SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número26INFLUÊNCIA DO METILMERCÚRIO NO CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO FETALHIGHLIGHTS DA SUPLEMENTAÇÃO DE VITAMINA D NOS DOENTES COM COVID-19 - REVISÃO DA EVIDÊNCIA CIENTÍFICA índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Acta Portuguesa de Nutrição

versão On-line ISSN 2183-5985

Acta Port Nutr  no.26 Porto set. 2021  Epub 28-Dez-2021

https://doi.org/10.21011/apn.2021.2611 

Artigo de revisão

NUTRIÇÃO E IMUNIDADE DO ATLETA

ATHELETE NUTRITION AND IMMUNITY

Sara Casado1  * 

Ana Faria1  -  3 

Helena Loureiro1  -  3 

1Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra do Instituto Politécnico de Coimbra, Rua 5 de Outubro - SM Bispo, Apartado 7006, 3046-854 Coimbra, Portugal

2Laboratório de Investigação Aplicada em Saúde (LabinSaúde), Rua 5 de Outubro - SM Bispo, Apartado 7006, 3046-854 Coimbra, Portugal

3Instituto de Investigação Clínica e Biomédica de Coimbra (iCBR), Center for Innovative Biomedicine and Biotechnology (CIBB), Universidade de Coimbra, Health Sciences Campus, Azinhaga Santa Comba, Celas, 3000-548 Coimbra, Portugal


RESUMO

A nutrição tem a aptidão de contribuir para o bom desempenho dos atletas, e é neste aspeto que os suplementos nutricionais requerem uma consideração especial como estratégia nutricional. O exercício representa um importante desafio para a homeostase corporal global, com respostas imediatas e adaptativas a nível celular e sistémico. Desta forma, os nutrientes desempenham um papel importante na regulação de processos que vão desde a produção de energia até à criação de novas células e proteínas. A disponibilidade de nutrientes contribui para diferenças marcadas em funções como apoio ao sistema imunitário e a redução do stress oxidativo e inflamação, e em alguns casos pode melhorar o desempenho desportivo.

O objetivo deste artigo é realizar uma revisão sistemática sobre o impacto da nutrição na imunidade do atleta.

Evidências sugerem que a dieta do atleta é um modulador da sua imunidade, porém, os mecanismos de ação ainda não estão bem definidos na literatura.

PALAVRAS-CHAVE: Exercício; Imunidade; Imunonutrição; Nutrição; Sistema imunitário

ABSTRACT

Nutrition has the ability to contribute for good performance in athletes, and it is in this aspect that nutritional supplements require special consideration as a nutritional strategy. Exercise represents a major challenge to global body homeostasis, with immediate and adaptive responses at the cellular and systemic level. Thus, nutrients play an important role in regulating processes ranging from energy production to the creation of new cells and proteins. Nutrient availability contributes to marked differences in functions such as immune system support and the reduction of oxidative stress and inflammation, and in some cases can enhance sports performance.

The objective of this article is to perform a systematic review on the impact of nutrition on athlete's immunity.

Evidence suggests that the athlete's diet is a modulator of his immunity, however the mechanisms of action are not well defined in the literature.

KEYWORDS: Exercise; Immunity; Immunonutrition; Nutrition; Immune system

INTRODUÇÃO

De há algumas décadas para cá, a pesquisa comprovou claramente os efeitos benéficos da nutrição na performance desportiva. Os hábitos alimentares do atleta afetam a sua saúde, o seu peso e composição corporal, a disponibilidade de substratos durante o exercício, o tempo de recuperação após exercício e a prestação desportiva (1-3).

Os atletas devem apresentar uma dieta saudável, adequada ao desporto que praticam e fazer uma correta hidratação em termos de quantidade e qualidade, antes, durante e após a competição ou treino. Quantidades adequadas de hidratos de carbono, proteínas, lípidos, vitaminas, sais minerais e água são essenciais. No caso concreto dos atletas de elite, o exercício físico pode afetar de forma positiva ou negativa o seu sistema imunitário. O sistema imunitário defende, reconhece, ataca e destrói elementos que são estranhos ao organismo. Pode ser dividido em dois, que funcionam em sinergia: o inato (natural e não específico) e o adquirido (adaptativo e específico) (1).

A tentativa de entrada de um agente infecioso ativa de imediato o sistema imunitário inato. A defesa de primeira linha engloba três grandes mecanismos, cujo objetivo principal é impedir a entrada dos elementos estranhos: (a) barreiras físicas e estruturais (como a pele); (b) barreiras químicas (ex.: Ph de fluidos corporais); (c) células fagocitárias (ex.: neutrófilos). Uma infeção, com falha do sistema imunitário inato, desencadeia a ativação do sistema imunitário adquirido. A prática de exercício tem variados efeitos benéficos no corpo humano, inclusive no seu sistema imunitário. A evidência científica mostra que o exercício físico de resistência estimula a imunidade inata e o exercício físico moderado estimula a imunidade adaptativa (1, 2).

Apesar da imunologia do exercício ser considerada uma área de estudo recente, as publicações mais antigas datam da década de 1900, onde surgem evidências de alterações nas contagens de glóbulos brancos dos maratonistas de Boston, comparáveis às contagens em indivíduos com determinadas patologias (2).

Os estudos mostram que um exercício moderado é considerado como benéfico para melhorar a resposta imunitária e prevenir infeções do trato respiratório superior (ITRS). Por outro lado, um treino intenso ou de longa duração ou ainda momentos de competição podem comprometer a função celular imune e colocar o atleta em maior risco de ITRS (3, 4). Outra perspetiva sobre a imunidade é de que a dieta do atleta influencia a microbiota intestinal, parte integrante do sistema imunitário do atleta. Por todo o globo há atletas que utilizam suplementação nutricional para melhorar a sua performance, o que por sua vez também modula a microbiota (2, 3).

Dado o crescente interesse no desporto associado à nutrição, o objetivo deste trabalho de revisão é resumir de forma detalhada os mais recentes conhecimentos nesta área, utilizando as mais recentes publicações sobre o tema. O principal objetivo é executar uma compilação dos resultados com maior evidência.

METODOLOGIA

Foi efetuada uma pesquisa online de artigos científicos nas bases de dados Cochrane, PubMed e Scielo com as palavras-chave de pesquisa: Athlete AND Nutrition AND Immunity OR Microbiota sem restrição de idioma dos artigos, mas com restrição temporal até 2016.

Da análise e revisão do resultado das pesquisas, foi considerada uma amostra de 20 artigos para a execução deste trabalho.

Os desenhos dos estudos selecionados compreenderam os: descritivo, transversal, de coorte, prospetivo e longitudinal. Foram excluídos estudos publicados no formato de artigo de opinião e de estudos qualitativos. Devido à heterogeneidade dos artigos encontrados não foi constituída uma tabela com os artigos considerados, mas uma exposição dos resultados encontrados com maior nível de evidência.

Efeitos do Exercício Físico Intenso no Sistema Imunitário

A resposta rápida do sistema imunitário ao exercício depende da intensidade e duração do esforço. De uma forma genérica a prática de desporto é vista como um importante estímulo para fortalecer a imunidade. Contudo, a prática regular de exercício físico intenso pode induzir efeitos adversos que potenciam o risco de ITRS (3).

Relativamente à intensidade do exercício e a sua relação com o risco de ITRS levanta-se a hipótese de que esta relação é caracterizada por uma curva em J. Isto significa que uma baixa atividade física ou sedentarismo bem como o exercício físico intenso estão associados a um maior risco de doença, comparativamente a um exercício regular e moderado. O treino intenso diminui a funcionalidade do sistema imunitário deixando o organismo mais vulnerável a infeções (2, 3, 5).

O risco de doença pode ser mais elevado quando o atleta compete, passa por ciclos repetidos de esforço invulgarmente intenso e por outros fatores de stress para o sistema imunitário (5). Da variedade de dados epidemiológicos sobre doenças agudas recolhidos durante competições internacionais revelaram que 2% a 18% dos atletas de elite passam por episódios de doença, em proporções mais elevadas no sexo feminino, principalmente as que praticam desportos de endurance (7). Outros fatores de risco de doença incluem níveis elevados de depressão ou ansiedade, treinos invulgarmente intensos com grandes períodos de flutuação, viagens internacionais através de vários fusos horários, participação em provas especialmente durante o Inverno, falta de sono, e uma dieta hipocalórica (4, 7, 8).

Uma revisão Cochrane de 2020 afirmou ser impossível determinar a efetividade do exercício para alterar a ocorrência, severidade e duração das ITRS, devido às limitações metodológicas da maioria dos estudos (9 - 11).

Concretamente o exercício físico intenso, praticado por atletas de alta competição, atua no sistema imunitário estimulando as trocas de leucócitos entre a circulação sanguínea e os tecidos, e enriquece o sangue de células T e natural killer (NK) (8). Contudo estes resultados têm sido controversos e visíveis apenas em alguns estudos e noutros os autores consideram que as células NK que circulam no sangue após a prática de treino intenso pertencem a um subgrupo que terá menos citotoxicidade (5, 11-13).

O exercício agudo estimula o intercâmbio de células do sistema imunitário inato entre os tecidos linfoides e o compartimento do sangue que ao longo do tempo resulta numa melhoria na imunovigilância contra agentes patogénicos e células cancerígenas e diminuição sistémica inflamação (6, 13).

Percebe-se que o mecanismo de ação e as alterações provocadas ao sistema imunitário inato ainda não estão bem estabelecidas. Mas, a evidência mostra que o exercício físico intenso altera a quantidade de células do sistema imunitário existentes na circulação sanguínea. Induz um rápido aumento de neutrófilos, seguido de um segundo aumento umas horas mais tarde, que se pensa estar associado à inflamação músculo-esquelética do pós-exercício (10, 11).

Uma revisão de 2020 de Mohr et al., evidenciou uma correlação positiva entre a microbiota intestinal e o exercício físico. No geral, o treino parece enriquecer a variedade da microbiota, estimular a proliferação de bactérias capazes de modular a mucosa do sistema imunitário, melhorar a função de barreira, criar mecanismos de produção de substancias que podem melhorar a performance e a saúde do atleta (11).

Após a análise de vários artigos torna-se evidente que são necessários mais estudos na área da imunologia do exercício, estudos controlados, randomizados com diferentes tipos de treino e com múltiplos objetivos de modo a desenvolver recomendações com estratégias de treino para o aperfeiçoamento do sistema imunitário.

A Influência da Nutrição na Imunidade do Atleta

A capacidade do sistema imunitário de limpar vírus, bactérias e outros agentes patogénicos, denominada “resistência”, depende então de um fornecimento adequado de energia de importantes fontes como a glicose, aminoácidos e ácidos gordos. Além destes requisitos de energia, a proliferação celular requer nucleótidos para síntese de ADN e ARN e aminoácidos para síntese proteica. Um suprimento adequado de aminoácidos é também necessário para a produção de proteínas como imunoglobulinas, citoquinas e proteínas de fase aguda (1, 2, 12, 15).

Aporte Energético

De um modo geral, o balanço energético é um fator negligenciado em relação à microbiota intestinal do atleta. A energia não é relevante apenas para melhorar o desempenho, mas também para o estado de saúde das pessoas afetadas pela síndrome Relative Energy Deficiency in Sport (RED-S) (6). Os diferentes padrões dietéticos, que afetam o consumo de macronutrientes, podem alterar a composição do que entra no intestino grosso onde existe a maior densidade de micróbios intestinais. Isto tem um impacto tremendo na capacidade do corpo humano de extrair e utilizar a energia da dieta (14, 16).

Uma restrição energética severa pode influenciar a imunidade através da ativação do eixo hipotalâmico-hipofisário-supra-renal que resulta num aumento das hormonas do stress como por exemplo o cortisol, amplamente reconhecido por ter efeitos anti-inflamatórios (4, 16, 17). Por um lado, a desnutrição tem uma influência negativa bem descrita em imunidade e resistência à infeção; mas por outro lado, existe um aumento largamente relatado sobre a necessidade de aporte energético adicional durante uma infeção que paradoxalmente coincide com a redução apetite (anorexia) e má absorção de nutrientes (6).

Todavia, é difícil (se não impossível) investigar apenas o impacto do consumo total de energia sobre a composição do microbiota intestinal sem considerar a variabilidade dietética tal como as principais classes de macronutrientes.

Proteína

A fonte de proteína, incluindo a sua qualidade e digestibilidade, pode influenciar o local de fermentação dentro do intestino. Proteínas altamente digeríveis, como o soro de leite, podem ser digeridas por enzimas no intestino proximal, reduzindo a fermentação microbiana. Do mesmo modo, as proteínas de origem vegetal são fermentadas pela microbiota intestinal num sítio mais distal dada a sua digestão incompleta por parte das enzimas. A evidência mostra que as proteínas de origem vegetal têm um efeito mais destacado na diversidade microbiota do que proteínas animais (6, 12, 17).

Hidratos de Carbono

Como uma classe de macronutrientes, os hidratos de carbono (incluindo as fibras) têm um efeito marcado sobre a microbiota intestinal (6). Em comparação com o número de bactérias, os seres humanos têm muito menos enzimas para decompor os hidratos de carbono e o que pode ser digerido por estas enzimas é absorvido no intestino delgado. A fibra dietética passa do intestino delgado, não digerida, para o colon e a microbiota intestinal depende destas fibras para obter a energia necessária para que milhares de enzimas consigam executar a decomposição (16, 17). Portanto, os hidratos de carbono sob a forma de fibra dietética representam um enorme potencial para a modulação da microbiota do intestino baseado na química e acessibilidade de fibras dietéticas específicas para grupos microbianos (14).

As estratégias nutricionais, como evitar gordura e fibras, têm sido recomendadas para reduzir o risco de stress gastrointestinal antes e durante o treino e a competição. Estas recomendações visam o rápido esvaziamento gástrico, a absorção de água e nutrientes e a adequada perfusão da vasculatura esplénica (11). No entanto a falta de hidratos de carbono complexos na dieta dos atletas de elite pode afetar negativamente ao longo do tempo a composição da microbiota intestinal e a sua função (6). Muitos atletas podem não consumir fibra suficiente para alimentar as bactérias comensais que produzem subprodutos benéficos para a homeostase e o metabolismo do hospedeiro. Além disso, a adição de fibra a dietas hiperproteicas pode ajudar a reduzir os potenciais efeitos negativos do elevado consumo proteico e pode ainda aumentar a oxidação de gordura, o que enfatiza a importância de consumir fibra dietética adequada para o intestino e para a saúde em geral (17, 18).

As estratégias nutricionais mais eficazes para os atletas, especialmente quando avaliados de uma perspetiva económica, incluem aumento da ingestão de hidratos de carbono e polifenóis. Um consumo consistente de hidratos de carbono durante o exercício intenso e prolongado, quer seja a partir de bebidas com 6% a 8% de açúcar ou de frutas como as bananas, está associado à redução das hormonas do stress, diminuição dos níveis sanguíneos de neutrófilos e monócitos, e inflamação diminuída (11). Os compostos fenólicos circulam por todo o organismo após o aumento da ingestão de polifenóis, exercendo uma variedade de efeitos bioativos que são importantes para os atletas, como por exemplo seus efeitos anti-inflamatórios, antivirais, antioxidantes, e efeitos de sinalização das células imunitárias (6, 14).

Probióticos

A suplementação probiótica é recomendada para os atletas para manter ou melhorar a saúde e para superar doenças. A propriedade promotora da saúde do probiótico é específica para a espécie, estirpe e hospedeiro (11).

Estudos recentes sugerem eficácia na suplementação com probióticos sobre o desempenho e adaptação ao exercício, sistema gastrointestinal e saúde imunitária associada ao exercício, e na utilização dos nutrientes (15). Uma das vias pela qual a nutrição pode afetar a imunidade e a infeção indiretamente é através da ingestão de prebióticos e probióticos modificando a microbiota intestinal (16).

Os probióticos podem regular a resposta imunitária da mucosa, melhorar a atividade dos macrófagos e modulam a expressão dos genes associados à atividade dos macrófagos. Os probióticos também podem interagir com recetores Toll-like (das primeiras proteínas do sistema imunitário a identificar patogénos) e desregular a expressão do fator nuclear κB e das citoquinas pró-inflamatórias (17). Além disso, os estudos sugerem que os níveis de citoquinas anti-inflamatórias e imunoglobulinas, a proliferação de células imunes, e a produção de citoquinas pró-inflamatórias por células T podem ser moduladas de acordo com o suplemento probiótico (8, 17).

Alguns estudos mostraram que a suplementação com probióticos atenua alguns sintomas gastrointestinais (por exemplo, náuseas, vómitos, inchaço e diarreia) frequentes durante a competição. Porém, o mecanismo exato pelo qual os sintomas gastrointestinais são atenuados não foi objetivamente identificado, destacando-se ainda a origem multifacetada dos sintomas (6, 17).

Têm sido utilizadas algumas estirpes de probióticos para avaliar a sua eficácia numa série sintomas de desconforto gastrointestinal ou de doença aguda, alterações microbiológicas, e marcadores indiretos da função de barreira. Os resultados positivos relatados incluíram diminuições nas concentrações de zonulina (biomarcador da permeabilidade do trato intestinal) e endotoxinas, hiperpermeabilidade intestinal e duração dos sintomas gastrointestinais. Tais benefícios podem ser mediados por produtos metabólicos da microbiota como resultado da suplementação com certas estirpes probióticas, embora seja necessária mais investigação (21, 22).

Algumas das estirpes ou combinações estudadas exibiram atividade protetora contra os sintomas gastrointestinais e ITRS. A maioria dos estudos foram realizados com espécies de Lactobacillus como L. rhamnosus, L. acidophilus, L. casei, L. helveticus, L. fermentum, L. plantarum, e L. salivarius, mas os resultados não foram constantes, e estavam dependentes da espécie, estirpe, dosagem, duração e modo das intervenções (19).

Há um grande número de estirpes diferentes utilizadas, com mecanismos de ação pouco evidentes relativamente à imunidade. Além disso, a resposta imunitária é complexa e não é facilmente medida, exemplificado pela grande variedade de células imunes mensuráveis (16, 21) .

Embora na atual literatura evidencie uma capacidade dos probióticos em reduzir a incidência de ITRS, os sintomas relacionados e aliviar sintomas gastrointestinais, mais estudos são necessários para clarificar estes mecanismos de ação.

Micronutrientes

Os micronutrientes (ex.: ferro, zinco e magnésio) desempenham papéis importantes no nucleótido e na síntese de ácidos nucleicos e na defesa antioxidante que limita os danos teciduais (ex.: vitaminas C e E) (24, 25). Destes, destaca-se o zinco que pode inibir diretamente a atividade viral na região da orofaringe com supostos benefícios terapêuticos para ITRS (6). Calder destaca o elo bidirecional entre nutrição, imunidade e infeção. Este é um mineral essencial que se afirma reduzir a incidência e duração das constipações. O zinco é necessário para a síntese de ADN e é um cofator enzimático para células imunitárias (6). A deficiência de zinco resulta numa imunidade diminuída e não é invulgar nos atletas. Não há evidências científicas suficientes que suportem que previne ITRS, mas há algumas evidências de que pode ser usado no tratamento das mesmas.

Uma revisão Cochrane mostrou o benefício de comprimidos de acetato de zinco (75 mg) para diminuir a duração das ITRS; contudo, o zinco deve ser tomado nas primeiras 24 horas após o início da infeção e apenas durante o período de frio (11, 25). Doses elevadas de zinco podem diminuir a função imunitária e devem ser evitadas e os efeitos secundários mais frequentes incluem mau gosto e náuseas.

Alguns micronutrientes podem ainda influenciar diretamente as funções das células imunes regulando a expressão genética, como é o caso da vitamina D (16). Esta é uma vitamina essencial lipossolúvel conhecida por influenciar vários aspetos da imunidade, nomeadamente a imunidade inata (por exemplo, expressão de proteínas antimicrobianas). A exposição da pele à luz solar é responsável por 90% da fonte de vitamina D. A literatura evidencia níveis de deficiência em alguns atletas e militares, particularmente no Inverno (diminuição da exposição da pele à luz solar). A sua deficiência tem sido associada ao aumento de sintomas do trato respiratório superior (6, 26, 27).

As recomendações mais consensuais são de 1000 UI/dia de vitamina D3 desde a primavera até ao outono para manter a suficiência (6, 16). A disponibilidade de antioxidantes, como por exemplo a vitamina C, pode ser particularmente importante durante um treino intenso ou uma infeção, uma vez que aumenta o stress oxidativo (22). Esta é uma vitamina antioxidante essencial solúvel em água que extingue as espécies reativas ao oxigénio e aumenta a imunidade. Reduz a interleucina-6 e a resposta do cortisol ao exercício em humanos. Na literatura existe um apoio moderado para prevenir ITRS (23).

As revisões Cochrane não mostram qualquer benefício de iniciar a suplementação com vitamina C (>200 mg/dia) após o início de uma IRTS (22).

O colostro bovino, é o primeiro leite da vaca, que contém anticorpos, fatores de crescimento e citoquinas, pensa-se que melhora a imunidade da mucosa e aumenta a resistência à infeção (24). Os escassos estudos existentes mostram um apoio pouco moderado que uma suplementação de algumas semanas com colostro bovino provoca uma diminuição das proteínas antimicrobianas da saliva após exercício intenso. Foram verificados alguns resultados, em pequeno número de participantes em estudo, de que o colostro bovino diminui a incidência de ITRS bem como a duração dos seus sintomas (6, 20).

Outros suplementos estudados no contexto da nutrição e imunidade do atleta, como o ferro, magnésio, glutamina, cafeína, equinácea são descritos como tendo uma eficácia muito limitada na saúde imunitária do atleta de elite. O mais recomendado passa por verificar se a dieta do atleta contém aporte suficiente destes elementos. No entanto, não há provas que mostrem que a suplementação em atletas com níveis adequados pode impulsionar o sistema imunitário ou impedir a imunodepressão induzida pelo exercício (16, 17, 20, 23).

Relativamente à relação dos lípidos, (ácidos gordos: ómega-3, PUFAs, EPA e DHA) com o sistema imunitário do atleta, não referida, deve-se ao facto de não existirem estudos que nitidamente demonstrem um efeito na inflamação ou na função imunitária do mesmo (23, 24).

ANÁLISE CRÍTICA E CONCLUSÕES

São vários os fatores que podem influenciar o sistema imunitário. A dieta do atleta é um reconhecido modulador da composição e atividade da microbiota intestinal e, claro, da sua saúde imunitária.

A fim de minimizar episódios de doença e de otimizar a recuperação do atleta, as intervenções nutricionais são frequentemente consideradas como possíveis contramedidas para evitar a imunodepressão relacionada ao exercício. No entanto, entre os numerosos nutrientes disponíveis, apenas alguns deles mostraram até ao momento algum efeito positivo na manutenção da saúde imunitária do atleta.

Atualmente, não existe um único marcador capaz de prever o efeito de uma intervenção dietética e/ou de exercício sobre diferentes aspetos da função imunitária, pois os mecanismos de ação não estão clarificados. Uma forma importante de melhorar a nossa compreensão destes efeitos é ao investigar as respostas celulares e moleculares ao exercício.

É de extrema importância que aquando da conceção de estudos no domínio da imunonutrição e exercício, sejam selecionados os biomarcadores adequados que melhor se enquadrem no objetivo da investigação e no seu desenho experimental.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Gleeson M, Nieman DC, Pedersen BK. Exercise, nutrition and immune function. J Sports Sci. 2004;22(1):115-25. [ Links ]

2 Nieman DC, Wentz LM. The compelling link between physical activity and the body’s defense system. J Sport Heal Sci. 2019;8(3):201-17. [ Links ]

3 Alack K, Pilat C, Krüger K. Current knowledge and new challenges in exercise immunology. Dtsch Z Sportmed. 2019;70(10):250-60. [ Links ]

4 Bermon S, Castell LM, Calder PC, Bishop NC, Blomstrand E, Mooren FC, et al. Immunonutrition and Exercise. 2017;8-50. [ Links ]

5 Gleeson M. Immune system adaptation in elite athletes. Current Opinion in Clinical Nutrition and Metabolic Care. 2006. [ Links ]

6 Maughan RJ, Burke LM, Dvorak J, Larson-Meyer DE, Peeling P, Phillips SM, et al. IOC consensus statement: Dietary supplements and the high-performance athlete. Br J Sports Med. 2018;52(7):439-55. [ Links ]

7 Martineau AR, Jolliffe DA, Hooper RL, Greenberg L, Aloia JF, Bergman P, et al. Vitamin D supplementation to prevent acute respiratory tract infections: Systematic review and meta-analysis of individual participant data. BMJ. 2017;356. [ Links ]

8 Moro T, Tinsley G, Longo G, Grigoletto D, Bianco A, Ferraris C, et al. Time-restricted eating effects on performance, immune function, and body composition in elite cyclists: a randomized controlled trial. J Int Soc Sports Nutr. 2020;17(1):1-11. [ Links ]

9 Estruel-Amades S, Camps-Bossacoma M, Massot-Cladera M, Pérez-Cano FJ, Castell M. Alterations in the innate immune system due to exhausting exercise in intensively trained rats. Sci Rep. 2020;10(1):1-13. [ Links ]

Grande AJ, Keogh J, Hoffmann TC, Beller EM, Del Mar CB. Exercise versus no exercise for the occurrence, severity and duration of acute respiratory infections. Vol. 2015, Cochrane Database of Systematic Reviews. John Wiley and Sons Ltd; 2015. [ Links ]

11 Mohr AE, Jäger R, Carpenter KC, Kerksick CM, Purpura M, Townsend JR, et al. The athletic gut microbiota. J Int Soc Sport Nutr. 2020;1-33. [ Links ]

12 Kerksick CM, Wilborn CD, Roberts MD, Smith-Ryan A, Kleiner SM, Jäger R, et al. ISSN exercise & sports nutrition review update: Research & recommendions. J Int Soc Sports Nutr. 2018;15(1):1-57. [ Links ]

13 Walsh NP. Nutrition and Athlete Immune Health: New Perspectives on an Old Paradigm. Sport Med 2019;49(s2):153-68. [ Links ]

14 Castell LM, Nieman DC, Bermon S, Peeling P, Estruel-Amades S, Camps-Bossa- coma M, et al. International society of sports nutrition position stand: Nutrient timing. J Int Soc Sports Nutr. 2019;15(1):1-20. [ Links ]

15 Sivamaruthi BS, Kesika P, Chaiyasut C. Effect of probiotics supplementations on health status of athletes. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(22). [ Links ]

16 Gleeson M. Immunological aspects of sport nutrition. Immunol Cell Biol. 2016;94(2):117-23. [ Links ]

17 Gleeson M, Pyne DB. Respiratory inflammation and infections in high‐performance athletes. Immunol Cell Biol Internet2016 Feb 15 ;94(2):124-31. [ Links ]

18 äger R, Mohr AE, Carpenter KC, Kerksick CM, Purpura M, Moussa A, et al. International Society of Sports Nutrition Position Stand: Probiotics. J Int Soc Sports Nutr . 2019;16(1):1-44. [ Links ]

19 Smarkusz J, Ostrowska L, Witczak-Sawczuk K. Probiotic strains as the element of nutritional profile in physical activity - new trend or better sports results? Rocz Panstw Zakl Hig. 2017;68(3):229-35. [ Links ]

20 Kerksick CM, Arent S, Schoenfeld BJ, Stout JR, Campbell B, Wilborn CD, et al. International society of sports nutrition position stand: Nutrient timing. J Int Soc Sports Nutr . 2017;14(1):1-21. [ Links ]

21 Grande AJ, Keogh J, Silva V, Scott AM. Exercise versus no exercise for the oc- currence, severity, and duration of acute respiratory infections InternetVol. 2020, Cochrane Database of Systematic Reviews. John Wiley and Sons Ltd; 2020. [ Links ]

22 Hemilä H, Chalker E. Vitamin C for preventing and treating the common cold InternetVol. 2013, Cochrane Database of Systematic Reviews. John Wiley and Sons Ltd; 2013. [ Links ]

23 Davison G, Gleeson M. Influence of acute vitamin C and/or carbohydrate ingestion on hormonal, cytokine, and immune responses to prolonged exercise. Int J Sport Nutr Exerc Metab. 2005;15(5):465-79. [ Links ]

24 Davison G, Diment BC. Bovine colostrum supplementation attenuates the decrease of salivary lysozyme and enhances the recovery of neutrophil function after prolonged exercise. Br J Nutr Internet2010 May; 103(10):1425-32. [ Links ]

25 Jang LG, Choi G, Kim SW, Kim BY, Lee S, Park H. The combination of sport and sport-specific diet is associated with characteristics of gut microbiota: An observational study. J Int Soc Sports Nutr Internet 2019 May 3;16(1):21. [ Links ]

26 Allaire J, Couture P, Leclerc M, Charest A, Marin J, Lépine M-C, et al. A randomized, crossover, head-to-head comparison of eicosapentaenoic acid and docosahexaenoic acid supplementation to reduce inflammation markers in men and women: the Comparing EPA to DHA (ComparED) Study. Am J Clin Nutr Internet2016 Aug 1;104(2):280-7 [ Links ]

Recebido: 28 de Fevereiro de 2021; Aceito: 30 de Agosto de 2021

*Endereço para correspondência: Sara Casado Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra do Instituto Politécnico de Coimbra, Rua 5 de Outubro - SM Bispo, Apartado 7006, 3046-854 Coimbra, Portugal sara.cris.a.c@gmail.com

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons