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Revista de Investigação & Inovação em Saúde

versão impressa ISSN 2184-1578versão On-line ISSN 2184-3791

RIIS vol.6 no.2 Oliveira de Azeméis dez. 2023  Epub 31-Dez-2023

https://doi.org/10.37914/riis.v6i2.270 

Artigos de Investigação

Adolescentes com DM1: conhecimento acerca da doença e dificuldades no autocuidado

Adolescents with DM1: knowledge about disease and difficulties in self-care

Adolescentes con DM1: Conocimiento sobre la enfermedad y dificultades en el autocuidado

Maribel Carvalhais1 

Andrea Oliveira2 

Paula Fontoura3 

Ana Luísa Martins4 

Ana Rita Oliveira5 

Diana de Jesus6 

Márcia Mendes7 

Sofia da Silva8 

1PhD, em Enfermagem - Escola Superior de Saúde Norte da Cruz Vermelha Portuguesa; Oliveira de Azeméis, Portugal

2PhD, em Saúde Infantil e Pediátrica - Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, EPE; Santa Maria da Feira, Portugal

3PhD, em Saúde Infantil e Pediátrica - Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, EPE; Santa Maria da Feira, Portugal

4MsC, em Enfermagem - Escola Superior de Saúde Norte da Cruz Vermelha Portuguesa; Oliveira de Azeméis, Portugal

5MsC, em Enfermagem - Escola Superior de Saúde Norte da Cruz Vermelha Portuguesa; Oliveira de Azeméis, Portugal

6MsC, em Enfermagem - Escola Superior de Saúde Norte da Cruz Vermelha Portuguesa; Oliveira de Azeméis, Portugal

7MsC, em Enfermagem - Escola Superior de Saúde Norte da Cruz Vermelha Portuguesa; Oliveira de Azeméis, Portugal

8MsC, em Enfermagem - Escola Superior de Saúde Norte da Cruz Vermelha Portuguesa; Oliveira de Azeméis, Portugal


Resumo

Enquadramento:

a Diabetes Mellitus tipo 1 enquanto doença crónica é, cada vez mais prevalente, em idade pediátrica, sendo fundamental o incentivo de adesão ao autocuidado e a minimização das dificuldades sentidas.

Objetivos:

caracterizar o conhecimento de adolescentes com diabetes mellitus tipo 1 acerca da sua doença e identificar as suas dificuldades no autocuidado.

Metodologia:

estudo quantitativo, descritivo simples. Aplicação do Teste de Conhecimento dos Adolescentes com DM1 acerca da doença e o Inventário de Dificuldades nos Papéis de Autocuidado de Flora & Gameiro (2016). Recolha de dados de junho a novembro de 2021, na Consulta de Diabetes de um Hospital da região centro de Portugal. Amostra de 34 adolescentes com média de idades de 14.9 (±2.3) anos.

Resultados:

no conhecimento global, os adolescentes apresentam um nível de conhecimento entre o razoável e bom, sendo o domínio 1 (Natureza da doença/fisiopatologia) onde estes apresentam melhor nível de conhecimento. Nas dificuldades nos papéis de autocuidado, apresentam maior dificuldade na manutenção de uma alimentação equilibrada, combate ao stress e intervenções numa hipoglicemia.

Conclusão:

verifica-se dificuldade destes nos papeis de autocuidado, sendo fundamental a intervenção dos enfermeiros na implementação de planos terapêuticos ajustados, no sentido de colmatar falhas de conhecimento e dificuldades identificadas.

Palavras-chave: adolescente; diabetes mellitus tipo 1; autocuidado; enfermagem

Abstract

Background:

type 1 Diabetes Mellitus is a chronic disease increasingly prevalent in children, thus it is essential to encourage adherence to self-care and minimize the difficulties experienced.

Objectives:

characterize the knowledge of adolescents with type 1 diabetes mellitus about their disease and identify their difficulties in self-care.

Methodology:

quantitative, simple descriptive study. Application of Knowledge Test of Adolescents with DM1 about the disease and the Inventory of Difficulties in Self-Care Roles by Flora & Gameiro (2016). Data collected between june and november 2021 at Diabetes Consultation of a Hospital in the central region of Portugal. Sample of 34 diabetic adolescents with a mean age of 14.9 (±2.3) years.

Results:

in overall knowledge, adolescents show a level of knowledge between reasonable and good, and it is in domain 1 (Nature of the disease/physiopathology) where they show the best level of knowledge. In the difficulties in the self-care roles, they show higher percentages of difficulty in maintaining a balanced diet, fighting stress and interventions when facing hypoglycemia.

Conclusion:

adolescents have difficulties in self-care roles, and the nurses' intervention in the implementation of adjusted therapeutic plans is essential to overcome the knowledge gaps and reduce the identified difficulties.

Keywords: adolescent; diabetes mellitus type 1; self-care; nursing

Resumen

Marco contextual:

la diabetes mellitus tipo 1 es una enfermedad crónica cada vez más prevalente en niños, por lo que es fundamental fomentar la adherencia al autocuidado y minimizar las dificultades que experimentan.

Objetivos:

caracterizar el conocimiento de los adolescentes con diabetes mellitus tipo 1 sobre su enfermedad e identificar sus dificultades en el autocuidado.

Metodologia:

estudo quantitativo, descritivo simples. Aplicação de Test de Conocimientos de Adolescentes con DM1 sobre la enfermedad y el Inventario de Dificultades en los Roles de Autocuidado de Flora & Gameiro (2016). Datos recogidos entre junio y noviembre de 2021 en la Consulta de Diabetes de un Hospital de la región central de Portugal. Muestra de 34 adolescentes diabéticos con edad media de 14,9 (±2,3) años.

Resultados:

en el conocimiento global, los adolescentes muestran un nivel de conocimiento entre razonable y bueno, y es en el dominio 1 (Naturaleza de la enfermedad/fisiopatología) donde muestran el mejor nivel de conocimiento. En cuanto a las dificultades en las funciones de autocuidado, estos pacientes mostraron mayores porcentajes de dificultad para mantener una dieta equilibrada, combatir el estrés e intervenir ante una hipoglucemia.

Conclusión:

adolescentes tienen una dificultad para los en los roles de autocuidado, siendo fundamental la intervención del enfermero en la implementación de planes terapéuticos ajustados, con el fin de llenar los vacíos de conocimiento y reducir las dificultades identificadas.

Palabras clave: adolescente; diabetes mellitus tipo 1; autocuidado; enfermería

Introdução

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Diabetes Mellitus (DM) é caracterizada como uma doença crónica que ocorre quando o pâncreas não produz insulina suficiente ou quando o corpo não utiliza a insulina que produz de forma eficaz (OMS, 2020). Existem vários tipos de DM, sendo que o tipo mais comum na infância e adolescência é a DM tipo 1 (DM1). A DM1 resulta da destruição das células ß dos ilhéus de Langerhans do pâncreas, com insulinoterapia absoluta, passando a insulinoterapia a ser indispensável para assegurar a sobrevivência (Direção Geral da Saúde, 2011). Em Portugal, dados de 2015, revelavam uma prevalência de DM1 em 3857 crianças e jovens (idades entre 0-19 anos), correspondendo a 0,20% da população dessa faixa etária. Dados de 2017 e 2018 revelam uma diminuição no número de casos totais, respetivamente, de 3220 e 2819, correspondendo a uma prevalência de 0,17% e 0,15%, respetivamente (Direção-Geral da Saúde, 2020).

A World Health Organization (2011) considera como sendo adolescente o indivíduo entre os 10 e os 19 anos de idade. Flora & Gameiro (2016b) referem que as maiores dificuldades manifestadas pelos adolescentes com DM1, relacionam-se com o futuro quanto ao curso da doença, a necessidade de cumprir um plano alimentar e a adaptação a uma rotina de compromissos sociais. Fragoso, Cunha, Fragoso, & Araújo (2019), numa perspetiva mais abrangente, acrescentam que as dificuldades evidenciadas pelos adolescentes diabéticos dizem respeito aos aspetos como a adaptação à doença e aos dilemas de ser diabético, mas também referem aspetos relativos à influência da família e dos serviços de saúde. Já por si só, a fase da adolescência é marcada por um período de grande mudança. Aliada a esta mudança, a vivência com doença crónica exige quer dos adolescentes quer das suas famílias uma adaptação acrescida a todos os níveis. Para o sucesso desta transição é indispensável a intervenção precoce e diferenciada dos profissionais de saúde garantindo assim a qualidade de vida dos adolescentes e das suas famílias.

Com a realização deste estudo pretende-se caracterizar o conhecimento dos adolescentes com diabetes mellitus tipo 1 acerca da sua doença e identificar as dificuldades vivenciadas por estes no autocuidado.

Enquadramento/fundamentação teórica

A causa da DM1 tem por base a deficiência de insulina incitada pela perda das células beta pancreáticas, levando a picos de hiperglicemia, tornando-se esta uma doença crónica (Direção-Geral da Saúde, 2019). É importante referir ainda que a antes do início da sintomatologia conhecida da DM1, meses ou anos antes deste início, podem aparecer auto anticorpos, sendo esta uma doença autoimune, como base na predisposição genética. O início para o aparecimento desta patologia é assim o desencadear de autoimunidade (presença de pelo menos um auto anticorpo), seguidamente, surge a intolerância à glicose e, numa fase posterior, a DM1. O risco de progressão para o estádio sintomático da doença esta relacionada com o número de auto anticorpos existente e com a idade de seroconversão (ou seja, da idade a partir da qual é detetada a presença de um dos auto anticorpos) (Direção Nacional da Saúde, 2015). De acordo com o instituído pela International Society for Pediatric and Adolescent Diabetes (2018), os critérios para o diagnóstico de DM são: (1) a presença de sintomas clássicos de diabetes (poliúria, nictúria, enurese, polidipsia e emagrecimento) e glicose sérica ≥200 mg/dl; (2) glicose sérica em jejum (>8h) ≥ 126 mg/dl; (3) glicose sérica após Prova de Tolerância Oral (PTGO) à glicose ≥200 mg/dl (2h), utilizando carga de glicose de 1,75 g/kg até valor máximo de 75g; e (4) Hemoglobina glicada A1c (HbA1c) ≥ 6,5%. De referir que é comummente aceite que a PTGO é considerada desnecessária se um dos primeiros critérios estiver presente (Direção-Geral da Saúde, 2019). Após o diagnóstico da DM deve ser instituído um plano terapêutico com o intuito de manter um bom controlo da doença, evitar os sintomas, prevenir as complicações tardias e diminuir o risco de descompensações agudas (Flora & Gameiro, 2016a). Neste sentido, a gestão adequada do regime terapêutico torna-se fundamental e deve levar em consideração dois aspetos fundamentais: (1) a tríade “alimentação, exercício físico e insulinoterapia”, e (2) a autovigilância e autocontrolo da DM (Flora & Gameiro, 2016a, p. 19). Na verdade, o controle glicémico ineficaz pode desencadear complicações agudas (nomeadamente hipoglicemia, cetoacidose diabética, síndrome hiperglicémico hiperosmolar), podendo também ocorrer complicações crónicas como doenças cardiovasculares, cegueira, insuficiência renal ou amputação de membros inferiores (Direção Nacional da Saúde, 2015). A adolescência é um período de transição entre a infância e a idade adulta caracterizado por transformações físicas exuberantes e um aumento significativo das capacidades cognitivas, bem como por um enriquecimento do repertório afetivo e uma estruturação mais sofisticada do processo de socialização (Direção Geral da Saúde, 2013). De acordo com a Teoria da Transições de Meleis, a transição é definida como “A passagem de uma fase de vida, condição ou estado para outro, é um conceito multidimensional que engloba os elementos do processo, o intervalo de tempo e as perceções. O processo sugere fases e sequência, o intervalo de tempo indica um fenômeno em curso, mas limitado e a perceção tem a ver com o significado da transição para a pessoa que a experimenta" (Meleis, 2010, pp. 25-26). Assim sendo, o adolescente com doença crónica, vivencia dois tipos de transição: (1) a transição desenvolvimental própria à adolescência; e (2) a transição saúde-doença devida à doença (Azevedo, 2010). Quando comparados com as crianças, aparentemente devido à especificidade própria da fase de desenvolvimento porque estão a passar os adolescentes apresentam maiores dificuldades em aceitar a doença, alternando momentos de conflito e harmonia com a família, com os amigos e até consigo. Assim, a responsabilidade de gestão terapêutica que a própria doença impõe, pode ocorrer em momentos em que a aceitação da doença ainda não aconteceu, o que pode ter um impacto negativo para o autocuidado (Fragoso, Cunha, Fragoso, & Araújo, 2019). Segundo a teoria do Déficit de Autocuidado de Orem (1991), o autocuidado é definido como a prática de atividades que os indivíduos iniciam e realizam em seu próprio benefício, para a manutenção da vida, da saúde e do bem-estar. O autocuidado no controlo da DM, exige dos adolescentes a regularidade de consultas. A par da regularidade de consultas existe um conjunto de procedimentos a que os adolescentes estão sujeitos, nomeadamente, a monitorização de análises de urina e sangue, monitorização da glicose, gestão da medicação, gestão de hipoglicemias e hiperglicemias, alimentação saudável e prática de exercício físico regular (Moreira, et al., 2016). Flora & Gameiro (2016), referem que as dificuldades dos adolescentes prendem-se, muitas vezes, com o nível de conhecimento que estes possuem acerca da DM1. O controlo da DM1 e as atitudes adotadas pelos adolescentes face à doença é diretamente influenciado pelo conhecimento que estes possuem acerca da sua própria doença, pelo que se depreende que a falta deste conhecimento é potencialmente geradora de insegurança e receios. Os mesmos autores referem ainda que o acompanhamento dos adolescentes com DM1 e das suas famílias, é fundamental para o controlo da doença e minimização do impacto e complicações a médio e longo prazo (Flora & Gameiro, 2016a). Neste sentido, entende-se que uma intervenção diferenciada e atempadamente dos partes das equipas de saúde, terá repercussões muito positivas na qualidade de vida dos adolescentes com DM1, bem como das suas famílias (Fragoso, Cunha, Fragoso, & Araújo, 2019).

Perante estes aspetos, os enfermeiros que intervêm juntos destes adolescentes e famílias, devem ter um maior conhecimento que lhes permita o planeamento e a operacionalização de planos terapêuticos mais assertivos e ajustados. Assim, emergiu a vontade e a determinação para realizar este estudo cuja questão de investigação foi: “Qual o conhecimento acerca da doença e quais as dificuldades no autocuidado que enfrentam os adolescentes com DM1?”

Metodologia

Trata-se de um estudo de natureza quantitativa, de carácter descritivo simples. A amostra englobou 34 adolescentes diabéticos acompanhados na Consulta de Diabetes de um Centro Hospitalar da região Centro de Portugal, sendo considerada uma amostra não probabilística, acidental ou por conveniência. Para a constituição da amostra foram estabelecidos cinco critérios de inclusão cumulativos: (1) adolescentes com diagnóstico de DM1, (2) não hospitalizados, (3) idade compreendida entre os 11 e os 18 anos, (4) adolescentes e pais/representante legal que não apresentem défices cognitivos, e (5) adolescentes e pais/representante legal que aceitassem participar no estudo de forma livre esclarecida. Considerando-se a obrigatoriedade cumulativa dos critérios de inclusão estabelecidos, foram excluídos todos os adolescentes que não cumprissem a cumulatividade dos critérios de inclusão.

A opção pela faixa etária dos 11-18 anos foi uma opção metodológica que se fundamenta numa questão de maturidade dos adolescentes e de potencial de autonomização nos papéis de autocuidado, e pelo facto da consulta pediátrica de Diabetes incluir os jovens apenas até ao final do seu 18º ano. Para a recolha dos dados foi utilizado um questionário constituído por três partes. A primeira parte foi composta por 4 questões e tinha o objetivo de caracterizar a amostra a nível sociodemográfico; a segunda parte do questionário foi o Teste de Conhecimento dos Adolescentes com Diabetes Mellitus tipo 1 acerca da doença (Flora & Gameiro, 2016a) e a terceira parte do questionário correspondeu ao Inventário de Dificuldades nos Papéis de Autocuidado relacionados com a Diabetes (Flora & Gameiro, 2016b). Ambos os instrumentos utilizados encontram-se validados para a população portuguesa. O Teste de Conhecimento dos Adolescentes com Diabetes Mellitus tipo 1 acerca da doença é um instrumento tipo questionário constituído por 25 questões de escolha múltipla. Cada questão é composta por três alternativas com apenas uma resposta certa. Estas 25 questões estão divididas em cinco domínios do conhecimento acerca da doença: (1) Natureza da doença/fisiopatologia; (2) Complicações agudas e crónicas da DM1; (3) Administração de insulina; (4) Avaliação de glicemia capilar e (5) Manutenção da saúde. É importante referir que este instrumento apesar de já estar validado em 20 questões para a população portuguesa, tem atualmente uma versão melhorada, face às guidelines de 2019, que inclui 5 novas questões que se encontraram em fase de validação e aguardam publicação pelos autores. A opção por esta versão melhorada prende-se com o facto deste instrumento ser agora ainda mais robusto, apresentando melhores propriedades psicométricas, facto que nos foi assegurado pelos autores. Pretende-se determinar o conhecimento para o global e para cada domínio de conhecimento através dos respetivos scores: (Nº respostas certas / nº total de itens) x 100. Como tal, o conhecimento varia entre 0% e 100%, correspondendo o 0% ao mínimo e o 100% ao máximo. Por forma a classificar o nível de conhecimento, este categoriza-se em 3 níveis, sendo que valores menores que 50% correspondem a um nível de conhecimento baixo ou insuficiente, valores entre 50%-80% atribui-se um conhecimento razoável e superior a 80% a um conhecimento de nível bom. A terceira parte do questionário, correspondeu ao Inventário de Dificuldades nos Papéis de Autocuidado, estando este adaptado do original e validado da população brasileira para a população portuguesa por Flora & Gameiro (2016a). O Inventário de Dificuldades nos Papéis de Autocuidado é um instrumento constituído por 18 questões (itens) distribuídas por quatro dimensões: (1) Manutenção da saúde, (2) Controlo da doença, (3) Diagnóstico, Tratamento e Medicação na DM1 e, (4) Participação nos serviços de saúde. Por sua vez, cada dimensão é constituída por vários itens. A avaliação é efetuada através de uma escala de likert de 4 pontos que varia entre os campos semânticos: (1) nenhuma dificuldade; (2) alguma dificuldade; (3) bastante dificuldade e (4) muita dificuldade.

Todas as etapas do estudo efetuado, respeitaram os princípios fundamentais determinados pelo código de ética, nomeadamente o anonimato e a confidencialidade, direito à autodeterminação, à proteção contra o desconforto e prejuízo, à intimidade e ao direito a um tratamento justo e leal. Por forma a garantir estes princípios no desenvolvimento do estudo de investigação, já na conceção do projeto foi realizada a respetiva declaração de compromisso dos investigadores e seus orientadores. A autorização para a utilização dos dois instrumentos (Teste de Conhecimento dos Adolescentes com Diabetes Mellitus tipo I e Inventário de Dificuldades nos Papéis de Autocuidado), foi solicitada aos autores e obtida permissão através de correio eletrónico.

Para a realização da recolha de dados, foi solicitado pedido de autorização para a realização do estudo ao Conselho de Administração e à Comissão de Ética do Centro Hospitalar em questão. Só após a obtenção das respetivas aprovações (Nº CA-143/2021-0t_MP/CC), é que foram aplicados os instrumentos de recolha de dados aos participantes que reuniam cumulativamente os critérios de inclusão estabelecidos para o estudo. Os participantes foram informados relativamente aos objetivos e finalidade do estudo, bem como o método utilizado para a obtenção dos dados. Foi também garantida a confidencialidade da informação e o anonimato dos participantes, sendo fornecido um termo de consentimento informado. Uma vez que se tratam de menores, por forma a cumprir todos os requisitos ético-legais, foi igualmente solicitado consentimento de participação do adolescente ao representante legal que o acompanhou à referida consulta. A análise dos dados foi realizada através do programa especializado no tratamento de dados estatísticos SPSS® (Statistical Package for the Social Sciences) versão 25. Na análise dos dados, a informação recolhida foi explorada através de técnicas de estatística descritiva, designadamente, medidas de tendência central (como a média e a mediana), e medidas de dispersão tais como o desvio-padrão e frequências absolutas e relativas.

Resultados

A recolha de dados foi realizada entre junho e novembro de 2021, obtendo-se um total de 34 questionários totalmente preenchidos, pelo que não houve necessidade de exclusão de nenhum.

Assim, foram incluídos neste estudo 34 adolescentes, com uma média de idades de 14.9 anos (±2.3) (mínimo de 10 e máximo de 18 anos), sendo que 64.6% (n=23) assumiram-se como sendo do género feminino e 32.4% (n=11) do género masculino. Relativamente à caracterização da amostra em termos de escolaridade, 17.6% (n=6), frequentavam a escola entre o entre o 5º e o 6º ano; 38.2% (n=13) entre o 7º e 9º ano; e 44.1% (n=15) entre o 10º e 12º ano. A zona de residência mais frequente foi o norte do Portugal (85.3%).

Na Tabela 1 são apresentados os resultados das respostas corretas por questão e por domínio do Teste de Conhecimento dos Adolescentes com Diabetes Mellitus tipo 1. Relativamente ao conhecimento global sobre a Diabetes e os cuidados associados (que incluiu as respostas a todas as questões), obteve-se uma pontuação média de 78.18% (±10.18) de respostas corretas.

O conhecimento acerca da doença, foi então estudado pela análise dos cinco domínios do Teste de Conhecimento dos Adolescentes com Diabetes Mellitus tipo 1. A média de conhecimento em cada domínio variou entre 87.25% e 68.14%, o que traduz um nível de conhecimento entre o nível razoável e bom. A proporção média de respostas corretas do domínio “Natureza da doença/fisiopatologia” foi de 87.25%, tendo sido o domínio com proporção mais elevada de respostas corretas. Seguiu-se o domínio “Complicações agudas e crónicas da DM1” com média de 83.82% de respostas corretas; seguido do domínio “Manutenção da saúde e controlo da doença” com média de 76.42% de respostas corretas; seguido do domínio “Administração da insulina” com média de 70.59% de respostas corretas; e por fim, o domínio “Avaliação da glicemia capilar” com média de 68.14% de respostas corretas.

Tabela 1 Proporção de respostas corretas por questão e por domínio do Teste de Conhecimento dos Adolescentes com Diabetes Mellitus tipo 1 

Os resultados obtidos pela aplicação do Inventário de Dificuldades nos Papéis de Autocuidado dos Adolescentes com DM1 encontram-se apresentados na Tabela 2.

Da análise dos resultados obtidos, a maioria dos adolescentes (55.9%), revelou não sentir dificuldade no controlo de peso (DMS1); muito embora em igual número (n=19) revelaram ter alguma dificuldade em realizar uma alimentação equilibrada (DMS2). Evitar o consumo de tabaco (DMS3), foi um aspeto que a grande maioria (84.8%) indicou não ter nenhuma dificuldade, o mesmo acontecendo com evitar a ingestão de bebidas alcoólicas (DMS4), assumido por 81.8%. A realização de atividades de lazer (DMS5) é assumida como uma tarefa sem dificuldades para a maioria dos inquiridos (73.5%), embora 23.5% revelaram ter alguma dificuldade. Também o combate ao stress (DMS6) mostrou ser uma tarefa que 44.1% dos adolescentes considera sentir alguma dificuldade. Por sua vez, a prática de atividade física (DMS7) não constitui uma dificuldade para 58.8% dos adolescentes, muito embora 38,2% considere sentir alguma dificuldade. Dos resultados obtidos, destaca-se assim a manutenção de uma alimentação equilibrada como a principal dificuldade mencionada (55.9%), a par do combate ao stress (44.1%). De realçar também que a dimensão menor pontuada em termos de dificuldade foi a “Participação nos serviços de saúde”.

Tabela 2 Estatísticas descritivas para as respostas ao Inventário de Dificuldades nos Papéis de Autocuidado dos Adolescentes com DM1 

Discussão

A DM é uma doença crónica complexa e de difícil controlo. Esta dificuldade é mais notória em crianças e adolescentes, sobretudo, no período da adolescência em que a problemática envolve a transição da dependência parental para uma vida mais autónoma, o que pode repercutir-se na adesão ao tratamento e no controlo metabólico da Diabetes (Filipe, 2016). O instrumento de recolha de dados aplicado neste estudo foi elaborado no sentido de caracterizar a amostra e operacionalizar as variáveis conhecimento acerca da doença e dificuldades nos papéis de autocuidado.

Face aos resultados obtidos, no que concerne ao conhecimento no global, os adolescentes apresentaram um nível de conhecimento entre o nível razoável e o bom (78.18% ± 10.18); resultados que vão de encontro aos obtidos por Flora & Gameiro (2016).

Relativamente aos resultados dos domínios do Teste de Conhecimento dos Adolescentes com Diabetes Mellitus tipo 1, os adolescentes apresentaram melhores níveis de conhecimento no domínio “Natureza da doença/Fisiopatologia”, seguido do domínio “Complicações agudas e crónicas da DM1”; sendo que no estudo desenvolvido por Flora & Gameiro (2016), apesar destes dois domínios também terem sido identificados com os scores mais altos, ao contrário do verificado no presente estudo, o domínio que obteve maior score foi o domínio “Complicações agudas e crónicas”, seguido do domínio “Natureza da doença/fisiopatologia”. No que diz respeito ao domínio de conhecimento menor pontuado que indica níveis mais baixos de conhecimento, os resultados do estudo identificam como sendo o domínio “Avaliação da glicemia capilar”. Estes resultados obtidos não vão de encontro aos obtidos no estudo realizado por Moreira et al. (2016) onde o domínio com menor pontuação obtida foi o domínio da “Natureza da doença/Fisiopatologia”, o que pode ser explicado pelo facto de, na Consulta de Diabetes do Hospital onde foi efetuado o estudo, haver uma equipa de enfermeiros específica para o acompanhamento das crianças e famílias, que aposta bastante no incremento da literacia sobre a doença, uma vez que entende que a intervenção deve ser um processo centrado na criança/família, abordando a educação oportuna e apoiando as necessidades individuais. A importância desta equipa de enfermeiros específica, torna-se evidente no presente estudo, uma vez que a dimensão onde os adolescentes assumiram menor dificuldade foi na “Participação nos serviços de saúde”, o que revela um acesso muito bom ao serviço de saúde de referência, assim como ao contato e coordenação destes adolescentes com a equipa de saúde que os acompanha. É importante realçar que este resultado é contrário ao obtido por Flora & Gameiro (2016b), em que a dimensão “Participação nos serviços de saúde” foi evidenciada como uma das maiores dificuldades.

Ao analisar individualmente os resultados obtidos, constata-se que, relativamente ao domínio 1 (Natureza da doença/Fisiopatologia), a questão em que se verificou maior número de adolescentes a errar, relaciona-se com os sintomas de hiperglicemia, traduzindo-se num nível de conhecimento baixo. Torna-se assim importante, comparar este resultado de conhecimento, com o resultado obtido no Inventário de Dificuldades nos Papéis de Autocuidado dos Adolescentes com DM1, onde apenas 17.6% dos adolescentes referiram ter dificuldade em intervir perante uma hiperglicemia. Face a esta dissonância entre o score obtido no conhecimento com o não reconhecimento da dificuldade, entende-se que estes resultados poderão ser indicativos da necessidade de investir em programas de incremento de literacia acerca dos sintomas de hiperglicemia bem como na necessidade de capacitação para uma intervenção adequada.

No domínio 2 (Complicações agudas e crónicas da DM1), os adolescentes demonstraram menor conhecimento no que se refere a como atuar perante uma hipoglicemia sem sintomas associados. No estudo realizado por Filipe (2016), os resultados obtidos contrapõem-se aos obtidos no presente estudo, uma vez que o autor atesta que 83.0% dos participantes assumiam conseguir atuar/reverter sozinhos episódios de hipoglicemia/hiperglicemia.

Já no domínio 3 (Administração da insulina), a questão onde se registou maior número de respostas erradas é a relativa ao armazenamento e conservação da insulina depois de aberta, onde apenas 8 dos 34 inquiridos responderam corretamente. Assim, os resultados obtidos vão de encontro aos resultados que Flora & Gameiro (2016a) obtiveram, e revelam que a maioria dos adolescentes apresentava um notório desconhecimento quanto ao armazenamento da insulina depois de aberta, uma vez que o cartucho de insulina depois de aberto, não obriga à sua conservação no frigorífico, podendo manter-se à temperatura ambiente (15 e 30ºC), em local fresco, protegido da luz e de oscilações bruscas de temperatura (Sousa, Neves & Carvalho, 2019). No domínio 4 (Avaliação da glicemia capilar), os adolescentes revelaram menor conhecimento relativamente à troca da lanceta. Relativamente à troca de lanceta, a literatura constata que para cada punção capilar que se realiza, deve-se utilizar uma nova lanceta, uma vez que a utilização repetida da mesma torna-a mais romba, o que torna a perfuração da pele mais dolorosa (Direção-Geral da Saúde, 2019). Assim, os resultados obtidos no estudo encontram-se em concordância com os resultados obtidos no estudo realizado por Kaneto & Damião (2015) em que o maior índice de erro em monitorização glicémica foi observado no item troca de lanceta, com 87,5 % dos inquiridos, trocando-as de forma inadequada.

No que diz respeito aos resultados obtidos pela aplicação do Inventário de Dificuldades nos Papéis de Autocuidado dos Adolescentes com DM1, relativamente às dificuldades no global, conclui-se que os adolescentes apresentaram, de um modo geral, pouca dificuldade na gestão dos papéis de autocuidado, o que vai ao encontro dos resultados obtidos por Flora & Gameiro (2016b).

Fazendo uma análise individual por dimensão de dificuldades, a dimensão que os adolescentes assumiram como de dificuldade maior foi a dimensão “Manutenção da saúde”. De acordo com os resultados obtidos, verificou-se que os itens onde os adolescentes assumiram dificuldades em maior percentagem dizem respeito a realizar uma alimentação equilibrada, em combater o stress e, na prática de exercício físico. Estes resultados vão ao encontro aos obtidos noutros estudos, sendo que Moreira et al. (2016) também constataram que uma das dificuldades evidenciadas pelos participantes era o controlo da alimentação (55,0%); e Pereira, Neto, Moleiro & Gama (2015) constataram que, relativamente à prática de exercício físico, 49% dos participantes não praticavam exercício físico regular, 20% praticavam um a dois períodos por semana, e 31% três ou mais períodos por semana.

Já na dimensão do “Controlo da doença”, apurou-se que os itens onde os adolescentes revelaram ter mais dificuldade dizem respeito ao reconhecimento da importância da hemoglobina glicosilada, resultados que também são concordantes com os do estudo de Flora & Gameiro (2016b). Na dimensão “Diagnóstico, Tratamento e Medicação”, os adolescentes referiram ter dificuldade em intervir perante uma hipoglicemia e hiperglicemia. Tal como já foi anteriormente referido, estes resultados não vão de encontro aos de Filipe (2016), onde foi constatado que 83.0% dos participantes conseguiam atuar/reverter sozinhos episódios de hipoglicemia/hiperglicemia. Ainda na dimensão “Diagnóstico, Tratamento e Medicação”, apesar dos adolescentes terem assumido ter dificuldade em ajustar a insulina perante avaliação da glicemia capilar, a proporção encontrada neste estudo é bastante menor quando comparada com a obtida no estudo de Flora & Gameiro (2016), onde esta dificuldade era identificada por 29.4% dos adolescentes como de bastante dificuldade.

É ainda pertinente referir que, ao longo do estudo surgiram algumas limitações não imputáveis às investigadoras, mas que de algum modo poderão ter impacto nos resultados, nomeadamente devido à situação pandémica por COVID-19, constatou-se uma menor adesão às consultas presenciais, o que condicionou consideravelmente a dimensão da amostra.

Conclusão

Através da interpretação dos resultados obtidos constata-se que o nível de conhecimento dos adolescentes com DM1 acerca da doença varia entre o nível razoável e o nível bom. Relativamente às dificuldades que os adolescentes referem, conclui-se que, no global, os mesmo sentem pouca dificuldade na gestão dos papeis do autocuidado. Discriminando por dimensões de dificuldade verifica-se que os itens onde se revelou maior dificuldade sentida pelos adolescentes foi na manutenção de uma alimentação equilibrada, combate ao stress, reconhecer a importância da HbA1c, despistar sinais/sintomas de hipoglicemia e hiperglicemia, intervenções perante uma hipoglicemia e em regular a insulina de acordo com o valor da pesquisa de glicemia capilar.

Atendendo às implicações desta investigação para prática clínica, pretende-se simultaneamente que o contributo obtido com a publicação deste trabalho, seja potenciador do incremento da literacia em saúde em relação à DM1; e que os resultados obtidos permitam capacitar os enfermeiros que integram as equipas de acompanhamento destes adolescentes, de informação que lhes permita assegurar a promoção de um acompanhamento mais assertivo dos adolescentes diabéticos e das suas famílias, pela implementação ajustada, individualizada e orientada de planos terapêuticos com estratégias direcionadas, nomeadamente tendo em consideração os itens identificados de menor conhecimento e/ou de maior dificuldade de gestão de autocuidado. Por outro lado, ao nível da formação destes profissionais, também se entende como importante a capacitação destes enfermeiros na sua formação especializada, para uma prática baseada na evidência pelo que deve ser efetuada a constante avaliação e monitorização relativamente aos doentes que acompanham, nomeadamente o estudo do conhecimento efetivo acerca doença, assim como a identificação das dificuldades vivenciadas.

Entende-se ainda que, em investigações futuras seria importante analisar a relação entre a idade e o nível de conhecimento dos adolescentes bem como com as dificuldades sentidas; e estender o estudo aos cuidadores para se perceber o conhecimento e as dificuldades identificadas também por eles.

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Recebido: 27 de Outubro de 2022; Aceito: 12 de Julho de 2023

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