SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 issue41Head and neck cancer surgery: the specificity of care for pharingostoma and esophagostomyComplications associated with Transtoracic Biopsies author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Revista Onconews

Print version ISSN 1646-7868On-line version ISSN 2183-6914

Revista Onconews  no.41 Porto Dec. 2020  Epub Dec 01, 2020

https://doi.org/10.31877/on.2020.41.04 

Artigo Teórico

De Hospital Oncológico a Hospital Oncológico “COVID FREE”

From Oncology Hospital to COVID FREE Oncology Hospital

Paula Branco1 

Mónica Canhoto1 

Tiago Cunha1 

Vânia Gonçalves1 

Susana Miguel1 

1 Instituto Português Oncologia Lisboa, Lisboa, Portugal. mpb2511@hotmail.com, tiagocunha@sapo.pt, gomes.vaniag@gmail.com, susanasamiguel@gmail.com


Resumo

No início de 2020, Portugal viu-se confrontado com a pandemia de SARS-CoV-2. O Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil preparou-se para garantir a identificação e o devido tratamento aos doentes oncológicos com COVID-19. Foi elaborado um plano de contingência, designado um gabinete de crise e criada uma zona de contenção. Em abril de 2020, o Ministério da Saúde declara os institutos portugueses de oncologia como hospitais isolados daqueles que prestam cuidados assistenciais a doentes com COVID-19. O gabinete de crise manteve os trabalhos de gestão da pandemia a nível interno, bem como a articulação com os hospitais que prestam cuidados assistenciais a doentes com COVID-19. Neste artigo, vamos abordar a forma como esta Instituição, sendo um hospital não direcionado para o tratamento de doentes com COVID-19, tem lidado com a pandemia.

Palavras-chave: Covid-19; Instituição especializada em cancro; Serviços de Enfermagem; Cuidados Centrados no Doente; Cancro

Abstract

In early 2020, Portugal faced the SARS-CoV-2 pandemic. The Lisbon’s Portuguese Institute of Oncology Francisco Gentil, prepared itself to assure the screening and due treatment of cancer patients with COVID-19. A contingency plan was drawn up, a crisis task force was appointed and a containment area was created. In April 2020 the Ministry of Health declared the Portuguese Institutes of Oncology as hospitals isolated from those that would treat COVID-19 patients. The crisis task force maintained the internal management of the pandemic, as well as the liaising with the Hospitals that treated COVID-19 patients. In this article, we will discuss how this Institution, being a hospital not directed to the treatment of COVID-19 patients, dealt with this pandemic.

Keywords: Covid-19; Cancer Care Facilities; Nursing Services, Patient-Centered Care; Cancer

Introdução

Nos tempos atuais, a pandemia causada pelo SARS-CoV-2 (Severe acute respiratory syndrome-coronavirus-2) originou perturbações a vários níveis, sendo notório o impacto nos cuidados de saúde. Foi necessário reajustar os cuidados disponíveis assim como a capacidade de resposta, pois apesar de 85% das situações serem benignas, a restante parcela ficou significativamente doente (Addeo & Friedlaender, 2020; El Amrani, Truant, & Turpin, 2020). Entre os mais afetados, encontramos os indivíduos com mais de 70 anos e com comorbilidades cardiovasculares e os doentes imunodeprimidos, nos quais se inclui a população oncológica (El Amrani et al., 2020).

O Instituto Português de Oncologia de Lisboa de Francisco Gentil (IPO-Lisboa), apesar de ter defendido desde o princípio não dever tratar doentes com infeção por SARS-CoV-2, numa fase inicial teve de se preparar para essa hipótese. Em abril, o Ministério da Saúde, através da Circular Normativa 009/2020 de 2/4/2020, formaliza que esta Instituição deve ser isolada daquelas que prestam cuidados assistenciais a doentes com infeção por SARS-CoV-2.

COVID-19 e a doença oncológica

Em 2018, verificaram-se 58.199 novos casos de doença oncológica em Portugal, sendo a mortalidade associada ao cancro de 28.960 neste ano (Ferlay et al, 2018). Temos uma prevalência de 155.645 aos 5 anos (Ferlay et al, 2018), sendo expectável que esta população recorra aos serviços de saúde para tratamentos ou follow-up.

O SARS-CoV-2 pertence à família de vírus coronavírus, que podem causar doença em animais e humanos (Yin & Wunderink, 2018), sendo que o SARS-CoV-2 tem como sintomatologia predominante cefaleias, anosmia, obstrução nasal, tosse, astenia, mialgia, rinorreia, agnosia, odinofagia e febre (Direção-Geral da Saúde, 2020a; Lechien et al., 2019). O facto de existirem pessoas portadoras assintomáticas dificultou a prevenção e controlo desta infeção (Miyamae et al., 2020) em todos os países.

Em janeiro, perante o evoluir da situação a nível mundial, a Instituição procurou desenvolver um plano de contingência para lidar com o eventual aparecimento de doentes suspeitos. Inicialmente considerámos que seria uma possibilidade remota. Contudo, com a evolução da epidemia da China para uma pandemia e o aumento do número de casos na Europa, Portugal passou a ter zonas de transmissão comunitária ativa. Deparámo-nos com a necessidade de reorganizar a Instituição para a identificação e o atendimento de doentes oncológicos com COVID-19, bem como assegurar os cuidados do ponto de vista da respetiva situação oncológica.

A 2 de abril de 2020, a Direção-Geral da Saúde (DGS) publica a norma nº 009/2020. Esta declara que as unidades de saúde onde eram prestados cuidados a doentes oncológicos deveriam ser isoladas das que prestavam cuidados assistenciais a doentes com infeção por SARS-CoV-2, com implementação de medidas reforçadas de rastreio e monitorização da infeção por SARS-CoV-2 para minimizar o risco de infeção cruzada em ambientes de saúde (Direção-Geral da Saúde, 2020c).

Existem sintomas que o doente oncológico apresenta, como febre, tosse, odinofagia, dispneia, mialgias ou fadiga que são semelhantes aos provocados pela infeção por SARS-CoV-2, pelo que é necessário uma avaliação contínua de triagem para detetar precocemente este tipo de sintomas (Silva Filho et al., 2020).

Perante a pandemia que se estava a viver e o enorme desconhecimento relacionado com a infeção, a Instituição e os seus profissionais tiveram de encontrar estratégias para manter a qualidade do atendimento ao doente oncológico, protegendo a pessoa do risco adicional por COVID-19, que integraram designadamente:

  • Elaboração de plano de contingência (publicado a 10/02/2020);

  • Criação de gabinete de crise (a 12/03/2020);

  • Criação de zona de contenção;

  • Redefinição de circuitos, com atualização permanente do plano de contingência através de circulares e comunicados;

  • Articulação com restantes hospitais do SNS.

Seguidamente sintetizamos as principais alterações organizacionais que ocorreram no decurso da pandemia na Instituição.

Desenvolvimento

Atualmente sabe-se que a infeção por SARS-CoV-2 provoca nos indivíduos infeções respiratórias graves, quadros de choque séptico e falência multiorgânica com uma mortalidade de 3 a 6% (Addeo & Friedlaender, 2020). O tratamento é maioritariamente sintomático, não existindo ainda consenso quanto ao mais adequado (Addeo & Friedlaender, 2020). Nos doentes oncológicos, alguns estudos apontam para a existência de maior severidade na infeção com o SARS-CoV-2 e mortalidade com COVID-19, o que poderá estar associado às comorbilidades existentes, com possível compromisso pulmonar, e à imunodepressão inerente aos tratamentos (Addeo & Friedlaender, 2020). Os doentes oncológicos também parecem apresentar um maior risco de contrair COVID-19 e um pior prognóstico (Xia, Jin, Zhao, Li, & Shen, 2020).

Pela sua situação de imunossupressão, os doentes oncológicos são mais vulneráveis à infeção por SARS-CoV-2 (Silva Filho et al., 2020), o que implica que saibam que as condições de vulnerabilidade não cessam com o término dos tratamentos, podendo prolongar-se por meses (Shockney, 2020). Assim, quer os doentes quer os seus cuidadores devem exercer o distanciamento social, cumprir com a higiene das mãos, a etiqueta respiratória e o uso de máscaras nas deslocações às unidades de saúde (Direção-Geral da Saúde, 2020b). À vulnerabilidade acresce o impacto psicológico, pelo medo de progressão ou recidiva da doença oncológica. A elevação dos níveis de stress pode afetar o bem-estar do doente ou mesmo interferir na sua qualidade de vida (Kumar & Dey, 2020).

Para a redução da infeção nosocomial por SARS-CoV-2 é importante a redução das idas às instituições de saúde por parte dos doentes, sem no entanto restringir os seus tratamentos ativos (Direção-Geral da Saúde, 2020b, 2020c; Rogado et al., 2020). Tendo por base a premissa anterior, foi necessário criar inicialmente um plano de contingência, que procurava identificar e restringir o acesso dos doentes suspeitos à Instituição, seguindo as recomendações internacionais (World Health Organization, 2020). Neste sentido, o Grupo de Coordenação Local do Programa de Prevenção e Controlo de Infeção e Resistência aos Antimicrobianos (GCL-PPCIRA) iniciou a divulgação interna do plano de contingência, com formação on the job dos profissionais afetos à Unidade de Atendimento Não Programado (UANP) e a todos os postos de secretariado/portarias da Instituição.

Primeiramente, o doente suspeito era identificado, triado e encaminhado para um quarto de isolamento, situado na UANP, para se poder articular com a Linha de Apoio ao Médico da DGS (Direção-Geral da Saúde, 2020d). Consoante as indicações, era feita colheita para pesquisa de SARS-CoV-2 e o doente encaminhado para o hospital de referência de tratamento de doentes com COVID-19 (Direção-Geral da Saúde, 2020d). Mantinha-se o contacto com a unidade de saúde de referência para o tratamento de doentes com COVID-19 com vista à continuidade dos cuidados até ter condições para regressar ao IPO-Lisboa.

À medida que os critérios de caso suspeito foram sofrendo alterações (Direção-Geral da Saúde, 2020a), o número de doentes potencialmente suspeitos aumentou exponencialmente. O IPO-Lisboa, com a evolução da pandemia a nível nacional, por receber doentes de uma zona de abrangência muito alargada e por estar inserido numa zona de transmissão comunitária ativa, viu-se na necessidade de criar um gabinete de crise (início de Março de 2020) para dar resposta às necessidades decorrentes da evolução da pandemia no país.

O Gabinete de Crise foi criado com o intuito de facilitar a comunicação institucional e envolver os sectores considerados fulcrais na tomada de decisão em conjunto. Nesse sentido, sempre sob a orientação do Conselho de Administração, foram nomeados para a sua constituição os seguintes departamentos: Saúde Ocupacional, GCL-PPCIRA, Gestão do Risco e Segurança, Gestão Hoteleira, Gestão de Doentes, Anestesia, Responsáveis das áreas médicas de Hematologia, Oncologia Médica e Pneumologia, e das áreas Cirúrgicas, Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Ginecologia e ainda a Unidade de Cuidados Intensivos e Intermédios e a UANP. Estes elementos tinham a responsabilidade de comunicar as decisões tomadas e de as operacionalizar, sendo no terreno elementos de referência para o esclarecimento de dúvidas ou como orientadores para as reorganizações da forma de trabalho. A presença constante do Conselho de Administração demonstrou uma maior proximidade aos pares, tornando-se numa mais-valia para todos, onde a preocupação e o total empenho dos seus órgãos, em conjunto com a restante equipa, permitiu tomadas de decisão mais céleres e sólidas. Temos ainda a referir a disponibilidade e abertura para mudar a dinâmica da instituição em prol da segurança e da qualidade dos cuidados prestados a que sempre habituámos os nossos utentes e familiares.

Desde o início da criação do Gabinete de Crise, comunicados diários foram elaborados para dar a conhecer aos profissionais todos as medidas instituídas. Total transparência, empenho e preocupação com a evolução da pandemia eram evidenciados nas medidas divulgadas. Com o estabilizar da situação, estes comunicados passaram a ser mais espaçados, incluindo súmulas das medidas reformuladas ou adotadas.

Diariamente decorriam reuniões, multidisciplinares, abrangendo as várias áreas de gestão organizacional, nomeadamente:

  • Funcionamento global da Instituição

  • Gestão de Doentes e Gestão de Risco e Segurança

  • Logística e Recursos

  • Gestão de Cuidados

  • Prevenção e Controlo de Infeção

  • Serviço de Saúde Ocupacional

Passaremos a descrever as atividades desenvolvidas nestas várias áreas.

Funcionamento global da instituição

A Instituição teve que mudar o seu funcionamento, reorganizar os serviços e a sua acessibilidade. Na atividade assistencial, foi necessário analisar cada doente e a sua situação clínica para identificar qual a programação a manter (presencial ou por teleconsulta), com o intuito de diminuir o número de vindas à Instituição com menor repercussão no tratamento do doente (Direção-Geral da Saúde, 2020b, 2020c). Os doentes com tratamentos ou consultas agendadas foram individualmente contatados pelos profissionais de saúde e feito o plano terapêutico personalizado. Regularmente os doentes foram informados das medidas adotadas pela Instituição, através das redes sociais, página da internet da Instituição e cartazes afixados nos vários edifícios.

Diminuiu-se a lotação das salas de espera, para garantir o distanciamento social, de acordo com a Norma nº 007/2020 da DGS (Direção-Geral da Saúde, 2020b). Foram colocadas tendas/toldos nas entradas dos edifícios para minimizar os efeitos das esperas no exterior e para proteção dos doentes.

As visitas foram suspensas, permanecendo um carácter de exceção para todas as situações identificadas pelos enfermeiros. Porém, manteve-se a permissão de acompanhante para o doente pediátrico ou com limitações ou dependências (Direção-Geral da Saúde, 2020b).

Os doentes com atividade programada apenas podiam entrar nos edifícios 15 minutos antes do agendamento, após realização de questionário epidemiológico e avaliação de temperatura (Direção-Geral da Saúde, 2020b). Se identificada uma situação suspeita, a mesma era encaminhada para a UANP para avaliação.

Foi suspensa toda a atividade formativa presencial na Instituição e no exterior, assim como o serviço religioso e de voluntariado, e a vinda de delegados de informação médica. Foi alterado o funcionamento do refeitório, o que reforçou a necessidade de rever o regulamento de fardamento da Instituição. Inicialmente, o acesso ao refeitório obrigava ao uso de roupa própria ou de uma bata descartável sobre o fardamento. Com a escassez de recursos, o acesso apenas passou a ser possível com o fardamento visivelmente limpo ou roupa própria. Foi diminuída a lotação do refeitório para garantir o distanciamento social, alargado o seu horário de funcionamento e definida a lotação das copas dos serviços de acordo com a sua área.

Foi disponibilizado fardamento não personalizado a todos os profissionais que se encontram no atendimento direto ao doente, de acordo com as orientações da norma n.º 007/2020 de 29/03/2020 (Direção-Geral da Saúde, 2020b).

Definiu-se internamente que todos os profissionais da Instituição deveriam utilizar máscara cirúrgica em todos os momentos, desde 15 de março, e respirador durante os procedimentos geradores de aerossóis (Direção-Geral da Saúde, 2020b).

Para maior controlo de gastos, foi criado um centro de custo COVID-19, exclusivo para imputação de despesas associadas ao mesmo.

Gestão de doentes e gestão risco e segurança

Foi criado um procedimento de triagem de doentes para acesso à Instituição e ajustado o circuito de doentes com atividade programada e não programada, de acordo com as orientações nacionais e internacionais (Direção-Geral da Saúde, 2020d; World Health Organization, 2020).

Os doentes mantiveram a sua atividade assistencial, sendo consultados pelos seus médicos assistentes presencialmente ou via telefónica. Aqueles cuja vinda à Instituição foi considerada como essencial, quer para consulta, tratamento ou realização de exames complementares de diagnóstico eram contactados previamente pelo secretariado para realização de um questionário epidemiológico para despiste de eventual caso suspeito. Na Instituição, centralizaram-se as entradas nos edifícios numa única portaria, onde era novamente realizado um questionário, onde os casos identificados como suspeitos eram encaminhados para uma zona de triagem.

Para rastrear previamente os doentes infetados com SARS-CoV-2 que seriam submetidos a tratamento, foi criado um local para realização de testes de SARS-CoV-2 em regime de drive-through. Os resultados destes testes foram também disponibilizados aos doentes numa das funcionalidades da aplicação MyIPO Lisboa (Figura 1).

Figura 1 App “My IPO”. Fonte: http://www.ipolisboa.min-saude.pt/myipo-lisboa 

Esta aplicação encontrava-se em desenvolvimento pela Gestão de Sistemas e Tecnologias da Informação (GSTI) para melhorar a comunicação institucional com os nossos doentes. Dada a pandemia, e a premência para evitar vindas desnecessárias à instituição, o seu desenvolvimento foi acelerado, tendo sido disponibilizada a 09 junho.

De forma progressiva, a Instituição foi aumentando a sua capacidade interna de testagem de SARS-CoV-2 por Real Time - Polimerase Chain Reaction (RT-PCR), à medida que foi alocando mais recursos humanos, materiais e laboratoriais, cumprindo assim a norma n.º 009/2020 de 02/04/2020 (Direção-Geral da Saúde, 2020c). Para auxiliar na compreensão da evolução da infeção por SARS-CoV-2 na Instituição, foi criado pela GSTI do IPOLFG um dashboard informático (Figura 2) para o acompanhamento dos casos confirmados.

Figura 2 Dashboard IPO. Fonte: IPOLFG, EPE 

Logística e recursos

Perante a pandemia, foi necessário reajustar os stocks de materiais de consumo clínico e laboratorial, equipamento de proteção individual (EPI) e outros equipamentos e dispositivos de uso hospitalar.

Em termos de recursos humanos, houve necessidade de proceder à contratação de profissionais ao abrigo da legislação publicada durante a pandemia. Para assegurar a atividade assistencial, as modalidades de trabalho foram revistas. Criaram-se equipas em espelho sempre que possível e instituiu-se o regime de teletrabalho (Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-C/2020) nas atividades que o permitiam, garantindo-se a qualidade dos cuidados disponibilizados e reduzindo-se o número de vindas dos doentes e profissionais à Instituição, minimizando o risco de contágio para ambos. Mesmo em teletrabalho, toda a atividade assistencial foi registada no respetivo processo clínico para assegurar a continuidade dos cuidados.

Para responder à pandemia, a Instituição passou a deter um regime excecional para a contratação pública no contexto da pandemia, baseado na Lei n.º 1-A/2020 e o Decreto-Lei nº 10-A/0202, o que se traduziu na possibilidade de contratar através de procedimentos de ajuste direto (com fundamento em urgência imperiosa) e com dispensa das regras habitualmente aplicáveis (como o recurso obrigatório a acordos-quadro, a necessidade de determinadas autorizações e descativações, a limitação de adjudicações a um mesmo fornecedor, a exigência de documentos de habilitação e de caução, a sujeição a fiscalização prévia do Tribunal de Contas, a impossibilidade de produção imediata de efeitos e limitações quanto a pagamentos adiantados). O afastamento de todas estas regras tem como pressupostos que os contratos respeitem exclusivamente a prevenção, contenção, mitigação e tratamento de infeção epidemiológica por COVID-19, o que desencadeou novos desafios para a Gestão de Compras e a Gestão Financeira e Contabilidade. Destacam-se os aspetos relacionados com:

  • Aumento de despesa com equipamento, serviços e materiais específicos, os quais já se adquiriam, mas num volume muito inferior;

  • Dificuldade em localizar fornecedores com disponibilidade em stock para fornecimento a curto prazo, o que levou a aquisição a preços mais elevados;

  • Pressão adicional sobre o cumprimento da Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso;

  • Necessidade de implementar mecanismos adicionais de controlo interno para monitorização destas despesas específicas, dada a necessidade de a reportar a várias entidades de tutela.

Gestão de Cuidados

Para assegurar a atividade assistencial, foram revistas as modalidades de trabalho. Das primeiras medidas adotadas, optou-se por restringir o acesso à Instituição e diminuir o número de vindas (teleconsulta e call center com linha de apoio de enfermagem), reorganizar o atendimento não programado (triagem à porta, zona de contenção, orientação diferenciada dos doentes segundo o grau de suspeição) e definição de circuitos individualizados para doentes com atividade programada vs. não programada.

Foi preparada a estrutura para o atendimento de doentes na Instituição que necessitem de orientação ou prestação de cuidados por agudização da sua situação clínica e que simultaneamente apresentem febre ou queixas respiratórias para despiste de infeção por COVID-19.

Neste sentido, foi realizada uma alteração radical no funcionamento na UANP, que deixou de funcionar como unidade de internamento não programado para apoio institucional. Em 48 horas procedeu-se, quer ao encerramento da UANP nos moldes em que funcionava, quer à operacionalização de toda a logística necessária ao funcionamento da zona de contenção. Foi criado um gabinete de triagem e uma zona de contenção individualizados dos restantes edifícios com capacidade para 6 doentes e para onde são encaminhados os doentes suspeitos (Figura 3).

Figura 3 Fluxograma - Doente Não Programado 

Desta reorganização resultou uma melhor preparação dos serviços de internamento para adaptarem espaços próprios, assim como o staff e os recursos necessários para receberem diretamente doentes não programados, a necessitarem de internamento, deixando assim de permanecer na UANP.

Cerca de uma semana depois, foi identificada a necessidade da criação de uma sala de emergência, para se responder imediata e adequadamente às situações emergentes do foro oncológico que recorrem à Instituição (choque séptico, dispneia, hemorragia, etc.).

Para operacionalizar e normalizar procedimentos a nível institucional de pesquisa para SARS-CoV-2 foi elaborado um procedimento de pedido e colheita de amostras. Inicialmente eram enviadas para laboratórios externos. O estudo e a aquisição de equipamentos e de reagentes permitiram que a partir de 7 abril 2020 os testes se realizassem na Instituição, o que melhorou a gestão clínica destes doentes.

Face à redefinição do circuito dos doentes suspeitos, foi necessário criar um espaço alternativo para relocalizar e aumentar o espaço de contenção e identificar uma equipa própria multidisciplinar, para um cenário de aumento de casos suspeitos, o que se fez numa ala de um internamento. Foram criados e testados circuitos, treinada a equipa na operacionalização dos mesmos, na utilização racional de equipamento de proteção individual, nos cuidados aos doentes e material disponível.

Prevenção e controlo de infeção

Os enfermeiros do Grupo de Coordenação Local do Programa de Prevenção e Controlo de Infeção e Resistência aos Antimicrobianos (GCL-PPCIRA) desenvolveram atividades formativas consoante as necessidades dos diversos serviços, adotando estratégias adequadas à sua especificidade. Concomitantemente foi desenvolvida colaboração com o Centro de Formação e criado um conjunto de conteúdos de e-learning ligados à prevenção e controlo de infeção. Foi realizado junto dos profissionais reforço das Precauções Básicas do Controlo de Infeção, Precauções Baseadas nas Vias de Transmissão, Etiqueta Respiratória, Higiene das Mãos e Colocação e Remoção de Equipamentos de Proteção Individual, com formação prática e sua adequação face aos riscos identificados. Foram realizados e publicados na Intranet Institucional, vídeos demonstrativos da colocação e remoção dos EPI no contexto de prestação de cuidados a doentes suspeitos/confirmados com COVID-19.

Um enfermeiro do GCL-PPCIRA integrou o Gabinete de Crise, pois perante a criação de novos circuitos na Instituição houve necessidade de desenvolver novas instruções de trabalho e outros documentos de suporte na área da prevenção e controlo de infeção, e a sua participação como elemento de ligação foi essencial à implementação em força de várias medidas.

Ao nível da gestão hoteleira, o GCL-PPCIRA colaborou na reorganização de todos os espaços exteriores com vista ao acolhimento dos doentes, nas melhores condições possíveis. Cooperou na escolha e aquisição de equipamento de bio descontaminação e formação dos profissionais para a sua utilização, procedeu à biodescontaminação de locais onde permaneceram doentes suspeitos e confirmados com COVID-19. Realizou formações sobre higienização dos espaços após saída de doentes COVID-19, aos elementos da empresa prestadora de serviços de limpeza. Foi reformulada a limpeza das áreas comuns, nomeadamente com o aumento da frequência e utilização de produtos combinados de detergente e desinfetante para limpeza dos pontos de contacto frequente (botões de chamada e de seleção de pisos nos elevadores, corrimões de escadas e corredores, cadeiras das salas de espera, manípulos de portas, etc.).

O GCL-PPCIRA desenvolveu atividades de assessoria com o aprovisionamento em relação à seleção dos equipamentos de proteção individual, material de consumo clínico e laboratorial, dispositivos médicos e outros.

Saúde Ocupacional

Os profissionais de saúde foram alvo de atenção neste contexto, tendo sido alertados para realizar auto monitorização diária, por forma a identificar precocemente sintomas sugestivos de COVID-19 de acordo com a orientação 13/2020 de 21/03/2020 e norma n.º 009/2020 de 02/04/2020 (Direção-Geral da Saúde, 2020c, 2020e).

O Serviço de Saúde Ocupacional (SSO) desempenhou um papel preponderante na manutenção do bem-estar dos profissionais da Instituição. Houve a preocupação de divulgar, desde o início, junto dos profissionais, toda a sintomatologia suspeita e orientações a adotar para prevenir eventuais contágios. Em situações suspeitas, manteve a vigilância e monitorização da sintomatologia dos profissionais desde o início.

Realizou rastreios das situações problemáticas, identificou possíveis cadeias de contágio e vigiou todos os profissionais que tiveram necessidade de ficar em isolamento profilático ou quarentena por infeção por SARS-CoV-2. Para maior controlo da situação, todos os profissionais foram testados para despiste de infeção por SARS-CoV-2 de forma gradual, existindo serviços que passaram a ter um rastreio quinzenal ou mensal devido ao risco de maior contágio. O SSO criou um local em regime de drive trough para a realização de testes de despiste de SARS-CoV-2 aos profissionais do IPO-Lisboa e aos prestadores de serviços externos à Instituição.

Dado o elevado volume de trabalho, o SSO teve necessidade de aumentar a sua capacidade de resposta nos rastreios, com recurso a trabalho voluntário e/ou extraordinário de médicos e enfermeiros, quer do IPO-Lisboa, quer da Faculdade de Medicina de Lisboa.

Aspetos positivos e negativos da pandemia no IPO-Lisboa

Da pandemia de COVID-19, emergiram aspetos que poderemos considerar benéficos com impacto positivo na gestão dos cuidados de saúde e aspetos deletérios que se procurou, mitigar. O Quadro 1 apresenta o que de relevante emergiu no IPO-Lisboa.

Quadro 1 Aspetos positivos e negativos da pandemia do COVID-19 no IPO-Lisboa. 

Conclusão

O IPO-Lisboa modificou as suas práticas, procedimentos, circuitos e alguma infraestrutura para se adaptar às exigências desta pandemia e responder às necessidades dos doentes e profissionais.

Com a chegada do Outono/Inverno, das habituais infeções respiratórias e da gripe sazonal, é previsível que se criem maiores constrangimentos na triagem de doentes suspeitos ou infetados com SARS-CoV-2 e que o processo de reorganização e de adaptação se mantenha. É um processo dinâmico de avaliação diária, onde a revisão dos procedimentos e dos circuitos tem que se ajustar às necessidades da Instituição.

Para garantir a manutenção da capacidade de tratamento, a proteção dos doentes oncológicos e dos profissionais de saúde, torna-se importante a adaptação do plano de contingência institucional de modo a englobar todas as circunstâncias previsíveis, o que pode vir a criar constrangimentos aos quais a Instituição terá de se adaptar continuamente para superar todas as adversidades que surjam.

Perante os desafios impostos pela pandemia por COVID-19, a Instituição procurou manter o foco assistencial que a distingue nos tratamentos dos doentes oncológicos. Apesar do distanciamento imposto pelo vírus, procurou acolher os doentes e os seus familiares na gestão dos cuidados, criando e melhorando as metodologias de trabalho já existentes, não perdendo a sua matriz humanizadora que identifica a Instituição. Apesar das dificuldades sentidas, do medo e do receio sentido por todos, auxiliou os seus profissionais e os seus doentes, promovendo segurança, qualidade e cuidados centrados no doente.

Quanto aos seus profissionais, adotou medidas que visassem a promoção da segurança, disponibilização de o equipamento de proteção individual ajustado às suas funções, e a adoção de medidas gerais de proteção como o distanciamento social, o uso de máscara cirúrgica de forma contínua e o aumento da disponibilização de meios para a higienização das mãos mais frequente. Mesmo nos períodos mais difíceis, face à escassez de recursos, tudo fez para garantir segurança e apoio aos seus, para garantir a prestação e a continuidade dos cuidados.

A vivência diária do Gabinete de Crise e da sua equipa multidisciplinar contribuiu para uma melhor compreensão da Instituição como um todo, fomentando a proximidade entre elementos, o que ajudou a unir as múltiplas equipas da Instituição.

Declaração de conflito de interesses:

O presente artigo foi aprovado pelo Conselho de Administração, tendo sido autorizada a designação da Instituição como Instituto Português de Oncologia de Lisboa (IPO-Lisboa).

Referências bibliográficas

Addeo, A., & Friedlaender, A. (2020). Cancer and COVID-19: Unmasking their ties. Cancer Treatment Reviews, 88, 7. https://doi.org/10.1016/j.ctrv.2020.102041 [ Links ]

Direção-Geral da Saúde. (2020a). Norma n.º 004/2020 de 23/03/2020 atualizada a 25/04/2020 - COVID-19: Fase de Mitigação: Abordagem do Doente com Suspeita ou Infeção por SARS-CoV-2. [ Links ]

Direção-Geral da Saúde. (2020b). Norma n.º 007/2020 de 29/03/2020 - Prevenção e Controlo de Infeção por SARS-CoV-2 (COVID-19): Equipamentos de Proteção Individual. [ Links ]

Direção-Geral da Saúde. (2020c). Norma n.º 009/2020 de 02/04/2020 - COVID-19: Fase de Mitigação: Reconfiguração dos Cuidados de Saúde na Área da Oncologia. [ Links ]

Direção-Geral da Saúde. (2020d). Orientação n.º 002/2020 de 25/01/2020 atualizada a 10/02/2020 - Infeção pelo novo Coronavírus (2019-nCoV). [ Links ]

Direção-Geral da Saúde. (2020e). Orientação n.º 013/2020 de 21/03/2020 - Profissionais de Saúde com Exposição a SARS-CoV-2 (COVID-19). [ Links ]

El Amrani, M., Truant, S., & Turpin, A. (2020). [COVID 19 and cancer: What are the consequences of the cancer care reorganization?]. Bull Cancer, 107(5), 538-540. https://doi.org/10.1016/j.bulcan.2020.04.001 [ Links ]

Ferlay J, Ervik M, Lam F, Colombet M, Mery L, Piñeros M, Znaor A, Soerjomataram I, Bray F (2018). Global Cancer Observatory: Cancer Today. Lyon, France: International Agency for Research on Cancer. Available from: Available from: https://gco.iarc.fr/today , accessed [12 Agosto 2020]. [ Links ]

Kumar, D., & Dey, T. (2020). Treatment delays in oncology patients during COVID-19 pandemic: A perspective. J Glob Health, 10(1), 010367. https://doi.org/10.7189/jogh.10.010367 [ Links ]

Lechien, J. R., Chiesa-Estomba, C. M., Place, S., Van Laethem, Y., Cabaraux, P., Mat, Q., IFOS, C. T. F. Y. (2019) Clinical and epidemiological characteristics of 1420 European patients with mild-to-moderate coronavirus disease 2019. Journal of Internal Medicine. https://doi.org/10.1111/joim.13089 [ Links ]

Miyamae, Y., Hayashi, T., Yonezawa, H., Fujihara, J., Matsumoto, Y., Ito, T., Ishii, K. (2020). Duration of viral shedding in asymptomatic or mild cases of novel coronavirus disease 2019 (COVID-19) from a cruise ship: A single-hospital experience in Tokyo, Japan. International Journal of Infectious Diseases, 97, 293-295. https://doi.org/10.1016/j.ijid.2020.06.020 [ Links ]

Conselho de Ministros (2020) Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-C/2020, 85 C.F.R. [ Links ]

Rogado, J., Pangua, C., Serrano-Montero, G., Obispo, B., Marino, A. M., Perez-Perez, M., Lara, M. A. (2020). Covid-19 and lung cancer: A greater fatality rate? Lung Cancer, 146, 19-22. https://doi.org/10.1016/j.lungcan.2020.05.034 [ Links ]

Shockney, L. D. (2020). Cancer Patients and COVID-19. Journal of Oncology Navigation & Survivorship, 11(4), 101. [ Links ]

Silva Filho, P. S. d. P., Costa, R. E. A. R. d., Santos, M. B. L. d., Lima, S. P. N., Silva, L. d. A. d., Freitas, A. S., Macedo, J. L. (2020). Management of patients with cancer during the COVID-19 pandemic. Research, Society and Development, 9(7), e628974609. https://doi.org/10.33448/rsd-v9i7.4609 [ Links ]

World Health Organization. (2020). Infection prevention and control during health care when coronavirus disease (COVID-19) is suspected or confirmed: Interim guidance. In. [ Links ]

Xia, Y., Jin, R., Zhao, J., Li, W., & Shen, H. (2020). Risk of COVID-19 for patients with cancer. Lancet Oncol, 21(4), e180. https://doi.org/10.1016/S1470-2045(20)30150-9 [ Links ]

Yin, Y. D., & Wunderink, R. G. (2018). MERS, SARS and other coronaviruses as causes of pneumonia. Respirology, 23(2), 130-137. https://doi.org/10.1111/resp.13196 [ Links ]

Recebido: 01 de Setembro de 2020; Aceito: 01 de Outubro de 2020

Autor de correspondência: Mónica Canhoto, monicacnht@gmail.com

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons