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Revista Lusófona de Estudos Culturais (RLEC)/Lusophone Journal of Cultural Studies (LJCS)

versão impressa ISSN 2184-0458versão On-line ISSN 2183-0886

RLEC/LJCS vol.9 no.1 Braga jun. 2022  Epub 01-Maio-2023

https://doi.org/10.21814/rlec.3662 

Leituras

Recensão do Livro Rockonomics: O Que a Indústria da Música Nos Pode Ensinar Sobre Economia e Sobre a Vida

Daniel Morgado Sampaio1 
http://orcid.org/0000-0001-8178-6970

1Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Minho, Braga, Portugal


Krueger, A. (2020). Rockonomics: O que a indústria da música nos pode ensinar sobre economia e sobre a vida (L. O. Santos, Trad.). Temas e Debates. (Trabalho original publicado em 2019)

Rockonomics (Krueger, 2019/2020) é, até à data, a única obra póstuma deixada por Alan B. Krueger, uma obra na qual expande as suas análises de várias facetas da indústria musical. Krueger, docente na Universidade de Princeton com uma extensa produção académica, colaborador do The New York Times, principal economista do Departamento de Trabalho dos Estados Unidos durante a presidência de Bill Clinton e detentor de diferentes cargos ao longo da presidência de Barack Obama, entre eles a chefia do Conselho Económico dessa administração, tornou-se um nome familiar para o grande público com o seu primeiro livro, escrito em coautoria com o economista David Card. Em Myth and Measurement: The New Economics of the Minimum Wage (Mito e Medição: A Nova Economia do Salário Mínimo, Card & Krueger, 2016), publicado em 1995, os autores almejaram refutar a popular ideia de que um aumento do salário mínimo prejudica a economia nacional ou que aumenta a taxa de desemprego, recorrendo tanto a um escrutínio da produção académica defensora dessas premissas como a uma análise empírica das consequências do aumento do salário mínimo em estados como a Califórnia ou New Jersey. A sua quinta obra foi publicada poucos meses após o seu falecimento em 2019 e apresenta-nos um pensamento de difícil catalogação, mas bastante ciente dos avanços na economia comportamental e distanciado do fantasma do homo economicus que tantas vezes assombra as análises económicas de microcosmos. Krueger não espera decisões consistentemente racionais por parte dos indivíduos que estuda nem minimiza o impacto de fatores como a emoção, a sorte, ou os simples caprichos na tomada de decisões e no sucesso económico.

Krueger reconhece que não foi o primeiro a utilizar o termo “rockonomics”, mas faz dele um uso próprio, ainda que bastante amplo: na conceção do autor, rockonomics refere-se aos princípios económicos que movem a indústria da música popular, desde a negociação de contratos discográficos até à venda de bilhetes em segunda mão. No primeiro capítulo sumariza os sete conceitos-chave de rockonomics:

  • “Oferta, procura, e all that jazz” (p. 15): como noutros mercados, a oferta e a procura determinam preços, mas outros fatores entram em consideração na música, como o risco de um artista, ao aumentar os preços, ser visto como demasiado ganancioso pelos seus fãs. Logo neste princípio essencial, Krueger tem em consideração tanto os agentes externos (revendedores de bilhetes, movidos apenas pelo lucro) como os fatores emocionais (a necessidade de o preço parecer justo aos olhos do público, ainda que este não esteja familiarizado com os custos de produção de eventos ou de gravações musicais).

  • Escala e insubstituibilidade: a combinação destes elementos é considerada essencial para formar superestrelas. É necessário atingir um grande público, mas o produto, serviço ou músico não pode ser substituído por uma alternativa ligeiramente inferior, pois o público quer aquele e somente aquele.

  • O poder da sorte: não só a sorte faz parte de todos os mercados, o seu poder intensifica-se num mercado de superestrelas. O lançamento de um álbum no momento certo, ainda que por mera coincidência, pode determinar o sucesso da carreira de um artista.

  • A teoria Bowie: resgatando uma observação de David Bowie numa entrevista de 1999, na qual o cantor afirma que, num futuro próximo, a música estaria em todo o lado e que os concertos seriam a principal fonte de rendimento dos músicos, Krueger sublinha de igual modo a importância das complementaridades na música, isto é, tudo aquilo para lá da música gravada (concertos, videoclips e merchandise, entre outros).

  • Diferenciação de preços: levar clientes que podem ou querem pagar mais a fazê-lo é uma estratégia eficaz das companhias aéreas e, para Krueger, também na música pode ser altamente lucrativa, desde a segmentação de lugares na música ao vivo até ao lançamento de álbuns em edições de colecionador.

  • “Custos podem matar” (p. 18): o efeito Baumol refere-se ao aumento de custos em setores que não podem aumentar proporcionalmente a sua produtividade, e William Baumol, que identificou o fenómeno, usou como exemplo um quarteto de cordas de Schubert. Seja hoje ou há 200 anos, é sempre tocado pelo mesmo número de indivíduos e durante o mesmo intervalo de tempo; com isso em mente, torna-se necessário controlar o possível aumento de custos de um produto ou artista que aumente drasticamente as suas vendas.

  • O dinheiro não é tudo: Krueger atribui a perseverança da indústria musical a vários fatores, desde o poder emocional até à criação de ocasiões sociais e momentos especiais que se tornam, posteriormente, poderosas memórias

Cada um destes sete conceitos serve de mote a um ou mais dos 11 capítulos que formam este volume, não obstante a inevitável sobreposição em algumas instâncias e a maior ou menor ênfase colocada em subcontextos. O capítulo dedicado à economia da música ao vivo é, com efeito, o mais longo da obra, mas Krueger não subestima a possibilidade de mudanças no universo do streaming ou a importância dos direitos de autor numa indústria musical lucrativa. Aponta, como contraexemplo, o mercado chinês, que considera ter um enorme potencial, mas condicionado por questões de censura e pelo fraco controlo do uso das músicas, seja a nível de plágio ou de remuneração por direitos autorais.

Apresentar a um vasto público uma indústria complexa, explicando conceitos legais ou económicos inevitáveis, não é uma tarefa fácil, mas Krueger escreve com clareza e consegue compartimentar eficazmente os seus tópicos de modo a expandir cada um deles, servindo-se de inúmeros exemplos para reforçar os conceitos mencionados. Não existe, porém, um verdadeiro contributo teórico inovador, mas antes uma tentativa de sistematizar e corroborar argumentos dos já mencionados Bowie e Baumol, bem como de Sherwin Rosen (que demonstrou os fatores necessários para a criação de superestrelas). A escrita do autor é persuasiva e a sua análise e explicação de princípios económicos na indústria musical destaca-se como sendo a sua zona de conforto. No entanto, as contradições e seletividade na escolha de fontes revelam, com alguma frequência, que Krueger procura premissas que conduzam às conclusões que decidira apresentar.

Algumas dessas contradições poderão dever-se meramente a uma falta de rigor terminológico. Krueger afirma que há cada vez mais artistas a solo (i.e., sem banda) no topo das tabelas de vendas, e que a razão mais provável é a facilidade que a tecnologia trouxe ao processo de criação de música, permitindo que essa criação seja levada a cabo com recurso a um menor número de indivíduos do que no passado (p. 79). Pouco depois, justificando o facto de haver cada vez mais colaborações e de as músicas de sucesso terem cada vez mais compositores, o autor afirma que há várias possíveis explicações para o fenómeno, entre elas a maior complexidade da música e a necessidade de especialistas em diferentes elementos (p. 80). Com a ênfase, em tantas instâncias, nos processos por detrás do sucesso musical, Krueger deixa meramente implícita a distinção entre artistas-intérpretes (as figuras públicas a quem é atribuída uma dada música) e os artistas-compositores (que poderão escrever músicas para os primeiros sem se envolverem na gravação e/ou interpretação).

Noutra instância, demonstra que o mercado da música ao vivo (que é, há várias décadas, a principal fonte de rendimento para os músicos) não só é profundamente desigual, mas que a desigualdade tem crescido, não obstante o efeito democratizador da tecnologia: em 1982, 1% dos artistas recolhia 26% das receitas deste mercado, ao passo que em 2017 o mesmo 1% no topo recolhia 60% (p. 102). Ainda que a análise que se segue seja pertinente, contrariando a ideia de que o mercado da música se tornou mais equitativo na era digital, realce-se que as receitas nesse percentil aumentaram mais de 15% entre 1982 e 1984, não sendo explicado esse aumento (um dos principais motivos terá sido a popularização do CD) nem o motivo para o gráfico de Krueger escolher 1982 como o ano inicial. Ao analisar os lucros da indústria discográfica (p. 43), terminando igualmente em 2017, Krueger toma antes o ano de 1974 como ponto de partida, também sem uma justificação.

Apesar de apresentar com uma frequência adequadas fontes para as suas afirmações, o autor é, por vezes, bastante seletivo: servindo-se de uma fonte jornalística para atribuir as compras atuais de CD a indivíduos com carros com leitores de CD (p. 209), omite as restantes motivações listadas no artigo citado, como a nostalgia ou o enraizamento do hábito de os comprar. O motivo compreende-se pelo contexto: Krueger pretende argumentar que o streaming estará a substituir a compra de CD; à medida que carros com o leitor necessário deixem de ser vendidos, a principal motivação para a compra de música neste formato seria, assim, eliminada.

O peso que Krueger atribui à sorte no sucesso será, porventura, uma das maiores forças da obra, pois não desvaloriza o trabalho dos músicos e das editoras durante a sua desconstrução das visões meritocráticas. Fá-lo através de uma combinatória de exemplos, como a relutância de algumas editoras em assinar contrato com os então desconhecidos Elvis Presley ou The Beatles, e com a exposição de práticas estabelecidas na indústria precisamente devido à dificuldade em prever o sucesso, como a aquisição, por parte das maiores editoras, de pequenas editoras dedicadas a diferentes géneros musicais, ou a aposta em inúmeros artistas em simultâneo na esperança de que o enorme sucesso de um deles seja suficientemente lucrativo para compensar as perdas nos res tantes investimentos. Similarmente, considera uma questão de sorte lançar a tecnologia certa no lugar ou momento certo, pois uma tecnologia superior pode fracassar devido a um lançamento inoportuno.

A detalhada exposição dos motivos para o sucesso de diferentes artistas, seja de country (Garth Brooks), pop (Taylor Swift), hip-hop (Drake), rock (Paul McCartney) ou heavy metal (Korn) é enriquecedora, e o recurso a entrevistas a advogados, managers e outros agentes ligados a estas figuras permite a Krueger obter informação privilegiada, uma forma eficaz de contornar a sua aparente falta de familiaridade com os estudos musicológicos centrados na música popular. Figuras com um enorme impacto em diversos campos das ciências sociais, desde Dick Hebdige, com o seu marcante estudo das subculturas musicais ainda nos anos 70, a Sarah Thornton, que, inspirada por Bourdieu, propõe nos anos 90 o conceito de capital subcultural para realçar o valor social das diversas experiências musicais, não são citadas por Krueger e a sua influência não parece presente. Quanto ao campo mais estritamente económico, Krueger tenta não presumir conhecimentos profundos por parte do público-alvo desta obra, recuando até Adam Smith para explicar conceitos básicos, mas nota-se igualmente a ausência de economistas que estudaram a música na sua vertente social, como Jacques Attali. Na década de 70, Attali sugerira já que alterações nas práticas musicais prenunciavam alterações socioeconómicas, seja nas décadas anteriores à expansão do mercantilismo, do capitalismo, ou de uma eventual era pós-capitalista, na qual a música deixaria de ser encarada enquanto mercadoria e o seu papel social seria (re)valorizado antes de o mesmo acontecer com outras atividades económicas. Ainda que as linhas argumentativas difiram e que haja um contraste entre o plano macro e o microeconómico, seria oportuno criar um diálogo com uma das obras mais marcantes sobre o universo da música escrito por um economista. Esta e outras omissões, contudo, são atenuadas pela capacidade de Krueger de demonstrar o papel da economia comportamental no estudo de um universo fortemente moldado pelas emoções. É evidente o interesse do autor pela temática do bem-estar subjetivo, que em anos recentes tratou em vários artigos coautorados por Daniel Kahneman, nome incontornável nesse campo (veja-se, por exemplo, Krueger et al., 2009).

Embora o autor se centre no universo americano, a hegemonia da música popular americana trabalha a favor das considerações expostas, pois não só os artistas que refere são geralmente conhecidos internacionalmente, como o funcionamento da indústria musical de cada país ocidental é, salvo raras exceções, semelhante. Comparando os dados relativos a mercado global em 2019 publicados pela Federação Internacional da Indústria Fonográfica (International Federation of the Phonographic Industry, 2020) com os dados portugueses divulgados conjuntamente pela Associação para a Gestão e Distribuição de Direitos e pela Associação Fonográfica Portuguesa (2020) observam-se, no geral, as mesmas tendências: um crescimento das receitas da indústria musical ao longo dos últimos anos; uma quebra nas vendas de formatos físicos, mas uma subida nas vendas de vinil; um crescimento geral nas receitas provenientes dos direitos performativos (a queda de 2018 para 2019 a nível global deveu-se a ajustes muito circunstanciais); e um mercado digital que, apesar da diminuição dos downloads digitais, se encontra em constante crescimento graças às plataformas de streaming, representando já mais de metade das receitas das vendas. Já a influência da música anglófona torna-se visível de modos distintos dependendo dos indicadores utilizados: entre os álbuns físicos mais vendidos e entre os artistas mais populares nas plataformas de streaming, os punk rockers Xutos & Pontapés e o rapper Plutónio recorrem à língua portuguesa nos seus estilos musicais de origem anglófona; já entre as 10 músicas mais ouvidas na rádio em Portugal, todas elas são cantadas em inglês, nove delas por artistas anglófonos.

A disrupção provocada pela pandemia de COVID-19, que teve início poucos meses após a publicação do livro em inglês, pode até reforçar os argumentos do autor, se atentarmos no modo como a pandemia finalmente quebrou a tendência ascendente das receitas dos direitos performativos ao longo do século XXI (em grande parte devido à suspensão de inúmeros concertos e festivais), no impacto de eventos imprevisíveis no sucesso de bandas ou artistas, ou até no impacto social e psicológico provocado pela interrupção da vida cultural.

Rockonomics não será, em rigor, um livro de divulgação científica, mas permite a um público amplo compreender os complexos processos económicos que movem a indústria musical. Terá um interesse limitado para estudiosos da música popular na sua vertente mais musicológica, mas a qualidade geral da escrita e a reputação do autor poderão motivar um maior interesse pela indústria musical por parte do público geral (um objetivo explícito de Krueger, que afirma que falar de economia através de estórias da indústria musical poderá ser uma forma eficaz de partilhar as lições da economia), de economistas e de sociólogos. Fazendo notar que o desinteresse dos economistas se deverá, pelo menos em parte, à dimensão relativamente reduzida da indústria musical face às maiores indústrias mundiais, o reconhecimento das diversas repercussões (spillovers) da música, seja na dinamização de pequenas aldeias que alojem festivais, no aumento da produtividade no trabalho, ou na criação de bem-estar emocional, sugere que o estudo da música sob uma perspetiva financeira será sempre incompleto, e que abordagens mais abrangentes serão necessárias para avaliar qualitativamente o peso da indústria musical na sociedade moderna.

Agradecimentos

Este trabalho é apoiado por fundos nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P. e por fundos comunitários através do Fundo Social Europeu, no âmbito da bolsa de doutoramento SFRH/BD/132102/2017.

Referências

Associação para a Gestão e Distribuição de Direitos & Associação Fonográfica Portuguesa. (2020). Números de mercado da música 2019 . http://audiogest.pt/documents/files/Dados%20Mercado%20ano%202019%20P%C3%BAblico%20Final(5).pdfLinks ]

Card, D., & Krueger, A. (2016). Myth and measurement: The new economics of the minimum wage (20.ª ed.). Princeton University Press. [ Links ]

International Federation of the Phonographic Industry. (2020). Global music report: The industry in 2019. https://www.ifpi.org/wp-content/uploads/2020/07/Global_Music_Report-the_Industry_in_2019-en.pdfLinks ]

Krueger, A. (2020). Rockonomics: O que a indústria da música nos pode ensinar sobre economia e sobre a vida (L. O. Santos, Trad.). Temas e Debates. (Trabalho original publicado em 2019) [ Links ]

Krueger, A., Kahneman, D., Fischler, C., Schkade, D., Schwarz, N., & Stone, A. (2009). Time use and subjective well-being in France and the U.S. Social Indicators Research, 93, 7-18. https://doi.org/10.1007/ s11205-008-9415-4 [ Links ]

Recebido: 01 de Novembro de 2021; Aceito: 17 de Dezembro de 2021

Daniel Morgado Sampaio é doutorando em ciências da comunicação, tendo como principais interesses a comunicação organizacional, as relações públicas e a sociologia da música. Desenvolve de momento a sua tese de dissertação intitulada “A Produção e Execução de Música em Portugal: Direitos e Deveres dos Artistas e o Papel das Organizações”. Email: id6457@alunos.uminho.pt Morada: Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057 Braga

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