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Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online

versão impressa ISSN 2183-8453

RPSO vol.13  Gondomar jun. 2022  Epub 21-Jul-2022

https://doi.org/10.31252/rpso.12.03.2022 

Artigo de Revisão

AUTONOMIA NO TRABALHO

AUTONOMY AT WORK

1Mónica Santos, Licenciada em Medicina; Especialista em Medicina Geral e Familiar; Mestre em Ciências do Desporto; Especialista em Medicina do Trabalho; Doutoranda em Segurança e Saúde Ocupacionais e Técnica Superiora de Segurança no Trabalho. Presentemente a exercer nas empresas Medimarco e Higiformed; Diretora Clínica da empresa Quercia; Diretora da Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online. Endereços para correspondência: Rua Agostinho Fernando Oliveira Guedes, 42, 4420-009 Gondomar

2Armando Almeida, Enfermeiro Especialista em Enfermagem Comunitária, com Competência Acrescida em Enfermagem do Trabalho. Doutorado em Enfermagem; Mestre em Enfermagem Avançada; Pós-graduado em Supervisão Clínica e em Sistemas de Informação em Enfermagem; Professor Auxiliar Convidado na Universidade Católica Portuguesa, Instituto da Ciências da Saúde - Escola de Enfermagem (Porto) onde Coordena a Pós-Graduação em Enfermagem do Trabalho; Diretor Adjunto da Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online. 4420-009 Gondomar

3Catarina Lopes, Licenciada em Enfermagem, desde 2010, pela Escola Superior de Saúde Vale do Ave. A exercer funções na área da Saúde Ocupacional desde 2011 como Enfermeira do trabalho autorizada pela Direção Geral de Saúde, tendo sido a responsável pela gestão do departamento de Saúde Ocupacional de uma empresa prestadora de serviços externos durante sete anos. Atualmente acumula funções como Enfermeira de Saúde Ocupacional e exerce como Enfermeira Generalista na SNS24. Encontra-se a frequentar o curso Técnico Superior de Segurança do Trabalho. 4715-028. Braga


RESUMO

Introdução/ enquadramento/ objetivos

A Autonomia Laboral pode relacionar-se com Bem-estar, aumento do Desempenho e Produtividade dos funcionários, traduzindo-se em ganhos óbvios também para os empregadores. Atendendo a estas premissas desenvolveu-se um estudo de revisão para contextualizar melhor o fenómeno.

Metodologia

Trata-se de uma Revisão Bibliográfica, iniciada através de uma pesquisa, realizada em janeiro de 2022, nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP.

Conteúdo

Autonomia individual pode ser definida como autodeterminação, possibilidade de executar objetivos, com liberdade para escolher/planear e agir de acordo com valores e metas; ou seja, poder escolher sem interferências e havendo respeito dos outros em relação às decisões tomadas. Assim, facilmente o indivíduo considera que todo o processo foi válido e com significado. Contudo, tal liberdade (que nunca é absoluta) implica responsabilização.

Autonomia no trabalho é um conceito mais restrito que Autonomia individual, uma vez que existirá sempre alguma subordinação ao mercado/instituição. Ainda assim, conseguirá ter liberdade para determinar alguns itens, mas sendo na mesma responsabilizado por tal. Tanto é a liberdade no exercício de funções e tarefas (em sentido mais restrito), como capacidade de decisão e intervenção no processo de trabalhar, influenciando a organização global, condições de trabalho, incluindo eventual autocontrolo/autoavaliação, em sentido mais lato. Numa mesma instituição, pode existir diferentes patamares de Autonomia individual e de grupo.

A Autonomia real implica uma divisão interna de tarefas voluntária; por sua vez, a Autonomia subordinada ou contida é controlada, tem limites e até se pode associar a situações de exploração.

Discussão e Conclusões

A maioria dos documentos associa Autonomia a algo positivo em termos ocupacionais; contudo, na realidade, e também dependendo do subtipo específico e do contexto, ela pode implicar ansiedade, mais responsabilização e piores condições laborais.

Poderá a equipa de Saúde e Segurança Ocupacionais capacitar empregadores, chefias e trabalhadores, no sentido de fazer evoluir a instituição, para que todos fiquem beneficiados.

Seria relevante que algumas equipas já com projetos neste âmbito conseguissem divulgar os seus resultados e conclusões, sob a forma de artigos científicos.

Palavras-chave autonomia; saúde ocupacional e medicina do trabalho.

ABSTRACT

Introduction/framework/objectives

Labor Autonomy can be related to well-being, increased performance and productivity of employees, translating into obvious gains for employers as well. Given these premises, a review study was developed to better contextualize the phenomenon.

Methodology

This is a Bibliographic Review, initiated through a search carried out in January 2022, in the databases “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina and RCAAP”.

Contents

Individual autonomy can be defined as self-determination, possibility to execute objectives, with freedom to choose/plan and act according to values and goals; that is, the possibility of choosing without interference and with respect from others in relation to the decisions taken. Thus, the individual easily considers that the entire process was valid and meaningful. However, such freedom (which is never absolute) implies responsibility.

Autonomy at work is a more restricted concept than individual autonomy since there will always be some subordination to the market/institution. Even so, worker will be able to have the freedom to determine some items, but also being held responsible for doing so. There is Autonomy to the freedom in the exercise of functions and tasks (in a more restricted sense), as also the ability to decide and intervene in the work process, influencing the global organization, working conditions, including possible self-monitoring/self-assessment, in a broader sense. In the same institution, there may be different levels of individual and group autonomy.

Real Autonomy implies a voluntary internal division of tasks; in turn, subordinated or contained autonomy is controlled, has limits and can even be associated with situations of exploitation.

Discussion and Conclusions

Most documents associate Autonomy with something positive in occupational terms; however, in reality, and also depending on the specific subtype and context, it can imply anxiety, more responsibility and worse working conditions.

It may be up to the Occupational Health and Safety team to train employers, managers and workers, to make each institution evolve in the sense that all these parts benefit more.

It would be relevant for some teams already with projects in this area to be able to disseminate their results and conclusions, according to the publication of scientific papers.

Keywords: autonomy; occupational health and occupational medicine.

INTRODUÇÃO

Os autores (uma vez que têm andado a explorar temas relacionadas com estilo de Liderança, Fator Humano, Capacidade de Trabalho, Compromisso e Satisfação Laboral) pretenderam realizar uma revisão relativa ao conceito de Autonomia Laboral, uma vez que este pode associar-se ao Bem-estar, aumento do Desempenho e Produtividade dos funcionários, traduzindo-se em ganhos óbvios também para os Empregadores.

No ano 2000 quantificou-se que cerca de 35% dos trabalhadores avaliados considerava não ter Autonomia laboral, num estudo brasileiro; nomeadamente a nível de ordem das tarefas, métodos, velocidade, pausas, escolha de férias/horários de trabalho ou até acesso ao telefone (1).

METODOLOGIA

Em função da metodologia PICo, foram considerados:

  • -P (population): população ativa

  • -I (interest): reunir conhecimentos relevantes sobre de que forma a presença ou ausência de Autonomia pode modular outros parâmetros da Saúde e Segurança Ocupacionais

  • -C (context): Saúde e Segurança ocupacionais.

Assim, a pergunta protocolar será: De que forma a presença ou ausência de Autonomia (e subtipo em específico) pode influenciar outros parâmetros da Saúde e Segurança Ocupacionais?

Foi realizada uma pesquisa em janeiro de 2022 nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP”.

No quadro 1 podem ser consultadas as palavras-chave utilizadas nas bases de dados.

Quadro 1 Pesquisa efetuada 

No quadro 2 estão resumidas as caraterísticas metodológicas dos artigos selecionados.

Quadro 2 Caraterização metodológica dos artigos selecionados 

Artigo Caraterização metodológica Resumo
1 Estudo original Trata-se de uma tese de Doutoramento brasileira que investigou as Novas Formas de Organização do Trabalho entre algumas empresas da Tecnologia da Informação a exercer em Pernambuco. Deram enfase à Flexibilidade, Liderança, divisão das tarefas e contradições dentro da mesma instituição e nível de Autonomia.
2 Artigo de Opinião Este documento brasileiro retrata alguns conceitos associados à Autonomia, no contexto específico do trabalho informatizado e teletrabalho, com uma amostra de 51 entrevistas (de três cidades brasileiras: S. Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre e uma portuguesa- Lisboa). Concluíram que este tipo de trabalho apresenta uma variabilidade de condições, com diferentes patamares de Autonomia e complexidade.
3 Refere-se a um artigo português que retrata as Novas Formas de Organizar o Trabalho, sob a perspetiva da Autonomia, com destaque para alguns países europeus. Define diferentes tipos de Autonomia, descreve a evolução de diferentes sistemas de produção, salienta a ambiguidade de algumas novas formas de organizar o trabalho e até que ponto estas, curiosamente, se podem inserir em modelos de organização da produção mais antigos.
4 Dissertação de Mestrado Esta referência bibliográfica diz respeito a uma Dissertação de Mestrado Portuguesa que pretendeu investigar o efeito da Autonomia na Satisfação dos Trabalhadores da indústria hoteleira. Concluiu que a Autonomia contribuiu significativamente para o Engagement e Satisfação.
5 O trabalho aqui inserido é também uma Tese de Mestrado portuguesa, na qual o autor pretendeu avaliar a interação da inteligência emocional, Autonomia e Bem-estar no contexto do ramo das Seguradoras, com uma amostra de 171 indivíduos. Encontrou-se uma correlação positiva entre Autonomia e o Bem-estar no trabalho.
6 Artigo original O artigo holandês aqui referido estudou o Engagement, Desempenho e Autonomia, entre funcionários de empresas prestadoras de serviços. O autor concluiu que o Engagement leva a melhor Desempenho e mais Satisfação Laboral.
7 Dissertação de Mestrado Esta mestranda portuguesa pretendeu investigar a eventual interação entre Autoeficácia, Autonomia, Desempenho e Satisfação Laboral, através de um inquérito online, com uma amostra de 312 profissionais. Concluiu que a Autoeficácia e a Autonomia influenciam positivamente o Desempenho adaptativo, relações essas mediadas pela Satisfação no Trabalho.
8 Trata-se de outra mestranda portuguesa, no contexto do teletrabalho, que aprofundou a eventual relação entre Autonomia, suporte organizacional e Engagement, numa amostra de 56 elementos. Concluiu que existe uma relação positiva entre Autonomia, perceção de suporte organizacional e Engagement.
9 Este documento pretendeu explorar a questão do Bem-estar em funcionários de Contact Centers e se o apoio dado pela chefia poderia servir como moderador para o excesso de trabalho e Burnout e entre a Autonomia e o Engement, numa amostra de 2095 profissionais. Verificou-se a existência de uma relação positiva entre a Autonomia e o Engagement, mas sem grande relevância da interação da chefia.
10 Estudo original O artigo sueco em causa pretendeu aprofundar a fonte de Autonomia (chefia e colegas) em relação à Motivação e Autoeficiência, numa amostra de 400 indivíduos. Concluiu-se que ambas as fontes de apoio (vertical e horizontal) são relevantes neste contexto.
11 O artigo finlandês aqui inserido retrata o estudo da motivação intrínseca e extrínseca, numa amostra de 12 enfermeiros cirúrgicos. Perceberam que que a motivação intrínseca se associa ao Bem-estar laboral.
12 Neste projeto brasileiro pretendeu-se analisar o eventual papel do Empoderamento e Autonomia como estratégia de Coping, perante o assédio laboral, numa amostra de 40 trabalhadores adolescentes. Concluiu-se que estes funcionários não apresentavam estratégias de Coping estruturadas.
13 Aqui encontra-se um estudo transversal holandês que objetivou avaliar a eventual relação entre o Clima de Segurança psicossocial com a Autonomia e o apoio social, entre 227 profissionais da saúde. Concluíram que a Autonomia e o apoio social parecem ter algum papel na relação entre o Clima de Segurança psicossocial e o Stress.
14 Tese de Mestrado Trata-se de um trabalho português, no qual houve a intenção de estudar as eventuais interações entre a Autonomia, complexidade laboral, Compromisso e Engagement, numa amostra de 554 indivíduos a exercer na área da Consultadoria. Verificou-se a existência de uma relação entre Autonomia, complexidade laboral e o Engagement.
15 Estudo original Neste projeto espanhol desenvolveu-se a análise da eventual moderação entre a extroversão e o neuroticismo, com a Autonomia, Burnout e Satisfação Laboral, em 971 elementos. Concluíram que parece não haver relação entre a extroversão e o neuroticismo, com o Burnout e a Satisfação Laboral.
16 O documento norte-americano aqui retratado aborda o Burnout entre os enfermeiros a trabalhar em serviços de psiquiatria e eventual ligação com a Autonomia, tipo de Liderança e sintomas depressivos. Concluíram que o tipo de Liderança poderia ser relevante neste contexto.
17 Artigo de opinião Trata-se de um documento apresentado num congresso brasileiro, relativo ao trabalho informal e sua suposta Autonomia. Ele salienta as contradições, vantagens e desvantagens da evolução dos sistemas de organização do trabalho.

CONTEÚDO

Definição de Autonomia

Autonomia individual pode ser definida como autodeterminação, possibilidade para executar objetivos, com liberdade para escolher/planear e agir de acordo com valores e metas; ou seja, capacidade de escolher sem interferências e havendo respeito dos outros em relação às decisões tomadas. Assim, facilmente o indivíduo considera que todo o processo foi válido e com significado. Contudo, tal liberdade (que nunca é absoluta) implica responsabilização (2).

Autonomia no trabalho é um conceito mais restrito que Autonomia individual, uma vez que existirá sempre alguma subordinação ao mercado/instituição. Ainda assim, implica ter liberdade para determinar alguns itens, mas sendo também responsabilizado por tal (2).Tanto é a liberdade no exercício de funções e tarefas (em sentido mais restrito), como capacidade de decisão e intervenção no processo de trabalhar, influenciando a organização global, condições de trabalho, incluindo eventual autocontrolo/autoavaliação, em sentido mais lato. Numa mesma instituição, pode existir diferentes patamares de Autonomia individual e de grupo (3).

A Autonomia real implica uma divisão interna de tarefas voluntária; por sua vez, a Autonomia subordinada ou contida é controlada, tem limites e até se pode associar a situações de exploração (3).

A Autonomia pode também ser definida como uma oscilação entre as relações de força e tensão entre o que é imposto e a resistência ou adesão do trabalhador (2). De certa forma, pode ser o patamar de liberdade e independência autorizado para decidir alguns aspetos laborais (como por exemplo: que tarefas fazer, como fazer e que procedimentos ter com situações excecionais) (4). Será a oportunidade para experimentar a sua independência e liberdade, na orientação do seu trabalho (5); implica poder de decisão, possibilidade de escolher entre alternativas. De forma concreta, há Autonomia quando o funcionário consegue escolher ou mudar a ordem das tarefas, métodos e/ou ritmo de trabalho, se faz pausas quando deseja e/ou se consegue influenciar o trabalho de outros funcionários (1). Fica com liberdade para traçar caminhos para atingir objetivos, delinear prioridades e obtenção de respeito pelas ações tomadas (6); ou seja, controlo para organizar e executar as tarefas (7).

Autonomia tanto significa poder, como resistência a esse mesmo poder (1).

Evolução do conceito ao longo do tempo e em função de diversas teorias/modelos

Na década de 70 surgiu na Europa (sobretudo nos países nórdicos e na Alemanha) um movimento designado por “Novas Formas de Organização do Trabalho” ou “Qualidade de Vida no Trabalho”, focado no Fator Humano, humanização do Trabalho e democratização da empresa; hoje em dia estas teorias continuam presentes, que mais não seja na perspetiva de potenciarem o desempenho, produtividade e lucro. Contudo, nas últimas décadas verificou-se uma progressiva diversificação e desigualdade em relação à Autonomia no Trabalho, com destaque para o Trabalho flexível ou até precário, por vezes (3).

A organização baseada na eficiência inspira-se nas tradições Japonesa e Americana. A primeira destas (ou Toyotismo) carateriza-se por preconizar eliminar qualquer desperdício, fazendo uso da experiência dos funcionários. A teoria Taylorista/Fordista não valoriza a responsabilidade ou Autonomia dos funcionários, ou então não contesta uma autonomia clandestina improvisada, se isso ajudar a resolver alguns problemas da instituição (3).

O novo paradigma (pós-Taylorista/Fordista) defende que, face à forte competição no mercado global, as instituições têm não só de potenciar a produtividade e qualidade, como reduzir os custos e adaptar-se rapidamente às mudanças. A renovação do modelo de produção poderá passar pela valorização dos recursos humanos (em contexto de habilitações/competências, responsabilidades, iniciativa, trabalho em equipa e eliminação do confronto empregador/funcionário). A evolução da tecnologia pode levar à flexibilidade e densificação da cooperação/parcerias; as tarefas podem ficar imateriais, mais complexas e com exigência de conhecimentos mais específicos e amplos, acompanhados por Autonomia, iniciativa, responsabilidade, criatividade, capacidade para aprender e autocontrolo. O Taylorismo informático é amplamente utilizado presentemente (em vendas, call centers, inserção de dados, por exemplo) (3).

Por sua vez, no modelo da “Lean Production”, a produtividade é obtida através da racionalização contínua, assente no trabalho em equipa, responsabilidade e melhor desempenho económico; alguns consideram que se pode tratar de Taylorismo autogerido. Poderá ter as desvantagens de desvalorizar os funcionários cujo desempenho não se enquadre aqui e de eventualmente criar más condições de trabalho (ritmo intenso, turnos longos, atitudes sindicalistas suaves ou nulas). Ou seja, aqui o trabalho de grupo justifica-se pela racionalização e não pela integração social ou humanização (3).

Existem então várias teorias para a organização do Trabalho perante a Autonomia. No modelo discricionário de aprendizagem há geralmente um patamar elevado de Autonomia para escolha dos métodos e ordem das tarefas; é mais prevalente na Holanda, países nórdicos e Áustria. No modelo “Lean Production”, atrás mencionado (reengenharia) há trabalho de equipa, rotatividade e normas, mas também monotonia e repetibilidade, ainda que haja alguma autonomia; é mais prevalente no Reino Unido, Irlanda e Espanha. No modelo NeoTaylorista o nível de Autonomia é baixo e existem algumas restrições; é mais prevalente na Irlanda e no sul da Europa. No modelo de organização simples há alguma Autonomia, mas baixa, ainda que possam também existir tarefas monótonas; é mais prevalente na Itália e na Grécia. Ou seja, os modelos existentes são influenciados também por questões culturais (1).

A Autonomia é visualizada então de formas diferentes consoante as teorias/autores que a ela se dedicaram, ou seja:

  • -Taylor (1903) via-a como desobediência e ato contraprodutivo

  • -Fayol (1919) como um risco/perturbação para a produção

  • -Weber (1924) como algo que deveria ser suprimido pela burocracia

  • -Movimento das Relações Humanas (1930 a 1950) (Maslow, por exemplo) passou a dar-se algum reconhecimento ao conceito

  • -Abordagem Desenho dos Cargos (desde 1955) passou a se instrumentalizar mais o conceito

  • -Movimento dos Sistemas (1950 a 1965) ocorreu uma segunda rejeição da Autonomia

  • -Abordagem Sociológica (desde 1970), ela era vista como estratégia para construir a identidade do indivíduo no trabalho, como negociação e controlo

  • -Movimento Contingencial (1965 a 1980) ela era considerada como secundária à mudança tecnológica, complexidade e variabilidade do mercado

  • -Empowerment ou Empoderamento (desde 1990), via-se Autonomia como poder, motivação e associada a liderança carismática (1).

Mais provável será que todas estas perspetivas (ou pelo menos parte delas) existam na sociedade, por vezes, se calhar até numa mesma empresa (3).

Conceitos associados à Autonomia

Existem vários conceitos que se relacionam com a Autonomia laboral. Por exemplo, Engagement pode ser definido como um estado emocional positivo, compensador e associado ao bem-estar no Trabalho (4) (8) e motivação (8). É composto por uma atitude de vigor (4) (6) (8) (9) [energia (4) (6) (9), resistência (9) e resiliência (4) (6) (8)], dedicação (4) (6) (8) (9) [empenhamento (9), emoção (4); bem como entusiasmo, significado, orgulho (6) (8)] e absorção (4) (8) (9) [dimensão cognitiva (4); (concentração (9), dificuldade em sair das tarefas (3) (9)]. Não se trata de obsessão pelo trabalho, mas sim entusiasmo e obtenção posterior de prazer e felicidade (4); ou seja, contribui para a Satisfação Laboral (6) (9). Estes indivíduos têm melhor desempenho (4) (6) (8), maior noção de fidelidade (8) e diminuem o turnover da instituição (4) (8). Tal implica uma ligação intensa com o Trabalho (8) e uma noção de preenchimento (6).

A motivação pode ser intrínseca (se a ação ocorre por originar um prazer) ou extrínseca (se surge devido às consequências da mesma, como recompensas/punições) (10) (11) ou devido à necessidade de aprovação por terceiros, para cimentar o ego. A motivação extrínseca associa-se a algum grau de autonomia; a intrínseca é totalmente autónoma. Um funcionário com motivação autónoma apresenta melhor desempenho, mais satisfação, mais criatividade, menor turnover e menos exaustão emocional; para além disso, também se associa a maior capacidade para lidar com as adversidades, melhor aprendizagem e coping mais eficaz. Logo, possuir funcionários mais autónomos constitui uma mais-valia para o empregador (10).

A noção de Autoeficácia laboral consiste na avaliação que o trabalhador faz em relação à sua capacidade para desempenhar as tarefas, superar dificuldades e progredir na carreira. É inversamente proporcional ao stress e à exaustão emocional e diretamente proporcional à saúde, desempenho, salário e satisfação. Ou seja, se o indivíduo acredita que é capaz, poderá se esforçar mais para atingir o maior número de objetivos. A Autoeficácia varia com a experiência, capacidade, feedback e Autonomia (10).

O empoderamento (ou seja, reconhecimento de direitos e do poder para melhorar uma situação) também promove a saúde laboral (12).

Alguns dos documentos que falam de Autonomia, também mencionam o Stress laboral, afirmando que este pode alterar a saúde física e emocional e contribuir de forma relevante para o absentismo, implicando por isso um custo considerável, não só devido à diminuição da produtividade, mas também pelas despesas em saúde. Riscos Laborais psicossociais podem então ser definidos como sendo as caraterísticas sociais do ambiente de trabalho com capacidade para interagir com a dimensão emocional do funcionário. O clima de segurança psicossocial permite que haja prevenção e/ou resposta adequada dos gestores às questões laborais geradoras de ansiedade (13).

Instrumentos para quantificação da Autonomia

Existem vários instrumentos que permitem quantificar a Autonomia (todos baseados no autorelato), nomeadamente:

  • -Work Group Autonomy (Gulowsen, 1972),

  • -Core Job Dimensions- Autonomy (Hackman & Oldhan, 1975), 7 itens

  • -Group Participation Index- GPI (Litle, 1988), 7 itens

  • -Strategy-making Modes (Hart, 1991), 5 itens

  • -Innovation Championing Strategies- Autonomy for Norms (Shave, Venkatanaman & MacMillan, 1995), 5 itens

  • -Decision Making Procedures (Taggart, 1997), 4 itens

  • -Coletive Role Breadth/Coletive Tasks Control (Srigg, Jackson & Parker, 2000), 4 itens (4).

Por sua vez, Breaugh, em 1985, criou um instrumento com esse objetivo- Work Autonomy Scale, que analisa a Autonomia nos métodos, horários e critérios de trabalho (ou seja, pontos pelos quais o seu próprio trabalho será avaliado). Foi alterada catorze anos depois e apresenta boa validade (4).

Vantagens na Autonomia Laboral

A Autonomia no Trabalho associa-se normalmente a:

  • -patamares superiores de Engagement (4) (6) (9) (14)

  • -Satisfação no Trabalho mais intensa (4) (7) (9)

  • -Bem-estar laboral (5)

  • -tomada rápida e assertiva de decisões (4)

  • -criatividade (1) (4)

  • -maior capacidade de desenvolvimento das suas próprias ideias (4)

  • -interesse pelo Trabalho (4)

  • -redução da probabilidade de surgirem algumas questões médicas (1)

  • -desenvolvimento da Competências profissional (1)

  • -aumento do desempenho (7) (10) (15)

  • -aumento da Produtividade (7)

  • -maior capacidade de adaptação e reação à incerteza (7)

  • -motivação (8) (9) (10) (15)

  • -sensação de controlo das tarefas laborais (11)

  • -menor stress laboral (13)

  • -compromisso (6) (9)

  • -escolha e mudança (10)

  • -maior resiliência face à exaustão emocional/Burnout (15) (16)

  • -mais habilitações (1) (2)

  • -sensação de controlo das tarefas laborais (11)

  • -diminuir o absentismo, turnover (7) (9) e os acidentes de trabalho (7).

Desvantagens na Autonomia Laboral

Inicialmente não se duvidava que maior Autonomia implicaria mais Motivação, Satisfação e Desempenho; contudo, posteriormente, percebeu-se que nem sempre é assim, uma vez que também implica maior responsabilização (5). Para além disso, a existência de Autonomia não é sinónimo de ausência de conflitos (1).

Poderá ocorrer que a intensificação da Autonomia leve a acréscimo de trabalho, insegurança e/ou stress, ficando o funcionário numa posição mais frágil e insatisfeita; desta forma também pode baixar a autoestima, motivação e compromisso, comparativamente a quando está inserido em modelos mais clássicos, com um supervisor, com objetivos mais atingíveis (3).

Em algumas situações a Autonomia pode ter de se restringir a regras pré-definidas, mas aproveitando a criatividade e competências de alguns funcionários; a improvisação com sucesso pode torna-se uma norma espetável (3).

No Teletrabalho, por exemplo, o funcionário tem Autonomia para gerir o tempo, mas não costuma controlar o tempo total de trabalho; pode-se trabalhar sem supervisor presente fisicamente, mas este pode ter recursos de monitorização muito mais invasivos que numa chefia clássica presencial; para além disso, os objetivos podem ser mais complicados nestas situações com suposta maior Autonomia (2).

Outra perspetiva mais pessimista considera justamente que a evolução do mercado de Trabalho poderá levar à acentuação das teorias Tayloristas, no sentido de surgir menos Autonomia, mais desqualificação e mais desemprego, devido à evolução tecnológica e às necessidades de mercado. O número de postos de trabalho criados ligados à tecnologia será muito inferior ao número dos que deixarão de existir nos setores clássicos de trabalho. Ou seja, passar-se-ia a ter uma elite com postos bem remunerados e outro grupo sem vínculo, mal pago e com más condições de trabalho (3).

Nas empresas flexíveis a organização é descentralizada e os funcionários têm competências mais vastas e variadas; sendo fácil o intercâmbio entre instituições, para rentabilizar recursos e a competitividade. Contudo, simultaneamente, tal pode levar a uma visão fragmentada (Taylorista) da produção, por vezes fazendo recurso de países com menor nível de vida e, por isso, gratos a aceitar remunerações inferiores, sem valorizar a Autonomia dos funcionários e, eventualmente, com más condições de trabalho; por vezes até utilizando trabalho infantil na produção de marcas conceituadas internacionalmente (3).

Ainda que a flexibilização prometa Autonomia, por vezes, os funcionários ficam mais subjugados a objetivos capitalistas, uma vez que pode deixar de ser necessária a presença de supervisores, sobretudo se a motivação para realizar as tarefas se associar diretamente à remuneração (17).

A Autonomia nem sempre existe nas novas formas de trabalho (1).

DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO

A maioria dos documentos associa Autonomia a algo positivo em termos ocupacionais; contudo, na realidade, e também dependendo do subtipo específico e do contexto, ela pode implicar ansiedade, mais responsabilização e piores condições laborais.

Poderá caber à equipa de Saúde e Segurança Ocupacionais capacitar empregadores, chefias e trabalhadores, no sentido de fazer evoluir cada instituição para que todos fiquem mais beneficiados.

Seria relevante que algumas equipas já com projetos a decorrer neste âmbito conseguissem divulgar os seus resultados e conclusões, sob a publicação de artigos científicos.

AGRADECIMENTOS

Nada a declarar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Neto V. Liderança e Autonomia nas novas formas de organização do Trabalho: uma análise de empresas de tecnologia da informação em Pernambuco. Pós-Graduação em Administração. Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Departamento de Ciências Administrativas. 2014; 1-434. [ Links ]

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Recebido: 01 de Março de 2022; Aceito: 05 de Março de 2022; Publicado: 11 de Março de 2022

Mónica Santos, Licenciada em Medicina; Especialista em Medicina Geral e Familiar; Mestre em Ciências do Desporto; Especialista em Medicina do Trabalho; Doutoranda em Segurança e Saúde Ocupacionais e Técnica Superiora de Segurança no Trabalho. Presentemente a exercer nas empresas Medimarco e Higiformed; Diretora Clínica da empresa Quercia; Diretora da Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online. Endereços para correspondência: Rua Agostinho Fernando Oliveira Guedes, 42, 4420-009 Gondomar. E-mail: s_monica_santos@hotmail.com. CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: Autor; Contribuição no desenho e elaboração do artigo; Participação na análise e interpretação dos dados; Participação na escrita do manuscrito.

Armando Almeida, Enfermeiro Especialista em Enfermagem Comunitária, com Competência Acrescida em Enfermagem do Trabalho. Doutorado em Enfermagem; Mestre em Enfermagem Avançada; Pós-graduado em Supervisão Clínica e em Sistemas de Informação em Enfermagem; Professor Auxiliar Convidado na Universidade Católica Portuguesa, Instituto da Ciências da Saúde - Escola de Enfermagem (Porto) onde Coordena a Pós-Graduação em Enfermagem do Trabalho; Diretor Adjunto da Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online. 4420-009 Gondomar. E-mail: aalmeida@porto.ucp.pt. CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: Autor; Contribuição no desenho e elaboração do artigo; Participação na análise e interpretação dos dados; Participação na escrita do manuscrito.

Catarina Lopes, Licenciada em Enfermagem, desde 2010, pela Escola Superior de Saúde Vale do Ave. A exercer funções na área da Saúde Ocupacional desde 2011 como Enfermeira do trabalho autorizada pela Direção Geral de Saúde, tendo sido a responsável pela gestão do departamento de Saúde Ocupacional de uma empresa prestadora de serviços externos durante sete anos. Atualmente acumula funções como Enfermeira de Saúde Ocupacional e exerce como Enfermeira Generalista na SNS24. Encontra-se a frequentar o curso Técnico Superior de Segurança do Trabalho. 4715-028. Braga. E-mail: catarinafflopes@gmail.com. CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: Autor; Contribuição no desenho e elaboração do artigo; Participação na análise e interpretação dos dados; Participação na escrita do manuscrito.

CONFLITOS DE INTERESSE, QUESTÕES ÉTICAS E/OU LEGAIS

Nada a declarar.

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