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Acta Portuguesa de Nutrição

versão On-line ISSN 2183-5985

Acta Port Nutr  no.17 Porto jun. 2019

https://doi.org/10.21011/apn.2019.1703 

ARTIGO DE REVISÃO

Preditores comportamentais e psicossociais da perda e manutenção do peso perdido a longo prazo: uma revisão conceptual de revisões

Behavioral and psychological predictors of weight loss and long-term weight loss maintenance: a conceptual review of reviews

Rui Jorge1-3; Inês Santos1; Eliana Veiga Carraça1; Vitor Hugo Teixeira3,4; Pedro Jorge Teixeira1

1Self-regulation in Physical Activity, Nutrition and Obesity Research Group, Centro Interdisciplinar de Estudo da Performance Humana da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, Estrada da Costa, 1495-687 Cruz Quebrada, Portugal

2Centro de Investigação Interdisciplinar Egas Moniz do Instituto Universitário Egas Moniz, Campus Universitário Quinta da Granja, 2829-511 Monte de Caparica, Portugal

3Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, Rua Dr. Roberto Frias, 4200-465 Porto, Portugal

4Centro de Investigação em Atividade Física, Saúde e Lazer da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, Rua Dr. Plácido Costa, n.º 91, 4200-450 Porto, Portugal

Endereço para correspondência

 

RESUMO

Perder e, sobretudo, manter o peso perdido a longo prazo continua a ser um desafio para a maioria dos indivíduos, apesar da investigação emergente nesta área. A identificação de fatores chave na gestão do peso é assim essencial para melhorar a eficácia das intervenções comportamentais de tratamento do excesso de peso e obesidade. Esta revisão conceptual de revisões pretende sumariar o estado da arte no que respeita aos preditores comportamentais e psicossociais da perda e manutenção do peso perdido a longo-prazo, em indivíduos com excesso de peso e obesidade envolvidos em intervenções no estilo de vida.

Os principais preditores que explicam o sucesso na perda e manutenção do peso perdido a longo prazo são os que afetam diretamente o equilíbrio energético, seja pelo aumento do gasto energético, através da prática de maiores níveis de atividade física, seja pela redução do aporte energético, através do aumento do aporte proteico e de fibra alimentar em detrimento do aporte de gordura e açúcar. Uma maior perceção de autoeficácia para realizar uma alimentação saudável, praticar atividade física regularmente e gerir o peso, assim como o desenvolvimento de competências autorregulatórias, como a automonitorização do peso e dos comportamentos associados, parecem ser fatores complementares chave. No que se refere a preditores de pré-tratamento, o único que se revela consistentemente associado ao sucesso na gestão do peso a longo prazo é um menor número de tentativas de perda de peso anteriores, provavelmente porque a experiência de repetidas tentativas mal sucedidas pode estar relacionada com um perfil psicológico mais vulnerável ao insucesso, caracterizado por atitudes de ceticismo e passividade.

Palavras-chave

Manutenção do peso perdido, Perda de peso, Preditores, Revisão de revisões

 


 

ABSTRACT

Despite the increasing research on weight management, weight loss and weight loss maintenance remain a challenge for most of those trying to manage their weight. Identifying key factors in weight management is therefore essential to make obesity interventions more effective. This conceptual review of reviews aims to assemble the state of the art in what concerns the behavioural and psychosocial predictors of weight loss and weight loss maintenance in the long run, in individuals with overweight and obesity involved in lifestyle interventions.

The main predictors of successful long-term weight loss and maintenance are those directly affecting energy balance, either by increasing energy expenditure through physical activity, or by reducing energy intake through increased protein intake and dietary fiber, and reduced fat and sugar intake. Higher perception of self-efficacy for healthy eating, physical activity and weight management, as well as self-regulatory skills, like self-monitoring of weight and related behaviors seem to be key ancillary factors. Fewer previous weight loss attempts is the only consistent pretreatment predictor of successful long-term weight management, potentially because a history of recurrent dieting attempts can be related to a psychological profile that is more vulnerable to failure, characterized by attitudes of skepticism and passivity.

Keywords

Weight loss maintenance, Weight loss, Predictors, Review of reviews

 


 

INTRODUÇÃO

O excesso de peso e a obesidade estão entre os problemas de saúde pública mais importantes da atualidade. As estimativas da Organização Mundial da Saúde indicam que, em 2016, cerca de 39% dos indivíduos adultos em todo o mundo apresentavam excesso de peso (Índice de Massa Corporal [IMC] ≥ 25 kg/m2) (1). Em Portugal, mais de metade da população adulta apresenta um IMC igual ou superior a 25 kg/m2 (2) e cerca de 44% da população reporta estar ativamente a tentar gerir (perder ou manter) o peso, principalmente as mulheres (53% vs. 35% dos homens) e os indivíduos com excesso de peso ou obesidade (56% vs. 39% dos indivíduos com peso normal) (3). Contudo, as taxas de sucesso a longo prazo são relativamente baixas: o peso perdido em intervenções comportamentais é geralmente recuperado na sua totalidade no espaço de três a cinco anos (4-7).

A gestão do peso é um processo dinâmico, com uma fase pré-tratamento, uma fase de tratamento (perda de peso) e uma fase pós-tratamento (manutenção do peso perdido), podendo haver recaídas durante a perda ou manutenção do peso perdido (8). O sucesso na perda de peso é usualmente definido como uma perda de 5 ou 10% do peso durante a intervenção (9) e a manutenção do peso tem sido definida como uma variação inferior a 3% do peso corporal (10), existindo evidência dos benefícios de saúde obtidos com reduções de peso dessa magnitude (11, 12). Identificar e aprofundar a compreensão sobre variáveis que predizem o sucesso na perda e manutenção do peso perdido a longo prazo permitirá aos profissionais de saúde selecionar as estratégias mais indicadas em função das características de cada indivíduo e desenvolver intervenções mais eficazes na perda de peso e na sua manutenção (13, 14).

Encontra-se publicada vasta literatura científica sobre preditores da perda e manutenção do peso perdido em humanos, quer como investigações originais (e.g. 15, 16), quer como revisões conceptuais ou sistemáticas (e.g. 13, 17, 18). Neste contexto, o objetivo desta revisão conceptual de revisões é sumariar a evidência científica existente no que respeita aos preditores comportamentais e psicossociais da perda e manutenção do peso perdido a longo prazo. Para isso, procedeu-se a uma pesquisa nas bases de dados Pubmed e Cochrane Library usando os termos weight loss, weight maintenance, weight loss maintenance, weight gain, weight regain, predictors e review. Após leitura de todos os títulos (e, quando necessário, dos resumos) obtidos na pesquisa, identificaram-se 60 revisões potencialmente relevantes para dar resposta aos objetivos da presente revisão de revisões e, após a sua leitura integral, foram selecionadas 30 para serem incluídas (avaliavam um ou mais preditores comportamentais e psicossociais da perda ou manutenção do peso perdido).

Preditores Comportamentais

Poucos ensaios clínicos controlados e aleatorizados na área da gestão de peso a longo prazo focam a sua intervenção apenas na componente de atividade física (AF), mas contemplam o aumento da AF como parte da intervenção. Contudo, existe uma grande disparidade entre estudos quanto aos protocolos de AF aplicados (19). Estes protocolos vão desde caminhadas de 20 a 30 minutos, 3 a 5 vezes por semana (20), até caminhadas diárias de 60 minutos (21).

O nível de AF não se apresenta como um preditor pré-tratamento da perda e manutenção do peso perdido (22, 23). No entanto, o aumento do gasto energético através da AF, do pré-tratamento para o pós-tratamento, estabelece-se como um preditor consistente do sucesso na manutenção do peso perdido (16 dos 21 estudos que avaliaram esta variável confirmaram o papel preditivo do aumento da AF na manutenção do peso perdido) (22). Nas revisões de literatura sobre o impacto da AF na gestão do peso, os autores concluíram que apesar dos ensaios clínicos controlados e aleatorizados não identificarem de forma consistente a AF como um preditor de sucesso para a perda e manutenção do peso perdido, os estudos observacionais e pré-clínicos suportam a utilidade da AF em programas de gestão do peso, corroborando o forte racional teórico das respostas biológicas à AF (e.g. aumento da sensibilidade à insulina e à leptina, aumento da taxa metabólica de repouso e da oxidação de gordura) na perda e na manutenção do peso perdido, principalmente em indivíduos menos suscetíveis a adotar comportamentos compensatórios (22, 24, 25). Foright e colaboradores sugerem que os efeitos benéficos do exercício físico na gestão do peso podem ser mascarados por comportamentos compensatórios (conscientes ou inconscientes) que podem diminuir o gasto (e.g. realizar menos AF não estruturada) ou aumentar o aporte energético (e.g. maior ingestão energética para compensar o aumento do gasto induzido pela AF, ou para compensar a taxa metabólica de repouso derivada do possível aumento da massa isenta de gordura) (25). A baixa adesão aos protocolos de AF verificada nos ensaios clínicos controlados e aleatorizados e a consequente variação na quantidade de AF efetivamente realizada, somada ao facto dos desenhos destes estudos não considerarem de antemão a tendência dos participantes para realizar AF regularmente, poderão condicionar a capacidade dos ensaios clínicos controlados e aleatorizados confirmarem a AF de forma mais sólida como um preditor consistente da perda e manutenção do peso perdido (25). Níveis mais elevados de energia despendida através da participação em AF e menor tempo despendido em comportamentos sedentários apresentam-se quase sempre como características dos indivíduos que atingem o sucesso na manutenção do peso perdido (26).

A maioria dos estudos na área da gestão do peso a longo prazo soma a componente alimentar ao aumento da AF nas alterações de estilo de vida (19). O aporte energético, de macronutrientes e o aporte de nutrientes ou grupos de alimentos específicos não se apresentam como preditores pré-tratamento da manutenção do peso perdido. No entanto, qualquer intervenção que induza um balanço energético negativo no indivíduo, quer através do aumento do gasto energético pela AF, quer através de uma diminuição do aporte energético pela alimentação (desde dietas de muito baixo valor energético, passando pelas dietas hiperproteicas ou pelas dietas low-fat e low-carb), é preditora do sucesso na perda de peso, desde que haja adesão por parte dos participantes ao protocolo alimentar e de AF prescrito (26-28). As dietas low-fat e low-carb, que têm sido bastante estudadas no âmbito da perda de peso, têm demonstrado resultados sobreponíveis na perda e na posterior manutenção do peso perdido, transportando para o balanço energético e para a adesão a longo prazo o ónus desse sucesso (22, 27-31). A definição de dietas low-fat e low-carb não é consensual, surgindo na literatura como dietas com valores máximos da energia aportada diariamente proveniente da gordura entre os 10 a 30% – dietas low-fat –, e com um aporte diário máximo entre os 20 e os 130 g de hidratos de carbono ou com valores máximos da energia aportada diariamente proveniente dos hidratos de carbono até aos 26% – dietas low-carb (32, 33). A título de exemplo, o maior e mais recente ensaio clínico controlado e aleatorizado sobre o impacto do genótipo e da sensibilidade à insulina (fatores usualmente apontados como determinantes) na perda de peso, concluiu que a perda de peso, após uma intervenção de 12 meses por via de uma dieta saudável low-fat e de uma dieta saudável low-carb – com no máximo 20 g de gordura ou hidratos de carbono (respetivamente) nas primeiras 8 semanas e aumentos semanais de 5-15 g de gordura ou hidratos de carbono até perfazer o valor mínimo que cada participante conseguia manter indefinidamente –, não era determinada pelo património genético ou pela sensibilidade à insulina doseada pré-tratamento (28).

Contudo, existem outros fatores relacionados com alterações comportamentais em intervenções no estilo de vida que conseguem predizer o sucesso na perda e manutenção do peso perdido, nomeadamente um maior aporte de fibra alimentar (26, 31), um menor aporte de gordura (22, 31) e um maior aporte proteico em detrimento do aporte de hidratos de carbono e gordura (26, 34). Alguns dos potenciais mecanismos apontados como explicativos para o papel da proteína como adjuvante na gestão do peso são a melhoria da composição corporal – preservação da massa isenta de gordura, potenciando a perda de massa gorda – e a melhoria da regulação hormonal do apetite devido à supressão da produção de grelina e ao estímulo à produção de péptido YY e GLP-1 (26, 34). Alterações no comportamento alimentar como reduzir a dimensão das porções, aumentar o consumo de hortofrutícolas e reduzir o consumo de bebidas açucaradas são preditores de sucesso, enquanto que fazer refeições fora de casa (em restaurantes) ou usar suplementos substitutos da refeição estão sustentados na literatura como fatores não preditores de sucesso na manutenção do peso perdido (22).

As recomendações alimentares incluídas nas intervenções no estilo de vida são muito variadas, existindo abordagens que aconselham dietas de muito baixo valor energético, com valores inferiores a 800 kcal por dia, na fase de perda de peso (19, 27). Já na fase de manutenção do peso perdido, alguns estudos aconselham a manutenção do aporte energético adotado durante a fase de perda de peso, o que pode ser considerado irrealista a longo prazo visto poder significar um contínuo balanço energético negativo, enquanto outros estudos recomendam dietas isoenergéticas relativamente ao gasto do indivíduo (19).

Novamente, a baixa adesão a longo prazo verificada na maioria destas intervenções e respetivos períodos pós-tratamento é o principal fator que nos impede de tirar conclusões mais consistentes sobre que protocolos alimentares e de AF melhor predizem o sucesso na perda e na manutenção do peso perdido (35). Uma revisão sistemática com meta-análise de ensaios clínicos controlados e aleatorizados concluiu que intervenções que visam alterações do estilo de vida são efetivas na perda e na manutenção do peso perdido até 24 meses, todavia refere que a evidência existente da sua eficiência é limitada num espectro temporal superior. Dos 45 estudos sobre manutenção do peso perdido identificados nesta revisão, a intervenção mais duradoura foi de 36 meses e a mediana de 12 meses (a maioria dos estudos teve a duração de 12 meses) (19). Uma outra revisão sistemática (a mais recente que compõe esta revisão de revisões) que para além de incluir ensaios clínicos controlados e aleatorizados também incluiu ensaios clínicos aleatorizados não controlados e estudos longitudinais sem intervenção, mostra que dos 49 estudos incluídos (com a duração mínima de 12 meses) o mais longo era de 10 anos e a duração média era de 30 meses (22).

Paralelamente à AF e à alimentação, estratégias autorregulatórias como a automonitorização da alimentação, da AF e do peso são frequentemente aconselhadas em programas de gestão do peso (19, 22, 31) e as três apresentam-se como preditoras de sucesso na perda e manutenção do peso perdido (22, 31, 36-39). Contudo, quando avaliadas no pré-tratamento são consideradas não preditoras da perda e manutenção do peso perdido (22, 39), provavelmente devido às próprias intervenções trabalharem e estimularem a automonitorização (19, 22, 31) e à escassez de estudos que avaliem a automonitorização no pré--tratamento (e.g. 2 em 22 estudos numa revisão sistemática sobre o papel da automonitorização na perda de peso) (37).

Preditores Psicossociais

No que respeita a preditores pré-tratamento, um menor número de tentativas de perda de peso anteriores foi identificado como o preditor mais consistente de sucesso na perda de peso e na manutenção do peso perdido (9, 13, 17, 18). Todavia, a maioria das variáveis psicossociais não têm confirmado o seu potencial como preditores pré-tratamento da perda e manutenção do peso perdido (17, 18, 40). Vários fatores, previamente considerados como barreiras para a gestão eficaz do peso, foram identificados como não preditores, nomeadamente a compulsão alimentar, a ingestão emocional, a ingestão externa, a perceção de fome, a desinibição alimentar, a sintomatologia depressiva, a restrição alimentar cognitiva e a qualidade de vida (geral e relacionada com o peso) (18). A autoeficácia para a alimentação e para o exercício, a insatisfação com a imagem corporal, os objetivos de perda de peso, a autoestima, o locus de controlo e a perceção de stress e ansiedade, têm sido classificados como preditores pré-tratamento com evidência mista (17, 18). A motivação autónoma e controlada, a prontidão para iniciar o processo de perda de peso, a autoeficácia geral e para a gestão do peso, a qualidade de vida (específica para a obesidade), a perceção das consequências da obesidade, a sensação de privação durante a alimentação, a perceção de barreiras para o exercício físico, a perda de peso em tentativas anteriores, o uso de recompensas ou punições, a perceção de comportamentos de risco e o comportamento bulímico ainda não se encontram suficientemente estudadas para que se retirem conclusões como preditores pré-tratamento da perda e manutenção do peso perdido (17, 18, 22).

Uma revisão sistemática que avaliou preditores da perda de peso a longo prazo em intervenções baseadas em alterações no estilo de vida, identificou que melhorias ao nível da imagem corporal (principalmente na satisfação com a imagem corporal), maior motivação autónoma para a AF e maior autoeficácia para a alimentação e para o exercício são os fatores que melhor explicam a variabilidade dos resultados alcançados (36). Numa outra revisão sistemática que avaliou preditores da manutenção do peso perdido a longo prazo, a autoeficácia para a alimentação, para o exercício físico e para a gestão do peso, a autovalorização física e menor desinibição alimentar interna mostraram--se preditores de sucesso, enquanto que o stress psicológico, o fraco controlo de impulsos, o reforço (positivo ou negativo) mostraram-se não preditores. Já variáveis relacionadas com o humor, depressão, motivação, imagem corporal (com exceção da autovalorização física) e qualidade de vida não apresentam evidência suficiente para que se confirme o seu papel preditor da manutenção do peso perdido no longo prazo (22).

ANÁLISE CRÍTICA

Apesar das intervenções que incluem alterações do estilo de vida serem consensualmente consideradas como eficazes na perda de peso, a literatura científica sobre a viabilidade dos protocolos alimentares e de AF usados na manutenção do peso perdido é insuficiente, verificando-se uma elevada variabilidade individual na resposta e na adesão, e uma frequente recuperação do peso perdido (com magnitudes distintas) após a intervenção. Algumas limitações metodológicas dificultam a avaliação adequada dos motivos da recuperação subsequente do peso, nomeadamente as ferramentas usadas para a avaliação da ingestão alimentar, como os questionários de frequência alimentar e os diários alimentares. Ao rever a evidência existente, fica claro que são necessários mais ensaios clínicos controlados e aleatorizados que utilizem a água duplamente marcada para estimar a energia gasta e aportada, sabendo que os elevados custos são uma barreira.

A homogeneidade dos indivíduos que compõem as amostras na grande maioria dos estudos nesta área é mais um aspeto a considerar, impedindo a generalização dos resultados a outros que não mulheres caucasianas com excesso de peso e obesidade. Numa revisão sistemática que investigou o impacto da automonitorização da AF, da alimentação e do peso na perda de peso, apenas 2 estudos (dos 22 incluídos) não tinham uma amostra constituída maioritariamente por mulheres caucasianas (37). Noutra revisão sistemática mais recente, com objetivos semelhantes à anterior, mas que se cingiu à avaliação de estudos controlados e aleatorizados, apenas 1 estudo (dos 6 incluídos) não tinha uma amostra composta essencialmente por mulheres caucasianas (38).

Apesar de apresentarem racionais teóricos fortes, a maioria das variáveis psicossociais potencialmente preditoras de sucesso na perda de peso e manutenção do peso perdido encontram-se pouco estudadas (17, 18, 22, 36, 40). Alguns destes constructos apresentam resultados inconsistentes, possivelmente porque os instrumentos utilizados para os avaliar não foram desenhados e validados especificamente para indivíduos com excesso de peso e obesidade e pelo facto de serem avaliados com base em instrumentos distintos nos diferentes estudos. Frequentemente os instrumentos utilizados para avaliar as variáveis psicológicas pecam pela sua inespecificidade e heterogeneidade (40). A identificação de subgrupos de indivíduos e o desenvolvimento e validação de instrumentos mais fiáveis e compreensivos, especificamente desenhados para indivíduos com excesso de peso e obesidade deve ser uma prioridade, de modo a melhorar o conhecimento sobre a importância destas variáveis na gestão do peso (40). Por outro lado, a grande diversidade de instrumentos utilizados para avaliar constructos psicossociais semelhantes pode não só gerar resultados discrepantes, mas também dificultar a sua interpretação porque as subdimensões avaliadas não coincidem (41). Por exemplo, os estudos que avaliam a restrição alimentar nem sempre recorrem aos mesmos instrumentos (41) e nomeadamente a restrição cognitiva não é analisada separadamente nas suas dimensões rígida e flexível (13, 17, 36), apesar de representarem formas distintas de restrição alimentar e terem diferentes relações com o sucesso na gestão do peso (42). A restrição alimentar cognitiva correlaciona-se, ainda que de forma inconsistente, com o sucesso na gestão do peso, todavia, não houve até hoje nenhum estudo que tenha avaliado como se interrelacionam os diferentes instrumentos utilizados para a avaliar, nem quais os que melhor predizem a perda e manutenção do peso perdido.

A definição e o estudo de diferentes perfis de sucesso na perda e manutenção do peso perdido, com base nas características que os indivíduos apresentam (e.g. personalidade, satisfação com a imagem corporal, autoestima, perfecionismo e narcisismo), pode ser um caminho a seguir nesta área. A título de exemplo, um estudo com base nos diferentes resultados alcançados na caracterização de indivíduos que estavam ativamente a tentar controlar o peso (dieters), sugere que diferentes instrumentos de avaliação da restrição alimentar cognitiva identificam diferentes tipos de dieters. Neste estudo sobressaíram dois tipos de dieters: os “ioiôs”, caracterizados pelas flutuações de peso e frequentes episódios/fases de desinibição alimentar, e os “moderados”, que conseguem atingir um controlo do peso sustentado através de um comportamento alimentar “aparentemente mais normal” (41).

Com a evolução nos métodos estatísticos de predição e com cada vez mais dados disponíveis sobre indivíduos a tentar gerir o peso, quer provenientes de programas comerciais de perda de peso, quer de gadgets e aplicações que auxiliam na automonitorização da AF, da alimentação e do peso, seria interessante que fossem também inseridas questões que avaliassem outras variáveis (e.g. psicossociais) de modo a aumentar o conhecimento sobre a sua influência na gestão do peso (43).

Considerando a evidência disponível e cruzando-a com os recursos usualmente disponíveis (tempo e dinheiro), parece-nos fundamental que se invista no desenvolvimento de instrumentos com aplicação prática em consultório, que possibilitem ao clínico de forma rápida e simples, caracterizar o perfil do utente no pré-tratamento, mas também no decorrer do tratamento (alterações nas variáveis modificáveis) e no pós-tratamento, de forma a potenciar a perda e a manutenção do peso perdido a longo prazo. A presente revisão de revisões pode ainda colmatar a lacuna de uma revisão atual em português sobre preditores comportamentais e psicossociais da perda e manutenção do peso perdido a longo prazo, contribuindo para a atualização dos profissionais de saúde que trabalham em gestão do peso, fomentando a implementação de estratégias baseadas na evidência científica e com maior probabilidade de sucesso (principalmente a longo prazo) e apontando os aspetos mais importantes a considerar do ponto de vista comportamental e psicossocial que devem ser avaliados e trabalhados nas pessoas que procuram gerir o peso.

CONCLUSÕES

Atingir o sucesso na gestão do peso não depende dos valores pré-tratamento de variáveis relacionadas com a ingestão alimentar ou AF, sendo a alteração comportamental que mais significado tem nestes processos.

O menor número de tentativas de perda de peso anteriores é o único preditor pré-tratamento consistentemente associado ao sucesso na gestão do peso a longo prazo, o que responsabiliza ainda mais os profissionais a procurarem sempre a melhor intervenção disponível para cada indivíduo, sob pena de apenas contribuírem para o aumento da resistência à perda e manutenção do peso perdido em tentativas subsequentes.

Os principais preditores que explicam o sucesso na perda de peso e manutenção do peso perdido a longo prazo são o aumento do gasto energético através do incremento da AF e da redução do aporte energético proveniente da alimentação, através do aumento do aporte proteico em detrimento do aporte de gordura e açúcar, do aumento do aporte de fibra alimentar e do consumo de hortofrutícolas. Competências autorregulatórias, como a automonitorização da AF, alimentação e peso, na presença de maiores níveis de autoeficácia para a alimentação, exercício e gestão do peso, parecem ser fatores complementares chave.

 

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Endereço para correspondência

Rui Jorge

Instituto Universitário Egas Moniz,

Campus Universitário Quinta da Granja,

2829-511 Monte de Caparica, Portugal

rjorge@egasmoniz.edu.pt

 

Recebido a 18 de março de 2019

Aceite a 14 de maio de 2019

 

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