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Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online

versão impressa ISSN 2183-8453

RPSO vol.13  Gondomar jun. 2022  Epub 21-Jul-2022

https://doi.org/10.31252/rpso.11.06.2022 

Artigo de Revisão

BISSINOSE

BYSSINOSIS

1Mónica Santos, Licenciada em Medicina; Especialista em Medicina Geral e Familiar; Mestre em Ciências do Desporto; Especialista em Medicina do Trabalho; Técnica Superiora de Segurança no Trabalho e Doutoranda em Segurança e Saúde Ocupacionais. Presentemente a exercer nas empresas Medimarco e Higiformed; Diretora Clínica da empresa Quercia; Diretora da Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online. Endereços para correspondência: Rua Agostinho Fernando Oliveira Guedes, 42, 4420-009 Gondomar

2Armando Almeida, Enfermeiro Especialista em Enfermagem Comunitária, com Competência Acrescida em Enfermagem do Trabalho. Doutorado em Enfermagem; Mestre em Enfermagem Avançada; Pós-graduado em Supervisão Clínica e em Sistemas de Informação em Enfermagem; Professor Auxiliar Convidado na Universidade Católica Portuguesa, Instituto da Ciências da Saúde - Escola de Enfermagem (Porto) onde Coordena a Pós-Graduação em Enfermagem do Trabalho; Diretor Adjunto da Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online. 4420-009 Gondomar

3Catarina Lopes, Licenciada em Enfermagem, desde 2010, pela Escola Superior de Saúde Vale do Ave. A exercer funções na área da Saúde Ocupacional desde 2011 como Enfermeira do trabalho autorizada pela Direção Geral de Saúde, tendo sido a responsável pela gestão do departamento de Saúde Ocupacional de uma empresa prestadora de serviços externos durante sete anos. Atualmente acumula funções como Enfermeira de Saúde Ocupacional e exerce como Enfermeira Generalista na SNS24. Encontra-se a frequentar o curso Técnico Superior de Segurança do Trabalho. 4715-028. Braga


RESUMO

Introdução/enquadramento/objetivos

Parte dos profissionais a exercer na Saúde e Segurança Ocupacionais não teve oportunidade de trabalhar em empresas com risco de Bissinose, pelo que uma fração destes não terá grandes conhecimentos sobre esta patologia. Pretendeu-se com esta revisão resumir o que de mais recente e pertinente se publicou nos últimos anos.

Metodologia

Trata-se de uma Revisão Bibliográfica, iniciada através de uma pesquisa realizada em janeiro de 2022 nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP.

Conteúdo

Bissinose é uma patologia respiratória secundária ao processamento de fibras vegetais; vem do grego "Byssos" (algodão), uma vez que a patologia foi primeiramente observada na indústria do algodão, ainda que posteriormente se tenha percebido que outras fibras vegetais levavam a situação idêntica; contudo, o processamento do algodão, sobretudo nas etapas iniciais, tem maior probabilidade de a causar. Nessa poeira existem não só fibras de algodão, mas também microrganismos (como bactérias e fungos). Aliás, algumas alterações pulmonares são causadas pela cascata de mediadores inflamatórios, secundária não só às fibras, mas também às endotoxinas.

A semiologia mais caraterística cursa com tosse, expetoração, desconforto torácico, dispneia, febre, mal-estar, sibilos, astenia e anorexia.

Discussão e Conclusões

A bibliografia selecionada não revelou dados sobre alguns aspetos pertinentes e essenciais para se exercer na área. Por exemplo, não se encontrou informação concreta relativa a medidas de proteção coletiva específicas ou individual (tipo de equipamento, marca, modelo, material). Seria interessante que uma ou mais equipas de Saúde e Segurança Ocupacionais que tivessem algum(ns) cliente(s) deste setor, investigassem as questões mais pertinentes, nomeadamente cálculos de incidência/prevalência versus sexo, idade, habilitações, dimensão do empregador e caraterísticas do processo produtivo; bem como a parte associada às medidas de proteção coletiva e individual, limitações e necessidade de troca de tarefas/posto de trabalho ou até do setor profissional em si.

Palavras-chave bissinose; algodão; canábis; saúde ocupacional; medicina do trabalho e segurança no trabalho.

ABSTRACT

Introduction/framework/objectives

Part of the professionals working in Occupational Health and Safety did not have the opportunity to work in companies at risk of Byssinosis, so a fraction of them will not have great knowledge about this pathology. The aim of this review was to summarize the most recent and relevant that has been published in recent years.

Methodology

This is a Bibliographic Review, initiated through a search carried out in January 2022 in the databases “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina and RCAAP”.

Contents

Byssinosis is a respiratory pathology secondary to the processing of plant fibers; comes from the Greek "Byssos" (cotton), since the pathology was first observed in the cotton industry, although later it was noticed that other plant fibers led to the same situation; however, cotton processing, particularly in the early stages, is more likely to cause it. In this dust there are not only cotton fibers, but also microorganisms (such as bacteria and fungi). In fact, some pulmonary alterations are caused by the cascade of inflammatory mediators, secondary not only to fibers, but also to endotoxins.

The most characteristic semiology involves cough, expectoration, chest discomfort, dyspnea, fever, malaise, wheezing, asthenia and anorexia.

Discussion and Conclusions

The selected bibliography did not reveal data on some pertinent and essential aspects to practice in the area. For example, no concrete information was found regarding specific collective or individual protection measures (type of equipment, brand, model, material). It would be interesting for one or more Occupational Health and Safety teams that has any client(s) in this sector to investigate the most relevant issues, namely incidence/prevalence versus sex, age, qualifications, employer size and job characteristics and production process; as well as the part associated with collective and individual protection measures, limitations and the need to change tasks/job or even the professional sector itself.

Keywords: byssinosis; cotton; cannabis; occupational health; occupational medicine and safety at work.

INTRODUÇÃO

Parte dos profissionais a exercer na Saúde e Segurança Ocupacionais não teve oportunidade de exercer em empresas com risco de Bissinose, pelo que uma fração destes não terá grandes conhecimentos sobre esta patologia. Pretendeu-se com esta revisão resumir o que de mais recente e pertinente se publicou nos últimos anos.

METODOLOGIA

Em função da metodologia PICo, foram considerados:

  • -P (population): trabalhadores expostos a fibras vegetais ou outros componentes no processo produtivo com capacidade de causar Bissinose

  • -I (interest): reunir conhecimentos relevantes sobre Bissinose

  • -C (context): saúde ocupacional nas empresas com postos de trabalho com capacidade de causar Bissinose

Assim, a pergunta protocolar será: Quais as particularidades que os membros das equipas de Saúde e Segurança Ocupacionais deverão conhecer relativamente à Bissinose?

Foi realizada uma pesquisa em janeiro de 2022 nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP”.

No quadro 1 podem ser consultadas as palavras-chave utilizadas nas bases de dados.

Quadro 1 Pesquisa efetuada 

No quadro 2 estão resumidas as caraterísticas metodológicas dos artigos selecionados.

Quadro 2 Caraterização metodológica dos artigos selecionados 

Artigo Caraterização metodológica País Resumo
1-B11 Artigo Original Austrália O projeto aqui resumido pretende avaliar as alterações respiratórias associadas à produção legal de canábis. Concluiu-se que estes funcionários têm risco de desenvolver patologia respiratória e eventualmente limitante. Os autores recomendam mais investigação relativa às medidas de proteção/controlo.
2-B14 Paquistão Este estudo pretendeu avaliar as eventuais alterações genotóxicas associadas à exposição a poeiras do algodão. Concluiu-se que o contato crónico pode levar a Bissinose e alterações no DNA.
3-R1 Artigo de Revisão Brasil Trata-se de uma revisão que incluiu a história da Bissinose, panorama atual, doenças associadas e medidas de proteção.
4-B3 Artigo Original Turquia O projeto aqui resumido pretendeu estimar a prevalência de Bissinose e DPCO num subtipo específico de trabalhadores têxteis, com uma amostra de 164 funcionários ativos e 102 profissionais reformados, através de Rx e provas de função pulmonar. A prevalência demonstrou-se elevada, pelo que os autores recomendaram a valorização das medidas de proteção.
5-B4 República do Benim Esta investigação pretendeu estimar a prevalência e semiologia da Bissinose no país, através de uma amostra de 109 trabalhadores e 107 controlos. Concluíram que a prevalência era elevada e a semiologia frequente.
6-B7 Índia O projeto aqui retratado pretendeu investigar até que ponto o exercício aeróbico consegue influenciar a função respiratória dos trabalhadores expostos à poeira do algodão e eventualmente fumadores. O exercício pareceu justamente mais eficaz nos Tabagistas e o tabaco demonstrou-se sinérgico à poeira do algodão a nível de danos.
7-B2 Paquistão
Reino Unido
Este registo pretendeu descrever o projeto de investigação que os autores pretendem desenvolver, relativo à avaliação das medidas aplicadas no setor do algodão, com o objetivo de minimizar os danos médicos.
8-B5 China
EUA
Suíça
Neste documento pretendeu-se avaliar até que ponto alguns polimorfismos genéticos conseguem modular a função pulmonar, em função da exposição a algumas toxinas. Concluíram que estes, em interação com o ambiente, conseguem influenciar a progressão da função respiratória.
9-B8 Índia Utilizando uma amostra de 30 trabalhadores da indústria do algodão, pretendeu-se avaliar em que medida as alterações respiratórias inerentes seriam moduladas pelo exercício de alguns minutos por semana. Conclui-se que existem melhorias.
10-B12 Grécia Numa amostra de 256 trabalhadores da indústria do algodão, passaram um questionário relativo a sintomas respiratórios e caraterísticas do trabalho, usando como controlo 148 escriturários. Concluíram que os primeiros apresentavam mais sintomas e um padrão obstrutivo.
11-B13 República do Benim Fazendo uso de uma amostra de 656 indivíduos da indústria do algodão e 113 controlos não expostos, utilizando ainda um questionário, avaliaram-se os sintomas respiratórios e a prevalência da Bissinose (44%).
12-B1 Caso Clínico Índia Neste artigo os autores relatam um Caso Clínico de um trabalhador exposto cronicamente à poeira do algodão, com destaque para a sintomatologia e orientação terapêutica.
13-B10 Artigo Original Paquistão Este documento registou dados de um projeto que pretendeu avaliar a eventual relação de dose-resposta entre a exposição da poeira do algodão e alterações na função pulmonar, através de uma amostra de 303 trabalhadores expostos. Concluiu-se que existia efetivamente uma relação de dose-resposta.
14-R2 Brasil Neste projeto de caso-controlo usaram-se trabalhadores de três fiações de algodão e 135 controlos não expostos; os primeiros apresentavam sintomas e alterações na função pulmonar.
15-B6 EUA Este documento retratou os riscos associados à produção legal de canábis, com destaque para a dimensão microbiológica.
16-B9 Paquistão Os autores efetuaram a quantificação da poeira do algodão de diferentes dimensões, em empresas da área mas de pequena dimensão, registando também os danos médicos associados.

CONTEÚDO

Definição e Etiologia

Bissinose é uma patologia respiratória secundária ao processamento de fibras vegetais (1) (2); vem do grego "Byssos" (algodão) (1) (3), uma vez que a patologia foi primeiramente observada nesta indústria (1). O primeiro indivíduo a descrever oficialmente esta patologia foi o médico italiano Bernardino Ramazzini (1) (4), nos séculos XVII (1)/XVIII, que dedicou o seu trabalho às doenças associadas ao trabalho. A revolução industrial na segunda metade do século XIX, nomeadamente com o desenvolvimento da indústria têxtil, potenciou o desenvolvimento de algumas doenças profissionais. Outros médicos que se dedicaram a esta patologia foram Prausnitz (1936) e Schilling (1950) (4); mas a doença só foi estudada com rigor no século XX (1). Aliás, o termo Bissinose foi usado pela primeira vez a meio desse século (3).

No início esta patologia foi descrita apenas nos trabalhadores do algodão, ainda que posteriormente se tenha percebido que outras fibras vegetais levavam a situação idêntica (3) (4); contudo, o processamento do algodão, sobretudo nas etapas iniciais (5), tem maior probabilidade de a causar (1) (5) (6). Estima-se que cerca de 2,5% da terra cultivada produz algodão, empregando milhões de funcionários mundialmente (se se considerarem as etapas transformadoras posteriores) (7). Este setor tem vindo a diminuir nos países mais industrializados, mas a aumentar nos menos desenvolvidos (4) (5).

A poeira secundária ao algodão pode ainda originar Doença Pulmonar Crónica Obstrutiva- DPCO (1) (6) (8) (9) (10) [incluindo o enfizema (1) (4) (6) (11) e a bronquite crónica (11)] ou asma (1) (4) (6) (11), mais frequentemente; bem como doença pulmonar intersticial e fibrose pulmonar (menos reportadas na literatura) (12); com diminuição generalista da função pulmonar (8). Um único turno consegue alterar a função respiratória; exposição mais prolongada poderá levar a pneumonite de hipersensibilidade, asma alérgica e não alérgica, síndroma tóxico às poeiras orgânicas (ODTS) e à febre de 2ª feira (1). Nessa poeira existem não só fibras de algodão, mas também microrganismos (como bactérias e fungos). Aliás, algumas alterações pulmonares são causadas pela cascata de mediadores inflamatórios, secundária não só às fibras de algodão, mas também às endotoxinas (2) (4) (7) (8) (12). Podem estar ainda presentes fragmentos de planta, fibras de algodão, solo, pesticidas e outros contaminantes (1) (5) (7). As endotoxinas bacterianas poderão ser o agente etiológico principal da Bissinose (7), segundo alguns investigadores; outros realçam também as micotoxinas (1). Estas substâncias causam irritação das mucosas, aumentando a produção de muco e eventual obstrução respiratória (9). As poeiras têxteis incluem matéria particulada de diferentes tamanhos, sendo mais nocivas as menores, devido à maior capacidade de penetração (13); partículas com menos de dez micrómetros conseguem depositar-se nos alvéolos, originando fibrose e espessamento pleural; se menos que 100 micrómetros depositam-se no nariz e boca e, com menos de 25 micrómetros, chegam até à faringe (3). Parte de fisiopatologia também pode ser baseada no facto da poeira do algodão conseguir levar à broncoconstrição, eventualmente através da libertação de histamina (6) (14), com e sem a intervenção das endotoxinas (6). Acredita-se que algumas particularidades genéticas conseguem modular a suscetibilidade do indivíduo às endotoxinas (8).

A diminuição da função respiratória pareceu ser mais intensa nos funcionários mais jovens (8). Enquanto o tabagismo agrava a bissinose (6); o exercício promove a melhoria na função ventilatória/respiratória, capacidade cardiovascular, imunidade e atenua os sintomas (6); sobretudo a vertente aeróbica de baixa intensidade (9).

O agravamento global da doença respiratória diminui a capacidade de trabalho e a qualidade de vida (9).

Incidência/Prevalência

Não se encontraram dados muito detalhados relativos à incidência ou prevalência. Nas décadas de 70 e 80 quantificaram-se prevalências na ordem dos 3 a 16% (4), por exemplo. Por sua vez, no contexto específico da Índia, a prevalência publicada num artigo foi na ordem dos 8% (9); contudo, noutros documentos, encontram-se valores de cerca de 44%. A prevalência tem vindo a diminuir nos países desenvolvidos, mas a aumentar nos em desenvolvimento; em África, chega a valores de quase 50% (11).

Classificação/etapas

A bissinose pode ser aguda ou crónica (12), segundo alguns investigadores. Por sua vez, quanto a eventuais etapas evolutivas que possam existir, alguns descrevem: 1º) tosse pouco intensa no início, mas que aumenta com o tempo de exposição, irritativa; dispneia, desconforto torácico; os sintomas desaparecem após a exposição; 2ª)sintomas mesmo em folgas ou férias; asma; ainda possa haver recuperação se existir afastamento definitivo e 3ª)tosse com expetoração, enfizema e diminuição da concentração de O2 (3).

Semiologia

Desde o século XIX que se observou que os trabalhadores das fiações em Inglaterra apresentavam alterações respiratórias, caraterizadas por desconforto torácico após o primeiro dia de trabalho semanal, mantendo-se ao longo da semana; além de tosse e expetoração, sobretudo nos indivíduos com exposição crónica e doença mais avançada (14).

A semiologia depende da intensidade (5) e duração da exposição (5) (12), bem como idade (2) (11), tabagismo (4) (5) (12), subsetor de trabalho (11) (12), componentes específicos presentes na poeira do algodão (12). Os sintomas usualmente melhoram nas férias e fins-de-semana e pioram quando se retoma a rotina laboral ("asma de segunda-feira") (3) (4) (5) (11) (12); a semiologia geralmente também se agrava ao final do dia (12), sobretudo no primeiro dia de trabalho semanal (3) (4) (5) (geralmente a tal segunda-feira), atenuando ou desaparecendo posteriormente, numa fase inicial; ainda que, numa situação mais avançada, os sintomas até podem permanecer fora do horário de trabalho (4) (5). Costuma existir uma relação entre a intensidade da semiologia e o patamar de exposição (7) (14). Com exposição crónica as alterações podem ficar agravadas (9). Por vezes, o indivíduo tem de se reformar precocemente devido às dificuldades respiratórias, mesmo já em postos de trabalho sem algodão (5).

Pode surgir dispneia com exposição ao algodão, mesmo em indivíduos com função pulmonar normal, apenas dez a vinte minutos depois; alguns investigadores verificaram que, quando processado e eliminados alguns contaminantes a semiologia atenua ou até desaparece (7).

Geralmente esta patologia apresenta um quadro caraterizado por:

  • -tosse(3) (5) (6) (12) (15), inclusive, crónica (11)

  • -expetoração (11)

  • -desconforto torácico (3) (4) (6) (9) (12)

  • -dispneia (3) (5) (6) (10) (11) (12) (de forma estatisticamente significativa- p=0,002) (10)

  • -febre (4)

  • -mal-estar (4)

  • -broncoconstrição (5)/sibilos (6) (10) (p=0,004) (10)

  • -astenia (9) e

  • -anorexia (9).

Por fim, a nível de exame físico, na inspiração, podem ser ouvidas crepitações bibasais (12).

Exames auxiliares de diagnóstico

A Bissinose aguda ocorre após uma exposição breve e carateriza-se por diminuição da FEV1 (5) (6) (10) (12) (13) de forma estatisticamente significativa (p˂0,029) (10) e FVC (5) (6); no primeiro caso em mais de 30% (12); diminuição do quociente FEV1/FCV (6) (10) (13) de forma estatisticamente significativa (p˂0,001) (10), sobretudo nos que são tabagistas (6). À medida que a situação progride, as alterações podem se tornar irreversíveis (12).

A hipoxemia em repouso significará eventualmente doença grave e fibrose (12).

A radiografia de tórax poderá mostrar infiltrados intersticiais bilaterais e a Tomografia Axial estará em situação equivalente para a fibrose peribronquiolar (12).

A análise ao lavado broncoalveolar poderá confirmar o diagnóstico e/ou eliminar diagnósticos diferenciais (12).

Demonstrou-se que os trabalhadores têxteis apresentavam alterações citotóxicas nas células da mucosa oral e eventualmente também no epitélio respiratório, após exposição entre dois a nove anos (2).

Tratamento

O tratamento consiste em terminar a exposição, eventualmente com troca de posto de trabalho, se necessário. No momento poderão ser usados corticoides para a diminuição da inflamação, bem como oxigénio, broncodilatadores e antibióticos (caso exista infeção bacteriana) (12).

Setores profissionais mais relevantes

A prevalência de Bissinose em trabalhadores têxteis do Paquistão é elevada e quantificada em alguns estudos na ordem dos 10 (13) ou 11 a 15% (7). Um estudo do Reino Unido quantificou a prevalência de Bissinose em trabalhadores têxteis em 0,3%; contudo, na China, os valores podem subir para 32% (13). A IARC (International Agency for Research on Cancer) classificou a indústria têxtil como possivelmente carcinogénica para humanos (2B), devido às alterações citotóxicas e a nível de DNA (2).

Nas empresas que cultivam cannabis também existem poeiras capazes de causar bissinose (1) (11) (15), que podem também incluir bactérias e fungos (15). Aliás, alguns estudos quantificam prevalências superiores de sintomas entre trabalhadores da marijuana industrial, versus algodão (67 e 27%, respetivamente), eventualmente por a poeira da canábis ser mais leve e permanecer mais tempo a circular. Para além disso, como a produção legal de canábis ainda é relativamente recente, algumas normas relativas à Segurança e Saúde ainda não estão claramente definidas, como, por exemplo, um ponto de corte para o limite de exposição considerado seguro para a generalidade dos trabalhadores (1).

Medidas de proteção

A nível de pontos de corte, a ACGIH- Conferência Americana de Higienistas Industriais Governamentais considera que o Valor Limite de Exposição para a fibra de algodão cru é 0,2 e 0,1 mg/m3 para o algodão bruto; para oito horas diárias de trabalho no Brasil, por exemplo, considera-se o ponto de corte de 0,088 mg/m3 (3).

As medidas de engenharia que permitiram alterar o processo produtivo de forma a produzir menos poeiras são geralmente dispendiosas; em países/empresas com menos recursos poderá ser mais plausível o uso de EPIs (7), ainda que se devam priorizar as medidas coletivas; para além disso, a maioria dos trabalhadores não usa máscara. A exposição em empresas de pequena dimensão do setor do algodão é por isso geralmente muito relevante (2).

Contudo, em países em desenvolvimento, por vezes, os serviços de Saúde e Segurança ocupacionais não estão totalmente desenvolvidos ou nem existem (incluindo EPIs e medidas de proteção coletiva), nem os trabalhadores têm acesso a cuidados médicos públicos ou privados (16). Para além disso, os funcionários sintomáticos necessitam de trocar de tarefas (1).

DISCUSSÃO/CONCLUSÃO

A bibliografia selecionada não revelou dados sobre alguns aspetos pertinentes e essenciais para se exercer na área. Por exemplo, não se encontrou informação concreta relativa a medidas de proteção coletiva específicas ou individual (tipo de equipamento, marca, modelo, material). Seria interessante que uma ou mais equipa de Saúde e Segurança Ocupacionais que tivessem algum(ns) cliente(s) deste setor, investigassem as questões mais pertinentes, nomeadamente cálculos de incidência/prevalência versus sexo, idade, habilitações, dimensão do empregador e caraterísticas do processo produtivo, bem como a parte associada às medidas de proteção coletiva e individual, limitação na capacidade de trabalho e necessidade de troca de tarefas/posto de trabalho ou até do setor profissional em si.

AGRADECIMENTOS

Nada a declarar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido: 02 de Junho de 2022; Aceito: 08 de Junho de 2022; Publicado: 10 de Junho de 2022

Mónica Santos, Licenciada em Medicina; Especialista em Medicina Geral e Familiar; Mestre em Ciências do Desporto; Especialista em Medicina do Trabalho; Técnica Superiora de Segurança no Trabalho e Doutoranda em Segurança e Saúde Ocupacionais. Presentemente a exercer nas empresas Medimarco e Higiformed; Diretora Clínica da empresa Quercia; Diretora da Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online. Endereços para correspondência: Rua Agostinho Fernando Oliveira Guedes, 42, 4420-009 Gondomar. E-mail: s_monica_santos@hotmail.com. CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: Autor; Contribuição no desenho e elaboração do artigo; Participação na análise e interpretação dos dados; Participação na escrita do manuscrito.

Armando Almeida, Enfermeiro Especialista em Enfermagem Comunitária, com Competência Acrescida em Enfermagem do Trabalho. Doutorado em Enfermagem; Mestre em Enfermagem Avançada; Pós-graduado em Supervisão Clínica e em Sistemas de Informação em Enfermagem; Professor Auxiliar Convidado na Universidade Católica Portuguesa, Instituto da Ciências da Saúde - Escola de Enfermagem (Porto) onde Coordena a Pós-Graduação em Enfermagem do Trabalho; Diretor Adjunto da Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online. 4420-009 Gondomar. E-mail: aalmeida@porto.ucp.pt. CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: Autor; Contribuição no desenho e elaboração do artigo; Participação na análise e interpretação dos dados; Participação na escrita do manuscrito.

Catarina Lopes, Licenciada em Enfermagem, desde 2010, pela Escola Superior de Saúde Vale do Ave. A exercer funções na área da Saúde Ocupacional desde 2011 como Enfermeira do trabalho autorizada pela Direção Geral de Saúde, tendo sido a responsável pela gestão do departamento de Saúde Ocupacional de uma empresa prestadora de serviços externos durante sete anos. Atualmente acumula funções como Enfermeira de Saúde Ocupacional e exerce como Enfermeira Generalista na SNS24. Encontra-se a frequentar o curso Técnico Superior de Segurança do Trabalho. 4715-028. Braga. E-mail: catarinafflopes@gmail.com. CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: Autor; Contribuição no desenho e elaboração do artigo; Participação na análise e interpretação dos dados; Participação na escrita do manuscrito.

CONFLITOS DE INTERESSE, QUESTÕES ÉTICAS E/OU LEGAIS

Nada a declarar.

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