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Gazeta Médica

Print version ISSN 2183-8135On-line version ISSN 2184-0628

Gaz Med vol.8 no.1 Queluz Mar. 2021  Epub May 11, 2021

https://doi.org/10.29315/gm.v8i1.404 

Casos Clínicos

Tumor Fibroso Solitário do Canal Auditivo Externo: Uma Entidade Rara

Solitary Fibrous Tumour of the External Auditory Canal: A Rare Entity

Margarida Lagarto Bento1 
http://orcid.org/0000-0002-0064-4901

João Cabral Pimentel2 

José Pinto Sousa3 

Manuela Maia Gonçalves4 

Ezequiel Barros5 

1 . Interna de Formação Específica, Serviço de Otorrinolaringologia, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central, Lisboa, Portugal.

2. Interno de Formação Específica, Serviço de Anatomia Patológica, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central, Lisboa, Portugal.

3. Assistente Hospitalar Graduado, Serviço de Otorrinolaringologia, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central, Lisboa, Portugal.

4. Assistente Hospitalar Graduada, Serviço de Anatomia Patológica, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central, Lisboa, Portugal.

5. Diretor de Serviço, Serviço de Otorrinolaringologia, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central, Lisboa, Portugal.


Resumo

O tumor fibroso solitário (TFS) é um tumor benigno raro de células fusiformes de natureza mesenquimatosa que geralmente ocorre na pleura, mas pode existir noutras localizações, nomeadamente na região da cabeça e pescoço, podendo envolver a órbita, a cavidade oral e os seios perinasais. Na literatura apenas existem três casos reportados de TFS do canal auditivo externo. Descreve-se o quarto caso e realiza-se uma revisão da literatura. Uma doente de 27 anos apresentou-se com uma neoformação na parede posterior do canal auditivo externo, condicionando hipoacusia de condução de grau ligeiro e episódios de otorreia. O estudo imagiológico revelou margens regulares e ausência de invasão dos tecidos adjacentes. Foi realizada a excisão cirúrgica completa da lesão. Histologicamente era composta por células fusiformes, com áreas de hipo e hipercelularidade, tendo a análise revelado positividade para CD34, vimentina, CD99, BCL2 e STAT-6. Aos seis meses de seguimento, não apresentava sinais de recidiva.

Palavras-chave: Canal Auditivo; Imuno-Histoquímica; Tumores Fibrosos Solitários

Abstract

A solitary fibrous tumour (SFT) is a rare benign spindle-cell neoplasm of mesenchymal origin that commonly arises in the pleura but can occur in other locations such as head and neck, in particular in the orbit, oral cavity and paranasal sinuses. In the literature, there are only three reported cases of SFT in the external auditory canal. We present the fourth case and review the literature. A 27-year-old female presented with a neoplasm on the posterior wall of the external auditory canal with mild conductive hearing loss and ear discharge episodes. Imaging studies revealed regular margins and no invasion of the surrounding tissues. A complete surgical excision was made. Histologically, the mass comprised spindle cells with areas of hypo and hypercellularity, and immunohistochemically, there was a positive reaction for CD34, vimentin, CD99, BCL2 and STAT-6. After 6 months of follow-up, there were no signs of recurrence.

Keywords: Ear Canal; Immunohistochemistry; Solitary Fibrous Tumors

Introdução

O tumor fibroso solitário (TFS) é um tumor raro de tecidos moles, de origem mesenquimatosa, descrito originalmente na pleura, e cujo diagnóstico e tratamento são desafiantes. Partilha aspetos histológicos com outros tumores de tecidos moles, mas os progressos no diagnóstico molecular e imuno-histoquímico têm possibilitado a sua diferenciação, sendo o CD34, STAT6 e Bcl-2 os marcadores mais importantes.1 A localização mais frequente destes tumores é intratorácica, sendo a pleura o principal, seguido do pulmão, mediastino e diafragma.2 No entanto, existem também TFS em localização extratorácica, nomeadamente no fígado, na glândula suprarrenal, na pele e na região da cabeça e pescoço,3 cujo primeiro caso foi descrito em 1991.4 Os mais comuns ocorrem na cavidade oral, mas também foram descritos na órbita, nariz e seios perinasais, nasofaringe e espaço parafaríngeo, laringe, glândulas salivares major e tiroide.3

A ocorrência de TFS no canal auditivo externo é extremamente rara e apenas existem três casos de TFS convencional reportados na literatura,5-7 existindo também um caso de TFS rico em células gigantes.8

Caso clínico

Uma doente do género feminino, de 27 anos, sem antecedentes pessoais de relevo, recorreu à consulta de Otorrinolaringologia do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central (CHULC) por sensação de diminuição da acuidade auditiva e vários episódios de otorreia homolateral e sensação de obstrução progressiva do canal auditivo externo esquerdo com mais de um ano de evolução. Ao exame objetivo, observou-se uma massa arredondada, de superfície lisa, revestida por pele íntegra, com cerca de 2 cm de maior eixo, localizada na parede posterior do canal auditivo externo esquerdo, causando a sua completa obstrução e não possibilitando a visualização da membrana timpânica. Realizou um audiograma tonal que revelou uma hipoacusia de condução de grau ligeiro que se relacionou com a obstrução do canal auditivo externo. A tomografia computorizada (TC) de ouvidos revelou uma massa relativamente homogénea, hipodensa, sem invasão das estruturas adjacentes, ocupando todo o canal auditivo externo esquerdo, sem quaisquer alterações do ouvido médio (Fig. 1). A ressonância magnética de ouvidos confirmou a existência de uma formação tecidular obliterativa do conduto auditivo externo esquerdo, com cerca de 21 mm de diâmetro ântero-posterior, de contornos regulares e hipointensa em T1 e T2 (Fig. 2).

Figura 1: TC de ouvidos (corte coronal) revelando a lesão (asterisco), ocupando todo o canal auditivo externo esquerdo. 

Figura 2: Ressonância magnética de ouvidos demonstrando lesão obliterativa do conduto auditivo externo esquerdo, em T2 (corte axial - seta branca, corte coronal - asterisco). 

Foi realizada excisão total macroscópica do tumor, sob anestesia geral, não tendo sido registada nenhuma intercorrência. O período pós-operatório imediato decorreu igualmente sem complicações.

Figura 3: Peça cirúrgica (*) com dimensões de 2,5x1,7x1,2 cm. 

Figura 4 e 5: Proliferação de células fusocelulares e ovoides, de citoplasma escasso e núcleo alongado, sem atipia celular, dispostas num estroma colagenoso em bandas, ricamente vascularizado e com esclerose perivascular, com zonas de hipo e hipercelularidade, sem necrose. (Ampliação 100x e 400x, respetivamente) 

Figura 6: População celular imunorreativa para STAT6, BCL2, CD34 e CD99. 

A peça cirúrgica consistia em dois fragmentos irregulares branco-acinzentados e elásticos, o maior com 2,5x1,7x1,2 cm (Fig. 3) e o menor com 0,8 cm de maior eixo. Microscopicamente, a lesão era constituída por células fusiformes ou ovais, com escasso citoplasma e núcleo alongado, por vezes com nucléolo. As células dispunham-se num estroma rico em colagénio, organizado predominantemente em bandas e rico em vasos com esclerose perivascular evidente, alternando áreas de hiper e hipocelularidade (Fig.s 4 e 5). Não existia evidência de atipia celular e o índice mitótico era baixo. O estudo imuno-histoquímico revelou reação positiva das células tumorais para o marcador CD34, vimentina, CD99, anticorpo BCl2 e STAT6 (Fig. 6), e reação negativa para a proteína S-100, cromogranina, sinaptofisina, desmina, actina do músculo liso (AML), MelanA e HMB45. Baseado nestes achados, a lesão foi diagnosticada como tumor fibroso solitário benigno. Focalmente, a neoplasia era rasante à margem cirúrgica.

No período pós-operatório houve resolução da sintomatologia, sendo que a doente manteve consultas de seguimento para vigilância, não havendo sinais de recidiva aos 6 meses de pós-operatório. Foi definida a necessidade de vigilância a longo prazo, ou seja, trimestralmente no primeiro ano, semestralmente no segundo e terceiros anos e posteriormente seguimento anual.

Discussão

Na literatura apenas existem três casos de TFS convencional no canal auditivo externo reportados na literatura,5-7 sendo que neste artigo reportamos o quarto caso.

A sintomatologia reportada no caso apresentado, nomeadamente a sensação de diminuição da acuidade auditiva e de plenitude auricular, vai ao encontro daquilo que é descrito na literatura, uma vez que os sintomas dos TFS da cabeça e pescoço são inespecíficos e estão relacionados com a presença da massa de tecidos moles na área afetada.9 O estudo de imagem da lesão apresentada está também de acordo com o descrito em relatos anteriores, pois mostra uma lesão tecidual de contornos regulares, e, particularmente na ressonância magnética, hipointensidade nas ponderações T1 e T2, o que se correlaciona com a sua natureza fibrosa.6

Embora insuficiente para o diagnóstico, o aspeto macroscópico da lesão, firme, de superfície lisa, bem circunscrita e acinzentada, está de acordo com o reportado em TFS do canal auditivo externo.5-7

Muitas vezes este tipo de tumor é erroneamente diagnosticado como outros tumores mais comuns da cabeça e pescoço, como o angiofibroma, no entanto apresenta características histológicas e imuno-histoquímicas diferenciadoras.7 As características microscópicas levam à suspeição do diagnóstico de TFS, em particular pela observação de células fusiformes ou ovais, dispostas num padrão aleatório, com alternância de áreas constituídas essencialmente por colagénio e áreas hipercelulares,10 mas não são suficientes por si só para diferenciar o TFS de outros tumores benignos de tecidos moles, como perineuromas, lipomas de células fusiformes, fibromatose desmoide e sarcomas de células fusiformes.10,11 Antigamente o TFS era classificado como hemangiopericitoma, mas pelo facto do primeiro ter uma origem fibroblástica e não pericítica, estas são hoje classificadas como diferentes entidades. A presença de áreas hipocelulares preenchidas de forma densa por colagénio e a imunorreatividade ao CD34 distinguem o TFS do hemangiopericitoma.9 Assim, o estudo imuno-histoquímico permite-nos fazer o diagnóstico definitivo de TFS, sendo que este apresenta forte imunorreatividade para o CD34, que é tradicionalmente o marcador mais consistente; e geralmente também expressa reatividade para CD99, Bcl-2 e vimentina. A maioria dos TFS não expressa reatividade para desmina, queratinas, proteína S100, CD31, catenina beta nuclear, AML e antigénio de membrana epitelial (EMA).5,11 No entanto, o marcador imuno-histoquímico mais sensível e específico para o TFS é o STAT-6.11 No caso reportado, a positividade para este marcador, em conjunto com o restante estudo, permitiu confirmar o diagnóstico e distinguir de outras entidades.

A presença de alto índice mitótico (> 4 por 10 campos de maior ampliação), zonas de necrose tumoral, hipercelularidade, pleomorfismo nuclear e alta relação núcleo-citoplasma, podem apontar para malignidade.10 Neste caso tratava-se de um TFS benigno, não existindo sinais de malignidade.

Qualquer TFS deve ser ressecado completamente sempre que possível, uma vez que, embora a maioria sejam benignos e de crescimento lento, foram descritos TFS malignos pleurais e extrapleurais. A taxa de recidiva é muito baixa após a ressecção cirúrgica completa, embora seja ligeiramente superior para TFS extratorácicos.11 No caso reportado, foi definida a manutenção de vigilância da doente a longo prazo, uma vez que não há registos suficientes de TFS do CAE que permitam excluir potencial maligno,11 apesar de não haver características suspeitas no caso reportado.

Conclusão

O TFS do canal auditivo externo é uma entidade extremamente rara. Pretendemos com a descrição deste caso alertar para a necessidade de considerar este tumor no diagnóstico diferencial de tumores de células fusiformes do canal auditivo externo. Para o seu diagnóstico, o papel da imuno-histoquímica é fundamental. É também mandatória a vigilância após terapêutica, uma vez que pouco se conhece acerca do comportamento desta entidade a longo prazo.

Apresentações/Presentations

Trabalho apresentado na forma de poster no 71º Congresso Nacional da Sociedade Espanhola de Otorrinolaringologia-Cirurgia da Cabeça e Pescoço (SEORL-CCC), realizada em plataforma virtual, de 13 a 17 de outubro de 2020.

Referências

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Responsabilidades éticas

Fontes de financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo

Confidencialidade dos dados: Os autores declaram ter seguido os protocolos da sua instituição acerca da publicação dos dados de doentes

Consentimento: Consentimento do doente para publicação obtido

Proveniência e revisão por pares: Não comissionado; revisão externa por pares

Ethical disclosures

Financing support: This work has not received any contribution, grant or scholarship

Confidentiality of data: The authors declare that they have followed the protocols of their work center on the publication of data from patients

Patient consent: Consent for publication was obtained

Provenance and peer review: Not commissioned; externally peer reviewed

Recebido: 13 de Dezembro de 2020; Aceito: 26 de Janeiro de 2021; Publicado: 31 de Março de 2021

Margarida Lagarto Bento [anamg.bento@gmail.com] Rua São Bento Menni nº6, 1ºE, 1600-896 Lisboa, Portugal ORCID iD: 0000-0002-0064-4901

Conflitos de interesse:

Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Conflicts of interest:

The authors have no conflicts of interest to declare.

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