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Revista Onconews

versão impressa ISSN 1646-7868versão On-line ISSN 2183-6914

Revista Onconews  no.43 Porto dez. 2021  Epub 01-Dez-2021

https://doi.org/10.31877/on.2021.43.05 

Artigo Teórico

COVID-19: A resposta do serviço de pediatria do IPO Lisboa

COVID-19: The resolution of the IPO Lisbon Pediatric Unit

Ana Correia1 

Daniela Graça1 

Elisabete Caldeira1 

Gonçalo Guerreiro1 

1 Serviço de Pediatria, Instituto Português de Oncologia de Lisboa, Lisboa, Portugal; aicorreia@ipolisboa.min-saude.pt


Resumo

A pandemia COVID-19 colocou uma séria pressão nas instituições de saúde, tornando-se uma das principais preocupações da sociedade científica, e no geral, uma vez que acarreta consequências a todos os níveis do cuidar.

À medida que os conhecimentos sobre o vírus evoluem, geram-se inconsistências e dificuldades, havendo necessidade de mudança e adaptação. Assim, torna-se urgente a orientação dos profissionais de saúde e das famílias de crianças com doença oncológica sobre as adaptações dos serviços de saúde, protegendo a saúde e a segurança da equipa multidisciplinar, crianças e famílias.

No presente artigo será abordada a resposta do Serviço de Pediatria do Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil (IPOLFG) ao atual contexto pandémico, enquanto centro de referência para o tratamento de crianças com cancro, de forma a dar continuidade à prestação de cuidados médicos e de Enfermagem de qualidade e excelência, indo de encontro às necessidades específicas das crianças e das suas famílias.

Palavras-Chave: COVID-19; pediatria; cancro; política de saúde

Abstract

The COVID-19 pandemic has put serious pressure on healthcare institutions, becoming one of the main concerns of the scientific society, and in general, since it has consequences for all levels of care.

As knowledge about the virus evolves, so do the choices, generating inconsistencies, difficulties and the need for change and adaptation. Thus, it is urgent to provide guidance to health professionals and families of children with oncological disease on the adaptations of health services, protecting the health and safety of the team, children and families.

This article addresses the response of the Pediatric Service of Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil (IPOLFG) to the current pandemic context, as a reference center for the treatment of children with cancer, in order to continue the provision of quality and excellent medical and nursing care, meeting the specific needs of children and their families.

Keywords: COVID-19; pediatrics; cancer; health policy

Introdução

Atualmente, a COVID-19, causado pelo SARS-CoV-2 (Severe acute respiratory syndrome-coronavirus-2) é considerada o mais grave problema de saúde pública desta geração, tendo sido declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma pandemia internacional (Direção-Geral da Saúde, 2020a, 2020c).

A propagação fácil e maciça do vírus, assim como a morbilidade e mortalidade que acarreta, causou perturbações graves a vários níveis, sendo especialmente relevante o impacto nos serviços de saúde, com necessidade de reajustamento da capacidade de resposta e dos cuidados prestados (Branco et al., 2020).

O Serviço de Pediatria do Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil (IPOLFG), inserido numa unidade de saúde onde são prestados cuidados assistenciais a doentes oncológicos, foi funcionalmente isolado daqueles que prestam cuidados assistenciais a doentes não oncológicos, procedendo à “implementação de medidas reforçadas de rastreio e monitorização de infeção por SARS-CoV-2, por forma a minimizar o risco de infeção cruzada” (Direção-Geral da Saúde, 2021).

Estrutural e funcionalmente, devido às especificidades que o cuidado pediátrico acarreta, o serviço tem-se reorganizado ao longo do tempo, modificando as suas práticas e procedimentos por forma a adaptar-se às exigências da pandemia e a dar resposta às necessidade dos profissionais, crianças e famílias.

1. COVID-19 e o cuidado à criança/jovem

O atual contexto pandémico está a ter um grande impacto na vida de milhões de famílias, alterando dinâmicas familiares, com potenciais constrangimentos no desenvolvimento das crianças. Este impacto é sentido a vários níveis e afeta não só as crianças infetadas pelo vírus, como também as crianças saudáveis ou com outras patologias, salientando-se a eminência de riscos sem precedentes para os direitos, segurança, educação, desenvolvimento e bem-estar das crianças de todo o mundo (European Academy of Paediatrics, 2020; United Nations, 2020).

Em Portugal, dada a necessidade de implementação de medidas excecionais por parte das instituições de saúde, que têm vindo a adiar os serviços não urgentes, com o objetivo de conter a propagação do vírus SARS-CoV-2, a Direção-Geral da Saúde (DGS) elaborou e divulgou em Março de 2020 o “Programa Nacional de Saúde Infantil e Juvenil e epidemia de Covid-19”, sensibilizando para a importância e necessidade de não adiar procedimentos como as Consultas de Vigilância de Saúde Infantil e Juvenil e o cumprimento do Programa Nacional de Vacinação, “para manutenção e monitorização da saúde da população infantil e juvenil durante este período de exceção” (Direção-Geral da Saúde, 2020d). Além disso, fornece ainda diretrizes e orientações relativamente às medidas que devem ser adotadas de forma a evitar o contágio das crianças e famílias que recorrem aos serviços de saúde, tais como: programar a deslocação com a família (respeitando horários); permitir apenas um acompanhante por criança; evitar acumulações em salas de espera de utentes, cumprindo o distanciamento social; retirar os brinquedos e material didático dos espaços comuns e, por fim, respeitar as normas de controlo de infeção recomendadas para a COVID-19, incluindo limpeza e desinfeção frequente das superfícies e do mobiliário da sala de espera (Direção-Geral da Saúde, 2020d).

No que diz respeito ao SARS-CoV-2, a sua transmissão dá-se de igual forma, seja em adultos como em crianças, e ocorre principalmente pela inalação de gotículas expelidas pela tosse ou espirros de pessoas infetadas com o vírus, podendo também ser transmitido através do contacto com superfícies contaminadas seguido de contacto com as mucosas (olhos, nariz, boca) (Direção-Geral da Saúde, 2020b). Em relação ao local de transmissão do vírus, a evidência científica sugere que as crianças são infetadas, principalmente, em ambiente familiar (Guo et al., 2020; Sociedade Portuguesa de Pediatria, 2020).

A maioria das crianças apresenta doença assintomática ou leve/moderada, com poucas complicações graves (Sociedade Portuguesa de Pediatria, 2020). Os sintomas mais frequentes incluem: sinais de dificuldade respiratória, febre e tosse, que podem ser acompanhados de sintomas gastrointestinais (como náuseas, vómitos, diarreia e recusa alimentar) e outros sintomas como mialgias, odinofagia, anosmia, ageusia, cefaleias, rinorreia, obstrução nasal, fadiga e tonturas, sendo referidos ainda, embora com menor frequência, o rash cutâneo e a conjuntivite (Dong et al., 2020; Guo et al., 2020; Hoang et al., 2020; Lu et al., 2020; Sociedade Portuguesa de Pediatria, 2020). Em casos mais graves, a população com idade inferior a 18 anos apresenta menor gravidade, comparativamente aos adultos, podendo estes quadros ser caraterizados por pneumonia grave, síndrome respiratória aguda grave, sépsis, choque sético e/ou eventual morte (Sociedade Portuguesa de Pediatria, 2020).

Apesar da COVID-19 ter um impacto menor na saúde física das crianças/jovens, estas ainda podem ser das principais vítimas desta pandemia, considerando os impactos socioeconómicos decorrentes das políticas para o controlo da propagação do vírus, tornando de extrema importância a reflexão e a intervenção junto desta população, principalmente naquelas que apresentam vulnerabilidade acrescida, como a criança/jovem com doença oncológica.

2. COVID-19 E A CRIANÇA/JOVEM COM DOENÇA ONCOLÓGICA

O estado de pandemia tem evoluído rapidamente, escalando para uma crise global e apresentando-se como uma ameaça sem precedentes aos cuidados de saúde seguros, eficazes e éticos para todas as crianças, incluindo as crianças com doença oncológica (Kotecha, 2020).

Embora a evidência científica indique que as crianças se encontram menos propensas a desenvolver doenças severas, um estudo recente citado por Kotecha (2020) e André et al. (2020) destacou que as crianças mais novas (com idade inferior a 5 anos) apresentam maior risco de desenvolver manifestações clínicas graves, devido, possivelmente, a uma imaturidade do seu sistema imunitário. Kotecha et al. (2020) ressalva ainda que as infeções provocadas por outros coronavírus têm sido associadas a um aumento da morbilidade e mortalidade em crianças imunodeprimidas.

Os dados relativos à incidência e manifestações da COVID-19 nas crianças com doença oncológica são ainda escassos (Darlington et al., 2021; de Rojas et al., 2020; Kotecha, 2020; Sullivan et al., 2020). Contudo, considerando a imunossupressão inerente à doença e/ou ao tratamento, são consideradas população de alto risco, com risco aumentado de formas graves da doença, comparativamente a crianças imunocompetentes (André et al., 2020; Darlington et al., 2021; de Rojas et al., 2020; Sociedade Portuguesa de Pediatria, 2020).

O impacto que a realidade pandémica tem na criança com doença oncológica não se baseia apenas na gravidade da sintomatologia causada pela SARS-CoV-2, mas também nas repercussões que se têm sentido no panorama atual dos serviços de saúde, com o adiamento de cirurgias programadas, consultas de rotina e uma procura tardia, por parte dos cuidadores, de cuidados de saúde, podendo resultar em atrasos de diagnóstico (European Academy of Paediatrics, 2020), com consequente aumento da morbilidade e mortalidade associadas, já que a maioria dos cancros em idade pediátrica apresenta um comportamento agressivo, com necessidade imediata de tratamento, não sendo ponderável o adiamento do mesmo (Kotecha, 2020; Sullivan et al., 2020).

O risco de exposição ao SARS-CoV-2, tanto na comunidade como em contexto hospitalar, tem resultado numa ansiedade generalizada entre as famílias da criança com doença oncológica (Kotecha, 2020). Um estudo sobre as experiências de pais de crianças com doença oncológica revelou que algumas das suas principais preocupações incidem sobre: 1) o compromisso do sistema imunitário dos seus filhos e a sua perceção de maior suscetibilidade ao vírus; 2) a necessidade de idas ao hospital, para crianças em tratamento em ambulatório, e 3) a possibilidade de respostas ineficientes ou inadequadas para o tratamento da doença oncológica, com consultas e/ou tratamentos adiados ou cancelados (Darlington et al., 2021)

3. A resposta do serviço de pediatria do IPOLFG

Neste panorama incerto e em rápida mudança, torna-se imprescindível repensar a prática de cuidados prestados às crianças com doença oncológica e famílias, com necessidade de constantes adaptações dos serviços de saúde no âmbito da promoção da saúde e segurança dos cuidados, permitindo uma abordagem sustentada em evidência científica e continuamente adaptada à evolução epidemiológica (Direção-Geral da Saúde, 2020a).

Apesar do investimento rápido e global na tentativa de identificar estratégias para prevenir e tratar a COVID-19, minimizar o risco de exposição constitui, atualmente, a única medida para reduzir o risco de infeção (Kotecha, 2020).

O IPOLFG, no geral, modificou as suas práticas, procedimentos, circuitos e infraestruturas para se adaptar às exigências da pandemia. No que diz respeito aos seus profissionais, “adotou medidas que visassem a promoção da segurança, disponibilização do equipamento de proteção individual ajustado às suas funções, e a adoção de medidas gerais de proteção como o distanciamento social, o uso de máscara cirúrgica de forma contínua e o aumento da disponibilização de meios para a higienização das mãos mais frequente” (Branco et al., 2020).

Especificamente no Serviço de Pediatria, cumprindo o âmbito do presente artigo, as medidas adotadas, e que vigoram atualmente, foram as seguintes:

Minimização do número de pessoas que se deslocam ao serviço.

As medidas adotadas incluíram a restrição de visitas, a limitação a um acompanhante por criança (em caso de internamento, a alternância de acompanhante apenas é permitida semanalmente) e, inicialmente, a ausência de membros de associações de voluntariado como a Liga Portuguesa contra o Cancro, Acreditar, Operação Nariz Vermelho e Música nos Hospitais. Em outubro de 2020 foi permitido o regresso da Operação Nariz Vermelho, na tentativa de trazer alguma normalidade e alegria ao dia-a-dia das crianças internadas. Este processo decorreu mediante condições previamente estabelecidas, nomeadamente a dupla de Doutores Palhaços ser permanente, deslocarem-se apenas ao serviço de internamento, utilizando máscara cirúrgica, higienizando com frequência as mãos e interagindo com as crianças e seus acompanhantes cumprindo o distanciamento social exigido. No que diz respeito ao Hospital de Dia, brevemente será iniciada a visita virtual dos Doutores Palhaços através do projeto “Palhaços em Linha”;

Minimização das deslocações das crianças ao hospital ao mínimo indispensável.

Segundo a DGS, a “reorganização dos serviços de saúde deve permitir uma diminuição do número de vezes que o doente oncológico se desloca às unidades de saúde, sem comprometer a segurança clínica” (Direção-Geral da Saúde, 2021). Neste sentido, em contexto de ambulatório, foi alargado o período de manutenção de cateteres venosos centrais (de 7/7 dias, para 15/15 dias), sendo organizados e coordenados os cuidados e tratamentos por forma a concentrar e minimizar as vindas das crianças/jovens ao hospital;

Reforço das medidas básicas de precaução para higiene respiratória.

No atual contexto pandémico, deve ser fornecida máscara cirúrgica a “todos os doentes, com ou sem sintomas respiratórios ou febre, no momento da entrada na unidade de saúde” (Direção-Geral da Saúde, 2020b). Neste sentido, tanto em contexto de internamento como de hospital de dia, foi implementada a obrigatoriedade de utilização de máscaras cirúrgicas pelas crianças e acompanhantes - no internamento, esta utilização foi promovida através da sua disponibilização e distribuição, identificadas com data e turno (manhã/tarde), e pelo ensino e vigilância por parte da equipa de Enfermagem do seu uso correto e adequado; em ambulatório, os acompanhantes devem ter a máscara cirúrgica sempre colocada, tendo sido, desde cedo, proibida a utilização de máscaras sociais. Além dos acompanhantes, também as crianças devem trazer igualmente máscara cirúrgica colocada e mantê-la sempre que possível. Comum a ambos os contextos, foi o reforço dos ensinos aos acompanhantes sobre a importância das medidas de higiene básica (como a desinfeção frequente das mãos), sobretudo antes e depois da utilização das áreas comuns;

Manutenção do distanciamento social.

Em contexto de internamento, numa primeira abordagem, foram fechados espaços comuns como a sala de brincar e a escola, sendo obrigatória a permanência das crianças/jovens e acompanhantes nos seus quartos, por forma a minimizar a circulação nos corredores. Progressivamente, foi sendo permitida a saída alternada das crianças à sala de brincar, acompanhadas pela Educadora, que se tornou responsável pela monitorização da utilização do espaço e limpeza dos brinquedos utilizados. Neste âmbito, foi necessária uma restruturação da sala de brincar, tendo sido retirada a maioria dos brinquedos (e mantidos apenas os que foram considerados facilmente higienizáveis), dos livros e o excesso de mobiliário. Por forma a garantir o cumprimento do distanciamento social, foram espaçadas as mesas, cadeiras e sofás. Relativamente à escola, que previamente funcionava nas instalações do internamento, foi transferida para uma sala do centro de formação do IPOLFG, sendo a professora destacada para este local e responsabilizando-se pelo acompanhamento presencial e individual de cada criança/jovem. No que diz respeito ao Hospital de Dia, particularmente à sala de espera do Pavilhão Lions, foi limitada a sua lotação para um número máximo de crianças/jovens e acompanhantes de acordo com a área da mesma, sendo mantidos os mesmos cuidados relativos aos brinquedos mencionados anteriormente. Outra medida implementada desde o início da pandemia foi o fornecimento das cinco refeições diárias para os acompanhantes, de modo a evitar as prévias deslocações ao refeitório e a diminuir a sua exposição a fatores de risco;

Implementação de testes de rastreio frequentes.

Segundo as recomendações da DGS, os doentes oncológicos, ainda que assintomáticos, devem ser testados laboratorialmente para SARS-CoV-2 em certos momentos, tais como “antes de iniciar tratamento com quimioterapia e antes de cada administração (mas nunca com uma periodicidade inferior a uma semana), antes de iniciar radioterapia e durante o tratamento com radioterapia, uma vez por semana e antes da admissão para tratamento cirúrgico eletivo” (Direção-Geral da Saúde, 2021). Neste sentido, todas as crianças/jovens e acompanhantes são submetidas a testes de rastreio antes de todos os internamentos e tratamentos programados (no Hospital de Dia de Pediatria ou, caso residam fora da área de Lisboa, nos hospitais da área de residência - atualmente contando com o apoio do Hospital José Joaquim Fernandes em Beja, Hospital Espírito Santo em Évora, Hospital de Portimão e Hospital de Faro). Em situações de internamentos não programados, caso haja suspeita de infeção por SARS-CoV-2, as crianças/jovens e acompanhantes são encaminhadas para a zona de contenção do internamento; caso não haja suspeita, são encaminhadas para um quarto individual, sendo adotadas medidas de isolamento respiratório, até ser conhecido o resultado do teste.

Restruturação do serviço para criação de uma zona de contenção.

Considerando que “a gestão do doente oncológico em internamento hospitalar deve atender à separação de circuitos entre os doentes oncológicos e os restantes, por forma a separar os doentes suspeitos de COVID-19 face aos restantes” (Direção-Geral da Saúde, 2021), na tentativa de minimizar riscos acrescidos para a criança/jovem, família e profissionais, em março de 2020 foi criado o circuito assistencial dos doentes pediátricos, programados e não programados, com suspeita de COVID-19. Relativamente aos casos não programados, quando existe um contacto telefónico prévio por parte do cuidador da criança, esta é reencaminhada imediatamente para o destino apropriado (gabinete de triagem do hospital de dia ou zona de contenção do internamento); caso não haja contacto telefónico prévio, a criança/jovem é encaminhada, à chegada, pelo vigilante, para o gabinete de triagem da pediatria (espaço localizado no hospital de dia de pediatria, com porta de acesso direto para o exterior), onde aguardam a chegada de um elemento da equipa de Enfermagem ou médica para avaliação do caso. Após a triagem, se a criança/jovem for considerada suspeita, é acompanhada pelo Enfermeiro até à zona de contenção do internamento, onde permanecem até ser conhecido o resultado dos testes. Caso o resultado seja negativo, a criança/jovem assume uma vaga de internamento; em caso de resultado positivo, a criança/jovem tem indicação para ser transferida para o hospital indicado, uma vez que “os doentes oncológicos com infeção confirmada por SARS-CoV-2 devem ser referenciados para unidades hospitalares com circuitos dedicados a doentes com COVID-19, mantendo o isolamento” (Direção-Geral da Saúde, 2021).

A criação desta zona de contenção obrigou a uma redução do número de vagas do serviço de internamento (de 22 para 18 camas). São disponibilizados três quartos, com casa de banho, e uma antecâmara comum, devidamente equipados, com acesso através do elevador diretamente para o exterior. Conta ainda com um espaço “limpo”, onde os profissionais de saúde procedem à colocação dos equipamentos de proteção individual. As regras de funcionamento deste espaço foram definidas e envolvem a gestão dos recursos humanos, reposição de material e circuitos hoteleiros de resíduos, roupa, alimentação e desinfeção de acordo com as normas institucionais e adaptadas às condições do serviço.

Refletindo acerca das consequências destas medidas, decorrentes das orientações e recomendações em resposta à prevenção e limitação da propagação da COVID-19, apesar de serem imprescindíveis, necessárias e importantes, consideramos estarem a refletir-se num impacto negativo na vivência da criança/jovem no ambiente hospitalar, já que colocam entraves à prestação de cuidados de Enfermagem verdadeiramente humanizados, mas também no seu desenvolvimento físico, social e emocional.

A minimização do número de pessoas que se deslocam ao serviço é uma recomendação presente na evidência científica (Kotecha, 2020), e reforçada pelas orientações preconizadas pela DGS, que determinou a restrição de visitas a unidades de saúde, mantendo-se, contudo, a permissão de acompanhante para o doente pediátrico (Direção-Geral da Saúde, 2020b). Esta limitação a um acompanhante por criança (quando anteriormente era permitida a permanência de ambos os pais/outros cuidadores durante o período diurno) e a restrição de visitas resulta numa limitação do contacto social e familiar, que se configura como tão importante na adaptação e gestão de todo o processo de doença.

Também a ausência de associações de voluntariado como a Liga Portuguesa contra o Cancro, a Acreditar, a Operação Nariz Vermelho e Música nos Hospitais se repercutiu na dinâmica do serviço, já que estas instituições contribuíam para uma amenização do ambiente hospitalar e para a humanização dos cuidados prestados, promovendo o bem-estar das crianças/jovens e famílias.

Além disso, estas medidas constituem ainda uma barreira aos espaços lúdicos e ao brincar, facilitadores no estabelecimento da relação entre a criança e o Enfermeiro e parte integrante e indispensável no desenvolvimento saudável da criança. A brincadeira lúdica, enquanto “estratégia de comunicação terapêutica, composta por diferentes técnicas que ajudam na transmissão de informações verdadeiras, em linguagem adequada ao desenvolvimento cognitivo e intelectual da criança/adolescente” (Ordem dos Enfermeiros, 2013), funciona como instrumento valioso na observação e no cuidar, permitindo o desenvolvimento físico, emocional, mental e social da criança, e constituindo-se como facilitador na comunicação, participação e aceitação de procedimentos, já que facilita a diminuição do stress e a prestação de cuidados atraumáticos (Engenheiro et al., 2016).

Estando restrito o acesso à sala de brincar e à escola, e estando as crianças limitadas aos seus quartos (e sendo limitado também o contacto entre as mesmas), está muitas vezes impossibilitada a brincadeira, acarretando possíveis dificuldades para a criança lidar com stress, nomeadamente o stress relacionado com a hospitalização, traduzindo preocupação com a sua saúde mental e desenvolvimento infantil.

Também a utilização permanente de máscara cirúrgica por parte dos profissionais de saúde parece estar a criar um impacto negativo no estabelecimento de uma relação terapêutica, já que não permite que a criança veja a cara e as expressões faciais do Enfermeiro e dos demais profissionais de saúde, podendo muitas vezes causar medo e uma comunicação pouco eficaz, tornando difícil o sentimento de segurança e acolhimento.

Conclusão

O Serviço de Pediatria do IPOLFG sofreu modificações nas suas práticas, procedimentos, circuitos e infraestruturas por forma a responder às necessidades das crianças/jovens com doença oncológica neste contexto.

Assim, foi necessária a implementação de medidas tais como a minimização do número de pessoas que se deslocam ao serviço, a minimização das deslocações das crianças/jovens ao hospital, o reforço das medidas básicas de precaução para higiene respiratória, a manutenção do distanciamento social, a implementação de testes de rastreio frequentes e a restruturação do serviço para criação de uma zona de contenção. Contudo, importa lembrar que este se trata de um processo dinâmico e evolutivo, que se vai modificando numa tentativa de adaptação às sucessivas exigências da pandemia que vivenciamos.

Apesar das dificuldades e das barreiras impostas, mantém-se o esforço por parte de toda a equipa multidisciplinar em prestar cuidados de qualidade e seguros, no respeito de uma filosofia de cuidados humanizados e centrados na criança/jovem e família.

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Recebido: 01 de Abril de 2021; Aceito: 01 de Junho de 2021

Autor para correspondência aicorreia@ipolisboa.min-saude.pt

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