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Revista Lusófona de Estudos Culturais (RLEC)/Lusophone Journal of Cultural Studies (LJCS)

versión impresa ISSN 2184-0458versión On-line ISSN 2183-0886

RLEC/LJCS vol.10 no.2 Braga dic. 2023  Epub 28-Feb-2024

https://doi.org/10.21814/rlec.4652 

Artigos Temáticos

Um Útero com Visão (Política): A Reivindicação dos Direitos Reprodutivos nos Cartoons Feministas Espanhóis

iDepartment of Hispanic and Italian Studies, University of Victoria, Victoria, Canadá


Resumo

Neste artigo, destaco o uso da imagem do útero como uma metáfora visual poderosa no ativismo artístico, chamando a atenção para as formas como este pode ser mobilizado “com o objetivo de alcançar uma mudança social e/ou política” (Serafini, 2018, p. 3). Este artigo, concentra-se no potencial transformador dos cartoons políticos, com ênfase na iniciativa Wombastic. Esta iniciativa foi criada no Tumblr pelo coletivo espanhol Autoras de Cómic, com o objetivo de contestar um projeto de lei restritivo sobre o aborto aprovado pelo Partido Popular espanhol, a 20 de dezembro de 2013. Enquanto os legisladores de direita tentaram impor normas de género heteropatriarcais usando os corpos das mulheres como campo de batalha, as intervenções gráficas feministas recuperaram o corpo como um local de resistência para desafiar a propaganda neoconservadora. Estudando o contexto sociopolítico em que foi lançado, este artigo sublinha a ligação entre a “repolitização da vida social espanhola” (Herrero, 2019, p. 127) e o ressurgimento de um poderoso ativismo feminista, centrado nos direitos reprodutivos. Mergulhado no clima social pós-11M, este estudo revela o poder discursivo dos cartoons políticos num momento de renovada politização do corpo, aumento das mobilizações sociais e poderoso ativismo feminista. A banda desenhada e os cartoons socialmente empenhados, como os que foram carregados no Wombastic, revelam uma agência feminista que reclama a criatividade das mulheres e a propriedade da sua própria sexualidade e escolhas reprodutivas.

Palavras-chave: direitos reprodutivos; Espanha; ativismo feminista; narrativas gráficas

Abstract

Drawing attention to the ways in which art activism can be mobilized “with the objective of achieving social and or political change” (Serafini, 2018, p. 3), in this article, I attend especially to the image of the womb as a powerful visual metaphor for political intervention. Analyzing the transformative potential of an embodied medium such as political cartoons, the present article focuses on Wombastic, a Tumblr-based initiative organized by the Spanish collective Autoras de Cómic in response to the restrictive abortion bill that the Spanish right-wing Partido Popular approved in the Council of Ministers on December 20, 2013. While right-wing legislators have turned women’s bodies into battlefields in their attempt to reinstate heteropatriarchal gender norms, feminist graphic interventions reclaim the body as a site of resistance to disrupt neoconservative propaganda. Studying the sociopolitical context in which it was launched, this article underlines the connection between the “repoliticization of Spanish social life” (Herrero, 2019, p. 127), and the resurgence of powerful feminist activism, centering on reproductive rights. Steeped in the post 11M social climate, this study reveals the discursive power of political cartoons at a time of renewed politicization of the body, increased social mobilizations, and powerful feminist activism. Socially engaged comics and cartoons such as the ones uploaded to Wombastic display feminist agency, reclaiming women’s creativity and ownership of their own sexuality and reproductive choices.

Keywords: reproductive rights; Spain; feminist activism; graphic narratives

A arte é um dos domínios em que, nos últimos anos, mais se tem insistido na necessidade de uma repolitização da vida. - Marina Garcés, Um Mundo Común, p. 68

É um mundo visual, e as pessoas reagem ao que é visual. - Joe Sacco, But I Like It, p. 107

O feminismo é uma aventura coletiva para mulheres, homens e todos os outros, uma revolução em curso. Uma visão do mundo. Uma escolha. - Virginie Despentes, King Kong Theory, p. 137

1. O Surgir das Bandas Desenhadas Sociais

Em Espanha, a sinergia entre a emergência de narrativas gráficas socialmente empenhadas, conhecidas como “comic social” (Gallardo & Roca, 2009), o surgimento de formas coletivas de envolvimento social físico e virtual durante os protestos dos 15M Indignados e a ascensão do ativismo feminista criou um terreno fértil para novas formas de artivismo. A publicação de obras como Arrugas (Rugas), de Paco Roca (2007), María y Yo (Maria e Eu; 2007), de Miguel Gallardo, e Una Posibilidad Entre Mil (Uma Possibilidade em Mil), de Cristina Durán e Miguel Ángel Giner Bou (2009), demonstrou que a arte sequencial pode ser um veículo poderoso para abordar temas sensíveis como a deficiência, o envelhecimento e a deterioração mental, e abriu caminho a narrativas e ilustrações visuais-verbais inovadoras que mobilizam a natureza incorporada da nona arte para a sensibilização para problemas sociais negligenciados. Num contexto politicamente empenhado, criaram novos tipos de narrativas gráficas que dão visibilidade a sujeitos tradicionalmente silenciados e a minorias que não se enquadram no molde capacitista e produtivista promovido pelos regimes biopolíticos neoliberais. Numa época caracterizada por “uma vertiginosa repolitização da vida social espanhola” (Herrero, 2019, p. 127), pelo aumento das mobilizações sociais, por um poderoso ativismo feminista e por um vibrante setor gráfico e de ilustração, a dimensão de género das lutas sociais e políticas encontrou expressão tanto em ilustrações sequenciais como em ilustrações de painel único. Dos jornais diários às revistas satíricas e às publicações digitais, o mundo das narrativas gráficas e dos cartoons políticos adquiriu uma nova vitalidade, tornando-se uma ferramenta valiosa para o ativismo.

Assim, foram criadas novas formas de intervenção social que traduzem o espírito das organizações de base, cuja origem remonta aos movimentos dos 15M Indignados que transformaram o panorama político e social espanhol1. Enquanto as crescentes mobilizações sociais defendiam formas comunitárias de ativismo, criando um “ecossistema do comum”, como lhe chama Palmar Álvarez Blanco (2021, p. 31), as mulheres ilustradoras gráficas não tardaram a responder às tentativas da direita de restringir os direitos reprodutivos duramente conquistados. Quando, em dezembro de 2013, o principal partido conservador espanhol, o Partido Popular (PP), selou os seus esforços incessantes para impedir a igualdade de género, ao aprovar a lei do aborto mais restritiva da história democrática espanhola, o coletivo espanhol Artistas de Cómic lançou “Wombastic, imágenes por la libertad de expresión” (Wombastic, imagens pela liberdade de expressão), uma iniciativa no Tumblr que apelava à apresentação de ilustrações e tiras gráficas para ripostar. As artistas gráficas demonstraram a força de formas narrativas “incorporadas” como a banda desenhada e o humor gráfico (Szép, 2020, p. 2) ao unirem esforços na defesa dos direitos das mulheres, sancionados pela lei orgânica de 2010 que descriminaliza o aborto2. Ao fazê-lo, juntaram-se a numerosas organizações feministas cujos protestos públicos abalaram o país3. Espelhando o clima das intensas mobilizações sociais conhecidas como o movimento dos Indignados ou 15M, que mudaram o panorama social e político espanhol em 2011, os coletivos feministas aliaram-se para defender os direitos reprodutivos duramente conquistados.

A partir dos motivos visuais, iconografias e metáforas visuais (El Refaie, 2019) utilizados nos cartoons e tiras publicados no Wombastic, proponho-me analisar como o ativismo artístico pode ser mobilizado “com o objetivo de alcançar mudanças sociais e/ ou políticas” (Serafini, 2018, p. 3). Ao fazê-lo, inscrevo esta iniciativa num contexto discursivo que postula uma renovada politização do corpo (Garcés, 2013) como alternativa antipatriarcal e anticapitalista aos ataques neoconservadores aos corpos das mulheres. Na minha análise biopolítica, faço uma breve genealogia do humor gráfico feminista e do ativismo artístico na luta pelos direitos reprodutivos, dando particular atenção à iconografia do útero como local de intervenção política num país onde a relação das mulheres com a reprodução continua a ser difícil.

Reconhecida como uma importante intervenção artística e incluída na recente exposição do Museo Reina Sofía “¡Mujercitas de Todo el Mundo, Uníos! Autoras de Cómic Adulto (1967-1993)” (Mulherzinhas de Todo o Mundo, Uni-vos! Autoras de BD Adulta [1967-1993])4, a Wombastic foi analisada como uma contestação a uma forma de violência de género sancionada pelo Estado. No seu artigo seminal “Wombastic, la Batalla Gráfica por la Reapropiación del Cuerpo Femenino Frente a la Amenaza de Gallardón” (Wombastic, a Batalha Gráfica pela Reapropriação do Corpo Feminino Face à Ameaça de Gallardón), María Márquez López (2018) propõe um estudo exaustivo sobre os elementos discursivos do projeto de lei do aborto, bem como uma leitura aprofundada de três imagens-chave que “evidenciam os pontos-chave da violação de direitos pretendida pelo ex-ministro Gallardón” (p. 278). O meu objetivo é situar a Wombastic numa genealogia de intervenções artísticas feministas e de movimentos sociais iniciados no final do período franquista - quando ilustradoras como Núria Pompeia, Montse Clavé e Elsa Plaza, entre outras, criaram cartazes, ilustrações e narrativas visuais em defesa dos direitos reprodutivos das mulheres. Consciente da forma como o humor gráfico se tem revelado um aliado influente nas lutas políticas5, chamo a atenção para o contexto sociocultural em que surgiu uma iniciativa coletiva como a Wombastic, sublinhando os aspetos visuais de um conjunto de imagens que mobiliza o corpo como local de ativismo político, ao mesmo tempo que expõe a retórica paradoxal do antigo Ministro da Justiça espanhol Alberto Ruiz Gallardón. Ao fazê-lo, exploro as formas como o ciberactivismo e o artivismo se unem com sucesso na luta contra as tentativas dos legisladores de direita de transformar os corpos das mulheres em campos de batalha para restabelecer normas de género heteropatriarcais.

2. Recuperando uma Genealogia Feminista na Banda Desenhada e nas Ilustrações

Inspirado no coletivo francês Collectif des Créatrices de Bande Dessinée Contre le Sexism, o coletivo Autoras de Cómic foi criado para apoiar a igualdade de género num meio predominantemente masculino, para apoiar mulheres ilustradoras e recuperar uma linhagem feminista esquecida6. No âmbito do seu esforço para promover um espaço mais equitativo na indústria editorial e para combater o sexismo estrutural que marginalizava e invisibilizava as mulheres artistas, lançaram iniciativas para dar a conhecer a rica genealogia das ilustradoras espanholas. A sua intervenção feminista revitalizou uma tradição que remonta aos anos 70 e 80, quando “o corpo feminino nu adquire fortes significados políticos e passa a simbolizar ideias abstratas como a democracia e a liberdade” (Garbayo Maeztu, 2016, p. 13). Numa tentativa de subverter o olhar androcêntrico que caracterizava as narrativas gráficas e os cartoons políticos feministas do período de transição, artistas e ilustradoras feministas, como Núria Pompeia, Montse Clavé, Elsa Plaza e Marika Vila, entre outras, problematizaram o aspeto corpóreo desse meio, em que o corpo era mantido prisioneiro do olhar masculino. Lutando pelo empoderamento feminino, tentaram libertar-se das formas predominantes de representar as mulheres como objetos de desejo masculino, ao mesmo tempo que tentavam desenvolver novas linguagens pictóricas que pudessem pôr fim àquilo que a ilustradora e teórica da banda desenhada Marika Vila (2021) designou por “el cuerpo okupado” (o corpo ocupado). Libertando o corpo feminino dos efeitos de uma ordem simbólica masculina, várias ilustradoras tentaram mostrar a agência das mulheres enquanto expunham a necessidade de direitos reprodutivos fundamentais.

Nos seus cartoons e ilustrações políticas, que apareciam em cartazes políticos, revistas alternativas e feministas (como Butifarra, Vindicación Feminista e Dones en Lluita) e publicações políticas como Triunfo, a ilustradora catalã Núria Pompeia empreendeu uma intensa campanha de apoio aos tão necessários direitos sociais das mulheres, que, ao abrigo da legislação franquista, não só estavam proibidas de aceder à contraceção, como eram mantidas sob tutela masculina até aos 25 anos, se solteiras, ou sob controlo marital, se casadas. Com o seu estilo incisivo, embora aparentemente simples, Pompeia revelou os efeitos colaterais adversos da retórica franquista que acorrentava as mulheres à reprodução. Nos seus livros, em particular em 9Maternasis (1967), Y Fueron Felices Comiendo Perdices… (E Foram Felizes Comendo Perdizes…; 1970), e Mujercitas (Mulherzinhas; 1977), bem como nas suas ilustrações que acompanham o livro médico El Derecho a la Contracepción (O Direito à Contraceção; 1978) de Eugeni Castell, utilizou linhas simples a preto e branco para mostrar a necessidade de educação sexual e de contraceção legalizada. Nos muitos cartoons intercalados ao longo do livro, visou expor os efeitos da gravidez não planeada nas mulheres da classe média. Através de esboços rápidos, a personagem principal, uma mulher jovem e normal, revela a sua surpresa e incredulidade perante a proliferação de crianças recém-nascidas que a rodeiam. Numa composição visual que lembra os Liliputianos de Jonathan Swift, a mulher é imobilizada pelos recém-nascidos, que continuam a sair do seu corpo. Ao longo deste livro, bem como em cartazes e ilustrações políticas, Pompeia nunca deixou de expor a relação conflituosa das mulheres com a reprodução obrigatória. Mãe de cinco filhos, expôs as visões essencialistas que mantinham as mulheres reféns da domesticidade e da maternidade, apoiando assim a noção de que a reprodução tinha de ser escolhida livremente, um tema frequentemente noticiado nos anos que antecederam a democracia espanhola.

Embora o caminho para a despenalização da contraceção e do aborto tenha sido longo e complicado em Espanha, com a pressão exercida por organizações religiosas e de direita, como o Opus Dei, para limitar a autodeterminação das mulheres em matéria reprodutiva, a tentativa de Gallardón de fazer recuar o relógio do direito ao aborto foi recebida com uma resistência significativa e mobilizações massivas. Entre elas, a Wombastic pretendia ser uma “plataforma gráfica e suporte de cartazes para as próximas manifestações e mobilizações contra uma lei do aborto retrógrada” (“¿Qué Es Wombastic?”, 2014. para. 2). Lançado em apoio de iniciativas que visam defender a lei do aborto de 2010 contra os ataques conservadores, este tipo de protesto artístico reflete as condições sociais das mulheres espanholas numa altura de maior precarização. Como salientam as fundadoras Susanna Martín e Clara Soriano: “a Wombastic surge num momento em que nós, como muitas pessoas, especialmente as mulheres, vivemos (mal), em que o apoio financeiro, os salários e até mesmo os direitos fundamentais, como o direito de decidir sobre o nosso próprio corpo, estão a ser reduzidos” (Gràffica, 2014, para. 3). Uma profunda crise económica mergulhou o país numa grave recessão, e os efeitos das medidas de austeridade implementadas desde 2010 resultaram num clima profundamente anti maternal. Em dezembro de 2013, a sociedade espanhola já tinha assistido a um empobrecimento generalizado, a uma elevada taxa de desemprego entre homens e mulheres, para além da falta de perspetivas de emprego estável, dos cortes no Estado social, da escassez de creches financiadas pelo Estado, da sensação geral de precarização da esperança de vida e da erosão implacável dos direitos duramente conquistados. Entre uma série de reformas misóginas que afetaram mais as mulheres do que os homens, a gota d’água foi a restrição do acesso das mulheres à interrupção voluntária da gravidez.

3. Mobilizando a Iconografia Feminista

Artistas gráficas e ilustradoras responderam com entusiasmo ao convite para submissão de propostas, explorando os recursos expressivos das ilustrações - com a sua mistura de elementos visuais e verbais - para proporcionar uma intervenção crítica de apoio às mobilizações online e presenciais. As ilustrações políticas feministas baseiam-se em escolhas iconográficas específicas que remetem para uma tradição feminista caracterizada cromaticamente pela utilização da cor púrpura, desafiando a linguagem paternalista do projeto de lei antiaborto. No sentido de subverter a retórica paternalista e a pseudológica do Projeto de Lei Orgânica para a Proteção da Vida do Concebido e dos Direitos da Mulher Grávida (Ministerio de Justicia, 2013), muitas das imagens articulam um contra-discurso para desmantelar a intervenção estatal em questões reprodutivas (Mayans & Vacas, 2018, pp. 22-39). A maioria das imagens reflete assim “debates mais amplos nas literaturas feministas sobre ‘escolha’, agência e autonomia sobre o próprio corpo” (Jackson & Valentine, 2017, p. 222). Confrontando a sensação de aprisionamento provocada pela proposta de intervenção do Estado na saúde e nos direitos reprodutivos das mulheres, duas das reações mais comuns oscilam entre uma exposição da violência da reprodução imposta pelo Estado e uma reivindicação empoderada do próprio corpo. Enquanto a primeira é visualmente representada pelo uso de correntes, algemas e dispositivos de imobilização, a segunda articula um contra-discurso ao transformar a anatomia feminina numa tela na qual o direito à autodeterminação encontra expressão verbal.

A falta de sequencialidade das ilustrações de um painel único torna a economia de significação particularmente rigorosa. Porque “uma imagem tem de dizer tudo” (Barbieri, 1991/2013, p. 22), as alusões a Gallardón e ao seu projeto de lei estão muitas vezes presentes através do seu rosto, frequentemente satirizado ou caricaturado. Ao criar imagens impactantes que interpelam diretamente o público, estas composições visuais constituem um comentário crítico sobre a situação política em Espanha e as possíveis consequências das alterações legislativas propostas. Como seria de esperar, as mais de 250 imagens misturam uma variedade de signos feministas reconhecíveis, tais como o punho cerrado no símbolo da mulher, como referência às lutas feministas pela igualdade de género e pelo empoderamento. A imagem do útero, como veremos neste artigo, também está presente em muitas das ilustrações, assim como a iconografia religiosa, revisitada em tons humorísticos e reivindicativos.

Atendendo ao facto de que, como indica Daniele Barbieri (1991/2013), ao contrário da banda desenhada, uma ilustração única difere da banda desenhada, pois “deve dar o máximo de informação de comentário possível” (p. 22), muitas ilustradoras empregam imagens estilizadas e cores básicas. Enquanto outros incluem imagens pictóricas mais elaboradas, alguns tendem a ser muito diretos no uso de referências visuais com piadas curtas e incisivas que reiteram o direito de escolha das mulheres. “Eu decido” é assim apresentado como um comentário a uma infinidade de imagens nas quais a anatomia feminina é reinterpretada de formas criativas. Baseando-se na “natureza essencialmente incorporada tanto do desenho como da leitura de banda desenhada” (Szép, 2020, p. 2) e nas ilustrações, muitas das participantes reclamam e reformulam imagens do útero.

Mantendo o compromisso com a justiça social que inspirou a formação da associação7, um número crescente de pessoas contribuiu com entusiasmo para bloquear um projeto de lei que, se aprovado, faria recuar 30 anos o relógio dos direitos reprodutivos. A sua iniciativa teve um impacto significativo, pois a luta pela autodeterminação reprodutiva e pela propriedade do corpo da mulher havia sido uma questão central nos movimentos feministas espanhóis desde os anos 70. Como resultado, uma grande maioria da sociedade democrática rejeitou veementemente os esforços para aumentar o controle Estatal em matéria reprodutiva.

Nas suas ilustrações, recordam uma iconografia impregnada de tradições filosóficas e feministas. Em diálogo com a teorização contemporânea da natureza política do corpo, destacam o poder das imagens como veículo de ação política. Neste tipo de mobilização coletiva, a autoria dos cartazes torna-se secundária relativamente a uma iniciativa colaborativa que permite que todos os contributos sejam livremente descarregados, partilhados, impressos e distribuídos nas praças físicas e virtuais em Espanha e em todo o mundo. Contra as políticas repressivas neoliberais que, ao longo dos anos, se estenderam das esferas produtivas para as reprodutivas da sociedade, a Wombastic apela a “uma coreografia emocional”, ou seja, “a construção de uma narrativa emocional para sustentar a sua congregação no espaço público” (Gerbaudo, 2012, p. 12), encorajando assim formas de ativismo artístico destinadas a lutar contra a intervenção restritiva do governo em matéria reprodutiva.

4. Recuperando o Próprio Útero

Fundamentada no espírito do ativismo coletivo, a Wombastic incorporou a ideia de Butler de que “para que a política tenha lugar, o corpo tem de aparecer” (Butler, 2011, para. 5) e, assim, participou numa série de iniciativas feministas que apoiaram protestos offline nas ruas e praças espanholas. El Tren de la Libertad, por exemplo, com o seu mote “Eu decido”, inspirou muitos cartazes criados para a Wombastic organizado pelo coletivo feminista Les Comadres, na cidade nortenha de Gijón, criou uma ponte entre ativistas experientes e jovens, levando milhares de mulheres e homens de todos os cantos de Espanha às portas do Congresso dos Deputados, em Madrid, a 1 de fevereiro de 2014, para protestar contra a nova lei antiaborto8.

Problematizando a noção de tota mulier in utero (a mulher é um útero), a Wombastic assinala uma tentativa de recuperar o útero como local de ação política contra a misoginia e o patriarcado. Representa, assim, a anatomia feminina como um meio de transmitir mensagens claras e mobilizar os cidadãos para os protestos. Os cartazes, publicados na plataforma online poucos dias após o lançamento da campanha, destacam a corporalidade dos corpos das mulheres, numa tentativa de reclamar a propriedade do útero como espaço de expressão feminista. Ao fazê-lo, desafiam uma longa tradição misógina que atribui a este órgão um papel fundamental na existência das mulheres.

Em diálogo intertextual com um conjunto de trabalhos filosóficos, médicos e psicanalíticos que interpretam o útero como um fator determinante da saúde física e mental das mulheres, as autoras de Wombastic reformulam o seu significado de múltiplas formas. Enquanto algumas artistas reinterpretam as representações médicas, subvertendo assim o olhar científico, outras aderem a representações autorizadas dos órgãos internos das mulheres como uma forma de confrontar as normas patriarcais. Através de diferentes metáforas visuais, várias artistas desafiam a noção de que a anatomia é um destino determinado pela subordinação a leis reprodutivas repressivas impostas pelo Estado. Inspirados nos protestos do Femen, alguns cartazes concebem os corpos das mulheres como telas onde as suas autoras podem projetar a sua própria posição de sujeito, desafiando assim o olhar masculino que as objetifica e afirmando os seus direitos à autodeterminação e à autorrepresentação.

Em sintonia com o título do projeto Tumblr, muitas das pessoas que colaboram focam-se no útero, numa tentativa de reconcetualizar a anatomia das mulheres. Partindo de uma conceção predominantemente binária da diferenciação de género, as imagens carregadas para esta plataforma estabelecem um diálogo entre si e refletem uma variedade de posições feministas relativamente ao corpo feminino. Como se tornará evidente através de uma leitura atenta de algumas destas ilustrações, elas recorrem a cores vivas, oscilando entre uma reapropriação alegre da sexualidade das mulheres e uma denúncia dos perigos iminentes de um projeto de lei repressivo. Como sublinha María Márquez López (2018), “o governo pretendia privar as mulheres em gestação da sua voz para que dependessem exclusivamente da tutela médica” (p. 279). Contra a redação do novo projeto de lei antiaborto, que concede direitos ao nascituro em detrimento da mulher em gestação, muitas artistas condenam a tentativa de Gallardón de degradar as mulheres ao papel de meras incubadoras, cuja tarefa é “produzir” crianças para a nação, tal como fora durante a ditadura franquista, quando o controlo sobre a sexualidade das mulheres era particularmente rigoroso. Maite Garbayo Maeztu (2016) salienta que “o regime sabe que o controlo do corpo e da sexualidade das mulheres é o mecanismo necessário para garantir que as mulheres continuem a desempenhar o seu papel de reprodutoras biológicas e simbólicas da nação” (p. 11). Dada a persistente influência do regime franquista, a reprodução tem sido uma questão incómoda em Espanha, uma questão que as feministas consideraram particularmente problemática, pela associação das mulheres à maternidade, promovida por esse regime.

Retomando uma longa e dolorosa história de controlo sobre os corpos das mulheres, as imagens de Wombastic desafiam ideias profundamente enraizadas sobre as realidades corpóreas das próprias mulheres, rejeitando a noção de que o corpo feminino deve ser considerado um corpo potencialmente reprodutivo. Para transmitir esta mensagem, recorrem a várias metáforas visuais que “são mais diretamente inspiradas pela nossa experiência física” (El Refaie, 2019, p. 7). As imagens armazenadas no seu website utilizam frequentemente uma paleta cromática de rosa e roxo para revelar tensões com uma longa história de pensamento para a qual “as especificidades do corpo feminino, a sua natureza particular e os ciclos corporais - menstruação, gravidez, maternidade, lactação, etc. - são ( … ) considerados uma limitação ao acesso das mulheres aos direitos e privilégios que a cultura patriarcal concede aos homens” (Grosz, 1994, p. 15). Refletindo a desconfiança com que as feministas igualitárias reagiram ao feminismo francês e italiano da diferença, muitas artistas envolvidas nesta iniciativa mobilizam ideias que visam dissipar a equação ultrapassada da feminilidade com a maternidade.

Tal como nos protestos dos anos 1970 e 80, várias artistas insistem que a reprodução deve ser uma opção livremente escolhida pelas mulheres e não uma imposição contrária aos seus objetivos de vida. Como na famosa distinção popularizada por Adrienne Rich entre maternidade e maternagem, qualquer forma de maternagem - segundo as ativistas espanholas - deve ser o resultado de uma decisão pessoal, não de uma obrigação sancionada pelo Estado. Além disso, desafiando a ideia de Simone de Beauvoir de que a maternidade é um papel castrador e antitético a qualquer tipo de discurso emancipatório, artistas como Paulapé (2014) promovem uma mensagem pró-escolha por meio de uma imagem que retrata uma mulher grávida com a frase: “ser mãe é um direito, não uma obrigação”. Há alusões à perspetiva anti-maternidade de Beauvoir numa representação que parece ser a capa de um livro, com a imagem de um feto dentro de uma bolha preta ligada por uma corrente a uma algema. Esta imagem está ao lado da silhueta de uma mulher grávida, cujo rosto não é visível (Figura 1). A citação “a liberdade começa no útero”, atribuída à pensadora francesa, destaca a importância de tornar a reprodução uma escolha, simbolizada pela algema aberta.

Fonte. Retirado de Wombastic, por Manada de Lobxs, 2014, 2 de março. (https://wombastic.tumblr.com/post/78322849138/manada-de-lobxs)

Figura 1 La libertad empieza por el vientre 

Contra um regime onde as mulheres são privadas de uma saída para o imperativo da reprodução, a imagem, assinada por Manada de Lobxs, rejeita uma relação punitiva, disciplinadora e alienante com a reprodução.

Dada a influência da Igreja Católica nas tentativas de Gallardón para alterar a lei do aborto, as referências a imagens religiosas estão interligadas com representações dos órgãos reprodutores das mulheres em vários cartazes feministas. Como seria de esperar, em alguns deles, o crucifixo, as contas do rosário e outros símbolos religiosos são utilizados para desfazer os dogmas da Igreja relativamente à sexualidade e à reprodução. Entre as mais de 250 imagens carregadas na plataforma, o conhecido mote “tire o seu rosário dos nossos ovários” acompanha várias imagens que utilizam um fio de contas para criar desenhos estilizados do aparelho reprodutor das mulheres9.

Recuperando o útero como um espaço seu, Sara Catalina transforma-o numa criação florida que, de forma jocosa, afirma os seus próprios direitos (Figura 2). Numa ilustração a lápis de cor vibrante, as imagens florais são utilizadas para afirmar os direitos das mulheres sobre os seus próprios órgãos reprodutores. Ao fazer florescer o útero, a artista sublinha visualmente o controlo das mulheres sobre a sua própria fertilidade. Ao contrário do tropo bíblico e medieval do hortus conclusus, que encerrava a sexualidade feminina numa ordem social masculina repressiva, a imagem de Catalina, intitulada “Mi Jardín” (O Meu Jardim), mobiliza a fecundidade e a reprodução como atributos feministas.

Fonte. Retirado de Wombastic, por Sara Catalina, 2014, 11 de fevereiro. (https://wombastic.tumblr.com/post/76315543982/sara-catalina)

Figura 2 Mi jardín 

As cores alegres da composição floral, composta por jarros, tulipas, cravos e violetas, sustentam a noção de que a anatomia feminina não condena as mulheres a uma vida de trabalhos pesados. Por outro lado, o recurso a tons vivos de amarelo, vermelho e púrpura recorda as cores da bandeira republicana, estabelecendo assim uma ponte ideológica com o breve governo progressista de esquerda de 1931-1936 que as tropas franquistas haviam derrubado durante a Guerra Civil. Se durante a Segunda República as mulheres conquistaram direitos legais sem precedentes, incluindo o direito de voto, o direito ao divórcio e ao aborto, o franquismo colocou as mulheres sob a jurisdição masculina, sancionando a maternidade como destino natural das mulheres, à sombra de discursos repressivos obscurecidos pelos setores mais reacionários da hierarquia católica10. A imagem é acompanhada por dois pequenos letreiros de madeira que afirmam o direito das mulheres a podar os seus próprios jardins ou a fornecer-lhes os nutrientes necessários: “eu corto” e “eu rego”, os letreiros resumem a autonomia das mulheres em matéria de reprodução. A composição florida derruba a noção de que a anatomia é um destino cruel sujeito às leis patriarcais.

Desfazendo os tons misóginos da “síndrome da abelha-rainha”, que simboliza a falta de empatia das mulheres em ambientes profissionais, a vinheta de Alba Blanco (2014) é intitulada “A Importância de Ser uma Abelha-Rainha” (Figura 3).

Fonte. Retirado de Wombastic, por Alba Blanco, 2014, 12 de fevereiro. (https://wombastic.tumblr.com/post/76411132274/alba-blanco)

Figura 3 La importância de ser uma abeja reina 

A vinheta presenta um desenho a lápis de cera rosa e verde de uma abelha rainha cujas asas têm a forma de ovários, enquanto a parte inferior do corpo do inseto se assemelha claramente aos órgãos reprodutores femininos. A metamorfose da anatomia feminina traduz a função deste inseto, cujo único papel na colmeia é a reprodução. O desenho, ao fundir as funções sociais e biológicas atribuídas a esta criatura, coloca em primeiro plano a criatividade feminina ao reapropriar-se de uma figura cujos atributos parecem antitéticos à libertação da mulher. A metamorfose da anatomia feminina em tons de rosa, verde-claro, amarelo e azul-água cria uma sensação de serenidade mais parecida com os cartões Hallmark do que com imagens feministas radicais. Esta harmonia transmite a mensagem do desenho de que as mulheres serão as suas próprias abelhas-rainhas e voarão para longe dos imperativos reprodutivos normativos. Reconcetualizado e reapropriado para uma causa feminista, o tropo da “abelha-rainha” visa desfazer as conotações negativas do inseto, enquanto luta contra a metamorfose kafkiana que o projeto de lei antiaborto de Gallardón visa impor às mulheres.

Alertando para os efeitos nefastos do dogma da Igreja na existência das mulheres, Virgulilla Ilustración (2014; Figura 4) cria uma imagem sombria que evidencia o peso da doutrina religiosa na restrição da liberdade das mulheres.

Fonte. Retirado de Wombastic, por Virgulilla Ilustración, 2014, 12 de fevereiro. (https:// wombastic.tumblr.com/post/76466034834/virgulilla-ilustraci%C3%B3n)

Figura 4 Sem título 

Ao apresentar uma mulher que, tal como um penitente durante uma procissão da Semana Santa, arrasta um pesado crucifixo com a forma de um útero ensanguentado, a imagem evoca o ensinamento católico de que todos os seres humanos têm de carregar as suas próprias cruzes. Assim, o cartaz mostra como, nas mãos dos políticos de direita, a biologia das mulheres se torna o local de sofrimento imposto pela Igreja. Tal como a legenda da imagem indica, as opiniões políticas de Gallardón estigmatizam as mulheres: “as vossas ideias transformam o meu corpo numa cruz que tenho de carregar”. É contra a retórica que visa subjugar as mulheres e torná-las reféns do Estado e do pensamento religioso misógino que muitas das artistas de Wombastic expressam a sua discórdia.

É possível encontrar respostas criativas ao papel da hierarquia eclesiástica na cruzada contra os direitos das mulheres em vários dos cartazes carregados na plataforma em fevereiro, mês em que os protestos feministas foram mais intensos. Entre eles, uma das imagens mais marcantes mostra um torso feminino jovem, sem cabeça e nu, que foi esvaziado, como num atlas médico (Figura 5).

Fonte. Retirado de Wombastic, por Kali Motxo Amb Gel, 2014, 15 de fevereiro. (https://wombastic.tumblr.com/post/76727373367/kali-motxo-amb-gel)

Figura 5 Sem título 

A imagem revela o interior da mulher, evocando textos canónicos da ciência obstétrica. No entanto, como numa obra de ficção científica distópica, o útero da mulher é ocupado pela tecnologia ao serviço da Igreja. Em vez de revelar um feto ou os órgãos internos, a imagem mostra a estranha cena de um bispo debruçado sobre um complexo painel de controlo, como se comandasse uma nave espacial. Com um sorriso malicioso, o alto prelado parece prestes premir um botão com a mão direita enquanto segura um joystick, um símbolo fálico, com a esquerda. Não tendo ele próprio um falo (o que a imagem insinua), o prelado retira prazer apenas do facto de controlar o corpo da mulher para funcionar conforme a sua vontade. Aludindo ao olhar médico que anunciava o aparecimento de uma nova forma de controlo da reprodução, a imagem encena o regresso do poder eclesiástico sobre o corpo da mulher.

Se a exibição do tronco feminino cria uma ligação com os protestos do Femen que, na altura, eram orquestrados em várias igrejas espanholas, a presença de um bispo com uma mitra a programar o funcionamento do útero de uma mulher reconhece claramente a influência regressiva que os prelados da Igreja pretendiam alcançar. Perturbadora e contundente, esta obra, de uma artista catalã identificada como Kali Motxo Amb Gel (2014), é acompanhada pela mensagem clara e direta: “saiam daqui, lagartos”. Contra o poder rastejante da Igreja, com a sua vontade de dominar e moldar a vida das mulheres, aprisionando-as e condenando-as a procriar contra a sua vontade, vários lemas de artistas, desenhados nos abdómenes das mulheres, transmitem mensagens contra-hegemónicas contra a apropriação do poder gerador das mulheres.

Muitas artistas sobrepuseram imagens dos órgãos reprodutores das mulheres ao rosto de Gallardón para denunciar a tentativa do ministro da Justiça de silenciar as mulheres. Misturando representações caricaturais e imagens paródicas, estas imagens poderosas “atingem-nos, mexem profundamente connosco” (Olías, 2014, para. 1), como refere a artista gráfica Susanna Martín11. Exibidas nas ruas, partilhadas na Internet, coladas em candeeiros de rua e nas paredes das cidades, enviam mensagens duras contra uma reforma legal anacrónica que a sociedade espanhola rejeitou. Um grande segmento da população saíra à rua para se manifestar contra as vagas de cortes orçamentais que haviam deixado a classe média espanhola bastante empobrecida; essas pessoas não estavam dispostas a ceder mais direitos. Vários cartazes, que refletem esse sentimento generalizado, apresentam referências claramente identificáveis com os acontecimentos atuais, especialmente com as políticas anti-vida apoiadas pelo PP. Em “Punhaladas no PP”, as narrativas visuais de um painel único demonstram como a xenofobia anda de mãos dadas com tentativas concretas de eliminar os direitos das mulheres à autodeterminação em matéria reprodutiva (Jesús AG, 2014). De facto, como Rosalyn Diprose e Ewa Ziarek (2018) argumentaram, mesmo nas democracias liberais, os sentimentos xenófobos acompanham frequentemente as políticas que visam controlar os direitos reprodutivos das mulheres. As políticas implementadas por este Governo de direita foram “tentativas de restringir a autodeterminação reprodutiva das mulheres” coincidindo com “a intensificação da hostilidade contra imigrantes e refugiados” (Diprose & Ziarek, 2018, p. 1). A mesma retórica de proteção utilizada no projeto de lei antiaborto é utilizada no projeto de lei anti-imigrante, que invoca a segurança dos cidadãos para demonizar a imigração. Ao expor a vacuidade da posição pró-vida de Gallardón, o cartaz apresenta um diálogo imaginário entre o antigo Primeiro-Ministro Mariano Rajoy e o seu ministro da Justiça. Este diálogo revela a necropolítica do seu Governo de direita ao decidir quais vidas merecem ser salvas e quais são consideradas dispensáveis. A conversa sugere que um aborto foi provocado pelas forças institucionais encarregadas de patrulhar o posto fronteiriço da cidade de Melilla, um território espanhol no norte de África, onde estão instaladas vedações de arame farpado para impedir a entrada de pessoas na Europa (Jesús AG, 2014). Uma mulher perdeu o seu filho ainda não nascido ao tentar atravessar essa fronteira. Refletindo as teorias de Mbembe (2019) sobre as práticas de morte que determinam “quem pode viver e quem deve morrer”, a imagem expõe a falsa defesa da vida humana inerente às leis anti-imigração de Espanha.

Extremamente críticos da retórica enganosa de apoio à vida humana expressa no projeto de lei antiaborto, os artistas gráficos Cristina Duran e Miguel Giner Bou (2014), são conhecidos pela sua banda desenhada socialmente empenhada. Autores do livro de memórias gráficas Una Posibilidad Entre Mil, que narra a luta da filha Laia para sobreviver à paralisia cerebral, conhecem de perto os desafios de criar uma criança afetada por uma doença grave que requer atenção constante e fisioterapia diária num país que tem cortado sistematicamente os fundos para a saúde e a deficiência. Com o seu estilo bem conhecido, de linhas grossas e quase geométricas, Cristina e Miguel assinam uma imagem incisiva, com fortes conotações autobiográficas, em que uma criança em cadeira de rodas, com uma máscara de oxigénio, é ajudada por uma figura cuidadora, que se assemelha à própria Cristina. Enquanto a novela gráfica que relata os primeiros anos de vida de Laia começa quando Laia ainda é uma criança - mostrando o seu progresso na recuperação da mobilidade afetada pelo AVC que sofreu horas após o nascimento - esta imagem mostra uma criança muito mais velha, cuja cadeira de rodas é muito mais pesada (Figura 6).

Fonte. Retirado de Wombastic, por Cristina Duran/GinerBou, 2014, 1 de fevereiro. (https://wombastic.tumblr.com/post/75250204757/cristinaduranginerbou)

Figura 6 Sem título 

A imagem mãe-filha é acompanhada de uma pergunta que questiona a suposta defesa da vida não nascida por Gallardón. A figura materna, curvada na sua tentativa de empurrar uma pesada cadeira de rodas, pergunta: “porquê tanta preocupação com o nascituro se depois abandonam e desprezam o que já nasceu?”. Face aos cortes aplicados pelo Governo do PP no apoio à assistência a pessoas dependentes e deficientes, cortes que deixaram as famílias a suportar o ónus do apoio, a pretensão de “proteger” a vida por nascer parece bastante incongruente e enganadora. O partido que dizia defender a proteção da vida do nascituro condenou os seus cidadãos a uma vida de miséria. A posição hipócrita do Governo de direita sobre a vida, as medidas impiedosamente capitalistas e os cortes na igualdade de género provocaram uma onda de reações feministas que expuseram a duplicidade da proposta legislativa conservadora de Gallardón.

A duplicidade do Governo do PP relativamente às políticas sociais também encontra expressão noutros cartazes que condenam um discurso altamente suspeito num país cujo caminho peculiar para a democracia e a igualdade de género é caracterizado pela falta de apoio Estatal nas políticas de cuidados infantis. Enquanto a direita censura o chamado “inverno demográfico”, sociólogos e demógrafos afirmam que, tal como a Itália, este país do sul do Mediterrâneo tem sido “pobre em crianças e pobre em políticas familiares” durante muito tempo (Delgado et al., 2008, p. 1059). Ironicamente, em vez de resolver os obstáculos estruturais, as políticas de direita favoreceram um regresso aos papéis tradicionais de género. Esther Vivas (2012) sublinha: “a atual solução para esta crise tenta trazer as mulheres de volta a casa, ressuscitando papéis familiares e de género ultrapassados. Trata-se de uma ofensiva total contra os direitos económicos, sexuais e reprodutivos” (para. 12). Se a isto juntarmos o impacto das medidas de austeridade implementadas desde 2010 em resposta à crise económica, o resultado é um clima profundamente anti-maternidade.

Cego a esta realidade social e no meio de uma recessão económica, Gallardón afirmou descaradamente que o novo projeto de lei do aborto iria efetivamente conceder às mulheres o direito a ter filhos. “Penso no medo que as mulheres têm de perder o emprego”, declarou com grande paternalismo ao afirmar que o seu projeto de lei salvaguardaria os direitos das mulheres, mas esqueceu-se de quanto o seu próprio partido havia contribuído para desmantelar todos os mecanismos que poderiam impedir uma empresa de despedir uma mulher grávida (Gutiérrez Calvo & Morán Breña, 2012). Este era o partido que não tivera piedade das mães solteiras e das famílias que não conseguiam pagar as suas hipotecas e que, por isso, eram despejadas, ficando sem qualquer proteção legal ou económica. Em alusão às políticas de despejo impiedosas que deixaram milhares de mulheres e crianças sem casa e que permitiram aos bancos expropriar os bens daqueles que perderam os seus empregos e não conseguiram pagar as suas hipotecas, a conhecida artista gráfica Susanna Martín compõe um cartaz visualmente marcante. Famosa pelo seu compromisso social e coautora, com Isabel Franc, de romances gráficos como Alicia en un Mundo Real (Alicia num Mundo Real; 2010) e Sansamba (2014), e coordenadora da Wombastic, desenha uma mensagem politicamente relevante. Sobre um fundo cinzento-escuro, o tronco de uma mulher vestida com uma t-shirt branca está pronto para participar num combate de boxe e exibe a frase: “nem Deus expropriará o meu útero”. Ao expor as políticas de extração do Governo de Marino Rajoy, Martín, tal como outros ilustradores, revela uma figura feminina com poder para defender os seus direitos.

Muitas das imagens da Wombastic colocam em primeiro plano mensagens que insistem no direito à autodeterminação, afirmando a propriedade das mulheres sobre os seus próprios corpos. Ao fazê-lo, mobilizam imagens do útero, da barriga e da vagina para mostrar que as mulheres não estão dispostas a abdicar da sua soberania corporal. O abdómen das mulheres torna-se assim a superfície em que se exprime a rejeição do novo projeto de lei antiaborto. Entre janeiro e setembro, quando Gallardón se demitiu do cargo de ministro da Justiça, a anatomia das mulheres foi mobilizada sob diversas formas, todas elas unidas na condenação da política conservadora. Graças à Wombastic, o mundo da ilustração e das narrativas gráficas viu o útero tornar-se um palco importante do ativismo político em defesa dos direitos das mulheres, uma forma corporizada de revolta, que contribuiu com sucesso para “abortar” as tentativas de Gallardón de restringir os direitos reprodutivos das mulheres, como indicado na última imagem carregada no Tumblr em 13 de setembro de 2014. Como uma constelação de imagens fortes, a Wombastic emprega com sucesso o humor feminista para estimular a ação comunitária. Ao fazê-lo, esta rede digital opõe-se à reação institucional orquestrada pela direita espanhola e desafia eficazmente as estruturas patriarcais.

5. Conclusões

As repercussões deste empreendimento colaborativo, ainda disponível online, continuam a atestar a sua importância. A inclusão de várias das ilustrações publicadas na Wombastic no contexto da recente exposição de arte “Mujercitas de Todo el Mundo, Uníos! Autoras de Cómic Adulto (1967-1993)” (Figura 7), realizada na Biblioteca y Centro de Documentación do Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía em Madrid (24 de fevereiro a 9 de junho de 2023), reforça o valor artístico, político e social desta iniciativa. Embora a museificação de protestos políticos possa ser entendida como problemática, a exposição destas imagens lado a lado com trabalhos de artistas e ilustradoras importantes como Montse Clavé, Núria Pompeia e Marika Vila, entre outras, insere-as numa genealogia de criadoras feministas, cujo significado começa a ser “redescoberto” por instituições culturais espanholas importantes. Como indica a seleção de ilustrações expostas na biblioteca, os corpos das mulheres são ressignificados e mobilizados seguindo uma tradição visual feminista que reflete as lutas das mulheres da década de 1970, bem como os movimentos sociais online e coletivos dos protestos do 15M Indignados. Do domínio digital para as praças públicas e daí para as paredes de um museu progressista, este tipo de ação coletiva feminista prova a relevância da criação feminista para as mudanças sociais. No fundo, as caricaturas políticas feministas abrem as portas a um novo imaginário que visa “poder criar e transformar coletivamente as nossas condições de existência” (Garcés, 2013, p. 22). Ao criar uma coletividade unida na sua tentativa de preservar os direitos reprodutivos contra a intervenção do Estado, a Wombastic acionou o potencial criativo da ilustração política, fazendo a ponte entre o feminismo académico e a cultura popular num meio virtual repleto de possibilidades de intervenções de rua.

Créditos. Marina Bettaglio

Figura 7 Imagens da Wombastic incluídas em “Mujercitas de Todo el Mundo, Uníos! Autoras de Cómic Adulto (1967-1993)”, Museo Reina Sofía, Madrid, 9 de julho de 2023 

As ilustrações aqui estudadas estabelecem um diálogo com diversas vertentes do pensamento feminista que vão desde a teorização de Simone de Beauvoir até um feminismo “vibrante”, mais alegre e jocoso, para usar a expressão de Ana Requena (2020). Assim, muitas das composições visuais e verbais sugerem uma abordagem lúdica da saúde sexual e reprodutiva, recuperando o prazer. Ao colocar em primeiro plano uma multiplicidade de pessoas empoderadas que não têm medo de desfrutar da sua sexualidade, estas intervenções feministas atestam a efervescência da cena da banda desenhada espanhola e o seu potencial de intervenção política.

Agradecimentos

Esta investigação foi possível graças a uma Bolsa Insight do Conselho de Investigação em Ciências Sociais e Humanas, intitulada “Maternal Self-Expression in Spanish Graphic Narratives: Beyond Patriarchy and Neoliberalism?” (A Auto-Expressão Materna nas Narrativas Gráficas Espanholas: Para Além do Patriarcado e do Neoliberalismo?). A autora deseja agradecer o apoio da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade de Victoria, do pessoal da Biblioteca McPherson, da Dra. Hélène Cazes, cuja paixão pela banda desenhada e pelas narrativas gráficas inspirou este projeto, e da Dra. Erin Campbell, cujas generosas sugestões bibliográficas ajudaram a melhorar este ensaio. O trabalho preliminar sobre a influência da Igreja Católica em questões reprodutivas em Espanha foi realizado com o auxílio de uma bolsa do Centro de Estudos em Religião e Sociedade da Universidade de Victoria (2017).

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1Sobre o impacto do movimento 15M na sociedade espanhola, ver Pereira-Zazo e Torres (2019).

2Intitulada “Lei Orgânica Sobre Saúde Sexual e Reprodutiva e Interrupção Voluntária da Gravidez”, enquadrava a contraceção e o aborto no âmbito dos direitos humanos e dignidade das mulheres. Tal como o texto da lei indica, constituía um passo em direção a uma legislação semelhante à de outros Estados europeus, uma vez que deixava de considerar o aborto um crime sujeito ao código penal (Ley Orgánica 2/2010, 2010).

3Sobre a cronologia da proposta de lei do aborto, ver “Cronología del Antiproyecto de Ley del Aborto” (Cronologia da Proposta de Lei Antiaborto; 2014), publicada no jornal de direita ABC.

4Várias ilustrações publicadas no Wombastic foram incluídas nesta exposição, de 24 de janeiro a 9 de junho de 2023. Para mais informações sobre a exposição, ver Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía (s.d.).

5Embora os cartoons políticos e romances gráficos focados nos protestos do 11M tenham recebido muita atenção em pesquisas anteriores, Torres (2013), Catalá-Carrasco (2017), Dapena (2015), entre outros, o humor feminista merece uma análise mais detalhada.

6Para apoiar as mulheres artistas gráficas, “o principal objetivo deste coletivo é lutar em conjunto para fazer do mercado da banda desenhada um espaço igualitário, no qual as mulheres autoras sejam reconhecidas pelo seu trabalho e pelos seus méritos, sem mencionar o seu género ou suposta ‘sensibilidade’” (Sobre o Coletivo AUTORAS DE CÓMIC, s.d.). A autora agradece a Joseph Grossi a sua colaboração na redação deste artigo.

7Como observou uma das fundadoras, Carla Berrocal, “começou sobretudo como uma iniciativa de justiça social. Vivemos numa sociedade em que temos o falso conceito de que a ‘cultura’ é democrática e igualitária, e isso é uma mentira. No mundo da banda desenhada, ainda há muito a fazer, a começar pela recuperação da obra das autoras que viveram mais tempo” (Vaquero, 2015, para. 2).

8Les Comadres é composta por uma geração de ativistas políticas que saíram às ruas já nos anos 1970.

9As imagens aqui selecionadas incluem aquelas onde o útero adquire particular destaque e aquelas que oferecem a crítica mais contundente ao projeto de lei antiaborto.

10Sobre a retórica franquista em matéria de reprodução, ver Morcillo (2000) e Roca i Girona (1996). Entre a extensa bibliografia sobre as lutas feministas dos anos 1970, ver nomeadamente Moreno (1977), Folguera (2007) e Nash (2007). As reflexões de Monserrat Roig (1978) sobre a relação das mulheres com a sexualidade e a reprodução, incluídas em El Derecho a la Contracepción (O Direito à Contraceção), de E. Castells, com ilustrações de Núria Pompeia, continuam a ser fundamentais para compreender a árdua luta pela conquista dos direitos reprodutivos na Espanha pós-Franco.

11Entrevista com Susana Martín em Laura Olías (2014), “Ilustraciones que Abanderan la Lucha Contra la Reforma del Aborto” (Ilustrações que Lideram a Luta Contra a Reforma do Aborto).

Recebido: 21 de Março de 2023; Aceito: 08 de Maio de 2023

Tradução: Anabela Delgado

Marina Bettaglio é professora catedrática no Departamento de Estudos Hispânicos e Italianos da Universidade de Victoria (Canadá). A sua investigação incide sobre questões de representação e autorepresentação em vários média, com especial destaque para a construção discursiva das figuras maternas na Espanha e Itália contemporâneas. Explorando o modo como as imagens da maternidade constituem poderosos instrumentos ideológicos que moldaram a identidade das mulheres ao longo da história, a sua investigação aborda a resposta das narrativas maternas às noções patriarcais de conduta materna adequada e à autopromoção neoliberal na Espanha pós-Franco e Itália. Entre as suas publicações mais recentes destaca-se o número especial da Revista Canadiense de Estudios Hispánicos, coeditado com Elizabeth Montes Garcés e María Elsy Cardona (2019), dedicado a romances gráficos de autoria feminina, e vários artigos sobre narrativas gráficas feministas. O seu atual projeto de livro, para a Wilfred Laurier University Press, intitula-se An Intimate Public for Mothers: Drawing (on) Maternal Experiences in Contemporary Spanish Graphic Narratives (Um Público Íntimo Para Mães: As Experiências Maternas nas Narrativas Gráficas Espanholas Contemporâneas). Está prevista a publicação de um número especial da Revista ALCESXXI, coeditado com Olga Albarrán Caselles e intitulado Maternidad, Reproducción Social y Cuidados en la Época Neoliberal: Descolonizando el Imaginario Patriarcal (Maternidade, Reprodução Social e Cuidados na Era Neoliberal: Descolonizar o Imaginário Patriarcal). Email: bettagli@uvic.ca Morada: Department of Hispanic and Italian Studies, University of Victoria, Clearihue Building A405 Victoria, BC, Canada

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