizaremos a expressão “ultranacionalismo”, com o objetivo de associá-la à especificidade política de que nos ocupamos neste artigo.

9. Sobre o conceito de “espaço vital” e sua incorporação à perspectiva nazista, cf. AMUSQUIVAR e PASSOS, 2018, p.32-34.

10. O Front National - um partido político francês de extrema direita fundado em 1972 por Jean-Marie Le Pen - passou a se autodenominar, em 1° de junho de 2018, como Ressemblement National (“reagrupamento nacional”). Além do repúdio à imigração, o programa nacionalista lepeniano apregoa o protecionismo econômico e agrega ao seu discurso uma tolerância zero contra a criminalidade. Com relação ao inimigo interno, o partido passou a sustentar, desde 1976, a exclusão de imigrantes não-europeus da sociedade francesa. Os mais estigmatizados são os muçulmanos, contra os quais as lideranças lepenianas costumam dirigir o discurso de que têm o direito de se precaver contra uma ameaça real de islamização da sociedade francesa. / Sobre o FN, cf. Trojanowski, 2014.

11. A figura do líder no acorde nazista pode ser compreendida à luz da ideia de liderança carismática - um conceito desenvolvido por Max Weber em obras como “A Política como Vocação” (1982), “” e “Disciplina e Carisma”. Em Economia e Sociedade, Weber assinala que “A autoridade carismática baseia-se na ‘crença’ no profeta ou no ‘reconhecimento’ que encontram pessoalmente o herói guerreiro, o herói da rua e o demagogo, e como ele cai. E, todavia, sua autoridade não deriva de forma alguma desse reconhecimento por parte dos submetidos, mas ao contrário: a fé e o reconhecimento são considerados um dever, cujo cumprimento aquele que se apoia na legitimidade carismática exige para si, e cuja negligência castiga” (WEBER, 2012. p.136). O aspecto carismático da liderança exercida por Hitler, no caso do Nazismo Alemão, foi estudado por diversos autores, a exemplo de Laurence Rees (2012).

12. A ideia de “arianismo” no contexto do Nazismo alemão do período hitlerista - diretamente associada à crença na superioridade de uma raça superior relacionada ao povo alemão - articula-se à reivindicação, também presente em outros contextos fascistas, de que as pessoas pertencentes às raças superiores deveriam ter mais direitos que as inferiores. Sobre as propostas de hierarquizações frequentemente associadas à extrema direita, cf Woshinsky, 2008, p.154-155.

13. Para situar uma comparação com o fascismo italiano no que se refere ao antissemitismo, deve-se notar que apenas ao final da década de 1930, para facilitar a aliança com Hitler, é que Mussolini impõe medidas antissemitas entre os italianos. Sobre a ausência de hostilidades do primeiro Mussolini em relação à população judaica, ver a longa série de entrevistas que o jornalista judeu alemão Emil Ludwig obteve, em 1932, com o então ditador italiano (LUDWIG, 1933).

14. Existem passagens do Mein Kampf (1924), de Adolf Hitler, nas quais o caráter estratégico do discurso antissemita é explicitado pelo futuro Führer - na ocasião ainda apenas o líder de um partido minoritário de extrema direita que teria um longo caminho a percorrer até atingir uma maior visibilidade política. “Faz parte da genialidade de um grande condutor fazer parecerem pertencer a uma só categoria mesmo adversários dispersos, porquanto o reconhecimento de vários inimigos nos caracteres fracos e inseguros muito facilmente conduz a um princípio de dúvida sobre o direito de sua própria causa” (HITLER, 1983, p.82-84). A primeira parte do Mein Kampf - embora mais tarde esta obra tenha se tornado um livro oficial na Alemanha já hitlerista e totalitária - foi escrita por Hitler para se dirigir ainda aos militantes e simpatizantes de um movimento que dava seus primeiros passos. “Com este livro eu não me dirijo aos estranhos mas aos adeptos do movimento que, a ele, aderiram de coração e que aspiram a esclarecimentos mais substanciais” (HITLER, 1983, p.9). Para compreender os sucessivos contextos de produção do Mein Kempf como livro, ver Vitkine, 2016.

15. “Mas exatamente nesta identidade existe um perigo enorme para a Alemanha, e precisamente por isso a França é e continuará sendo, de longe, o inimigo mais temível. Esse povo que se negrifica cada vez mais constitui, pela sua ligação aos objetivos judeus de dominação mundial, um perigo latente para a existência da raça branca na Europa. A contaminação com sangue negro no Reno, no coração da Europa serve tanto à sede de vingança sádica e perversa desse inimigo ancestral chauvinista do nosso povo [a França] como ao frio calculismo dos judeus, que pensam iniciar, desse modo, o abastecimento do continente europeu, no seu centro, e, contagiando a raça branca com uma sub-humanidade inferior, minar as bases de uma existência soberana” (HITLER. 1924).

16. Hitler evoca a favor da discriminação contra os eslavos o próprio nome destes povos - slave - uma “raça já previamente talhada para oferecer escravos”, dirá o ditador alemão. Na categoria nazista dos Untermenschen (subumanos), surgida em 1922 na ideologia nazista, além dos judeus e negros são indicados principalmente os “povos do leste”, que incluem polacos, sérvios e outros povos eslavos, inclusive os russos e bielorussos. Um panfleto de 1942 do Rusha (‘Escritório Central de Raça e Assentamento’ do governo hitlerista) procura deixar bem claro quais são os povos que se enquadram na categoria do Untermensch. Ver referência na bibliografia.

JOSÉ D’ASSUNÇÃO BARROS é Professor nos cursos de Graduação e Pós-Graduação da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Brasil), e no Programa de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Brasil). É Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (Brasil). É autor de 25 livros nas áreas de ciências humanas (História, Geografia, Sociologia, Ciência Política), entre os quais O Campo da História (2004), Teoria da História em cinco volumes (2011), Igualdade e Diferença (2015), História, Espaço, Geografia (2017). Publicou cerca de 180 artigos, em revistas de diferentes países (Brasil, Portugal, Espanha, Itália, Dinamarca, Canadá, México, Colômbia). É coordenador do LAPETHI - Laboratório de Pesquisas em Teoria da História e Interdisciplinaridades. [ORCID ID: http://orcid.org/0000-0002-3974-0263]

JOSÉ D’ASSUNÇÃO BARROS is Professor in the Undergraduate and Graduate courses at the Federal Rural University of Rio de Janeiro (Brazil), and in the Postgraduate Program in Comparative History at the Federal University of Rio de Janeiro (Brazil). He holds a PhD in History from Universidade Federal Fluminense (Brazil). He is the author of 25 books in the areas of human sciences (History, Geography, Sociology, Political Science), including The History Field (2004), Theory of History in five volumes (2011), Equality and Difference (2015), History, Space, Geography (2017). He published about 180 articles, in reviews from different countries (Brazil, Portugal, Spain, Italy, Denmark, Canada, Mexico, Colombia). He is coordinator of LAPETHI - Research Laboratory in Theory of History and Interdisciplinarities. [ORCID ID: http://orcid.org/0000-0002-3974-0263]

Recebido: 19 de Julho de 2020; Aceito: 09 de Junho de 2021

Autor correspondente: José D’Assunção Barros. Departamento de História, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Brasil. Email: jose.d.assun@globomail.com.

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