Introdução

O envelhecimento da população e o aumento da carga global da doença são preditores da necessidade crescente de cuidados de saúde especializados, sendo reconhecido que os cuidados paliativos e o alívio do sofrimento são dimensões da saúde negligenciadas a nível global^1,2. A Organização Mundial da Saúde³ reiterou a necessidade do desenvolvimento e implementação de cuidados paliativos estruturados, enquanto pressuposto da cobertura universal da saúde. Até 2060, prevê-se que 87% da população mundial necessite de cuidados paliativos, sendo que, em 2017, cerca de 60 milhões de pessoas em todo o mundo precisaram de cuidados paliativos e 45% dos países não tinham acesso a estes cuidados⁴. Assim, torna-se evidente que os cuidados paliativos são um desafio emergente e uma prioridade de saúde pública. Para isso, é necessário um esforço conjunto dos decisores de políticas de saúde na definição de estratégias que vertam na promoção da qualidade de vida e redução do sofrimento da pessoa em situação paliativa⁵.

Os cuidados paliativos visam a completude do cuidar da pessoa com doença que não responde ao tratamento curativo. Pressupõem uma abordagem multidisciplinar na avaliação das necessidades da pessoa, da família e da comunidade, entendendo a morte e o processo de morrer como fenómenos inerentes à vida humana, onde a qualidade de vida e o conforto devem ser maximizados^6,7. A Organização Mundial da Saúde³ refere-se aos cuidados paliativos como cuidados de saúde direcionados para a melhoria da qualidade de vida da pessoa e da família com necessidades associadas a doenças que ameaçam a vida, através da prevenção e alívio do sofrimento, e da avaliação precoce de necessidades físicas, psicossociais e espirituais.

Na pessoa em situação paliativa, o conforto é, necessariamente, um conceito inerente ao alívio do sofrimento que ultrapassa a dimensão física da pessoa⁸. É uma experiência complexa, dinâmica, subjetiva e positiva que inclui a satisfação das necessidades pessoais e resulta em alívio físico e/ou transcendência⁹. O conforto integra experiências e conceitos como qualidade de vida, esperança, controlo e tomada de decisão¹⁰ e pode resultar da interação entre a pessoa e o enfermeiro¹¹.

Morse¹² conceptualiza conforto como um estado final de bem-estar decorrente da intervenção terapêutica do enfermeiro, enquanto Kolcaba⁸ refere que o conforto é uma experiência holística que resulta da satisfação das pessoas, relevando, assim, as dimensões física, psicoespiritual, ambiental e sociocultural do indivíduo. A mesma autora enumera três tipos de conforto: o alívio, que concerne à satisfação das necessidades básicas necessárias ao comportamento normal do ser humano; a tranquilidade, que permite que a pessoa se comporte de forma funcional e eficiente, sentindo-se calma e tranquila; e a transcendência, que respeita à tentativa de satisfação das necessidades que permitem a resolução de problemas e a planificação e controlo do destino.

A revisão da literatura identifica a angústia, o desconforto e o sofrimento como antecedentes do conceito de conforto⁹. Este é sensível a fatores internos, como condições de saúde que se traduzem em desequilíbrio, autoconsciência, relação doente-profissional de saúde e experiência anterior, e fatores externos, nomeadamente o apoio familiar, as competências dos profissionais de saúde, o modelo de cuidados de saúde e determinantes ambientais⁹.

Cuidar da pessoa em situação paliativa significa integrar a expressão humana da doença, sendo que o enfermeiro, pela proximidade que detém com o doente e família, assume um papel alicerçante na prestação de cuidados significativos e na promoção do conforto¹³. A filosofia dos cuidados paliativos releva a prática interprofissional, mas a literatura é ambígua no que concerne ao papel do enfermeiro na prestação de cuidados de saúde à pessoa em situação paliativa^14,15.

A American Nurses Association e a Hospice and Palliative Nurses Association¹⁶ reiteram a pertinência da abordagem paliativa à pessoa com doença incurável e potencialmente fatal e reafirmam a necessidade da capacitação do enfermeiro para a prestação de cuidados paliativos desde os estádios iniciais de formação. Na prestação de cuidados à pessoa em situação paliativa, o enfermeiro deve demonstrar um nível de proficiência que se coadune com a capacidade de planear antecipadamente os cuidados e de providenciar suporte terapêutico, demonstrando sensibilidade cultural¹⁶. O Essentials of Baccalaureate Education for Professional Nursing Practice¹⁷ acrescenta que a prestação de cuidados de enfermagem à pessoa em situação paliativa e família deve focar-se na resolução de problemas associados ao fim de vida, tais como a gestão de sintomas, apoio em rituais e respeito pelas preferências da pessoa e família.

Kirkpatrick et al.¹⁵ definem cuidados de enfermagem à pessoa em situação paliativa como a prestação de cuidados de qualidade com o objetivo de aliviar o sofrimento e de promover a qualidade de vida da pessoa com doença progressiva ou limitadora da vida e da sua família, independentemente do estado de saúde, dos cuidados requeridos ou do contexto onde a pessoa se encontra. Na prestação de cuidados à pessoa em situação paliativa, o enfermeiro deve demonstrar integração dos saberes teórico e empírico, aptidões, valores e atitudes congruentes com a prestação de cuidados de qualidade¹⁵. Espera-se que o enfermeiro demonstre compaixão e um olhar holístico, tenha uma presença autêntica na prestação de cuidados centrados na pessoa e que paute a sua intervenção pela resposta dinâmica perante a progressão da doença, nomeadamente através da redefinição de estratégias que se coadunem com a promoção do conforto. A definição de objetivos realistas que visem a maximização do bem-estar da pessoa e família deve ser priorizada, sendo que aos enfermeiros é exigida uma abordagem humana e holística¹⁵.

A sistematização do conhecimento relativo à influência dos cuidados de enfermagem à pessoa em situação paliativa permite explorar a amplitude da evidência sobre a relação dos conceitos enunciados. Neste sentido, considera-se pertinente a realização de uma scoping review, na medida em que esta metodologia de revisão da literatura permitirá dar resposta ao objetivo de mapear a evidência científica disponível sobre os cuidados de enfermagem que promovem o conforto na pessoa em situação paliativa.

Realizou-se uma pesquisa preliminar nas bases de dados Joanna Briggs Institute Database of Systematic Reviews and Implementation Reports, PROSPERO, Cochrane Central Register of Controlled Trials e Open Science Framework, verificando-se que, atualmente, não há nenhuma scoping review em progresso relativa a este tema. Assim, desenhou-se uma scoping review fundamentada nas orientações metodológicas do Joanna Briggs Institute¹⁸.

Métodos

A scoping review será estruturada de acordo com as recomendações do Joanna Briggs Institute para scoping reviews¹⁸. O protocolo foi registado na plataforma Open Science Framework (DOI https://doi.org/ 10.17605/OSF.IO/CN258).

Questão de revisão

A questão de revisão foi definida com recurso à estratégia PICO (P - População, I - Intervenção, C - Comparação, O - Outcomes) adaptada para PCC (P - População, C - Conceito, C - Contexto), de acordo com o JBI Manual for Evidence Synthesis¹⁸. Assim, definiu-se como questão de revisão a premissa Quais os cuidados de enfermagem que promovem o conforto na pessoa em situação paliativa?, sendo que P - pessoa em situação paliativa, C - conforto, cuidados de enfermagem à pessoa em situação paliativa e C - instituições que prestam cuidados de enfermagem à pessoa em situação paliativa. Adicionalmente, considera-se responder às questões: Quais os atributos do conceito conforto? Qual a influência dos cuidados de enfermagem na promoção do conforto à pessoa em situação paliativa?.

Critérios de inclusão

Estratégias de pesquisa

Desenhou-se uma estratégia de pesquisa em três etapas, com o objetivo de identificar estudos publicados e não publicados nos idiomas português, inglês e espanhol. Serão incluídos estudos originais, publicados entre 2014 e 2023, com resumo e texto integral disponíveis em acesso aberto.

Uma pesquisa inicial limitada será realizada na MEDLINE (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online/PubMed) e CINAHL (Comulative Index to Nursing and Allied Health Literature/EBSCOHost) por forma a analisar as palavras do texto e os termos de indexação contidos no título e resumo dos artigos identificados. Para a identificação dos artigos, utilizar-se-á a estratégia “comfort” (All fields) AND “nurs* care” (All fields) AND “palliative care*” (All fields).

Na segunda etapa, as palavras-chave e os termos de indexação identificados serão utilizados e combinados para realizar uma pesquisa completa nas bases de dados MEDLINE Complete, CINHAL Complete, Scopus e Web of Science, para identificação de estudos publicados, e Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP) e OpenGrey, para identificação de estudos não publicados. A estratégia de pesquisa, que inclui todas as palavras-chave e termos de indexação identificados, será adaptada de acordo com as especificidades de cada base de dados ou fonte de informação, conforme exemplificado na Tabela 1. Para as restantes bases de dados, seguindo a mesma estratégia de pesquisa, foram recuperados 75 artigos na MEDLINE Complete, 219 artigos na Scopus, 249 artigos na Web of Science, 1 publicação no RCAAP e nenhuma publicação na OpenGrey. A pesquisa foi realizada em 8 de março de 2023.

Tabela 1 Estratégia de pesquisa para a base de dados CINAHL (via EBSCOHost) 

A terceira etapa corresponde à identificação de estudos adicionais provenientes das listas de referências das publicações incluídas na scoping review. Perante a necessidade de obter informações que não estejam publicadas, tentar-se-á o contacto com os autores dos estudos.

Extração de dados

A extração de dados de interesse será realizada, de forma independente, por dois revisores, com apoio de um terceiro para resolver divergências. Utilizar-se-á um instrumento construído para o efeito Tabela 2) que, por ser preliminar, poderá ser adaptado para acrescentar dados relevantes decorrentes da leitura e análise das referências incluídas na scoping review. Esta ferramenta considera detalhes específicos sobre a população, o conceito, o contexto e a metodologia de investigação, relevantes para a questão de revisão e para o objetivo da scoping review. Para garantir clareza e consistência, nos primeiros cinco artigos a extração de dados será discutida, em simultâneo, pelos revisores.

Tabela 2 Instrumento de extração de dados 

Conclusões

A redação deste protocolo permitirá estruturar a realização de uma scoping review que clarificará conceitos e contribuirá para a definição de um quadro teórico que fundamente a intervenção de enfermagem na promoção do conforto à pessoa em situação paliativa. O mapeamento do conhecimento acerca desta temática permite desenvolver o conhecimento para a formação em enfermagem, para a prestação de cuidados e para a governação clínica.

Outros investigadores poderão reproduzir a pesquisa sistematizada neste protocolo, por forma a continuar a desenvolver o conhecimento relativo a esta problemática. Com a realização da scoping review, espera-se propor questões mais específicas que orientem o desenvolvimento de uma revisão sistemática da literatura.