SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.15LABOR SATISFACTIONWORK-ASSOCIATED BLADDER CANCER author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online

Print version ISSN 2183-8453

RPSO vol.15  Gondomar June 2023

https://doi.org/10.31252/rpso.04.03.2023 

Artigo de Revisão

CANCRO HEMATOPOIÉTICO ASSOCIADO AO TRABALHO

WORK-ASSOCIATED HEMATOPOIETIC CANCER

M Santos1  , seleção do tema, pesquisa, seleção de artigos, redação, validação final
http://orcid.org/0000-0003-2516-7758

A Almeida2  , seleção de artigos, redação, validação final
http://orcid.org/0000-0002-5329-0625

C Lopes3  , seleção de artigos, redação, validação final

1Licenciada em Medicina; Especialista em Medicina Geral e Familiar; Mestre em Ciências do Desporto; Especialista em Medicina do Trabalho; Diretora da Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online; Técnica Superiora de Segurança no Trabalho; Doutorada em Segurança e Saúde Ocupacionais e CEO da empresa Ajeogene Serviços Médicos Lda (que coordena os projetos Ajeogene Clínica Médica e Serviços Formativos e 100 Riscos no Trabalho). Endereços para correspondência: Rua da Varziela, 527, 4435-464 Rio Tinto. E-mail: s_monica_santos@hotmail.com.

2Enfermeiro Especialista em Enfermagem Comunitária, com Competência Acrescida em Enfermagem do Trabalho. Doutorado em Enfermagem; Mestre em Enfermagem Avançada; Pós-graduado em Supervisão Clínica e em Sistemas de Informação em Enfermagem; Professor Auxiliar Convidado na Universidade Católica Portuguesa, Instituto da Ciências da Saúde - Escola de Enfermagem (Porto) onde Coordena a Pós-Graduação em Enfermagem do Trabalho; Diretor Adjunto da Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online. 4420-009 Gondomar. E-mail: aalmeida@porto.ucp.pt.

3Licenciada em Enfermagem, desde 2010, pela Escola Superior de Saúde Vale do Ave. A exercer funções na área da Saúde Ocupacional desde 2011 como Enfermeira do trabalho autorizada pela Direção Geral de Saúde, tendo sido a responsável pela gestão do departamento de Saúde Ocupacional de uma empresa prestadora de serviços externos durante sete anos. Atualmente acumula funções como Enfermeira de Saúde Ocupacional e exerce como Enfermeira Generalista na SNS24. Encontra-se a frequentar o curso Técnico Superior de Segurança do Trabalho. 4715-028. Braga. E-mail: catarinafflopes@gmail.com


RESUMO

Introdução/enquadramento/objetivos:

As patologias oncológicas hematopoiéticas podem estar associadas a algumas condições de trabalho. A bibliografia sobre o tema não é muito exaustiva ou robusta e, por isso, os conhecimentos associados não estão muito desenvolvidos entre os profissionais da área e e/ou trabalhadores/chefias/empregadores. Pretende-se com esta revisão resumir o que de mais recente e pertinente se publicou sobre o tema.

Metodologia:

Trata-se de uma Revisão Bibliográfica, iniciada através de uma pesquisa realizada em janeiro de 2022 nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP.

Conteúdo:

Em ambiente laboral os agentes químicos mais relevantes (em relação à leucemia) são o benzeno, tetracloroetileno, estireno, clorofenois, aminas aromáticas, creosoto, crómio, arsénio, óxido de etileno, asbestos, agentes antineoplásicos e pesticidas.

A International Agency for Research on Cancer (IARC) identificou mais de cem agentes químicos carcinogénicos e, destes, cerca de um quarto aumenta o risco de leucemia e linfoma. Esta entidade classifica o butadieno e o formaldeído (usados na indústria da produção de plástico, borracha e têxtil, por exemplo), como inseridos no grupo 1, ou seja, cancerígenos para humanos; ela publicou ainda que o benzeno, óxido de etileno, alguns pesticidas e o formaldeído como provavelmente ligados à leucemia (grupo 2a); bem como alguns tipos de radiação.

Esta instituição salientou a existência de um maior risco hematopoiético relacionado com as atividades profissionais associadas à construção naval, produção de calçado e borracha, ainda que as conclusões não sejam consensuais entre investigadores. Por sua vez, o trabalho de limpeza de chaminés demonstrou estar associado a todos os tipos de cancro hematopoiético.

Discussão e Conclusões:

Existem alguns fatores de risco com associação suspeita ou comprovada em relação à etiologia de algumas patologias oncológicas hematopoiéticas. É fundamental que os profissionais do setor adquiram conhecimentos mínimos relativos ao que a escassa bibliografia descreve, de forma a ser possível planear medidas de proteção coletiva e individual que consigam atenuar o risco. Seria também interessante que algumas equipas de saúde e segurança ocupacionais, a exercer em instituições com trabalhadores expostos a estas condições de trabalho, conseguissem investigar o tema, lançando para a bibliografia dados inovadores e/ou mais completos dos que o que estão presentemente publicados.

Palavras-chave: cancro hematopoiético; leucemia; linfoma; mieloma múltiplo; saúde ocupacional e medicina do trabalho

ABSTRACT

Introduction/framework/objectives:

Hematopoietic oncological pathologies may be associated with some work conditions. The bibliography on the subject is not very exhaustive and, therefore, the associated knowledge is not very developed among professionals in the area and/or workers/managers/employers. The aim of this review is to summarize the most recent and relevant publications on the subject.

Methodology:

This is a Bibliographic Review, initiated through a search carried out in January 2022 in the databases “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina and RCAAP”.

Content:

In the work environment, the most relevant chemical agents in relation to leukemia are benzene, tetrachlorethylene, styrene, chlorophenols, aromatic amines, creosote, chromium, arsenic, ethylene oxide, asbestos, antineoplastic agents and pesticides.

The International Agency for Research on Cancer (IARC) has identified more than one hundred important chemical carcinogens and, of these, about a quarter increase the risk of leukemia and lymphoma. This entity classifies butadiene and formaldehyde (used in the plastic, rubber and textile production industry, for example) as included in group 1, that is, carcinogenic to humans; it further published that benzene, ethylene oxide, some pesticides and formaldehyde as probably linked to leukemia (group 2a); as well as some types of radiation.

This institution highlighted the existence of a greater hematopoietic risk related to professional activities associated with shipbuilding, footwear and rubber production, although the conclusions are not consensual among researchers. In turn, chimney sweeping work has been shown to be associated with all types of hematopoietic cancer.

Discussion and Conclusions:

There are some risk factors with suspected or proven association with the etiology of some hematopoietic oncological pathologies. It is essential that professionals in the sector acquire a minimum of knowledge regarding what the scarce bibliography describes, so that it is possible to plan collective and individual protection measures that manage to mitigate the risk. It would also be interesting if some occupational health and safety teams, working in institutions with workers exposed to these working conditions, were able to investigate the topic, releasing innovative and/or more complete data to the bibliography than what is currently published.

KEYWORDS: hematopoietic cancer; leukemia; lymphoma; multiple myeloma; occupational health and occupational medicine

INTRODUÇÃO

As patologias oncológicas hematopoiéticas podem estar associadas a algumas condições de trabalho e/ou fatores de risco. A bibliografia sobre o tema é escassa e, por isso, os conhecimentos associados não estão muito desenvolvidos entre os profissionais da saúde e segurança ocupacionais, bem como entre trabalhadores/chefias/empregadores. Pretende-se com esta revisão resumir o que de mais recente e pertinente se publicou sobre o tema.

METODOLOGIA

Em função da metodologia PICo, foram considerados:

  • -P (population): trabalhadores expostos a fatores de risco eventualmente cancerígenos a nível hematopoiético.

  • -I (interest): reunir conhecimentos relevantes sobre risco oncológico hematopoiético de alguns contextos laborais

  • -C (context): saúde e segurança ocupacionais

Assim, a pergunta protocolar será: Quais as tarefas e/ou fatores de risco laborais que podem potenciar o risco de patologia cancerígena hematopoiética?

Foi realizada uma pesquisa em janeiro de 2022 nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP”.

No quadro 1 está descrita a pesquisa realizada e no quadro 2 estão resumidas as caraterísticas metodológicas dos artigos selecionados.

Quadro 1: Pesquisa efetuada 

Motor de busca Password 1 Password 2 e seguintes, caso existam Critérios Nº de documentos obtidos Nº da pesquisa Pesquisa efetuada ou não Nº do documento na pesquisa Codificação inicial Codificação final
RCAAP Cancro hematopoiético -título e/ ou assunto
0 1 não
Leucemia 833 2 não
Trabalho 0 3 não
Linfoma 514 4 não
Trabalho 0 5 não
EBSCO (CINALH, Medline, Database of Abstracts and Reviews, Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Nursing & Allied Health Collection e MedicLatina)
Hematopoietic cancer -2012 a 2022
-acesso a resumo
-acesso a texto completo
1739 6 não
occupational 47 7 sim 1
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
18
19
20
23
25
27
35
37
38
39
40
42
CH1
CH2
CH3
CH4
CH5
CH6
CH7
CH8
CH9
CH10
CH11
CH12
CH13
CH14
CH15
CH16
CH17
CH18
CH19
CH20
CH21
CH22
CH23
CH24
CH25
CH26
5
17
9
-
-
-
-
16
-
1
14
-
18
6
7
-
2
-
3
20
-
13
-
12
8
19

Quadro 2: Caraterização metodológica dos artigos selecionados 

Artigo Caraterização metodológica País Resumo
1 Artigo de Revisão Brasil O estudo pretendeu descrever o contexto laboral dos indivíduos diagnosticados com leucemia, entre 2007 e 2011, numa amostra de quase 8000 pacientes. Ainda que apenas existisse informação relativa à profissão em 52% dos casos, percebeu-se que esta patologia era mais frequente em agricultores, pescadores e trabalhadores florestais.
2 Artigo original EUA Através de uma amostra de quase 19.000 casos de leucemia, percebeu-se que esta era mais frequente em indivíduos que trabalhavam na construção civil, especificando os subtipos mais frequentes e quais as subespecializações mais envolvidas.
3 Suécia Os autores analisaram a incidência de alterações oncológicas em limpa-chaminés suecos, de 1958 a 2006. Encontraram-se 813 cancros, versus 626 que seriam espetáveis para a população geral, alguns dos quais a nível hematopoiético.
4 Paquistão Trata-se de um estudo de caso-controlo em cinco hospitais desse país, de maio a setembro de 2014. Os autores concluíram que o risco de leucemia era superior nos trabalhadores da indústria química.
5 Suíça Esta investigação pretendeu analisar o risco de cancro pediátrico em familiares cujos pais estivessem expostos ocupacionalmente a pesticidas, entre 1990 e 2015. Parece existir um aumento da patologia oncológica.
6 Brasil Neste estudo realizou-se uma análise às caraterísticas maternas de crianças com leucemia e verificou-se que esta era mais prevalente na descendência exposta a alguns agentes químicos (agricultura, indústria química e petroquímica), cerca de 2,2 vezes mais.
7 EUA e Rússia Nesta referência bibliográfica está inserido um estudo de caso controlo numa coorte de quase 111.000 funcionários de limpeza da Central Nuclear de Chernobil, entre 1986 e 2006. Concluiu-se que a exposição a radiação ionizante, mesmo que em baixa dose, pode potenciar o risco de leucemia.
8 Canadá Pretendeu-se investigar a eventual relação entre o trabalho agrícola e os cancros hematopoiéticos neste país, entre 1992 e 2010. Percebeu-se que a exposição a pesticidas pode ter aumentado esse risco.
9 Reino Unido Se o risco de leucemia versus exposição a radiação ionizante está claro com doses elevadas, o mesmo não acontece com doses inferiores e mais prolongadas no tempo. O risco parece estar acrescido e haver algum efeito dose-resposta, o que é compatível com algumas das conclusões dos estudos equivalentes.
10 EUA, Holanda e China Ainda que o benzeno seja considerado como agente etiológico eventual de leucemia, o mecanismo não está descrito com clareza, ainda que pareça envolver o stress oxidativo e os seus metabolitos.
11 Noruega, Reino Unido e Itália Neste documento houve o objetivo de examinar o risco de cancro hematopoiético associado à exposição ao benzeno, em explorações marítimas de petróleo, entre 1999 e 2011, numa coorte de quase 25.000 trabalhadores noruegueses. Parece existir uma relação entre ambos.
12 Artigo de Revisão EUA O benzeno pode causar vários cancros hematopoiéticos, mesmo a níveis abaixo dos valores máximos permitidos. Pretendeu-se descrever os eventuais mecanismos etiológicos associados, nomeadamente alterações na apoptose e stress oxidativo.
13 EUA O benzeno poderá levar à anemia aplástica e/ou alguns tipos de leucemia, nomeadamente através da ação dos seus metabolitos
14 EUA Este artigo objetivou analisar a eventual capacidade do formaldeído causar alterações cancerígenas hematopoiéticas, analisando o que foi publicado entre 1966 e 2012. Os autores concluíram que não existem evidências robustas.
15 Artigo Original Itália Este documento também pretendeu estudar o mesmo agente químico, entre 1947 e 2011, numa amostra de quase 71.000 pessoas. A conclusão foi de que parece existir potencialmente este risco oncológico.
16 Itália Neste projeto de caso-controlo analisou-se a eventual relação entre a leucemia e os agentes químicos existentes na poluição atmosférica de uma zona industrial no norte de Itália; o risco em causa parece ficar potenciado.
17 China Segue-se outro estudo de caso-controlo, em relação ao risco de leucemia na descendência de progenitores expostos a REM pouco intensa. Não se encontrou evidência de esse risco estar aumentado.
18 Reino Unido Os autores aqui inseridos desejaram investigar o risco de leucemia e as REM pouco intensas em mais de 73.000 funcionários, entre 1973 e 2010. A conclusão foi equivalente ao estudo anterior.
19 EUA No documento em causa desenvolveu-se a investigação relativa ao risco oncológico em trabalhadores a exercer em Centrais Nucleares, numa coorte de mais de 119.000 funcionários. O risco parece estar acrescido, tal como na generalidade dos estudos equivalentes.
20 Finlândia, Noruega, Islândia, Suécia e Dinamarca Este projeto de caso-controlo pretendeu avaliar o risco de cancro hematopoiético em trabalhadores com turnos noturnos rotativos, numa amostra estudada entre 1961 e 2005, na Finlândia. Concluiu-se que não surgiu evidência dessa associação.

CONTEÚDO

Noções gerais

Em ambiente laboral os agentes químicos mais relevantes em relação à leucemia são o benzeno, tetracloroetileno, estireno, clorofenois, aminas aromáticas, creosoto, crómio, arsénio, óxido de etileno, asbestos, agentes antineoplásicos e pesticidas. Em alguns ambientes de trabalho também podem ser relevantes as radiações ionizantes e os campos eletromagnéticos (1).

A International Agency for Research on Cancer (IARC) identificou mais de cem agentes químicos carcinogénicos e, destes, cerca de um quarto aumenta o risco de leucemia e linfoma. Esta entidade classifica o butadieno e o formaldeído (usados na indústria da produção de plástico, borracha e têxtil, por exemplo), como inseridos no grupo 1, ou seja, cancerígenos para humanos (1); ela publicou ainda que o benzeno, óxido de etileno, alguns pesticidas e o formaldeído como provavelmente ligados à leucemia (grupo 2A); bem como alguns tipos de radiação (2).

Associações a alguns setores profissionais

Os funcionários da construção (numa coorte norte-americana de quase 19.000 trabalhadores) apresentaram risco acrescido de leucemia global, salientando até alguns subtipos (leucemias aguda linfocítica, mielóide aguda e crónica) (2).

A IARC salientou a existência de um maior risco hematopoiético relacionado com as atividades profissionais associadas à construção naval, produção de calçado e borracha, ainda que as conclusões não sejam consensuais entre investigadores (2).

Por sua vez, o trabalho de limpeza de chaminés demonstrou estar associado a todos os tipos de cancro hematopoiético (3).

Entre as patologias oncológicas assistidas num hospital paquistanês, por exemplo, verificou-se que a leucemia estava associada à produção de agentes químicos (p˂0,05), fábricas de refinação dos combustíveis (p=0,012) e proximidade de zonas onde se praticava a agricultura (p=0,069), com destaque para os pesticidas (4). Já numa coorte brasileira, por sua vez, verificou-se que os setores profissionais mais associados à leucemia foram a agricultura, atividades florestais e pesca (1).

Associações a fatores de risco específicos

-Pesticidas

Crianças cujos pais interajam profissionalmente com pesticidas durante a gestação e/ou após o nascimento, através de poeiras e/ou de contato com a roupa, apresentam maior incidência de cancros (sobretudo leucemia) (5) (6). Alguns pesticidas foram classificados pela IARC como carcinogénicos para humanos (5). Um estudo especificou que mães com exposição a estes produtos apresentam descendência com risco superior de leucemia na magnitude de cerca de oito vezes mais (7). Outros investigadores publicaram que este tipo de agentes químicos potencia o risco de cancro hematopoiético, especificando até diversos subtipos de leucemia (mieloide aguda e crónica e linfocítica crónica), mencionado também o mieloma múltiplo (8).

-Solventes

Mães com exposição a solventes apresentam descendência com risco superior de leucemia, na magnitude de cerca de oito vezes mais (7).

O benzeno associa-se a algumas alterações mielodisplásicas (9) e está na constituição dos combustíveis fósseis (10). Encontrou-se uma relação entre a exposição cumulativa e o risco de leucemia mielóide aguda e crónica linfocítica, bem como mieloma múltiplo, mesmo que em doses baixas (11), por vezes abaixo de 1 ppm (12); bem como anemia aplástica, pancitopenia, linfoma (13) e outras síndromes mielodisplásicas (12) (13). A IARC classificou-o como carcinogénico para humanos, eventualmente associado às leucemias mieloide aguda (11) (12)/linfoblástica aguda e linfocítica crónica, tal como mieloma múltiplo e linfoma não hodking (11). Contudo, o mecanismo exato não está devidamente esclarecido, ainda que se suponha que a etiologia passe pela indução de alterações genéticas/cromossómicas nas células hematopoiéticas, através da interferência nos mecanismos de apoptose e diferenciação celular, devido ao stress oxidativo causado por alguns dos seus metabolitos (10) (12).

O formaldeído, por sua vez, aumenta o risco de patologia oncológica linfohematopoiética segundo alguns estudos; contudo, outros discordam. É usado como biocida, conservante ou como matéria-prima na produção de outros agentes químicos (14) (15) (sobretudo nas indústrias do plástico, têxtil, construção civil, produção de colas e cosmética; é também emitido por tapeçarias e veículos motorizados (14); bem como na indústria da produção de móveis e outros produtos com madeira e artigos médicos (gerais, dentários e veterinários) (15). A IARC classificou-o como cancerígeno para humanos (grupo 1), sobretudo em função do carcinoma nasofaríngeo e hematológico (14) (15).

-Fármacos citostáticos

Alguns profissionais de saúde estão expostos a agentes oncológicos como fármacos antineoplásicos. Em alguns casos o risco da via cutânea parece ser mais relevante que a inalatória (16). Aliás, os fármacos utilizados para tratar a leucemia, podem originar outras alterações mielodisplásicas (13).

-Campos eletromagnéticos

A IARC classificou os campos magnéticos de muito baixa frequência como possivelmente cancerígenos (grupo 2B); sendo que alguns estudos fazem associação com leucemia nas crianças expostas (17), com um aumento discreto do risco; no entanto, de realçar que os estudos nem sempre consideraram os mesmos subtipos de leucemia. Contudo, na realidade, outros consideram que não se encontrou evidência clara entre a leucemia e a exposição a campos eletromagnéticos (18).

-Radiação Ionizante

Enquanto a associação entre leucemia e a radiação aguda intensa está bem estabelecida, o mesmo não ocorre para doses menores, mesmo que com exposição prolongada. Numa coorte de mais de cinco milhões de indivíduos concluiu-se que o risco de leucemia fica aumentado também com radiação de menor intensidade, mas prolongada no tempo; como nos trabalhadores de centrais nucleares (sem acidentes) (9)- por exemplo, numa coorte de mais de 119.000 trabalhadores deste setor verificou-se um risco discreto aumentado de leucemia e outras alterações hematológicas oncológicas (como o mieloma múltiplo) (19); contudo, outros estudos parecidos não chegaram a essa conclusão (7).

-Cronodisrrupção

Não parece haver associação entre os turnos noturnos e rotativos e os cancros hematopoiéticos; ainda que a IARC considere que a cronodisrrupção é provavelmente carcinogénica para humanos (grupo 2A), de acordo com os dados obtidos através da experimentação animal, devido às alterações na glândula pineal (20).

DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO

Existem alguns fatores de risco com associação suspeita ou comprovada em relação à etiologia de algumas patologias oncológicas hematopoiéticas; a bibliografia consultada destaca sobretudo alguns agentes químicos (benzeno, tetracloroetileno, estireno, clorofenois, aminas aromáticas, creosoto, arsénio, asbestos, alguns agentes antineoplásicos e pesticidas), bem como a radiação ionizante/campos eletromagnéticos. É fundamental que os profissionais do setor adquiram conhecimentos mínimos relativos ao que a escassa bibliografia descreve, de forma a ser possível planear medidas de proteção coletiva e individual que consigam atenuar o risco. Seria também interessante que algumas equipas de saúde e segurança ocupacionais, a exercer em instituições com trabalhadores expostos a estes fatores de risco, conseguissem investigar o tema, lançando para a bibliografia dados inovadores e/ou mais completos dos que o que estão presentemente publicados.

AGRADECIMENTOS

Nada a declarar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 CH10. Moraes E, Mello M, Nogueira F, Oteru U, Carvalho F. Analysis of individuals with leukemia: cancer surveillance system limitations. Ciência & Saúde Coletiva. 2017; 3321-3332. DOI: 10.1590/1413-812320172210.18292017 [ Links ]

2 CH17. Luckhaupt S, Deapen D, Cress R, Schumacher P, Shen R, Calvert G. Leukemia & Lymphoma. 2012; 53(11): 2228-2236. DOI: 10.3109/10428194.2012.690873 [ Links ]

3 CH19. Hogstedt C, Jansson C, Hugosson M, Tinnerberg H, Gustavsson P. Cancer incidence in a cohort of swedish chimney sweeps, 1958- 2006. American Journal of Public Health. 2013; 103(9): 1708-1714. DOI: 10.2105/AJPH. 2012.300860 [ Links ]

4 CH7. Arshad S, Zain-ul-Abidin S, Shamsher M. Risk factors of leukemia in different hospitals of Punjab. Journal of Pakistan Medical Association. 2018; 68(6): 857-861. [ Links ]

5 CH1. Coste A, Bailey H, Kartal- Kaess M, Renella R, Berthet A, Spycher B. Parental occupational exposure to pesticides and risk of childhood cancer in Switzerland: a census-based cohort study. BMC Cancer. 2020; 20 (819): 1-11. DOI: 10.1186/s12885-020-07319-w [ Links ]

6 CH14. Reis R, Silva N, Santos M, Oliveira J, Thuler L, Camargo B et al. Mother and child characteristics at birth and early age leukemia: a case-cohort population-based study. Jornal de Pediatria. 2017; 93(6): 610-618. DOI: 10.1016/j.jped.2016.12.009 [ Links ]

7 CH15. Zablotska L, Bazyka D, Lubin J, Gudzenko W, Little M, Hatch M et al. Radiation and the risk of chronic lymphocytic and other leukemias among Chornobyl cleanworkers. Environmental Health Perpspectives. 2013; 121: 59-63. DOI: 10. 1289/ehp.1204996 [ Links ]

8 CH25. Kachuri L, Harris M, MacLeod J, Tjepkema M, Peters P, Demers P. Cancer risks in a population-based study of 70.570 agricultural workers: results from the Canadian census health and environmental cohort (CanCHEC). BMC Cancer. 2017; 17 (343): 1-15. DOI: 1.1186/s12885-017-3346-x [ Links ]

9 CH3. Gillies M, Haylock R, Hunter N, Zhang W. Risk of leukemia associated with protracted low-dose radiation exposure: updates results from the national registry for radiation workers study. Radiation Research. 2019; 192: 527-537. DOI: 10.1667/RR15358.1 [ Links ]

10 CH9. Grigoryan H, Edmans W, Lan Q, Carlsson H, Vermeuler R, Zhang L et al. Adductomic signatures of benzene exposure provide insights into cancer induction. Carcinogenesis. 2018; 39(5): 661-668. DOI: 10.1093/carcin/bgy042 [ Links ]

11 CH6. Stenehjem J, Kjaerheim K, Bratveit M, Samuelsen S, Barone-Adesi F, Rothman N et al. Benzene exposure and risk of lymphohaematopoietic cancers in 25.000 offshore oil industry workers. British Journal Of Cancer. 2015, 112: 1603-1612. DOI: 10.1038/bjc.2015.108 [ Links ]

12 CH24. McHale C, Zhang L, Smith M. Current understanding of the mechanism of benzene-induced leukemia in humans implications for risk assessment. Carcinogenesis. 2012; 33(2): 240-252. [ Links ]

13 CH22. Snyder R. Leukemia and Benzene. International Journal of Environmental Research and Public Health. 2012; 9: 2815-2893. DOI: 10.3390/ijerph9082875 [ Links ]

14 CH11. Checkoway H, Boffetta P, Mundt D, Mundt K. Critical Review and synthesis of the epidemiologic evidence on formaldehyde exposure and risk of leukemia and other lymphohematopoietic malingnancies. Cancer Causes Control. 2012; 23: 1747-1766. DOI: 10. 1007/s10552-012-0055-2. [ Links ]

15 CH12. Pira E, Romano C, Veiga F, Vecchia C. Mortality from lymphohamatopoietic neoplasms and other causes in a cohort of laminated plastic workers exposed to forlamdehyde. Cancer causes control. 2014; 25: 1343-1349. DOI: 10.1007/s10552-014-0440-0 [ Links ]

16 CH8. Fransmann W, Kager H, Meijster T, Heederick D, Kromhout H, Petergen L et al. Leukemia from dermal exposure to cyclophosphamide among nurses in the Netherlands: quantitative assessment of the risk. Annals of Occupational Hygiene. 2014; 58(3): 271- 282. DOI: 10.1093/annhyg/met077 [ Links ]

17 CH2. Su L, Fei Y, Wei X, Guo J, Jiang X, Lu L et al. Associations of parental occupational exposure to extremely low-frequency magnetic fields with childhood leukemia risk. Leukemia & Lymphoma. 2016; 57(12): 2855-2862. DOI: 10.3109/10428194.2016.1165812 [ Links ]

18 CH13. Sorahan T. Magnetic fields and Leukeia risk in UK electricity supply workers. Occup Medicine. 2014; 64: 150-156. DOI: 10.1093/occmed/kqu002. [ Links ]

19 CH26. Schubaeur-Berigan M, Daniels R, Bertke S, Tseng C, Richardson D, Cancer Mortality throught 2005 among a pooled cohort of US nuclear workers exposed to external ionizing radiation. Radiation Research. 2015; 183: 620-631. DOI: 10.1667/RR13988.1 [ Links ]

20 CH20. Talibou M, Pukkala E, Martinsen J, Trygguadottir L, Weiderpass E, Hansen J. Night-shift work and hematological cancers: a population based case-control study in three nordic countries. Scandinavian Journal of Work Environmental Health. 2018; 44(3): 258-264. DOI: 10. 5271/sjweh.3705 [ Links ]

Recebido: 25 de Fevereiro de 2023; Aceito: 27 de Fevereiro de 2023; Publicado: 04 de Março de 2023

CONFLITOS DE INTERESSE, QUESTÕES ÉTICAS E/OU LEGAIS

Nada a declarar.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons