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Revista de Investigação & Inovação em Saúde

versão impressa ISSN 2184-1578versão On-line ISSN 2184-3791

RIIS vol.5 no.2 Oliveira de Azeméis dez. 2022  Epub 31-Dez-2022

https://doi.org/10.37914/riis.v5i2.205 

Artigo de revisão

Segurança no uso do medicamento no doente crítico: revisão integrativa da literatura

Safety use of medication in critical care patients: integrative literature review

Seguridad en el uso de los medicamentos en pacientes críticamente enfermos: revisión integrativa de la literatura

1 MSc, em Enfermagem Médico-Cirúrgica na Universidade Católica Portuguesa, Hospital de S. José. Portugal.

2 PhD, em Enfermagem Instituto de Ciências na Saúde da Universidade Católica Portuguesa, Professora Auxiliar Convidada na Escola de Enfermagem de Lisboa. Portugal.


Resumo

Enquadramento:

o doente crítico está particularmente vulnerável à exposição a incidentes relacionados com medicação, devido à elevada complexidade de cuidados.

Objetivos:

analisar quais as intervenções de enfermagem que promovem a segurança no uso do medicamento no doente crítico.

Metodologia:

revisão integrativa da literatura. Foram selecionados os motores de busca PubMed, EBSCO, Scielo e B-On e incluídos na amostra nove artigos.

Resultados:

a complexidade dos doentes críticos, com situações clínicas vulneráveis e necessidade de múltiplas medicações em simultâneo, associados a stress e rácio enfermeiro-doente inadequado, resultam em erros de medicação. A equipa multidisciplinar deve estar a atenta a todas as fases da medicação, pelo que uma comunicação eficaz e centrada no doente é fundamental na segurança do medicamento.

Conclusão:

os enfermeiros, enquanto elementos-chave da prestação de cuidados ao doente crítico, têm um papel crucial na segurança no uso do medicamento. Todo o processo de prevenção de danos neste âmbito constitui um enorme desafio, que exige uma avaliação e monitorização minuciosas, sendo a sua responsabilidade garantir a prestação de cuidados seguros, eficientes e centrados nas necessidades do doente e família.

Palavras-chave: enfermagem; cuidados críticos; tratamento farmacológico; segurança do paciente

Abstract

Background:

the critically ill patient is particularly vulnerable to medication-related incidents, due to the high complexity of care.

Aims:

analyze the nursing interventions that promote medication safety in critical care patients.

Methodology:

integrative review on four data-bases, PubMed, EBSCO, Scielo and B-On. Nine articles were included.

Results:

medication safety is considered a major quality indicator in healthcare organizations. Implementing a safety culture is important, since it recognizes that highly risk interventions are performed and error is inevitable. The complexity of care in critically ill patients implies a vulnerable condition, where multiple medications are needed, which when associated with stress and poor nurse-patient ratio, can result in medication errors. The healthcare team should be aware of all stages of medication; therefore, communication is essencial in medication safety.

Conclusion:

the nursing team, as key- elements of care delivery in critically ill patients, have an important role in medication safety. Therefore, the process of preventing errors is a considerate challenge, requiring evaluation and monitoring thorough. The nursing team has to guarantee a safe efficient and focused care for the patient and family.

Keywords: nursing; critical care; drug therapy; patient safety

Resumen

Marco contextual:

el paciente crítico es especialmente vulnerable a los errores de medicación, debido a la alta complejidad de sus cuidados.

Objetivos:

Analizar las intervenciones de la actuación enfermera en la promoción de la seguridad de los medicamentos en el paciente crítico.

Metodología:

revisión integrativa de la literatura científica en los siguientes buscadores electrónicos: PubMed, EBSCO, Scielo y B-On. Fueron seleccionados nueve artículos.

Resultados:

la complejidad de los pacientes críticos, con situaciones clínicas vulnerables y necesidades múltiples de medicación, asociados al estrés y a una ratio alta enfermera-paciente contribuyen en errores de medicación. El equipo multidisciplinar debe prestar especial atención a las fases del proceso de medicación, por lo que una comunicación eficaz y centrada en el paciente es fundamental en la seguridad de la medicación.

Conclusión:

el personal de enfermería son un elemento clave en la atención al paciente crítico, desempeñan una labor fundamental en la seguridad de los medicamentos. Todo el proceso de prevención de daños en este ámbito constituye un gran desafío que requiere una evaluación y un seguimiento exhaustivo, y es su responsabilidad garantizar la prestación de una atención segura, eficiente y centrada en las necesidades del paciente y de la familia.

Palabras-chave: cuidados de enfermería; cuidados críticos; tratamiento farmacológico; seguridad del pacient

Introdução

A segurança do doente é uma prioridade das organizações, na medida em que promove os ganhos em saúde e melhora os outcomes para os indivíduos, contribuindo indubitavelmente para a qualidade dos cuidados prestados. A Organização Mundial da Saúde [OMS, 2021], define a segurança do doente, como um conjunto organizado de atividades que criam processos, procedimentos, cultura, comportamentos, tecnologias e ambientes no seio dos cuidados de saúde, com a finalidade de tornar o risco para o doente substancialmente mais baixo, reduzindo a ocorrência de danos evitáveis. Desta forma, o erro é menos provável, reduzindo o seu impacto quando ocorre. Os incidentes associados aos cuidados de saúde, são aqueles que, em qualquer circunstância, podem resultar ou resultam, em dano desnecessário para o doente (Direção Geral da Saúde, 2011). A OMS (2019), considera que esta é, provavelmente, uma das dez principais causas de morte e dano em todo o mundo. A segurança do doente é uma temática sensível e da maior importância para todos, implicando um compromisso na prestação de cuidados. Globalmente, as práticas pouco seguras no uso da medicação e os erros medicamentosos são a principal causa de incidentes e de dano que poderia ser prevenido. Estima-se que os custos associados a erros de medicação sejam, anualmente, de cerca de 42 biliões de dólares (OMS, 2017). No âmbito do terceiro “Global Safety Challenge”, a OMS (2017) aborda o tema da segurança na medicação, através da criação do programa “Medication Without Harm”. Este tem como objetivo que, em todo o mundo, se reduzam os danos evitáveis relacionados com a medicação em cerca de 50%, nos próximos 5 anos. Foram identificados quatro problemáticas: os doentes e a comunidade, a medicação, os profissionais de saúde e os sistemas e práticas associadas à medicação. Deste modo, estabeleceram-se três áreas prioritárias: a polimedicação, situações de alto risco e a transição de cuidados, cada uma delas substancialmente associada a dano, pelo que a sua gestão adequada poderá ajudar a diminuir o risco associado para os doentes (Sheikh et al., 2017). Também a DGS (2015), priorizou a melhoria da segurança na prestação de cuidados e redução do número de incidentes, através da criação da Estratégia Nacional para a Qualidade em Saúde (Despacho nº 5613/2015, 2015), de onde emergiu o Plano Nacional para a Segurança dos Doentes (Despacho n.º 1400- A/2015, 2015). Desta última transparece o objetivo “aumentar a segurança na utilização da medicação”.

Como sabemos, o medicamento é um elemento fundamental no combate de diversas doenças, sendo a tecnologia de saúde mais utilizada nos diferentes contextos, assumindo uma relevância vital na pessoa em situação crítica. Segundo Patrick (2011, p.4), cuidar da pessoa em situação crítica consiste na “(…) prestação de cuidados a indivíduos de todas as idades, que apresentam alterações de saúde física ou psíquica, percecionadas ou reais, não diagnosticadas ou que necessitam de outras intervenções”, pelo que requer uma intervenção especializada baseada nos elos da cadeia de sobrevivência, isto é, desde o pré até ao intra-hospitalar. Assim, os cuidados de enfermagem centram-se num conjunto de intervenções específicas, com um grau de complexidade elevado e requerem competências exímias. Deste modo, é possível atuar de forma segura e com qualidade, tendo por base o cuidado de caráter holístico.

A OMS, citada pela DGS (2015) (Despacho nº 28/2015), afirma que cerca de 8% a 10% dos doentes internados em Unidades de Cuidados Intensivos (UCI), são vítimas de incidentes associados a medicação. A evidência científica sugere ainda que as admissões de caráter urgente, estão particularmente associadas a erros medicamentosos, sobretudo no que diz respeito à administração endovenosa (25% - 70%) (Millichamp & Johnston, 2019). A preparação e administração de medicação é uma das principais responsabilidades dos enfermeiros, ocupando cerca de 40% do seu trabalho (Karavasiliadou & Athanasakis, 2014). Como tal, e tratando-se de procedimentos de elevado risco, os enfermeiros são a última linha de defesa contra erros associados à medicação (Pop & Finocchi, 2016). O doente crítico está particularmente vulnerável à exposição a incidentes relacionados com medicação, sobretudo devido à elevada complexidade de cuidados. Torna-se, assim, primordial compreender a influência da atuação do enfermeiro nesta temática, sobretudo no que diz respeito à identificação, desenvolvimento e implementação de medidas que contribuam para a segurança do processo de medicação.

Procedimentos metodológicos de revisão

Foi realizada uma revisão integrativa da literatura, com a finalidade de sintetizar resultados de pesquisas previamente realizadas sobre a temática em estudo. Para organização da informação foi utilizado o modelo Preferred Reporting Items for Sytematic reviews and Meta-Analyses [Prisma] (2015). Posteriormente, foram avaliados os artigos escolhidos tendo por base os critérios de inclusão previamente estabelecidos, fazendo-se, concomitantemente, uma recolha preliminar das suas principais conclusões. Foi estabelecida a seguinte questão de investigação: “Quais as intervenções de enfermagem que promovem a segurança do medicamento no doente crítico?”, tendo como referência a estratégia PICO (Tabela 1), bem como a definição dos critérios de inclusão e exclusão (Tabela 2). A presente revisão integrativa da literatura tem como objetivo o mapeamento das intervenções de enfermagem que promovem a segurança do uso do medicamento no doente crítico.

Tabela 1 Metodologia PICO para a formulação da questão de investigação 

P População Enfermeiros
I Fenómeno de interesse Promoção da segurança do medicamento no doente crítico
Co Contexto Hospitalar - Serviço de Urgência, UCI, Unidade de Cuidados Intermédios

(Joanna Briggs Institute, 2020)

Tabela 2 Critérios de inclusão e exclusão dos artigos 

Critérios de seleção Critérios de inclusão Critérios de exclusão
População Enfermeiros Outros profissionais de saúde
Contexto Hospitalar, nomeadamente cuidados intensivos, urgência, cuidados intermédios UCI Pediátrica, Neonatologia e outros contextos não hospitalares
Data de publicação 2016-2021 Anterior a 2016
Idioma da publicação Inglês Outra língua
Disponibilidade do texto Full text - Texto integral de livre acesso Resumos e estudos ainda em curso

Procedeu-se à pesquisa para identificação dos descritores, tendo estes sido validados no MeSH (Medical Subject Headings): Critical Care Nursing, Drug Therapy e Patient Safety. Foi realizada a sua interseção através do operador booleano [AND], pela ordem anteriormente descrita. Foram selecionados os motores de busca PubMed, EBSCO, Scielo e B-On, pela sua abrangência e elevado reconhecimento na área da saúde, com os seguintes limitadores: free full text, últimos 5 anos (2016-2021) e língua inglesa. A pesquisa foi realizada durante o mês de janeiro de 2021. Na amostra inicial foram incluídos 170 artigos. Utilizou-se a metodologia PRISMA (Moher, Liberati, Tetzlaff, & Altman, 2009) para sistematizar o processo de inclusão dos estudos, estando a seleção dos artigos espelhada no diagrama de fluxo (Figura 1). O nível de evidência utilizado para a sua análise foi o proposto por Melnyk & Fineout-Overholt (2011).

Figura 1 Diagrama PRISMA 

Resultados

Os resultados da amostra final encontram-se espelhados na tabela 3, onde estão incluídos os dados relativos ao título, autores, data de publicação, objetivos, metodologia e resultados, segundo a JBI (2014), dos nove artigos incluídos nesta revisão integrativa da literatura.

Tabela 3 Resumo dos artigos incluídos na revisão integrativa de literatura 

Discussão

A literatura é unânime em afirmar que a segurança no uso do medicamento é um elemento-chave para a prestação de cuidados de qualidade e excelência no âmbito das organizações de saúde. Os diferentes sistemas para utilização do medicamento, resultam de várias intervenções interdependentes, com foco no doente e cuja finalidade é garantir um regime terapêutico seguro, efetivo, apropriado e eficaz. Daqui emerge o conceito de Cultura de Segurança, que se trata de um modelo que integra os comportamentos individuais e organizacionais, baseado em atitudes, convicções e valores, cuja finalidade é minimizar o possível dano para o doente (DGS, 2011).

As organizações de saúde devem priorizar uma cultura de segurança, isto é, reconhecer que são executadas atividades de alto risco e que os erros são inevitáveis.

Deste modo, é fundamental garantir a presença de um ambiente em que os seus profissionais sejam capazes de comunicar os erros, promovendo assim segurança no uso do medicamento, tal como Sessions et al. (2019) relatam. Estes basearam o seu estudo no Modelo do Queijo Suíço de Reason, onde é estabelecido que os erros ocorrem devido a falhas no sistema, quando os fatores protetores/defesa sucumbem em simultâneo. Tal facto pode ser observado nas fatias do queijo suíço, onde, quando os buracos se alinham, as falhas que previnem a ocorrência de erros ficam expostas. Os fatores protetores previnem: falhas latentes, associadas a questões organizacionais e de gestão; e falhas ativas, cometidas por aqueles que prestam contato direto aos doentes (Reason, 2000).

Farzi et al. (2017), salientam a influência dos fatores ambientais e de gestão neste âmbito. A complexidade dos doentes em UCI, isto é, situações clínicas vulneráveis, com necessidade de múltiplas medicações em simultâneo, associados a stress e rácio enfermeiro- doente inadequado, resultam em erros de medicação. Também os equipamentos e infra-estruturas são mencionados, nomeadamente a luz insuficiente, excesso de ruído e a desorganização de armários e gavetas de medicação.

No que concerne à componente organizacional, Rohde e Domm (2017), consideram que o uso de estratégias por parte dos enfermeiros para evitar ou prevenir erros de medicação pode ser agrupado em três categorias: a identificação, a interrupção (questionamento) e a correção do erro. É a partir do seu próprio conhecimento e da compreensão dos fatores organizacionais que influenciam a sua ocorrência que os enfermeiros clarificam as prescrições e comunicam com outros colegas e/ou outros profissionais de saúde. A adoção destas medidas promove a segurança na administração da medicação e cria uma liderança mais sólida, reduzindo a ocorrência de erros.

A equipa multidisciplinar deve estar a atenta a todas as fases da medicação, desde a prescrição por parte dos médicos até à administração pelos enfermeiros. Moreira et al. (2017), reiteram a importância de uma comunicação eficaz e centrada no doente como uma componente fundamental na segurança da medicação. Por outro lado, Farzi et. al (2017), salientam o impacto da falta de comunicação e colaboração entre as equipas de saúde, nomeadamente entre médico- enfermeiro e entre estes com o doente/família. Uma colheita de dados pouco exaustiva de toda a história clínica de um doente admitido em UCI, pode originar erros na prescrição médica, incluindo interações medicamentosas e em duplicado, podendo aumentar ou diminuir o efeito de certos fármacos, senão for tida em conta a medicação habitual. Neste sentido, torna- se necessário ajustar a medicação habitual do doente com a do internamento, minimizando o erro e as suas possíveis consequências. Este processo é designado de reconciliação da medicação e, segundo Farzi et al. (2017), requer uma monitorização minuciosa e regular do regime medicamentoso para assegurar uma correta avaliação antes de alterar, suspender ou acrescentar novas medicações. Requer uma participação ativa e eficiente do doente e família, em parceria com a equipa multidisciplinar, sendo essencial para reduzir erros relacionados com prescrições e, consequentemente, diminuir o risco de dano (Iglésias- Ferreira, 2013). Deste modo, qualquer conflito que exista no seio da equipa pode comprometer a segurança do doente e inevitavelmente, a qualidade dos cuidados prestados.

A avaliação prévia da prescrição médica permite compreender o regime terapêutico, contribuindo para a prevenção de interações medicamentosas e minimizando o risco de incidentes. Segundo Moreira et al. (2017), os enfermeiros assumem um papel de relevo na análise criteriosa de cada prescrição, tendo em conta as especificidades do doente, exercendo a sua autonomia para, por exemplo, alterar o horário de determinada medicação ou, até mesmo, sugerir a substituição de algum fármaco.

As interações medicamentosas caracterizam-se pela alteração na ação de determinado fármaco, causado pelo uso prévio ou concomitante de outros fármacos. O efeito terapêutico pode ser potencializado, através de uma ação sinérgica, ou reduzido, através de uma ação antagonista. Contudo, há interações medicamentosas que podem ser intencionais e benéficas para o doente, tais como a utilização de Fentanil e Propofol. Mas, mesmo esta interação deve ser devidamente vigiada e monitorizada (Hammes et al, 2008). Moreira et al. (2017) e Gracia et al. (2020), são unânimes em afirmar que a polimedicação em UCI, ou seja, a prescrição de inúmeros fármacos (sobretudo mais de quatro a cinco), está intimamente relacionada com a probabilidade de ocorrência de interações medicamentosas.

No estudo realizado por Gracia et al. (2020), foram analisadas 2634 doses unitárias de medicação num total de 87 doentes críticos, tendo-se verificado um número significativo de interações medicamentosas (1811), onde 58% foram moderadas, 8% severas e 1% contra-indicadas. Moreira et al. (2017), afirmam que os enfermeiros estão numa posição particularmente privilegiada neste âmbito, uma vez que estão presentes nas diferentes etapas do processo de medicação. O conhecimento dos fármacos que se administra é fundamental para prevenir eventuais interações medicamentosas. A sua identificação precoce e a adoção de uma intervenção proactiva é essencial, pois estas muitas das vezes traduzem-se na mitigação de consequências adversas para o doente, como o aumento do número de dias de hospitalização e o aumento da mortalidade (Gracia et al. 2020).

Sessions et al. (2019), evidenciam a segurança da administração de medicação de alto risco ou de alerta máximo. A DGS (2015), define esta medicação como sendo detentora de um risco elevado de originar dano ao doente, devido a falhas na sua utilização. Neste grupo inserem-se sobretudo os antitrombóticos, antidiabéticos, insulinas, citostáticos, anestésicos, sedativos e opióides. Pelo facto de necessitarem de um ajuste frequente da dose (a partir de parâmetros bioquímicas e fisiológicos), estes fármacos podem mais facilmente provocar dano. Como tal, Sessions et al. (2019), sugerem três componentes fundamentais para promover a segurança da medicação de alto risco: a implementação de uma cultura organizacional de segurança, a colaboração entre a equipa de saúde e a competência/dedicação da equipa de enfermagem. Estas devem ser indissociáveis, na medida em que uma cultura organizacional que suporte a colaboração, educação, adoção de protocolos e tecnologia, é fundamental para prevenir erros associados a este tipo de medicação.

A administração de fluidos é um procedimento amplamente utilizado em todas as UCI. Barlow et al. (2020), realçam que pela complexidade associada à própria dinâmica do doente crítico, a necessidade de fluidoterapia pode mudar frequentemente e de forma abrupta. Há uma maior predisposição para alterações na distribuição desses fluidos e maiores perdas de volume. Deste modo, esta intervenção farmacológica requer uma individualização do tipo de fluidos, volume, ritmo de perfusão, duração e uma compreensão da sua finalidade, tendo em conta a situação clínica do doente.

De acordo, com Barlow et al. (2020), a utilização do algoritmo dos 5 R´s, isto é, Ressuscitação (Resuscitation), Rotina de Manutenção (Routine Maintenance), Substituição (Replacement), Redistribuição (Redistribuion) e Reavaliação (Reassessment), demonstrou ser uma ferramenta útil e simples para a administração segura e eficaz de fluidoterapia. Apesar de ser uma intervenção que, muitas das vezes, ajuda a salvar vidas, não podemos esquecer que os riscos associados são elevados, podendo influenciar os outcomes para o doente, nomeadamente pelo aumento da morbi-mortalidade. Uma gestão adequada da fluidoterapia requer um conhecimento amplo da homeostasia, uma compreensão da sua composição e o seu possível impacto. Os enfermeiros têm um papel fulcral pelo que devem compreender as diferentes propriedades de cada um dos fluidos a administrar e prever os possíveis resultados que daí possam surgir. Para isso, tornam-se particularmente importantes as avaliações clínicas e laboratoriais, onde se inclui a avaliação física, sinais vitais, débitos urinários, alterações nos eletrólitos, função renal e equilíbrio ácido-base. Só assim é possível identificar antecipadamente possíveis alterações e garantir que se obtém os resultados esperados para aquele doente, minimizando a possibilidade de toxicidade, visto que a sua utilização em excesso tem consequências graves. A escolha do tipo de fluidos a administrar, a dose e duração necessitam de ser escolhidos criteriosamente, garantindo uma intervenção individualizada, de acordo com as necessidades do doente e com uma monitorização minuciosa de todo este processo (Barlow et al. 2020).

Segundo Westbrook (2010), citado por Farzi et al. (2017), qualquer interrupção no trabalho da equipa de enfermagem aumenta os erros de medicação em 12.5% e a severidade do erro aumenta com o número sucessivo de interrupções. Se o enfermeiro não for interrompido, essa probabilidade desde para os 2.3%, de acordo com Odom-Forren (2010) citado por Farzi et al. 2017. Esta temática é abordada por Flynn et al. (2016), onde é afirmado que o ambiente de trabalho é, naturalmente, muito vulnerável à ocorrência de erros, sobretudo em atividades complexas ou de risco como a da medicação, uma vez que as constantes interrupções e o multitasking afetam a capacidade de atenção, foco e memória. No estudo realizado por Johnson et al. (2017), com o objetivo de identificar as diferentes interrupções durante a preparação e administração de medicação, constaram-se 101 interrupções em 56 eventos relacionados com medicação, perfazendo um total de 99% (55/56), tendo sido a grande maioria delas iniciada por enfermeiros (40%), no momento de preparação (73.3%). O tempo médio de afastamento da tarefa da medicação foi de 2.5 minutos. Flynn et al. (2016), também realçam os telefonemas como sendo uma das principais fontes de interrupções. Acrescentam ainda que a utilização de estratégias baseadas na evidência, ajudam a diminuir interrupções evitáveis e promovem a segurança do doente.

Um erro de medicação é definido como qualquer evento que pode ser evitado, em qualquer fase do processo farmacológico e que pode causar dano ao doente. Todos os artigos incluídos nesta revisão integrativa da literatura salientam este conceito. Gracia et al. (2020), identificaram os antibióticos como sendo um dos grupos farmacológicos mais utilizados em UCI, existindo por isso uma grande suscetibilidade para a ocorrência de erros. Farzi et al. (2017), dão como exemplo a duração prolongada da sua prescrição, podendo conduzir a sobredosagem. Também a administração de medicação por sonda nasogástrica foi identificada por Gracia et al. (2020) como sendo fonte de erros, maioritariamente pela manipulação errada da sua forma terapêutica, nomeadamente pela impossibilidade de ser esmagada para administração por alteração das suas substâncias ativas.

Farzi et al. (2017), realçam que uma prescrição incompleta da medicação, ou seja, não incluir informações sobre a dosagem ou cuidados especiais com determinado fármaco, causou erros. Também a falta de conhecimento por parte dos enfermeiros relativamente à diluição dos fármacos, a falha na observação após a sua diluição, bem como a falta de monitorização durante e após a sua administração foram considerados fatores relevantes neste âmbito. Millichamp e Johnston (2019), salientam a importância da segurança do medicamento nos serviços de urgência (SU). Sugerem que a admissão em SU está associada a uma grande vulnerabilidade para a ocorrência de erros, provavelmente devido à administração de medicações de elevado risco, à necessidade urgente/emergente de cuidados, à agudização do doente e à pouca familiaridade com as características individuais de cada pessoa e pela elevada rotatividade de doentes. A segurança do medicamento em SU é um processo dotado de alta complexidade e de difícil monitorização, referem Millichamp e Johnston (2019). Acrescentado que a dupla verificação neste processo é ainda alvo de discórdia no seio da evidência científica. Existem estudos que referem que o seu ganho a nível prático é diminuto e que mesmo assim há erros que não são identificados. Por outro lado, existe quem defenda o seu uso, sobretudo em populações vulneráveis, como a pediatria e a neonatologia, e quando existe administração de medicação de alto risco, nomeadamente por via endovenosa. A prescrição eletrónica com base no peso estimado do doente surge também como outras das sugestões para prevenir o erro de medicação neste contexto.

O sistema de rastreabilidade dos medicamentos administrados aos doentes, vulgarmente conhecido por Bar Code Scaning, consiste na atribuição de um código de barras, a cada medicamento na fase de reembalagem e etiquetagem. O doente é identificado através de um código de leitura único através de uma pulseira. Como tal, os diferentes códigos são comparados com a prescrição médica, alertando para fármacos que não correspondem ao prescrito, a expiração de prazos de validade, dosagem excessiva e quando o código do doente não corresponde à correta medicação (GS1 Portugal, 2016). Sessions et al. (2019), reiteram a importância deste tipo de software para a promoção da segurança da medicação e prevenção do dano ainda que, seja fácil contornar este método, por falha no scan da pulseira ou do medicamento, por exemplo. Existe, por isso, uma necessidade contínua de monitorização e melhoria do uso deste sistema, estando ainda pouco estudado na literatura.

Rohde e Domm (2017), salientam a utilização do pensamento crítico pelos enfermeiros, na segurança da medicação. Consideram que, a prestação de cuidados centrados no doente, bem como a aplicação de conhecimentos e competências, são fundamentais, até porque a administração segura dos fármacos requer muito mais do que os saber manusear; implica a utilização do pensamento crítico, antes, durante e após as intervenções.

Conclusão

É consensual afirmar que qualidade e segurança andam de mãos dadas e são cruciais na prestação de cuidados de saúde, sendo uma responsabilidade de todos nós. Cada vez mais as organizações de saúde procuram ir de encontro às expetativas de uma sociedade cada vez mais informada e ciente da importância de intervenções seguras e preferencialmente isentas de risco.

A utilização segura do medicamento, requer um esforço coletivo, não só dos profissionais de saúde como das próprias organizações. Como tal, a implementação de uma cultura de segurança é fundamental. Particularmente no doente crítico, estamos perante um teatro de operações imprevisível e complexo, com a administração de múltiplas medicações, muitas delas de alto risco e com grande probabilidade de interações medicamentosas. Assim, o trabalho em equipa é essencial. A comunicação e a colaboração entre todos tem de ser exímia. A prestação de cuidados tem de ser planeada de forma meticulosa, para que o risco de dano para o doente seja o menor possível. As componentes organizacionais e de gestão podem comprometer a segurança da medicação, nomeadamente devido a rácios inadequados, stress e constantes interrupções. As promoções da aprendizagem e da continuidade formativa têm de ser priorizadas, salientando-se a utilização do pensamento crítico e a incessante procura do conhecimento na evidência científica. Os enfermeiros, enquanto elementos-chave da prestação de cuidados ao doente crítico e pela sua permanência constante, têm um papel crucial na segurança do medicamento. Todo o processo de prevenção de danos neste âmbito constitui um enorme desafio, que exige uma avaliação e monitorização minuciosas, sendo a sua responsabilidade garantir a prestação de cuidados seguros, eficientes e centrados nas necessidades do doente e família. Só assim se torna possível a prestação de cuidados de excelência.

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Recebido: 07 de Dezembro de 2021; Aceito: 12 de Outubro de 2022

Autor de correspondência: Inês Correia E-mail: inees.filipa@hotmail.com

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