INTRODUÇÃO
As Doenças Inflamatórias Intestinais (DII) são doenças inflamatórias crónicas, e as causas para o seu desenvolvimento são desconhecidas. Acredita-se que as DII surjam da interação de diversos fatores, podendo ser citados os ambientais, genéticos, microbianos e imunológicos. As DII são divididas em dois tipos principais de enfermidades, a Doença de Crohn (DC) e a Coliteulcerosa (CU) (1, 2).
A DC é caracterizada por um processo inflamatório subagudo ou crónico, com formação de granulomas. A DC pode evoluir de forma crónica, progressiva e contínua, ou com crises intermitentes, alternadas com fases de remissão com duração variável e pode acometer qualquer parte do trato gastrointestinal. As lesões são transmurais e, frequentemente, não contiguas, intercalando áreas doentes com outras saudáveis (3). Já a CU é caracterizada por um processo inflamatório crónico, limitado à camada mucosa do cólon, podendo iniciar-se a partir do reto distal e atingir todo o cólon. Geralmente, acomete a região de forma contínua, sem áreas livres do processo inflamatório, com clara diferenciação das áreas acometidas em relação às áreas saudáveis adjacentes (4).
O tratamento convencional das DII é feito com o uso de corticoides, derivados salicílicos, imunossupressores e com fármacos imunobiológicos (5). Outra estratégia para o tratamento das DII que vem sendo estudada refere-se ao uso de probióticos, que são microrganismos vivos que promovem o equilíbrio da microbiota intestinal, quando administrado em quantidades adequadas, conferindo benefícios à saúde (6).
O uso de probióticos na DII tem sido discutido como uma estratégia plausível na tentativa de equilibrar a microbiota intestinal, o que pode contribuir para a terapia medicamentosa, pois estudos demonstram haver um efeito sinérgico entre medicamentos anti-inflamatórios utilizados para o tratamento e os probióticos (7-9). Sabe-se que o uso dos probióticos auxilia a manter a remissão da doença, sugerindo-se que a suplementação adequada de probióticos causa uma melhora do sistema imunológico em indivíduos portadores dessas doenças, o que pode promover melhora na qualidade de vida desses pacientes (7, 10). Dessa forma, o objetivo deste estudo foi demonstrar através de uma revisão os efeitos do uso de probióticos em pacientes com doenças inflamatórias intestinais.
METODOLOGIA
A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica, que se baseia em estudos para identificar, selecionar e avaliar criticamente pesquisas consideradas relevantes, contribuindo também como suporte teórico e prático para a análise da pesquisa bibliográfica classificatória (9). Primeiro, identificou-se o tema e a seleção da hipótese ou questão de pesquisa; em seguida, foram estabelecidos os critérios de inclusão e exclusão de estudos/amostragem; a partir disso, foram definidas as informações a serem extraídas dos estudos selecionados/ categorização dos estudos; logo após, os estudos incluídos foram avaliados e os resultados interpretados; e, por fim, organizou-se a apresentação dos dados da revisão/síntese do conhecimento.
Os artigos foram selecionados utilizando as bases de dados U.S. National Library of Medicine (Pubmed), Scientific Electronic Library Online (Scielo) e Biblioteca Virtual em saúde (Bireme), por meio das seguintes palavras-chave: probiótico (probiotic); doença inflamatória intestinal (inflammatory bowel disease) ou doença de Crohn (Crohn’s disease) ou colite ulcerosa (ulcerative colitis). Para orientar este estudo, elaborou-se a seguinte questão: “O uso de probióticos apresenta benefícios em indivíduos com doença inflamatória intestinal?”, de acordo com os seguintes critérios de inclusão: que mencionassem o uso de probiótico em indivíduos com doença inflamatória intestinal, que foram indexados nas bases de dados, que foram publicadas em português, inglês ou espanhol entre 2012 e 2022 e estavam disponíveis na íntegra. Todos os artigos com acesso restrito e revisão da literatura foram excluídos. Também foram excluídos estudos que não descreviam o protocolo utilizado, aqueles que utilizavam probióticos em conjunto com outras substâncias isoladas. Após a utilização das bases de dados para pesquisa, inicialmente, foram encontrados 258 estudos com os termos de busca. Utilizou-se o instrumento de exclusão do estudo, não apresentando aqueles que não atendiam aos critérios estabelecidos. Em seguida, para dar continuidade à seleção, os títulos foram lidos e excluídos 219 artigos, restando 39 estudos.
Posteriormente, procedeu-se à leitura dos respetivos resumos, a fim de verificar a adequação do estudo à principal questão levantada para investigação. Nesta fase, foram excluídos 24 estudos, resultando em 15 estudos. Depois disso, 4 estudos foram excluídos por não disponibilizarem gratuitamente a obra na íntegra. Ao final da pesquisa, foram avaliados 11 estudos. Assim, apenas 11 estudos preencheram os critérios de inclusão pré-estabelecidos. Para a extração dos dados dos artigos incluídos, foram investigadas sua identificação, características do método abordado nos estudos, avaliação do rigor metodológico, intervenções estudadas e resultados encontrados. A apresentação dos dados e a discussão foram feitas de forma descritiva, permitindo a aplicabilidade desta revisão na prática da suplementação probiótica em doenças inflamatórias intestinais. Os artigos incluídos neste estudo são apresentados na Tabela 1.
RESULTADOS
No presente trabalho, foram observados onze estudos que fizeram o uso de probióticos em pacientes com DC ou CU. Em relação à idade dos participantes, dos estudos apresentados, observou-se que o estudo de Fedorak (2015) avaliou pacientes maiores de 16 anos; os estudos 1, 3, 4, 6, 10 e 11 fizeram suplementação probiótica em adultos (12, 14, 15, 17, 21 e 22) e quatro estudos avaliaram adultos e idosos (16, 18-20). Em relação ao tamanho da amostra, seis estudos analisaram uma amostra inferior a 100 participantes (15-17, 20-22), enquanto os outros cinco estudos apresentavam amostra superior a 100 indivíduos (12-14, 18, 19).
Dos estudos analisados, os estudos 1 e 2 avaliaram somente pacientes com DC (12, 13); enquanto os estudos 4, 5, 6, 7 e 11 avaliaram somente pacientes com CU (15-18, 22) e os estudos 3, 8, 9 e 10 analisaram tanto pacientes com DC como pacientes com CU (14, 19-21).
Para uma melhor comparação entre os estudos avaliados, os resultados dos estudos que investigaram os efeitos do uso de probióticos em pacientes com doenças inflamatórias intestinais estão descritos na Tabela 1.
PROBIÓTICOS E A RELAÇÃO COM AS DII
Os probióticos são microrganismos vivos que, suplementados em quantidades adequadas, podem gerar benefícios na saúde do hospedeiro. Deve-se notar que, a fim de proporcionar esses efeitos benéficos, o número de microrganismos adicionados ao alimento deve ser viável, ativo e abundante até o final do prazo de validade. O consumo de probióticos baseia-se, para muitos autores, na profilaxia de doenças, de modo que a terapia medicamentosa não é necessária, podendo também ser utilizada para melhorar o quadro de doenças já instaladas. No entanto, o seu consumo deve estar associado à prática de atividade física e hábitos de vida saudáveis, visando agregar saúde, longevidade e qualidade de vida ao paciente (23).
Pacientes com DII têm demonstrado um interesse particular no uso de medicamentos complementares e/ou alternativos, incluindo o tratamento com probióticos. Isto é devido ao medo de possíveis efeitos colaterais ou a falta de eficácia do tratamento com terapia medicamentosa convencional. A pesquisa tem sido documentada desde 1997 sobre o uso de probióticos no tratamento da DII (24).
ATUALIZAÇÕES DO BENEFÍCIO DO USO DE PROBIÓTICOS
Nos últimos anos, um aumento na existência simultânea de sintomas de distúrbios funcionais do trato gastrointestinal tem sido observado em pacientes com DII mesmo com baixa atividade clínica, medida por indicadores objetivos (por exemplo, a concentração de calprotectina nas fezes). Existem muitos relatos da eficácia dos probióticos no tratamento da dor abdominal funcional, de modo que o uso de probióticos no tratamento de pacientes com distúrbios funcionais sobrepostos e DII pode trazer benefícios significativos (25). De todos os estudos avaliados, quatro não obtiveram resultados positivos com o uso de probióticos, não mostrando melhora significativa nos biomarcadores avaliados. No entanto, seis estudos avaliados nesta revisão mostraram efeitos positivos na suplementação de probiótico, o que significa que a maioria dos estudos encontrou benefícios. Vale ressaltar que um dos estudos aqui apresentados não resultou em melhora dos parâmetros avaliados, mas encontrou maior contagem de Lactobacillus nos pacientes suplementados.
Estudos têm sido observados onde diferentes cepas de probióticos têm sido usados, enquanto outros estudos têm usado uma única cepa para suplementação. Entre os microrganismos probióticos mais utilizados, destacam-se várias estirpes de lactobacilos e bifidobactérias. Sabe- se que os lactobacilos podem auxiliar na digestão da lactose em indivíduos intolerantes a esse dissacarídeo, além de favorecer uma melhor resistência à salmonelose e aliviar a síndrome do intestino irritável. As bifidobactérias são conhecidas por estimular o sistema imunológico, agir na produção de vitamina B e proporcionar um aumento na absorção de minerais e na produção de vitaminas; produzir ácidos láctico e acético, bem como bacteriocinas e outros compostos antimicrobianos e, através destes, inibir a multiplicação de agentes patogénicos; reduzir a concentração de amoníaco e colesterol no sangue e ajudar a restaurar a microbiota normal após o tratamento com antibióticos. Portanto, como já observado na literatura, existem vários benefícios no uso do probiótico para a saúde humana (26).
As espécies de Lactobacillus e Bifidobacterium são mais comumente usadas como probióticos, mas a estirpe Saccharomyces boulardii (S. boulardii) e algumas E. coli e espécies de bacilos também são usadas (25). Num dos estudos da presente revisão foi observado o uso da mistura comercial contendo probióticos chamada de VSL#3®. O estudo indicou que os níveis de citocinas inflamatórias na mucosa foram mais baixos nos pacientes suplementados e uma menor taxa de recidiva foi observada, entretanto, os autores concluíram que a utilização do VSL#3® deve ser mais investigada para a prevenção da recidiva em DII, especialmente na DC. A mistura comercial VSL#3® destaca-se nos estudos, contendo uma alta concentração (450 mil milhões de células viáveis) de 8 estirpes de bactérias vivas (4 Lactobacillus, 3 Bifidobactérias, e 1 Streptococcus) pertencentes à microbiota do trato gastrointestinal humano normal (28, 29).
A respeito do kefir, utilizado num dos estudos avaliados, é uma bebida probiótica fermentada, derivada do leite, e seu uso em estudos experimentais têm demonstrado que os Lactobacillus isolados do kefir suprimem a produção de citocinas pró-inflamatórias e aumentam a produção de citocinas anti-inflamatórias (30). Na presente revisão, um dos estudos observou que o consumo de kefir pode modular a microbiota intestinal e a qualidade de vida do paciente em curto prazo. Diante de todo o conteúdo explanado, é importante salientar que para ser possível obter resultados positivos com a suplementação de probiótico em pacientes com DII, deve-se contar com a prescrição do suplemento feita por um profissional da saúde capacitado para tal, a exemplo do nutricionista (31).
Com base nos estudos avaliados na presente revisão, foi encontrado que a suplementação com probióticos em pacientes com doença inflamatória intestinal pode reduzir os níveis de citocinas inflamatórias, melhorar a composição da microbiota intestinal, além de poder proporcionar menores taxas de recaída da doença.
Tabela 1: Tabela 1: Características dos estudos incluídos na revisão sobre os efeitos do uso de probióticos em pacientes com doenças inflamatórias intestinais Características dos estudos incluídos na revisão sobre os efeitos do uso de probióticos em pacientes com doenças inflamatórias intestinais (continuação)


ANÁLISE CRÍTICA
Existem evidências relativas à aplicação de probióticos no tratamento das doenças inflamatórias intestinais. Observou-se que, de forma geral, os estudos apresentam amostras pequenas e baixo tempo de intervenção, sendo necessário maior período para se observar o efeito do uso a longo prazo. Salienta-se a necessidade de estudos adicionais com maior tempo de intervenção, considerando o desconhecimento da adequabilidade da dose, tipo da mistura e/ou estirpe probiótica elegida. Espera-se que novos estudos sejam realizados, levando em consideração também outros possíveis vieses na pesquisa, sendo um deles o uso de antibióticos. Sabe-se que os antibióticos podem dificultar a colonização dos probióticos, pois não possuem seleção de ação entre bactérias benéficas e deletérias, esgotando a microflora existente. Além disso, estudos com uma amostra maior podem proporcionar maior confiabilidade das análises estatísticas, devendo ser probabilisticamente representativos da população estudada. Ressalta-se que entre os possíveis mecanismos de ação dos probióticos para a saúde estão: redução da produção de citocinas pró-inflamatórias e aumento da produção de citocinas anti-inflamatórias; atuam na produção de vitamina B, aumentam a absorção de minerais e a produção de vitaminas; produzem ácidos láctico e acético, bem como bacteriocinas e outros compostos antimicrobianos.
CONCLUSÕES
A suplementação de probióticos mostrou-se promissora quanto aos seus benefícios em pacientes com doenças inflamatórias intestinais, sendo observada uma redução no tempo de atividade da doença e da inflamação intestinal, além da redução de citocinas pró-inflamatórias. Necessita-se dizer que os probióticos devem ser individualmente adaptados, atendendo às diferentes fases da doença antes da sua recomendação na prática clínica.
Cabe salientar que a utilização isolada de probióticos não será útil no contexto de hábitos de saúde inadequados, incluindo uma alimentação não saudável, tornando evidente a complementaridade entre estilo de vida e a suplementação de probióticos na abordagem terapêutica das doenças inflamatórias intestinais.