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Revista Lusófona de Estudos Culturais (RLEC)/Lusophone Journal of Cultural Studies (LJCS)

versión impresa ISSN 2184-0458versión On-line ISSN 2183-0886

RLEC/LJCS vol.10 no.1 Braga jun. 2023  Epub 30-Jun-2023

https://doi.org/10.21814/rlec.4362 

Artigos Temáticos

Afeção, Participação e Coprodução Territorial. O Projeto Mirada de Barrio, em Santiago do Chile

Luis Campos Medinai  , Concetualização, curadoria dos dados, análise formal, aquisição de financiamento, investigação, metodologia, supervisão, validação, visualização, redação do rascunho original, redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0002-5157-4974

Cynthia Pedrero Paredesi  , Análise formal, visualização, redação do rascunho original, redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0003-2690-2611

Mónica Aubán Borrelli  , Análise formal, visualização, redação do rascunho original, redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0001-5871-1284

i Instituto de la Vivienda, Facultad de Arquitectura y Urbanismo, Universidad de Chile, Santiago de Chile, Chile


Resumo

O projeto Mirada de Barrio (Visão do Bairro) foi desenvolvido pelo Museo de la Solidaridad Salvador Allende entre os anos 2017 e 2019, com a finalidade de estabelecer um novo vínculo entre o museu e o bairro onde está localizado: o bairro República, da cidade de Santiago do Chile. Neste texto abordamos as modalidades de produção do território envolvidas no conjunto de ações implementadas no âmbito desse projeto. Com isso, buscamos contribuir para uma discussão na qual comummente se esquece que o território também é uma realidade sensível e que, consequentemente, importa incluí-lo entre os focos de observação da mediação artística dado que aí se expressa um de seus efeitos mais poderosos. Nossa metodologia é baseada na sistematização de experiências e em ferramentas provenientes da autoetnografia, através das quais analisamos a participação direta de um dos autores no processo. Afirmamos que o projeto Mirada de Barrio permitiu a abertura na construção coletiva do território, rompendo a partilha do sensível que se manifesta em formas de sociabilidade caracterizadas pela desconfiança, o descaso a outras formas de apropriação que não sejam a propriedade privada e a desconexão afetiva com o território que é habitado. Desta forma, o novo vínculo entre bairro e museu gerado por um processo de participação efetivo desencadeia práticas de convivência e cooperação através das quais se expressa uma nova forma de coprodução territorial que considera elementos sensíveis e afetivos, antes não conscientemente considerados pelos habitantes na sua vida cotidiana de bairro.

Palavras-chave afeção; coprodução territorial; curadoria participativa; museu; território

Abstract

The Mirada de Barrio (View From the Neighbourhood) project was developed by the Museo de la Solidaridad Salvador Allende between 2017 and 2019 to establish a new link between the museum and the neighbourhood where it is located: the República neighbourhood in Santiago de Chile. This paper addresses the territory’s production modalities related to the actions implemented within this project’s scope. In this way, we seek to contribute to a discussion that often overlooks the fact that territory is also a sensitive reality and that, consequently, it is important to include it among the focuses of observation of artistic mediation since it expresses one of its most powerful effects. Our methodology relies on the systematisation of experiences and self-ethnography tools, through which we analyse the direct participation of one of the authors in the process. The Mirada de Barrio project provided openness for the collective construction of territory, overcoming the sharing of what is sensitive, which prevails in forms of sociability characterised by mistrust, disregard for forms of appropriation other than private property, and affective disconnection with the inhabited territory. The new link between the neighbourhood and the museum, generated by effective participation, prompts practices of coexistence and cooperation through which a new form of territorial co-production emerges, one that considers sensitive and affective elements previously not consciously regarded by the residents in their daily life in the neighbourhood.

Keywords attachment; territorial co-production; participatory curation; museum; territory

1. Introdução

O projeto Mirada de Barrio (Visão do Bairro) foi uma intervenção desenvolvida pelo Museo de la Solidaridad Salvador Allende (MSSA) entre os anos 2017 e 2019. Teve como finalidade estabelecer um novo vínculo entre o museu e o bairro onde está localizado: o bairro República, da cidade de Santiago do Chile. Intitulado Curadoria e Valorização Participativa Entre o Bairro República e o Museo de la Solidaridad Salvador Allende, o projeto teve como objetivo principal desenvolver um processo participativo que fosse concluído com uma exposição de obras do acervo do museu, e cuja curadoria estivesse nas mãos das e dos moradores do bairro. O projeto foi financiado pelos Fundos de Cultura do Conselho Nacional da Cultura e das Artes.

O projeto Mirada de Barrio, e a sequência de ações que originou e se projetaram até o ano 2021, acaba de ser alvo de uma importante publicação por parte do MSSA. Sob o título Mirada de Barrio. Arte y Participación Colectiva para Imaginar Territorios y Comunidades (Mirada de Barrio. Arte e Participação Coletiva Para Imaginar Territórios e Comunidades; Martínez et al., 2022), o livro integra uma síntese reflexiva do processo e uma exposição detalhada do conjunto de atividades realizadas ao longo do período de ação. Esta obra constitui um material de base fundamental para a redação deste artigo, em complemento com a experiência de um dos autores, que formou parte da equipe de intervenção do projeto citado.

A intervenção gerada pelo projeto Mirada de Barrio constitui uma novidade na paisagem da mediação artística e dos museus no Chile atual (Peters, 2021). Apesar da participação e da interação com os públicos parecer fazer parte da ordem do dia para as instituições culturais que desenvolvem práticas de mediação artística (Morgado, 2018), é algo pouco habitual para a realidade nacional do Chile estabelecer como central a interação com os territórios. Daí o interesse na sua análise e compreensão.

Não obstante, a interpretação que aqui propomos não se centra na mediação artística em si mesma, mas sim nas suas consequências territoriais. Dito de outra forma, colocamos o foco nas modalidades da produção de território envolvidas no conjunto de ações implementadas no âmbito do projeto Mirada de Barrio. Com isso, buscamos contribuir para uma discussão na qual comummente se esquece que o território também é uma realidade sensível e que, consequentemente, importa incluí-lo entre os focos de observação da mediação artística dado que aí se manifesta um de seus efeitos mais poderosos. O pressuposto da nossa indagação é que o projeto teve por objetivo atuar sobre o bairro (o que em si constitui um efeito territorial), mas não foi necessariamente capaz de identificar todas as dimensões ou componentes desse efeito territorial e é por isso que a análise aqui apresentada pode ser relevante. Neste sentido, é importante destacar que a nossa análise não pretende abarcar a totalidade do processo de intervenção, mas sim a sua dimensão territorial, à luz da particular conceitualização que aqui propomos.

O artigo integra seis secções. Na primeira delas, apresentamos informações sobre o bairro República, o MSSA e o projeto Mirada de Barrio. Na segunda secção, explicamos nossa metodologia. Na terceira e quarta, abordamos os elementos teóricos que sustentam o nosso estudo, dando ênfase à intervenção desenvolvida pelo projeto Mirada de Barrio como dispositivo de afeção sensível e às perspetivas analíticas do território. Na quinta, analisamos uma seleção de três marcos implementados pelo projeto: a pesquisa, os encontros e a exposição, os quais serão abordados com o objetivo de dar conta dos gestos territoriais implicados na intervenção. Finalmente, na sexta secção, desenvolvemos as conclusões do nosso estudo, abordando as implicâncias e aprendizagens que o nosso trabalho pode ter para a mediação artística.

2. Um Bairro, um Museu, um Projeto

Para iniciar o nosso exercício de contextualização devemos atender à primeira das unidades territoriais sobre as quais o projeto que buscamos analisar vai se implementar: o bairro. Com relação à introdução desta noção, é importante explicar que no Chile não existe a categoria administrativa de bairro. Assim, ainda que sua presença seja comum na linguagem cotidiana e na institucional, o emprego desta denominação surge do uso e da convenção, para se converter, às vezes, numa ferramenta organizacional dos municípios. Esse é o caso do município de Santiago, que segmentou seu território a partir dos bairros reconhecidos no uso cotidiano. Um deles é o bairro República, o lugar onde se encontra o MSSA.

O bairro República surgiu no final do século XIX, quando o então intendente de Santiago, Benjamín Vicuña Mackenna, se propõe a construir um novo bairro destinado às famílias mais acomodadas da época e se edificam casarões e imponentes palacetes, de variados estilos arquitetónicos e grande elegância. Além disso, o próprio Vicuña Mackenna batizou as ruas do bairro com os nomes de importantes personagens estrangeiros que contribuíram para o desenvolvimento do Chile, nos âmbitos político, científico ou arquitetónico. Estreitamente relacionado com esta origem, em novembro de 1992, o Conselho de Monumentos Nacionais declarou como “zona tipica” três setores do bairro: (a) os casarões da avenida República, que estão compreendidos entre as ruas Sazie e Gay; (b) Pasaje República, esquina com General García; e (c) o Conjunto Virginia Opazo, ato que contribuiu para a constituição de uma imagem de bairro histórico, tanto para seus habitantes como para o exterior (Zúñiga, 2017, p. 96).

Com relação à sua composição demográfica, o censo de 2002 indicava que o bairro República albergava aproximadamente 6.048 habitantes, dos quais 3.120 eram mulheres e 2.928 eram homens, com uma faixa etária concentrada entre 20-44 anos, o que indica que uma grande percentagem da população do setor é jovem ou adulto jovem, uma realidade associada à sua condição de zona universitária e, também, à aparição de edifícios para famílias jovens. Atualizando e detalhando um pouco mais algumas características desta composição demográfica, o estudo Evolución del Barrio Universitario de Santiago Como Campus Urbano Abierto: Desafíos y Oportunidades (Evolução do Bairro Universitário de Santiago como Campus Urbano Aberto: Desafios e Oportunidades), de Gustavo Munizaga (2008), refere que nos 400 hectares que, aproximadamente, compõem a estrutura do bairro convive uma população residencial de 25.640 pessoas com uma população estudantil composta por um total de 60.000 estudantes. Junto a isso, convém destacar que o bairro República alberga uma diversidade importante de habitantes (estudantes, trabalhadores, imigrantes, etc.) e de instituições sociais, económicas e educativas (em sua maioria de nível superior, institutos e universidades) que, em seu conjunto, caracterizam a vida no bairro.

Quanto ao museu, a origem do MSSA situa-se nos inícios dos anos 70. Durante o governo da Unidad Popular, surge a ideia de criar um museu para o povo do Chile através da doação solidária de obras por parte de artistas da Europa e América. Como destaca Zaldívar (2022),

o espírito que seus fundadores queriam dar-lhe era algo diferente da conceção tradicional de museu. Buscavam abandonar a posição elitista própria de uma cultura hegemónica, com a ideia de aproximar as artes plásticas ao povo latino-americano, de uma maneira dinâmica, viva, com fins culturais e educativos, de plena acessibilidade democrática. (p. 9)

Logo depois do golpe de Estado de 11 de setembro de 1973, o MSSA sofreu diversas formas de censura e perseguição, tendo sido obrigado a resguardar a coleção em espaços privados, de maneira oculta e clandestina. De facto, no museu fala-se das etapas de “solidariedade” (1971-1973) e de “resistência” (1976-1990). Com o retorno da democracia, o MSSA reconfigurou-se, instalando-se em diversos lugares de Santiago, até que em 2005 se fixou definitivamente no Palácio Heiremans, no bairro República, da cidade de Santiago.

O MSSA está localizado neste bairro, mas não é um museu de bairro. A sua coleção inclui obras de artistas de renome internacional como Joan Miró, Alexander Calder, Frank Stella, Joaquín Torres-García, Lygia Clark, entre outros. E seu próprio nome dá conta de uma conexão histórica com um projeto político que persiste.

Habitualmente, os e as visitantes do Museu acreditam que o espaço está dedicado à sua memória (do Presidente Salvador Allende) e têm uma grande surpresa quando se encontram com salas habitadas por obras de arte moderna e contemporânea de nível internacional. (García, 2022, p. 19)

Essa desfasagem entre o museu e o território onde está situado, o bairro, é um dos elementos detonadores da origem do projeto Mirada de Barrio. Buscava-se abordar essa distância, retomando um dos lemas fundamentais da etapa inicial do museu: “estar ao serviço do seu povo”. Este propósito

tem ressoado na gestão e reflexão interna da equipe do museu nestes últimos anos, suscitando perguntas sobre como abrir o património do museu (seu acervo), como conectar as experiências e conhecimentos das obras e como interagir fluidamente com o seu entorno e pertencer à vida dos habitantes na cidade de Santiago. (García, 2017, p. 26)

De acordo com o formulário apresentado aos fundos concursáveis do Conselho Nacional da Cultura e das Artes do Chile, o projeto Mirada de Barrio consistiu numa pesquisa-ação e uma curadoria participativa que busca resgatar os relatos, experiências e histórias de moradores que constituem o património imaterial do Barrio República, e como este dialoga com o património artístico e simbólico do Museo de la Solidaridad Salvador Allende.

A perspetiva que inspirou a proposta era um fiel reflexo das discussões da museologia contemporânea: “a expressão ideal do novo paradigma é um museu que genuinamente abra a sua narrativa para conseguir um conteúdo cocriado a partir da relação com seus usuários” (Meijer-van Mensch, 2009, como citada em Bastidas & Vargas, 2012, p. 13).

As curadorias participativas e as diversas modalidades de pesquisa-ação no âmbito museológico (Arrieta, 2008; Bennett, 2005; Pinochet, 2016) partem do suposto que a intervenção de programas artísticos e espaços culturais locais ativa processos de revitalização de bairros e gera novas sinergias entre eles e sua comunidade (Peters, 2021). Afirma-se que os museus podem participar na transformação dos modos em que são produzidos e ativados os patrimónios culturais de um bairro ou território e suas memórias.

Como sinalizam Bastidas e Vargas (2012),

o verdadeiro espírito que se busca na contemporaneidade, [é] o museu [que] vive por seus públicos, cocria seus roteiros, já não é o possuidor de uma verdade hegemónica, mas sim que se torna um espaço de comunicação e relações ( …. ) o museu agora preocupa-se em incluir os seus públicos em todos os aspetos ( ... ) até se tornar verdadeiramente um agente de inclusão e mudança social. (p. 14)

Além disso, o trabalho destas autoras é um fiel reflexo da relevância que a busca de metodologias que possibilitem uma articulação virtuosa entre os museus e as suas comunidades adquiriu nos últimos tempos, sem desestimar a complexidade envolvida nessa relação.

Em síntese, o projeto Mirada de Barrio buscava gerar um vínculo entre museu, comunidade e território através de um processo de pesquisa, ação, participação e curadoria.

O projeto foi planejado em três etapas. A primeira consistiu numa pesquisa e sistematização sobre o valor histórico e cultural do bairro República e do Palácio Heiremans (edifício que acolhe o MSSA). Nesta etapa se ajustaram as estratégias de mediação para a realização da curadoria participativa e foi dado início ao trabalho de difusão com os moradores do bairro. Além disso, foi realizada uma pesquisa no bairro, para conhecer a perceção que as e os moradores tinham do museu. Na segunda etapa, foi efetuada uma série de encontros de diálogo com os moradores do bairro, no interior e exterior do museu, destinados a reconhecer e identificar o património material e imaterial do bairro. Nesta etapa iniciou-se o processo de valoração participativa desses patrimónios e do acervo artístico do MSSA. Somado a isso, foi realizado um registro audiovisual com o objetivo de sistematizar o processo de pesquisa e a participação das pessoas que moram no bairro (algo apresentado em formato documental na exposição final). A terceira etapa, financiada com recursos próprios do MSSA e programada para abril de 2018, consistiu numa exposição de três meses nas suas instalações onde foram apresentadas as descobertas da pesquisa, o trabalho curatorial entre os vizinhos e a equipe da Área Públicos do MSSA, e os programas de mediação planejados especialmente para o projeto.

3. Metodologia

Como indicamos anteriormente, um dos investigadores participou da formulação do projeto Mirada de Barrio e logo depois integrou-se como assessor metodológico durante os dois anos de duração do mesmo. Abordamos a experiência deste autor de forma coletiva, recorrendo às ferramentas de sistematização de experiências e da autoetnografia.

Com relação à primeira, a consideramos como um processo que busca “entender o sentido e a lógica do processo complexo que significa uma experiência, para extrair aprendizagens. Busca compreender por que esse processo está se desenvolvendo ou se desenvolveu de determinada maneira, interpretando criticamente o feito e o conseguido” (Chávez-Tafur, 2006, p. 10). A relevância desta metodologia é que permite visibilizar, desde um ponto de vista crítico e revelando os acertos e erros, experiências significativas, ainda que estas tenham sido de uma escala pequena e num âmbito local (Ortega et al., 2009). Desta forma, a sistematização se perfila como uma ferramenta que possibilita buscar alternativas e vias originais para responder a um problema, em lugar de continuar com as estratégias já conhecidas ou o denominado “incrementalismo” mencionado por Pelfini (2007).

O que se busca com a sistematização é documentar e sistematizar práticas para poder tirar lições. Para o efeito usa-se uma diversidade de materiais e procedimentos, como recorrer a documentação, arquivos, entrevistas com participantes. Neste caso, recorremos aos documentos que o autor participante dispunha (caderno de trabalho, emails, relatórios administrativos) e, como dissemos na introdução, ao livro Mirada de Barrio. Arte y Participación Colectiva Para Imaginar Territórios y Comunidades (Martínez et al., 2022). Entre outros elementos valiosos, neste livro integra-se um livro de registro exaustivo de todas as ações realizadas no âmbito do projeto e, para além dele, nos anos 2020 a 2021, anotações de todas as semanas e meses de desenvolvimento, o que o torna um material precioso para a nossa sistematização.

Este material foi interrogado a partir da experiência do autor-participante, mas também através do diálogo conjunto com as outras autoras do artigo. Neste sentido, recorremos a ferramentas tanto da autoetnografia (Blanco, 2012a, 2012b), como da etnografia coletiva (Herrera Bautista et al., 2021). Com respeito à autoetnografia, recuperamos alguns dos seus elementos centrais: entender que o próprio pesquisador é parte do estudado e que se trata de uma forma narrativa de gerar conhecimentos. Com respeito à etnografia coletiva, o nosso diálogo centrou-se em abordar a “dimensão técnico-prática” (Herrera Bautista et al., 2021) da experiência desenvolvida pelo autor-participante, em jeito de uma estratégia de triangulação.

Consideramos que o procedimento metodológico desenvolvido nos capacita para fazer apreciações a respeito da atuação da equipe do MSSA, dos comportamentos das e dos moradores do bairro e dos efeitos territoriais do projeto, com as virtudes e os defeitos das ferramentas indicadas, e com consciência de que o nosso material de base não constitui uma avaliação de impacto do projeto desenvolvido, da forma que se tem feito no Chile com relação a outras intervenções (Ossandón et al., 2019).

4. Dispositivo de Afeção Sensível

Para dar conta da intervenção realizada no âmbito do projeto Mirada de Barrio, consideramos pertinente recorrer à noção de “dispositivo de afeção sensível” que propusemos noutro lugar (Campos & Dupré, 2021). Entendemos como tal um conjunto heterogéneo e dinâmico de mediadores, que buscam gerar uma transformação nas disposições dos sujeitos e populações sobre as quais intervêm, particularmente no que diz respeito às formas como percebem, concebem e se vinculam emocionalmente aos seus bairros (Campos & Dupré, 2021, p. 286).

Para Foucault (2001) o dispositivo remete a uma rede heterogénea de elementos que se entrelaçam em relações de poder e que incluem uma ampla gama de elementos, tais como “discursos, instituições, arranjos arquitetônicos, decisões regulatórias, leis, medidas administrativas, declarações científicas, propostas filosóficas, morais, filantrópicas” (p. 299). Para efeitos da nossa argumentação, atenuamos o foco no disciplinamento e na governamentalidade, próprio da noção de dispositivo deste autor, e colocamos a ênfase em três características, seguindo a proposta de García (Fanlo, 2011). Primeiro, um dispositivo constitui uma articulação de elementos discursivos e não discursivos (normativos, institucionais, mas também práticos); segundo, busca orientar os comportamentos dos indivíduos; e terceiro, opera mediante a intervenção de espaços, o que tem efeitos sobre o território e sobre as pessoas.

De forma complementar, consideramos pertinente a ênfase na afeção sensível, pois a mudança que se pretende gerar nos sujeitos refere-se, fundamentalmente, às suas disposições para perceber, conceber e vincular-se emocionalmente com o bairro: procura-se transformá-lo num território de afetos e não permanecer na ideia de um espaço cartesiano, mas avançar numa conceção que vai “muito além do material e do tangível” (Aubán, 2017, p. 77).

Precisamente aqui será útil evocar a teoria da afeção desenvolvida por Hennion (2005, 2013) e Gomart e Hennion (1999) para o estudo do gosto no âmbito cultural, uma vez que o seu foco está na configuração de um “gosto”, de um “amor por”, de um “carinho” e de um “apego” (Berroeta et al., 2017). A palavra francesa attachement combina esse conjunto de significados e é a pedra angular da conceitualização de Hennion.

Na perspetiva deste autor, a produção do gosto - e de qualquer afeção - passa por um conjunto de mediadores, múltiplos e diversos, entre os quais cabe mencionar os seres humanos, mas também as instituições, os coletivos e os objetos, cuja capacidade de atuação é reconhecida (Hennion, 2013, p. 7).

Nesse sentido, parece oportuno entender a intervenção desenvolvida por Mirada de Barrio como um dispositivo de afeção sensível, na medida em que busca compor um novo vínculo entre o bairro e o museu através de uma série de ações recursivas sobre as e os moradores do bairro, para gerar, de forma progressiva, um novo território.

5. Território Sensível. Três Perspetivas Analíticas Para a Noção de Território

Dizemos “um novo território” porque, seguindo Deleuze e Guattari (1980), entendemos que este se constitui pelo surgimento (e através dele) de formas de expressão: “é a emergência de materiais de expressão (qualidades) que vai definir o território” (p. 387) e que a sua produção está diretamente ligada ao surgimento de índices sensíveis: o território está essencialmente marcado por “índices”, e estes índices “são retirados de componentes de todo tipo de origens” (Deleuze & Guattari, 1980, pp. 386-387). Na perspetiva destes autores, o território comporta-se como um feixe de qualidades sensíveis que têm a capacidade de modelar o meio habitado, mas também os ocupantes desse meio.

Junto com o carácter e a variedade dos elementos que incidem na produção do território, destaca-se a sua complexidade. O dinamismo destes elementos ressalta a condição histórica do território. Mas o que foi dito anteriormente não nos deve fazer perder de vista que o território é produto de “milhares e milhares de sistemas de relações que vão tecendo uma rede de equilíbrios frágeis que podem ser dissolvidos a qualquer momento” (Aubán, 2017, p. 79).

Esta conceitualização do território nos aponta que a sua própria substância é de ordem sensível, afetiva e afetante. Mas nela não se percebe a sua dinâmica comportamental. Neste ponto cabe utilizar a síntese proposta por Arzeno (2018), que afirma que a noção de território tem sido abordada de três formas principais: como campo de forças, como espaço apropriado e como experiência múltipla.

Como campo de forças, o território remete às “projeções espacializadas de certas relações sociais” (Arzeno, 2018, p. 7) que estão diretamente ligadas às relações de poder. Relações que definem, delimitam e qualificam o espaço. Nessa direção, cabe destacar que Simmel (1908/2014), na sua análise da dialética entre espaço e sociedade, já afirmava que “o limite não é um facto espacial com efeitos sociológicos, mas um facto sociológico com uma forma espacial”; mas “quando se tornou um produto espacial e sensível, em algo que desenhamos na natureza independentemente do seu significado sociológico e prático, isto exerce uma influência retroativa na consciência da relação entre as partes” (Simmel, 1908/2014, p. 552).

Como espaço apropriado, a conceitualização do território “enfatiza a apropriação do espaço por parte de um determinado grupo e a identidade que se constrói nessa apropriação e em relação a um ‘outro’, geralmente através do conflito” (Arzeno 2018, p. 8).

Por fim, para a conceitualização do território como experiência múltipla, Arzeno (2018) apoia-se fundamentalmente em Haesbaert e afirma que,

ao contrário da conceção anterior, que enfatiza a dimensão da apropriação do espaço por parte de um grupo, [o que interessa destacar aqui é] que todo território é, ao mesmo tempo e em diferente medida, objeto de apropriação e/ou dominação em diferente grau por parte de grupos diferentes. (p. 9)

Isto significa que normalmente múltiplos territórios e poderes coexistem no mesmo espaço; assim se expressa a multiterritorialidade. Nesta direção, importa destacar que a territorialidade remete à “tentativa, por parte de um indivíduo ou grupo, de conseguir afetar, influenciar ou controlar pessoas, fenómenos e relações, por meio da delimitação e afirmação do controle sobre uma área geográfica. Esta área será chamada território” (Haesbaert, 2011, p. 74).

Com o que foi dito anteriormente, é possível retomar o objetivo do nosso texto, a saber, dimensionar os efeitos territoriais da intervenção do projeto Mirada de Barrio. O que foi indicado a respeito do dispositivo sensível de afeção e a conceitualização do território que revisamos permite revelar as consequências territoriais envolvidas no conjunto de operações implementadas no projeto. A próxima secção versa sobre esse tema.

6. Análise: Intervenção Recursiva e Multiforme

A nossa análise será centrada nos anos em que o projeto estava previsto para ser executado, 2017-2019, particularmente no modo como foram concretamente desenvolvidas as etapas previstas na proposta original. Como indicámos anteriormente, o projeto foi planeado em três etapas: a primeira, de investigação e sistematização de informações sobre o bairro, onde se destacou a aplicação de uma pesquisa no bairro; a segunda, voltada para o desenvolvimento de uma série de encontros com as e os moradores do bairro, no interior e no exterior do museu, visando o reconhecimento e a identificação do património material e imaterial do bairro e; a terceira, constituída pela exposição participativa. Com o objetivo de simplificar a nossa exposição, vamos nos referir a essas três etapas sob as denominações de “pesquisa”, “encontros” e “exposição”. Cada uma delas será analisada pelas lentes oferecidas pelo dispositivo de afeção sensível. Em diálogo com o que foi exposto até aqui, a abordagem dessas três etapas busca revelar os efeitos territoriais produzidos em cada uma delas.

6.1. Pesquisa no Bairro: Abertura Territorial e Produção de Confiança

A motivação para aplicar uma pesquisa foi, principalmente, identificar como os moradores sentiam o seu bairro e o MSSA. Pretendia-se obter informação relevante para estabelecer diretrizes gerais para a atuação da equipe do museu. A pesquisa foi aplicada entre 22 e 29 de abril de 2017 por parte da equipe do projeto e por voluntários até ser obtido um total de 318 respostas.

O uso de questionário de pesquisas é frequente instrumento para abordar a compreensão do público de uma instituição cultural e apoiar estratégias de fidelização (Morgado, 2018). É menos frequente no mundo das organizações culturais o seu uso como diagnóstico de bairro, como instrumento de inserção no território.

A aplicação do questionário envolveu a coordenação da equipe de pesquisadores, a sua organização em grupos a cargo de um/uma líder e a sua participação numa oficina de formação. Cabe registrar que as pessoas que aplicaram o questionário não foram simples recetores da informação proporcionada pelos entrevistados, mas também se tornaram transmissores e tradutores de informação a respeito da existência e do perfil do museu no sentido inverso: do museu para os entrevistados. De facto, entre os dados mais marcantes (ainda que esperados) estava a evidência de que a maioria dos moradores conhecia o museu (61,5%), mas grande parte deles achava que se tratava de um museu histórico e ligado à política. No entanto, a pesquisa não informa quantas dessas pessoas souberam do museu graças ao processo de pesquisa, ou quantas informaram que se tratava de um museu com importante acervo de arte, nem quantas souberam onde estava localizado e quais eram seus horários de funcionamento.

Nesse sentido, a atuação da equipe de pesquisadores pode ser entendida como uma abertura do museu no território, que aumenta a informação disponível no bairro sobre o museu, e não somente a informação que o museu possui sobre o bairro, como era seu objetivo.

Este gesto territorial de abertura é coerente com uma conceitualização do território como campo de forças, na medida em que a pesquisa busca dimensionar e entender a distribuição de determinadas magnitudes territoriais, enquanto, como recentemente indicamos, o museu é inscrito no território como uma força operante que marca a sua presença. Desta forma, o museu: (a) reconhece os desdobramentos territoriais com as quais convive e, de certa forma, as apropria; (b) busca entender o campo de forças em que se insere e, ao fazê-lo, anuncia-se aos habitantes do bairro; e (c) predispõem-os a serem afetados, enquanto (d) a equipe do MSSA ganha confiança no que diz respeito ao seu conhecimento do território e traça a sua estratégia de atuação em função do modo como se inscrevem as forças no território do bairro.

6.2. Encontros com o Bairro: Aberturas e Recolhimentos; Apropriação e Desapropriação

A informação da pesquisa permitiu traçar um diagnóstico sobre as perceções dos moradores acerca do museu e do seu bairro. Esse material tornou-se uma plataforma fundamental para ativar o diálogo na série de encontros que tinham sido planejados como a etapa seguinte. Para fins de clareza da exposição, nos referiremos somente aos primeiros seis encontros realizados.

O primeiro encontro com as e os moradores do bairro foi realizado no dia 13 de maio de 2017 e consistiu num café da manhã nas dependências do MSSA. Apresentaramse os resultados da pesquisa e o objetivo do projeto de gerar uma exposição coletiva foi explicado. Sobre uma grande mesa colocou-se um mapa do bairro e todos conversaram e desfrutaram de um café da manhã em grupo ao redor dele, numa espécie de mapeamento coletivo informal. Os moradores puderam narrar histórias pessoais sobre o bairro, citar marcos biográficos e expressar as suas visões sobre o bairro e a casa onde o museu está localizado.

Entre o primeiro e o segundo encontro, a equipe do MSSA instalou-se na Praça Manuel Rodríguez, principal área verde do bairro, com uma mesa portátil e um mapa do bairro em grande formato, com o objetivo de estabelecer contato com as e os moradores. Foram duas jornadas de três horas cada uma, nos dias 6 e 8 de junho de 2017. Usaramse, como materiais, lápis e cartolinas, entre outros, e as pessoas foram convidadas a intervir no mapa, o que permitiu gerar conversas amistosas, interessantes e de alto valor para o projeto. Cada participante recebeu informação do museu e um convite para visitá-lo, além de um convite personalizado para participar do próximo encontro.

O segundo encontro foi realizado no dia 15 de junho de 2017, desta vez na cafeteria Divinas Tentaciones, localizada na rua Domeyko, 1924, às 19h. Buscou-se um espaço acolhedor para gerar confiança e, assim, começar a partilhar-se histórias sobre o bairro, pois foi solicitado que cada participante trouxesse um objeto de valor afetivo que expressasse o seu vínculo com o bairro. Desenvolveu-se uma dinâmica de diálogos grupais e comemos juntos. Além disso, alguns dos participantes apresentaram um espetáculo de dança. As conversas ocorridas tornaram-se uma contribuição valiosa para a narrativa curatorial-participativa.

O terceiro encontro com moradores aconteceu a 3 de agosto de 2017, nas instalações da MSSA, às 19h. Os avanços da pesquisa sobre o bairro foram apresentados em quatro eixos temáticos: “memória”, “silêncios/sons”, “conflitos e disputas”, e “lugares de encontro”. Em torno desses eixos, foram desenvolvidas oficinas de cocriação com os participantes, segundo uma dinâmica de mediação planejada pela equipe do MSSA.

O trabalho no eixo “memória” abordou a história do bairro República através das lembranças dos participantes. O objetivo consistiu em refletir sobre o valor patrimonial do bairro, mas, ao mesmo tempo, trazer à tona relatos ligados às suas trajetórias biográficas.

O segundo eixo foi denominado “silêncios/sons”. Aqui, a história de um grupo de vizinhos que abordou a forma como a ditadura militar produziu silêncios ou, diretamente, lógicas de medo no bairro, ganhou protagonismo. Alguns deles lembraram que em algumas casas não era possível tirar fotos ou parar por muito tempo, devido à presença da polícia secreta do regime ditatorial. De facto, o imóvel onde está localizado o MSSA era a sede dessa polícia secreta. Em contraste, a figura dos sons abordou questões mais contemporâneas: os moradores identificaram esquinas e ruas específicas como abandonadas e caracterizadas pelo barulho e a perturbação constante.

O eixo “conflitos e disputas” permitiu a expressão livre e fluida de uma série de impressões dos moradores sobre os problemas que afligem o bairro, como o lixo, o comportamento dos estudantes universitários que circulam em abundância, o crescimento significativo da imigração e a superlotação em condições de risco e o crescimento imobiliário, entre outras questões.

Por fim, o eixo “lugares de encontro” serviu para identificar, especialmente, lugares com valor afetivo para os participantes. Os relatos abundaram em torno de instâncias de sociabilidade que compõem uma história comum de bairro.

O quarto encontro com moradores foi realizado no dia 28 de agosto de 2017, nas dependências do MSSA. Teve como objetivo discutir a exposição prevista para o encerramento do projeto e foi intitulada “De la idea al clavo” (da ideia ao parafuso). O objetivo passou por mostrar, in situ, os diferentes elementos envolvidos numa exposição real; portanto aproveitamos para observar o processo de montagem de uma exposição pronta a abrir. Em seguida, trabalharam em grupos para abordar a questão sobre o que seria mostrado numa exposição. No final da reunião, a equipe do projeto ficou com a dúvida sobre se as e os moradores realmente queriam fazer uma exposição com o acervo do museu.

O quinto encontro, desenvolvido durante o mês de novembro de 2017, correspondeu a um registro audiovisual de locais e edifícios emblemáticos do bairro. “Os registros foram realizados a partir dos relatos dos próprios moradores, das suas lembranças do passado e dos significados que esses lugares proporcionam para uma vida de bairro na atualidade” (Martínez et al., 2022, p. 181).

São vários os gestos territoriais envolvidos nessa sequência de encontros entre a equipe do MSSA e os moradores do bairro. Observamos instâncias de abertura e recolhimento territorial na medida em que a equipe do museu vai ao encontro do bairro, mas também permite que os moradores do bairro ingressem no museu. Visto a partir da perspetiva do território como espaço apropriado, é possível conceber que esta série de gestos territoriais põe em questão a condição de “espaço apropriado” do território do bairro. Isto porque os convites para ingressar no museu e o desenvolvimento de atividades dentro do imóvel que o abriga, bem como os deslocamentos ao exterior do museu para lugares carregados de significado para a vida do bairro, levando materiais próprios do museu, implicam um questionamento tácito da topologia social do bairro e da sua lógica de delimitação e ordenamento.

O facto de utilizar objetos como conectores biográficos de sentido com o bairro é outro gesto territorial relevante. Trata-se aqui de tornar palpável que a escritura do território não se produz apenas através de grandes processos, como a construção de torres e edifícios, mas também através de ações microscópicas em que cada um dos seus habitantes tem um papel relevante. Desta forma, se salienta que o bairro não é somente uma expressão de lógicas de poder ou de força, mas também um registro sensorial e afetivo que nos fala numa linguagem personalizada e, por vezes, íntima, mas não por isso incapaz de estabelecer pontes com outros. Ao contrário, a inscrição biográfica no território é uma fonte de reconhecimento coletivo.

Por outro lado, o reconhecimento de questões comuns que incidem na dinâmica do bairro é outro gesto territorial importante, pois supõe que cada habitante se mostra como pessoa afetada por algo que lhe é próprio (problema do lixo, memória da ditadura, valor emocional atribuído à praça onde deu o primeiro beijo, etc.). Ao aparecer dessa forma, possibilita que outros também se mostrem atingidos pelas mesmas questões, dando origem a uma espécie de “comunidade de afeção”. O território emerge, dessa maneira, como um conjunto de índices sensíveis comuns.

Um especto particularmente relevante refere-se à sensação de dúvida gerada na equipe do MSSA ao final do quarto encontro. A pergunta que ressoa então é se o que realmente cabe ser feito é uma exposição utilizando o acervo do museu. O que finalmente acontece é que a equipe decide modificar este ponto e resolve trabalhar com materiais produzidos pelos próprios moradores do bairro. Uma mudança substantiva com relação à ideia original, mas muito consistente com os princípios que norteavam o projeto. Este gesto territorial pode ser compreendido como uma entrada do bairro no museu, uma expressão clara da modelagem dialógica envolvida numa curadoria participativa que leva a sério o valor dos seus interlocutores.

Por fim, o gesto territorial de começar um registro fotográfico dos lugares mais emblemáticos do bairro nas casas dos vizinhos é muito importante para apontar a relevância das experiências pessoais e singulares, e das biografias na produção do território. Trata-se de um sinal poderoso para mostrar esta produção microscópica do território e muito didático para evidenciar a variedade de desdobramentos que compõem esse território. Além disso, destaca-se a diversidade de formas de apropriação presentes no bairro, com as quais se avança no sentido de uma maior consciência da multiplicidade de experiências que o integram.

6.3 Exposição Haciendo Barrio. Afeção, Participação e Coprodução Territorial

A exposição foi inaugurada no dia 1 de setembro de 2018 e ficou aberta até 3 de fevereiro de 2019. O catálogo da exposição, disponível em Vilches (2018), destaca no seu texto inicial, escrito pelas e pelos moradores do bairro:

Haciendo Barrio é uma oportunidade de explorar, reconhecer e reconhecer-nos nas experiências, emoções, saberes, afetos, histórias orais e escritas que residem no bairro República. O título foi escolhido coletivamente porque representa o sentimento e o desejo de toda a comunidade que participou destes dois anos de encontros e oficinas. A partir dos trabalhos realizados em colaboração e diálogo com as e os moradores do bairro República, os participantes das oficinas de escrita criativa, intervenção fotográfica, têxtil comunitária, publicação experimental, arte-postal com crianças, os artistas e a equipe do Museo de la Solidaridad Salvador Allende (MSSA), buscamos compartilhar e contribuir para a vida comum do nosso bairro. (p. 4)

De facto, a exposição reuniu e expôs uma enorme variedade de materiais, todos eles decorrentes do trabalho desenvolvido nas diversas oficinas realizadas no âmbito do projeto e não do acervo do MSSA, como estava previsto originalmente na formulação do projeto. Fotografias, têxteis, postais, encadernações, desenhos, colagens, um vídeo documentário, entre outros, foram expostos em diferentes salas do MSSA junto com secções do questionário utilizado na pesquisa, os mapas elaborados pelos habitantes nas oficinas com iconoclasistas, assim como um diagrama - do tamanho de uma parede- do processo de transformação do museu nos dois anos do projeto: MSSA En Transformación. Em consequência, tratou-se de uma exposição que buscou respeitar a diversidade de processos e a pluralidade de vozes envolvidas na curadoria participativa, exibindo a quase totalidade dos produtos elaborados pelas e pelos moradores, sem estabelecer distinções nem hierarquias, mas sim mostrando-os de acordo com suas singularidades, variedades e diferenças.

Além disso, fiel aos valores que incentivaram a curadoria participativa, a exposição buscou dar conta da totalidade de sujeitos envolvidos nos processos criativos e produtivos. Novamente, sem estabelecer hierarquias, mas referindo-se às suas singularidades e aos seus papéis em tais processos. Neste sentido, cabe destacar que o catálogo da exposição termina com uma espécie de nuvem de palavras com os nomes das e dos participantes nas diferentes atividades do projeto, dando conta do coletivo envolvido.

Neste apertado resumo das características da exposição Haciendo Barrio (Fazendo Bairro) encontramos novamente uma série de gestos territoriais. Em primeiro lugar, cabe sinalizar o próprio nome dado à exposição, que é interessante por vários motivos, entre os quais vale destacar o uso do verbo “fazer”, para marcar que o bairro e os bairros são produções, resultados do fazer e não entidades pré-definidas e alheias à transformação intencional. Nesse mesmo sentido, é relevante o uso do gerúndio, que destaca a condição processual e permanente desse fazer e não o fixa em um momento específico. Também é interessante a inexistência de um sujeito gramatical explícito, um “nós” ou “as/os habitantes”. Consideramos que isso insinua que no “fazer bairro” está envolvida uma pluralidade de agentes - de agências ou de atuantes - que vão além do grupo de habitantes ativados pelo projeto. Um coletivo que pode expandir ou encolher, mas que, assim como o fazer, está em processo.

Em segundo lugar, cabe destacar o que está indicado na última linha do texto curatorial citado anteriormente, onde se afirma que, com a exposição, as e os moradores buscam “compartilhar e contribuir para a vida comum do nosso bairro” (Vilches, 2018, p. 4). Pelo menos duas questões se destacam a este respeito: (a) que uma exposição num museu é concebida como uma ferramenta para participar da produção do bairro e que, (b) essa ferramenta contribui para a vida em comum. O reconhecimento desse “comum” não é trivial. Se recuperamos a conceitualização desenvolvida por Rancière (2009), podemos perceber que a produção da exposição, e todo o processo envolvido, subvertem a distribuição do sensível, os papéis e hierarquias estabelecidas para participar na definição e produção do comum. Em termos territoriais, pode-se dizer que é gerado um processo de reapropriação comum do bairro.

Em terceiro lugar, a magnitude e diversidade da própria exposição, com tamanha quantidade de materiais expostos, e tamanha quantidade de salas e espaços de exibição, constitui um real reconhecimento do território como experiência múltipla. A exposição se torna assim um espaço para experimentar a variedade de territórios e seus entrecruzamentos.

Por fim, cabe considerar que a exposição é, em si, uma força atuante no território. Uma força que irrompe no tecido do bairro, modulada por uma pluralidade de expressões artísticas. Uma força que, inclusive, não aspira a eternizar-se, pois tem data de início e uma de término, o que também é indicativo desse dinamismo próprio das forças que dão forma e vida a um bairro.

7. Conclusões

O projeto Mirada de Barrio questionou as formas de articulação do MSSA com a sua comunidade e o seu território e fê-lo em conexão com as discussões da museologia contemporânea, que aspiram à abertura das narrativas dos museus para a coconstrução com os seus usuários (Bastidas & Vargas, 2012). Ao implantar esta particular curadoria participativa, o MSSA colocou a circular no bairro uma conceção de cultura muito mais próxima da vida cotidiana e uma experimentação prática do território muito mais próxima da experiência subjetiva das e dos habitantes.

Através da vinculação direta com o território, a comunidade e o bairro, Mirada de Barrio revela os processos coprodutivos e criativos da prática cultural, incorporando, por sua vez, os processos históricos que fizeram parte tanto da formação do bairro, como do MSSA.

Este texto incidiu sobre as modalidades de produção de território envolvidas no conjunto de ações realizadas no âmbito do projeto Mirada de Barrio. O nosso objetivo foi o de contribuir com um elemento geralmente esquecido nas reflexões sobre mediação artística, como o facto do território ser uma realidade sensível cuja produção assume múltiplas formas.

Na nossa análise recorremos à figura do “gesto territorial” recuperando abordagens feitas noutro lugar (Silva et al., 2020). Afirmámos que os gestos normalmente são associados a modos de comunicação não verbal que se configuram através de uma corporalidade ou movimento, mas resulta auspicioso considerá-los para além da corporalidade humana e de uma orientação prática para um objetivo ou meta:

os gestos conectam corpos e também objetos, sendo capazes de nos afetar através do encontro e transmissão desse significado e simbolismo [mas podem] ultrapassar o gesto contido no agente humano ( … ) os gestos não se limitam à sua humanidade, podem existir no fluxo entre componentes humanos e não humanos. (Silva et al., 2020, pp. 130-131)

A noção de “gesto territorial” resultou frutífera do ponto de vista analítico para destacar a capacidade de ação que o território possui e a necessidade de considerar de modo ativo e consciente o seu papel nos processos ativados no projeto Mirada de Barrio. Também nos permitiu destacar a capacidade de produzir território que qualquer ação tem, por mais microscópica que seja. A denominação “gesto territorial” é eficaz para dar conta da dinâmica afetiva e afetante inerente à conceitualização de território que aqui delineámos.

De facto, os gestos de abertura e recolhimento são úteis para dar conta do caráter recursivo de qualquer dinâmica de mediação e para indicar o modo como os territórios ingressam e, de certa forma, se “encarnam” nas equipes de intervenção. É o que fica evidente no sentimento de confiança da equipe da MSSA após a aplicação da pesquisa. Mas é também o que se observa na mudança dada à proposta de exposição que estava prevista no projeto quando a equipe do MSSA, após o quarto encontro, decide modificar a sua proposta e trabalhar com materiais produzidos pelos moradores do bairro. Esta é uma lição que nos parece importante considerar nas discussões contemporâneas sobre mediação artística.

Os gestos de abertura e recolhimento também são relevantes para entender as forças e magnitudes operantes no território, bem como para compreender as múltiplas dinâmicas de apropriação envolvidas em conformar a experiência de bairro. A apropriação é sempre processual (Campos & Soto, 2016) e, portanto, não está nunca totalmente resolvida. Há sempre processos de desapropriação e reapropriação ativados por formas de afeção, às vezes muito sutis (como visitar uma casa, recuperar um objeto esquecido), que desencadeiam uma nova forma de nos vincularmos com o território. A curadoria participativa de Mirada de Barrio nos recorda que a topologia social do bairro, as suas lógicas de delimitação e ordenamento assentam em dinâmicas afetivas que, por vezes, se encontram em estado de latência.

Além disso, parece que essa delimitação e esse ordenamento respondem a formas de reconhecimento coletivo que podem ser sacudidas (modificadas) por um exercício de memória e um diálogo que habilite o conhecimento dos outros, das suas experiências também inscritas no bairro. Em sua reiteração, esses exercícios de diálogo e memória podem se tornar poderosos produtores de comunidade: comunidade de afetos e afeções.

Dessa forma, é plausível considerar os gestos territoriais como ferramentas úteis para entender as maneiras através das quais um coletivo - como o formado pelas e pelos moradores do bairro ao longo do projeto Mirada de Barrio - pode ser ampliado ou reduzido, expandido ou encolhido. Isso passa pelo reconhecimento da multiplicidade de experiências presentes no território, sua legitimidade, valor e capacidade de participar da produção do comum.

O projeto Mirada de Barrio constitui uma exemplificação de boa parte das discussões contemporâneas no âmbito da museologia e da mediação artística. As aprendizagens que aqui sistematizamos e refletimos permitem-nos considerar a relevância e a utilidade que tem para estes campos disciplinares entender que as suas práticas se situam sempre territorialmente, o que significa que intervêm sobre coordenadas sensíveis, afetivas, relacionais e memoriais (para mencionar somente algumas das quais abordamos aqui).

Os gestos territoriais tratados à escala de bairro podem contribuir para as discussões sobre museologia e mediação artística em, pelo menos, três níveis: primeiro, em relação à centralidade exercida pela geração de confiança no estabelecimento de um regime afetivo favorável à cooperação e à valorização positiva do território do bairro; segundo, que as formas de apropriação são multiformes e que, neste tipo de intervenções, assumem formas microscópicas com forte envolvimento subjetivo; terceiro, que ao redefinir os modos de cooperação também se desencadeiam novas práticas de apropriação do território; quarto, que o envolvimento afetivo e a ativação da cooperação implicam a instalação de uma alta expectativa de participação, que se revela contra as formas de manipulação e se posiciona muito próxima ao controle cidadão que define o que é valioso e o que é comum.

Agradecimentos

Projeto U-Redes Generación URG-029/18 e projeto U-Redes Generación URG026/18 da Universidade do Chile. Fundo de Estímulo à Tradução, Departamento de Pesquisa e Criação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidad de Chile.

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Recebido: 16 de Novembro de 2022; Aceito: 27 de Janeiro de 2023

Luis Campos Medina é sociólogo pela Faculdade de Ciências Sociais da Universidade do Chile, com mestrado em Ciências Sociais e doutoramento em Sociologia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales. É professor associado no Instituto de la Vivienda na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Chile. Email: luiscampos@uchilefau.cl Morada: Facultad de Arquitectura y Urbanismo de la Universidad de Chile, Avenida Portugal 84, 8331015, Santiago de Chile, Chile

Cynthia Pedrero Paredes é licenciada em Estética pela Faculdade de Filosofia da Universidade Pontifícia Católica do Chile e mestre em Habitat Residencial pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Chile. É assistente de investigação do projeto Fondecyt n°1210677. Email: cpedrer1@uc.cl Morada: Facultad de Arquitectura y Urbanismo de la Universidad de Chile, Avenida Portugal 84, 8331015, Santiago de Chile, Chile

Mónica Aubán Borrell é arquiteta pela Escola Técnica Superior de Arquitetura de Valencia (Universitat Politècnica de València, Espanha). Tem mestrado e doutoramento em Teoria e História da Arquitetura pela Escola Técnica Superior de Arquitetura de Barcelona (Universitat Politècnica de Catalunya, Barcelona, Espanha). É investigadora pós-doutoral Margarita Salas no Instituto de la Vivienda na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Chile. Os projetos Margarita Salas contam com financiamento do Ministério de Universidades do Governo de Espanha e da União Europeia - NextGenerationEU. Email: monica.auban@gmail.com Morada: Facultad de Arquitectura y Urbanismo de la Universidad de Chile, Avenida Portugal 84, 8331015, Santiago de Chile, Chile

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