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Gazeta Médica

Print version ISSN 2183-8135On-line version ISSN 2184-0628

Gaz Med vol.10 no.4 Queluz Dec. 2023  Epub Dec 29, 2023

https://doi.org/10.29315/gm.v1i1.863 

Editorial

O Futuro da Medicina

The Future of Medicine

1. Hospital CUF Descobertas, Lisboa, Portugal.


Pede-me o Conselho Editorial da Gazeta Médica que partilhe convosco alguns pensamentos sobre o futuro da Medicina.

Alinharia esta reflexão sobre para onde devemos caminhar em cinco áreas:

  1. Conceito de cuidados de saúde centrados no doente - cada vez mais a organização tradicional em serviços/especialidades deverá ser substituída por centros/unidades focadas em determinadas patologias ou grupos de doenças, para que o doente tenha toda a equipa multidisciplinar de que precisa no mesmo local e a comunicarem entre si sobre o seu problema de saúde. Este modelo, a ser progressivamente implementado nos Unidades CUF, trar-nos-á claros ganhos de eficiência e qualidade, bem como uma muito maior satisfação dos nossos doentes.

  2. Conceito de “Value-Based Healthcare” (1 - mais tarde ou mais cedo, os resultados clínicos do nosso trabalho serão auditados pelos doentes e pelos pagadores, e é bom que comecemos a medi-los e a publicá-los desde já. Demos alguns passos tímidos neste sentido, mas acredito que teremos de o fazer em muito maior escala a curto prazo. É, não só uma questão de responsabilidade, sendo nós o maior grupo privado de saúde em Portugal, mas também de sobrevivência em relação a outros grupos, nacionais e internacionais. Acredito que a curto prazo estes resultados terão não só impacto na procura por parte dos doentes, mas também um papel nos pagamentos das seguradoras e outras entidades pagadoras, que pagarão melhor a quem tiver melhores resultados.

  3. Utilização de ferramentas digitais (monitorização à distância, inteligência artificial para interpretar exames ou ajudar em algoritmos diagnósticos e terapêuticos, …) para melhorar a nossa prestação de cuidados de saúde, tanto na prevenção, como no tratamento e reabilitação - conceito de “Health 5.0”. (2 O próximo passo, para nós, prestadores, será entrarmos proativamente na vida dos cidadãos para lhes oferecer promoção da saúde (muito antes de serem doentes e com o objetivo de evitarem a doença). É o conceito de “digital wellness”, em que os prestadores de saúde passarão a disponibilizar aos cidadãos instrumentos (digitais e humanos) para melhorar, manter ou restaurar a saúde física e mental. É uma mudança do paradigma atual, sendo uma ação proativa dos prestadores junto dos cidadãos, em lugar de se limitarem a reagir à procura dos cuidados de saúde pelos doentes. Vai seguramente acontecer mais tarde ou mais cedo; os grandes da tecnologia digital (Google, Amazon,...) estão a investir muito neste conceito!

  4. Uma palavra especial para a inteligência artificial, que é olhada com algum receio e mesmo aversão por muitos:

    1. Em primeiro lugar, já está aí, não há como fugir-lhe; temos sim, de a usar em nosso benefício para aumentar a qualidade, segurança, eficácia e eficiência dos cuidados de saúde.

    2. Nas áreas em que irá certamente acompanhar-nos mais a curto prazo - diagnóstico em radiologia e anatomia patológica, algoritmos de diagnóstico clínico e decisões terapêuticas em áreas muito protocoladas (exemplo - oncologia) -, ajudar-nos-á seguramente a cometermos menos erros e a sermos mais eficientes, permitindo-nos usar melhor o nosso tempo para o que realmente de humano nos diferencia das máquinas - a capacidade de valorizar o realmente importante dentro da miríade de informação a que estamos expostos, e o contacto, a humanização, a compaixão.

  5. Aposta forte na segurança do doente - conceito de “Clinical Governance” - criado nos anos 90 do século passado no Reino Unido para aumentar a qualidade e segurança na área da saúde, com 7 pilares:

    1. Auditorias clínicas

    2. Eficácia clínica

    3. Educação e treino (incluindo investigação e desenvolvimento)

    4. Gestão de recursos humanos

    5. Sistemas de informação

    6. Gestão de risco/Segurança do doente

    7. Envolvimento público e dos doentes

Acrescentaria uma preocupação e mais três pontos, que estão sempre associados a uma prestação de cuidados de saúde de excelência:

  1. Preocupação com o desinteresse dos médicos mais jovens por duas especialidades que são o pilar de um sistema de saúde - a Medicina Geral e Familiar e a Medicina Interna. Muito por culpa de todos nós, que não as valorizamos convenientemente. Se no seio da medicina, na Ordem dos Médicos, nas instituições de saúde públicas ou privadas e na sociedade em geral não valorizarmos estes médicos e as respetivas especialidades, cada vez teremos menos, e não vejo forma de qualquer sistema de saúde sobreviver com saúde sem eles. E na sua valorização incluo possibilidade de diferenciação técnica, carreiras médicas e incentivos económicos. Está na nossa mão, como médicos, membros de instituições de saúde e cidadãos, inverter este processo.

  2. Formação médica pré e pós-graduada - essencial para o desenvolvimento e pujança de qualquer serviço e instituição hospitalar. Termos estudantes de Medicina e internos a trabalharem e a aprenderem incluídos no nosso dia a dia é fundamental para o que eu chamaria a “saúde dos nossos hospitais”. Sem eles, arriscamo-nos a cristalizar no tempo e a definhar do ponto de vista técnico e científico. Esta aposta é crucial para nós!

  3. Produção científica - as instituições de saúde, serviços e médicos, no que respeita à sua qualidade técnico-científica, “medem-se” pelos seus resultados, assunto já falado anteriormente, mas também pelo que publicam. Nem todos os médicos querem e devem “fazer ciência”. Mas a nossa instituição deve promover e premiar cada vez mais quem publica. A CUF Academic Centre tem sido uma mais-valia enorme para este fim, disponibilizando muitas ferramentas para promover e facilitar a investigação científica na área médica. No entanto, penso que temos de ser ainda mais ambiciosos, nomeadamente permitir aos médicos que o queiram, que usem parte do seu tempo para este fim, mesmo à custa de menor atividade assistencial. No fim, o saldo será, certamente, muito positivo.

  4. Humanização dos cuidados de saúde - a tão falada relação médico-doente, proposta pela nossa Ordem dos Médicos como Património Imaterial da Humanidade. É um grande desafio para todos nós harmonizarmos a evolução digital, a tecnologia, e todo o trabalho administrativo, com o tempo para dedicar aos doentes. Mas é essencial que ultrapassemos este desafio. A bem da Medicina e dos nossos doentes! Dizia João Lobo Antunes: “Não sei o que nos espera, mas sei o que me preocupa: é que a medicina, empolgada pela ciência, seduzida pela tecnologia e atordoada pela burocracia, apague a sua face humana e ignore a individualidade única de quem sofre, pois embora se inventem cada vez mais modos de tratar, não se descobriu ainda a forma de aliviar o sofrimento sem empatia ou compaixão”. (3 Nesta mesma linha de pensamento, vale a pena ler um artigo do antigo “Chief Medical Officer” da Mayo Clinic, John Noseworthy.4

Dito isto, auguro um futuro auspicioso à nossa casa, a CUF. Digo isto do coração, essencialmente pela qualidade das pessoas que constituem as nossas equipas. Porque as instituições são as pessoas!

Referências

1. Porter M, Lee T. The Strategy that will fix healthcare. M Porter and Thomas Lee, Harvard: Harvard Business Review; Oct 2013. [ Links ]

2. Kowalkiewics M. Health 5.0: the emergence of digital wellness [consultado Dez 2023] Disponível em: Disponível em: https://medium.com/qut-cde/health-5-0-the-emergence-of-digital-wellness-b21fdff635b9Links ]

3. Lobo-Antunes J. Ouvir com outros olhos. Lisboa: Gradiva; 2015. [ Links ]

4. Noseworthy J. The Future of Care - Preserving the Patient-Physician Relationship. N Engl J Med. 2019;3812265-9. doi: 10.1056/NEJMsr1912662. [ Links ]

Recebido: 27 de Dezembro de 2023; Aceito: 28 de Dezembro de 2023; : 28 de Dezembro de 2023; Publicado: 29 de Dezembro de 2023

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