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Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online

versão impressa ISSN 2183-8453

RPSO vol.12  Gondomar dez. 2021  Epub 25-Mar-2022

https://doi.org/10.31252/rpso.14.08.2021 

Artigo de Revisão

RISCOS OCUPACIONAIS NA PRODUÇÃO LEGAL DE CANABIS

OCCUPATIONAL RISKS IN LEGAL CANNABIS PRODUCTION

1Licenciada em Medicina; Especialista em Medicina Geral e Familiar; Mestre em Ciências do Desporto; Especialista em Medicina do Trabalho e Doutoranda em Segurança e Saúde Ocupacionais, na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Presentemente a exercer nas empresas Medimarco, Higiformed e Medilavoro; Diretora Clínica da empresa Quercia; Diretora da Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional on line. Endereços para correspondência: Rua Agostinho Fernando Oliveira Guedes, 42, 4420-009 Gondomar

2Enfermeiro Especialista em Enfermagem Comunitária, com Competência Acrescida em Enfermagem do Trabalho. Doutorado em Enfermagem; Mestre em Enfermagem Avançada; Pós-graduado em Supervisão Clínica e em Sistemas de Informação em Enfermagem; Professor Auxiliar Convidado na Universidade Católica Portuguesa, Instituto da Ciências da Saúde - Escola de Enfermagem (Porto) onde Coordena a Pós-Graduação em Enfermagem do Trabalho; Diretor Adjunto da Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional on line. 4420-009 Gondomar

3Assistente Convidada na Universidade Católica Portuguesa. Mestre em Enfermagem Avançada; Especialista em Enfermagem Comunitária. Colaboradora do Centro de Investigação Interdisciplinar em Saúde. 4169-005


RESUMO

Introdução/ enquadramento/ objetivos

O cânhamo é uma variedade da Canabis Sativa, que contém pequenas quantidades de tetrahidrocanabinol; este é o princípio ativo mais relevante, com efeitos agudos e crónicos para os consumidores. Contudo, as consequências da exposição ocupacional não estão devidamente estudadas (quer na fase da colheita, quer na extração química).

A legalização progressiva relativa ao consumo medicinal ou até recreativo, em alguns países, tem vindo a expandir o setor que emprega cada vez mais funcionários. Pretende-se com esta revisão resumir o que de mais recente e pertinente se publicou sobre o tema.

Metodologia

Trata-se de uma Revisão Bibliográfica, iniciada através de uma pesquisa realizada em junho de 2021 nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP.

Conteúdo

As publicações selecionadas destacam como principais Fatores de Risco alguns agentes químicos e biológicos, bem como radiação ultravioleta, desconforto térmico, eventual contato com a eletricidade, ruido, corte, cargas, movimentos repetitivos e quedas. Em alguns documentos também se encontraram recomendações relativas a Medidas de Proteção Coletiva e Individuais.

Discussão e Conclusões

Os dados publicados incidem mais nos conhecimentos existentes para outros setores profissionais onde existem Fatores de Risco equivalentes, do que propriamente de investigação robusta no próprio setor. Seria muito relevante que as equipas de Saúde Ocupacional, com clientes nesta área, investigassem os aspetos mais relevantes e os divulgassem em artigos científicos.

Palavras-chave: canábis; marijuana; haxixe; saúde ocupacional e medicina do trabalho

ABSTRACT

Introduction/framework/objectives

Hemp is a variety of Cannabis Sativa, which contains small amounts of tetrahydrocannabinol; this is the most relevant active ingredient, with both acute and chronic effects for consumers. However, the consequences of occupational exposure have not been properly studied (either in the harvest or chemical extraction phases).

The progressive legalization related to medicinal or even recreational consumption, in some countries, has been expanding the sector that employs more and more employees. The aim of this review is to summarize the most recent and pertinent articles published on the subject.

Methodology

This is a Bibliographic Review, initiated through a research carried out in June 2021 in the databases “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina and RCAAP”.

Contents

The selected publications highlight as main Risk Factors some chemical and biological agents, as well as ultraviolet radiation, thermal discomfort, possible contact with electricity, noise, cuts, loads, repetitive movements and falls. In some documents, recommendations were also found regarding Collective and Individual Protection Measures.

Discussion and Conclusions

The published data focus more on existing knowledge for other professional sectors where there are equivalent Risk Factors, rather than on robust investigation in the sector itself. It would be very important for the Occupational Health teams with clients in this area to investigate the most relevant aspects and disclose them in scientific articles.

Keywords: cannabis; marijuana; hashish; occupational health and occupational medicine

INTRODUÇÃO

O setor da produção legal de Canábis está em franca expansão e, dada a fase inicial em que se situa, parte dos empresários está muito recetiva a aprender e melhorar em contexto de Saúde Ocupacional; ainda que não haja investigações pormenorizadas concluídas, que consigam dar indicações claras e com validade científica robusta. Pretende-se com esta revisão resumir o que de mais recente e pertinente se publicou sobre o tema.

METODOLOGIA

Em função da metodologia PIC o, foram considerados:

-P (population): trabalhadores empregados no setor da produção legal de Canábis.

-I (interest): reunir conhecimentos relevantes sobre a saúde ocupacional em empregadores que se dedicam à produção legal de Canábis

-C (context): saúde ocupacional nas empresas com postos de trabalho associados à produção legal de Canábis.

Assim, a pergunta protocolar será: Quais os Fatores de Riscos, Riscos Laborais e principais Acidentes associados ao setor da produção legal de Canábis?

Foi realizada uma pesquisa em junho de 2021, nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP”.

Dada a escassez de artigos encontrados, foram também pesquisadas motores de busca generalistas, no sentido de aceder a artigos publicados em revistas científicas não inseridas nas bases de dados atrás mencionadas, bem como analisar informação de sites com relevância e rigor na transmissão do conteúdo.

No quadro 1 podem ser consultadas as palavras-chave/expressões utilizadas nas bases de dados.

Quadro 1 Pesquisa efetuada 

No quadro 2 estão resumidas as caraterísticas metodológicas dos artigos selecionados.

Quadro 2 Caraterização metodológica dos artigos selecionados 

Artigo Caraterização metodológica Resumo
1 Editorial O autor norte-americano publicou numa revista inglesa um resumo da evolução da produção de Canábis, eventuais consequências do seu consumo, bem como alguns dados legais e estatísticas relativas ao número de trabalhadores empregados neste setor.
2 Artigo de opinião Neste artigo norte-americano os autores resumem a evolução das questões legais associadas à produção e consumo da Marijuana, realçando o desconhecimento de algumas questões associadas à Saúde Ocupacional na produção legal da mesma. Descrevem-se algumas caraterísticas de uma empresa do setor (com destaque para as tarefas do processo produtivo e respetivos fatores de risco)
3 Artigo de opinião Esta referência bibliográfica inclui um artigo norte-americano, que salienta sobretudo algumas questões legais e os fatores de risco associados tendo por base um guia de segurança e saúde ocupacional direcionado ao setor produtor de marijuana.
4 Artigo original Trata-se de um artigo norte-americano que aborda a evolução do setor da produção de Canábis nos EUA, realçando e investigando fatores de risco associados a poeiras e agentes biológicos em tarefas específicas.
5 Resumo de conferência Refere-se a um documento australiano, no qual se mencionam outras aplicações que a planta tem neste pais, bem como um resumo muito sucinto mas completo dos fatores de risco laboral
6 Artigo de opinião É uma publicação norte americana, na qual estão registados dados relativos à história, questões legais, caraterísticas de algumas empresas do setor e fatores de risco laboral
7 Artigo de revisão Os autores retratam a realidade australiana, destacando os fatores de risco laborais existentes
8 Guia orientador de boas práticas Inclui um documento razoavelmente extenso, relativo aos fatores de risco existentes neste setor profissional

CONTEÚDO

O cânhamo é uma variedade da Canabis Sativa, que contém pequenas quantidades de THC (tetrahidrocanabinol) (1); este é o princípio ativo mais relevante, com efeitos agudos e crónicos para os consumidores; contudo, as consequências da exposição ocupacional não estão devidamente estudadas (quer na fase da colheita, quer na extração química) (2) (3) (4).

Evolução do setor

A indústria da produção de Canábis, em função da legalização da sua produção em contextos específicos, tem vindo a desenvolver-se (4) (5) (6); não só a parte do cultivo, mas também a extração dos princípios ativos. A área das empresas varia entre valores modestos, até o equivalente a vinte campos de futebol, conseguindo empregar centenas de funcionários por instituição (6). Nos Estados Unidos da América, por exemplo, acredita-se que este setor empregue entre 100.000 a 150.000 trabalhadores (a tempo inteiro e parcial), estando em crescente expansão (1). A Marijuana medicinal e/ou recreativa é legal em cerca de metade dos estados norte-americanos (3) (7), nomeadamente, desde 2012 (2) (3).

Também na Austrália o setor tem crescido bastante, devido não só à legalização do consumo medicinal (mas não o recreativo), como também pela utilização dos produtos obtidos a nível de biocombustível, têxteis, materiais de construção, alimentação/ suplementos nutricionais humanos e alimentação animal (7).

Processo produtivo (postos e tarefas)

As funções laborais existentes no setor são:

-agricultor (eventualmente exposto a fungos, alérgenos, CO2- dióxido de carbono/ pesticidas/ outros agentes químicos, alterações ergonómicas, radiação ultravioleta)

-aparador (fatores de risco equivalentes aos anteriores e porventura acrescentando corte e movimentos repetitivos)

-técnico de extração (ruido, agentes químicos inflamáveis como o butano e alterações ergonómicas)

-controlo laboratorial (equivalente ao anterior a nível de fatores de risco laboral)

-manutenção (queda em altura, contato com a eletricidade)

-administrativo (8)

-transportador/distribuidor e comercial/vendedor (4) (8).

Uma vez feita a colheita, as plantas são secas no exterior, ao sol, para atenuar o crescimento de microrganismos; em alternativa podem-se utilizar fornos ou instrumentos equivalentes. O produto pode ser armazenado a 18 a 20ºC (se a curto prazo) ou a 10º negativos (se a longo prazo) (7).

Os métodos de extração são escolhidos em função do orçamento disponível, dimensão da empresa e respetivas capacidades. As técnicas poderão ter um componente mais mecânico e/ou químico (enzimático). Os produtos obtidos são progressivamente refinados com técnicas de limpeza, cardação, emaranhamento, extração da polpa e exposição ao vapor (7).

O Cultivo em áreas fechadas possibilita maior controlo das variáveis (como segurança, qualidade e consistência do produto); contudo, também potencia a concentração de algumas substâncias, microrganismos e outros alérgenos provenientes das plantas (7).

Principais Fatores de Risco e Riscos Laborais

-Fatores de Risco Químico

CO2

Este é usado não só para potenciar o crescimento da planta (3) (6) (7) (8) (no formato líquido, gasoso ou em gelo seco) (8), como em algumas etapas de extração. Trata-se de uma substância asfixiante, uma vez que compete com o oxigénio (3) (6) (8); a sua exposição pode justificar cefaleias, tontura, taquipneia, taquicardia, lipotimia/ síncope e até morte. Contudo, existem dispositivos que quantificam a sua concentração (3) (8), devendo estes ter uma manutenção e calibração adequadas (3); a sua concentração fica obviamente potenciada pela diminuição da ventilação (6). Consideram-se níveis lesivos de TWA (Time Weighted Average)= 5000 ppm (partes por milhão) ou STEL (Short-Term Exposure Limits)= 30.000 ppm; os riscos associam-se não só à competição pelo oxigénio, já mencionada, mas também pelas caraterísticas dos gases comprimidos (7).

CO (monóxido de carbono)

Este pode surgir (7) devido ao uso de equipamentos cuja energia seja baseada em gasolina (3) e/ ou gasóleo (6), nomeadamente alguns sistemas de aquecimento (geradores, aquecedores, salamandras e utilizados em locais com pouca ventilação (3) (8). Acima de determinada concentração pode matar, devido à competição com o oxigénio e, como é inodoro (3) (6) (8) e incolor (6) (8), é difícil ser percecionado (3) (8). É necessário que existam monitores e um sistema de ventilação adequado (3). Apresenta uma TWA de 50 ppm.

O3 (ozono)

O cultivo da Canábis origina este produto a partir da reação química entre óxidos de nitrogénio e compostos orgânicos voláteis- COVs (como os terpenos). Estes e os óxidos nítricos podem causar irritação ocular, cutânea e a nível das mucosas; pode também agravar a asma e outras questões respiratórias (3) (6) (8).

Pesticidas

Os pesticidas (1) (3) (6) também se associam a problemas relevantes, quer na aplicação, mistura, transporte, quer na limpeza de utensílios associados. Deverá existir formação adequada para explicar os riscos e quais as medidas de proteção mais relevantes, não só coletivas, mas também individuais (3). Os mais usados são os inseticidas e os fungicidas; alguns apresentam toxicidade cutânea e respiratória (8). Herbicidas como o 2,4- diclorofenoxiacético apresentam ainda propriedades mutagénicas (7).

Agentes de limpeza

Estes, mesmo quando equivalentes aos que se usam nos domicílios, podem causar alterações (7) cutâneas e respiratórias (3). Alguns autores destacam neste contexto o álcool isopropílico, peróxido de hidrogénio e ácidos/bases corrosivas (ácido clorídrico, ácido nítrico, hidróxido de sódio e hidróxido de potássio) (6).

Nutrientes vegetais

Aqui podem estar contidas substâncias corrosivas, com eventuais lesões a nível ocular (3) (8), nariz/orofaringe/pulmões (se os respetivos vapores forem inalados) e/ou pele, provocando por vezes queimadura (8). O armazenamento deverá evitar a proximidade entre agentes químicos que possam originar reações problemáticas. Devem existir áreas adequadas para lavagem das regiões corporais que possam entrar em contato com os produtos (3). Alguns conseguem destruir o metal (o risco é obviamente superior em produtos mais concentrados e/ ou com maior tempo de contato com o trabalhador). Os ácidos mais frequentemente utilizados são o hidrofluórico, sulfúrico, nítrico, crómico e acético; as bases mais prevalentes neste setor são o hidróxido de amónio, de potássio e de sódio (8).

COVs

Neste setor há destaque para os terpenos; estimam-se mais de duzentos subtipos neste tipo de planta, sendo os mais prevalente o limoneno, alfa-pineno, beta-mirceno, linalol, beta- cariopileno, óxido de cariofileno, nerolidol e fitol. Noutros setores profissionais já se reportaram patologias associadas aos terpenos. O TWA para 8h é de 20 a 100 ppm e o STEL vai de 40 a 100 ppm (7).

THC

A exposição deverá ser o mais baixa possível. São conhecidos alguns efeitos para situações de consumo inalatório, oral, cutâneo ou via injetável; contudo, as consequências em função de uma exposição ocupacional não estão adequadamente estudadas. Acredita-se que, neste contexto, possa causar alterações de humor, memória e desorientação; questões essas que as chefias deverão estar atentas. A exposição pode ser minimizada através da limpeza do local e da higiene (lavagem das mãos antes de comer ou beber) e do fornecimento e uso de EPIs (equipamentos de proteção individual) adequados (7).

O TWA para a canábis é de 2 mg/m3 medida por fração inalada (Áustria) ou 0,2 por 8 horas/França) a nível de fração torácica. Contudo, a aceitação destes valores não é consensual (7).

Outros agentes químicos

Alguns fertilizantes podem ser corrosivos e/ou irritantes (7).

Para além disso, determinados equipamentos que produzem radiação ultravioleta também podem libertar chumbo, cádmio e mercúrio (3).

-Fatores de Risco Biológico

O contato com microrganismos é possível nas fases de cultivo, colheita e poda (4).

As bactérias, fungos e/ou esporos podem causar doenças respiratórias, oculares, cutâneas e a nível de otorrinolaringologia. Podem surgir sibilos (3), tosse, dispneia (3) (8), insuficiência respiratória e até eventual agravamento da asma (3) (6), bem como obstrução nasal/rinorreia, irritação da orofaringe e irritação ocular/cutânea (8).

A produção de Marijuana exige níveis elevados de humidade (70%), o que favorece o crescimento não só de fungos (8) em particular, mas também dos microrganismos no geral; a temperatura elevada pode-se conjugar no mesmo sentido. Aliás, o crescimento da planta fica potenciado entre os 21 e os 32º C, com humidade de 50 a 70%, condições essas ótimas para o crescimento de algumas estirpes (7).

Como principais exemplos de fungos podem citar-se as espécies Aspergillus (6) (7), Penicillum sp, Alternaria sp (7) e Botrytis cinerea (2) (7); todas poderão associar-se a pneumonite de hipersensibilidade, suberose (nos agricultores e trabalhadores da cortiça, por exemplo). Os Actinomicetes, além da pneumonite de hipersensibilidade, também podem estar associados à bronquite crónica, síndroma tóxico associado às poeiras orgânicas e asma (7). Outros autores consideram que os fungos mais prevalentes são os Basidiomycota (4) e Ascomycota (2) (4); podem também ser encontrados Mycena, Paxillus ammoniavirescens, Meruliaceae e Agaricomycetes (4).

A nível de bactérias, destacam-se a klebsiella, Escherichia coli, Pseudomas, Acinetobacter (6) ; bem como os como os Actinomycetes, Proteobacterias, Firmicutes e Bacteroides (7). Outros defendem que o género bacteriano mais prevalente neste setor é a Actinobacteria, sobretudo os géneros Arthobacter e Nocardioides (4).

Os riscos biológicos poderão ser superiores nos trabalhadores recentes, por eventualmente ainda não terem contactado previamente com determinado microrganismo (7).

-Alérgenos

A nível alergénico os trabalhadores deste setor podem estar expostos simultaneamente a bactérias Gram negativas e positivas, fungos, insetos e protozoários (4); bem como pólen e poeiras orgânicas e inorgânicas complexas (1) (7) (englobando partes de plantas, glucanos, vírus, bactérias, endotoxinas, fungos, micotoxinas, pólen e insetos) (7)

Os trabalhadores deste setor parecem apresentar mais patologia respiratória associada à inalação de poeiras, nomeadamente a bissinose (4) (5); bem como asma e doença pulmonar crónica obstrutiva (5). A bissinose carateriza-se por diminuição da função pulmonar, com padrão obstrutivo/desconforto torácico, febre, cefaleias e mialgias, sobretudo no primeiro dia de trabalho da semana, suavizando nos dias seguintes. A etiologia não está clara, mas acredita-se que se relacione com as endotoxinas bacterianas e componentes da planta (7). A exposição a endotoxinas pode ainda cursar com pneumonite por hipersensibilidade, bronquite crónica, asma e sensitização alérgica (4).

O pólen da Canábis é eventualmente alérgeno, tal como os óleos obtidos ou até as folhas; podendo justificar rinite alérgica, urticária, conjuntivite alérgica, asma brônquica, eczema e/ou angioedema. A libertação de pólen é sazonal (ocorre sobretudo no verão e outono), tal como os das outras plantas. Contudo, as reações anafiláticas são raras e geralmente estão associadas ao consumo inalatório ou injetável (7); ainda assim a gravidade da reação pode aumentar com a cronicidade da exposição (8), segundo outros autores.

Alguns investigadores concluíram que 70% destes trabalhadores apresentavam alterações espirométricas e 50% referia sintomas compatíveis com sensibilização alérgica, situação para a qual podem contribuir também alguns agentes químicos e poeiras.

-Fatores de Risco Ergonómico

A nível ergonómico (1) (7) funcionários com tarefas incidentes na apara de folhas ou outras etapas de cultivo, podem implicar posturas forçadas/mantidas (3) e/ou movimentos repetitivos (2) (3), antecessores de eventuais lesões músculo-esqueléticas (3) (8), nervosas e/ ou tendinosas, bem como queda ao mesmo nível/em altura e cargas (8).

-Fatores de Risco Físico

A radiação ultravioleta (7) pode causar alterações oculares e cutâneas relevantes (3). Alguns autores especificam que esta e a luz visível (8), provenientes das lâmpadas (7) (8) e do sol, podem originar fotoqueratite (que cursa com lacrimejo, visão turva e sensação de corpo estranho ocular, geralmente seis a doze dias após a exposição). Os ultravioletas, por vezes, também são usados como germicidas. Os danos dependem da intensidade, comprimento de onda, parte do corpo exposta e sensibilidade individual (8).

Por vezes pode ocorrer exposição a radiação gama, com objetivos antimicrobianos (7).

A humidade aumentada e as temperaturas elevadas podem contribuir para a existência de desconforto térmico (6) (7).

Em função da extensão e do crescimento das plantas a colheita pode utilizar técnicas mais manuais ou mecanizadas, que podem expor o trabalhador a ruído (7) (8), vibrações e poeiras orgânicas (7).

-Outros Fatores de Risco

O cultivo de Canábis exige uma quantidade de energia considerável, pelo que o contato com a eletricidade poderá ocorrer em diversas tarefas/locais (3) (8).

O processo de extração, pela temperatura e pressão atingidas, bem como pelos agentes químicos utilizados (3) (8)- como CO2 (8), podem aumentar o risco de incêndio/explosão. A utilização de gases comprimidos (como o CO2, novamente) em cilindros com muita pressão podem ter rutura da estrutura se não existirem dispositivos para alívio barométrico, quando necessário (3) (8). Solventes (7) muito inflamáveis (como o butano, acetona, tolueno (6) ou etanol e nafta (7)) são usados para extrair o óleo da planta, contribuindo de forma significativa para o risco de incêndio (6). A nível de líquidos inflamáveis destacam-se ainda os combustíveis, espessantes, agentes de limpeza, colas, tintas, ceras e vernizes (8).

Também é possível que ocorra queimadura, corte e/ou atracamento, em função do contato com algumas máquinas (8).

Em determinadas circunstâncias poderão existir tarefas em espaço confinado (7) (8).

Medidas de Proteção Coletiva

Relativamente aos diversos agentes químicos utilizados neste setor (no geral), recomendam-se a ventilação adequada, fichas de segurança disponíveis e áreas de lavagem adequadas (8).

Em relação ao CO em específico, citam-se preferir equipamento elétrico versus os modelos que utilizam combustíveis fósseis ou usar equipamentos que os utilisem apenas no exterior, proporcionando ainda uma manutenção adequada, sensores de CO com alarme sonoro e organizar formação relativa à intoxicação (8).

Quanto aos gases comprimidos em geral, está recomendado trocar por agentes menos problemáticos, conhecer as caraterísticas de cada gás e respetivas preocupações de segurança, bem como possuir sistemas de libertação de pressão funcionais (8).

Na utilização de produtos inflamáveis, deve-se trocar por agentes menos tóxicos/ inflamáveis sempre que possível, usar a menor quantidade adequada e fechar o recipiente quando este já não estiver a ser utilizado (8).

A nível dos pesticidas, destaca-se usar o produto de acordo com as instruções do fabricante; conhecer o mesmo e a semiologia da intoxicação, bem como a abordagem inicial à mesma; deverão existir contentores/recipientes de armazenamento adequados, bem como rotulagem completa destes últimos (8).

Para os ácidos e bases mais fortes destacam-se o armazenamento de acordo com as incompatibilidades químicas, selecionar os menos tóxicos, ter as fichas de segurança sempre disponíveis, bem como ventilação adequada; não armazenar em recipientes metálicos e ter áreas para os funcionários lavarem corpo e olhos em caso de derrame (8).

Para o ruído, estão publicadas indicações relativas à diminuição da sua produção através da modernização de equipamentos; bem como atenuação da propagação, amplificação e reverberação; isolar as áreas mais problemáticas e/ou colocar barreiras (8).

Em relação ao contato com os derivados da marijuana, existem documentos que salientam a ventilação, rotatividade de tarefas com maior risco e formação (8).

Por sua vez, em contexto de risco biológico, está descrito que se deve controlar a humidade através de um sistema de rega adequado, diminuindo a água acumulada e potenciando a ventilação (3) (8); para além de aspirar em vez de varrer (8).

Para a dimensão ergonómica em particular, recomenda-se formação, rotatividade de tarefas, tapetes anti fadiga e instrumentos de trabalho adequados (3) (8), bem como potenciar o número de funcionários, incrementar pausas/períodos de repouso e reportar precocemente as lesões músculo-esqueléticas (8).

Quanto aos acidentes, neste setor são possíveis as quedas ao mesmo nível e em altura. As medidas de proteção coletiva neste contexto poderão ser dar formação aos funcionários, manter os chãos secos, uso de calçado antiderrapante, delimitar zonas de circulação e destacar desníveis do solo (8).

Equipamentos de Proteção Individual

Como EPIs são mencionados na bibliografia consultada:

-óculos de proteção (7) química, para radiação ultravioleta (com comprimento de onda adequado) e proteção mecânica; no geral sobretudo para a aplicação de pesticidas, uso de solventes na extração, poda, lâmpadas ultravioletas ou máquinas que possam projetar corpos estranhos (8)

-luvas (7) (na mistura e aplicação de pesticidas, uso de solventes na extração; bem como poda e limpeza) de nitrilo ou borracha (8)

-proteção auricular (tampões ou abafadores) (8)

-proteção respiratória certificada (7) (8)

-fato de macaco ou bata (7).

O gelo seco em específico, para além de não dever ser usado em espaços fechados e/ou pequenos (como medidas de proteção coletiva), a nível de EPIs, deve ser manuseado com óculos e luvas (3) (8).

DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO

Parte das Medidas de Proteção Coletiva assinaladas para um Fator de Risco específico têm aplicabilidade generalizada ou, pelo menos, a vários Fatores de Risco- por exemplo, a Formação ou a Rotatividade e troca por agentes químicos menos tóxicos (não só para uma classe de substâncias, mas para todas, na realidade), ainda que não esteja descrito dessa forma na bibliografia consultada.

Para além disso, em contexto de EPIs não foram mencionados o chapéu e a proteção solar (para a radiação ultravioleta), ou até manguitos e ou viseira (a nível de agentes químicos/ biológicos ou poeiras), por exemplo.

Os dados publicados incidem mais nos conhecimentos existentes para outros setores profissionais onde existem Fatores de Risco equivalentes, do que propriamente de investigação robusta no próprio setor. Seria muito relevante que as equipas de Saúde Ocupacional com clientes nesta área investigassem os aspetos mais relevantes e os divulgassem em artigos científicos.

AGRADECIMENTOS

Nada a declarar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Simpson C. Occupational Health and Safety in the Cannabis Industry. Annals of Work Exposures and Health. Oxford Academy. 2020, 64(7), 677- 678. DOI: 10.1093/annweh/wxaa068 [ Links ]

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4 Green B, Couch J, Lemons A, Burton N, Victory K, Nayak A et al. Microbial hazards during harvesting and processing at an outdoor United States Cannabis Farm. Journal of Occupational and Environmental Hygiene. 2018, 15(5), 430- 440. DOI: 10.1080/15459624.2018.1432863 [ Links ]

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8 Marijuana Occupational Safety and Health. Colorado Department of Public Health & Environment. Inclui o "Guide to Worker Safety and Health in the Marijuana Industry. Marijuana Occupational Health and Safety Work Group. 2017, 1-78. [ Links ]

Recebido: 07 de Agosto de 2021; Aceito: 10 de Agosto de 2021; Publicado: 14 de Agosto de 2021

CONFLITOS DE INTERESSE, QUESTÕES ÉTICAS E/OU LEGAIS

Nada a declarar.

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