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Acta Portuguesa de Nutrição

versão On-line ISSN 2183-5985

Acta Port Nutr  no.8 Porto mar. 2017

https://doi.org/10.21011/apn.2017.0804 

ARTIGO ORIGINAL

Integração dos Nutricionistas no Serviço Nacional de Saúde em Portugal

Integration of Nutritionists in Portugal’s National Health Service

 

Beatriz Ferreira1; Tânia Cordeiro1,2*; Alexandra Bento1,3

1Ordem dos Nutricionistas, Rua do Pinheiro Manso, n.º 174, 4100-409 Porto, Portugal

2Universidade Fernando Pessoa, Praça de 9 de Abril, n.º 349, 4249-004 Porto, Portugal

3Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa, Rua Arquitecto Lobão Vital, 4200-072 Porto, Portugal

Endereço para correspondência

 

RESUMO

Introdução: O Serviço Nacional de Saúde é a estrutura do Estado português que assegura à população a prestação dos cuidados de saúde. Integradas nas Redes Nacionais de Cuidados de Saúde Primários e Cuidados de Saúde Hospitalares, as unidades que formam o Serviço Nacional de Saúde revelam-se locais privilegiados para a incorporação da prática profissional do nutricionista, pelo facto de a sua atuação se focar na promoção de saúde, na prevenção e no tratamento da doença, contribuindo para a reversão do cenário epidemiológico centrado na intensificação das doenças crónicas não transmissíveis e para o cumprimento das metas em saúde estabelecidas a nível nacional e internacional.

Objetivos: Determinar o número de nutricionistas a exercer no Serviço Nacional de Saúde nos Cuidados de Saúde Primários e nos Cuidados de Saúde Hospitalares. Calcular o número de utentes e de camas atribuído a cada nutricionista integrado nas unidades que compõem, respetivamente, as Redes Nacionais de Cuidados de Saúde Primários e Cuidados de Saúde Hospitalares.

Metodologia: Neste estudo descritivo obteve-se, por correio eletrónico e telefone, informação sobre o número de profissionais a exercer como “Dietista”, “Dietista estagiário”, “Nutricionista” e “Nutricionista estagiário”, de acordo com o Registo Nacional da Ordem dos Nutricionistas, nas instituições constituintes do Serviço Nacional de Saúde, Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira e Serviço Regional de Saúde do Governo dos Açores. No final, a adequação dos rácios obtidos foi analisada com base em critérios emitidos pela Ordem dos Nutricionistas.

Resultados: Verificou-se um total de 416 nutricionistas a exercer no Serviço Nacional de Saúde, dos quais 123 profissionais pertenciam aos Cuidados de Saúde Primários e 293 aos Cuidados de Saúde Hospitalares. Nos Cuidados de Saúde Primários identificou-se um rácio de 86.006 utentes por nutricionista e nos Cuidados de Saúde Hospitalares o rácio estimado foi de 97 camas por nutricionista.

Conclusões: O número total de nutricionistas a exercer no Serviço Nacional de Saúde revelou-se manifestamente aquém do que se considera adequado, devendo-se reforçar a incorporação de nutricionistas no Serviço Nacional de Saúde.

Palavras-Chave

Cuidados de Saúde Hospitalares, Cuidados de Saúde Primários, Doenças Crónicas Não Transmissíveis, Nutricionista, Serviço Nacional de Saúde

 


 

ABSTRACT

Introduction: The National Health Service is the state structure in Portugal that ensures to the population the provision of health care. Integrated into the Primary Health Care Network and into Hospital Health Care Network, the units that make up the National Health Service prove to be privileged places for the incorporation of professional nutritionist practice, due to the fact that their work focuses on the health promotion, prevention and treatment, contributing to the reversal of the epidemiological scenario focused on the intensification of chronic noncommunicable diseases and to meet the health goals established at national and international level.

Objectives: Determine the number of nutritionists practicing in the Primary Health Care and in Hospital Health Care of National Health Service. Calculate the number of users and beds assigned to each nutritionist integrated on the units that comprise, respectively, Primary Health Care Network and Hospital Health Care Network.

Methodology: In this descriptive study, was obtained, by e-mail and phone, information about the number of professionals that practiced as “dietitian”, “trainee dietitian”, “nutritionist” and “trainee nutritionist”, according to the National Registry of the Portuguese Council of Nutritionists, in the constituent institutions of the National Health Service, the Health Service of the Autonomous Region of Madeira and the Regional Health Service of the Government of Azores. In the end, the adequacy of the ratios obtained was analyzed based on criteria transmitted by the Portuguese Council of Nutritionists.

Results: There were a total of 416 nutritionists working in the National Health Service, of which 123 professionals belonged to Primary Health Care and 293 to Hospital Health Care. In the Primary Health Care was identified a ratio of 86.006 users per nutritionist and in the Hospital Health Care the estimated ratio was of 97 beds per nutritionist.

Conclusions: The total number of nutritionists practicing in the National Health Service was clearly below what is considered appropriate, so the incorporation of nutritionists in the National Health Service should be strengthened.

Keywords

Hospital Health Care, Primary Health Care, Noncommunicable Diseases, Nutritionist, National Health Service

 


 

INTRODUÇÃO

A Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS) define saúde como “o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente a ausência de doença ou enfermidade”, apontando-a como direito fundamental do ser humano (1).

A intensificação das doenças crónicas não transmissíveis (DCNT) tem-se revelado o maior desafio de saúde pública, ameaçando o desenvolvimento económico e social da comunidade (2, 3). Das seis regiões pertencentes à OMS, a região europeia é a mais afetada pelas DCNT, destacando-se as doenças cardiovasculares, o cancro e a diabetes (4). Mundialmente, as DCNT revelam-se a principal causa de incapacitação e morte, tendo sido responsáveis por 63% das mortes ocorridas em 2008 e por 68% em 2012 (3, 5).

A nível internacional, são várias as publicações que repetidamente frisam a relevância de combater o duplo encargo da malnutrição, espelhada tanto nos défices, como nos excessos nutricionais. Recentemente, a OMS lançou o “Global Nutrition Report 2016”, documento que visa a extinção de todas as formas de malnutrição até 2030, divulgando as orientações e ferramentas necessárias para alcançar tal objetivo (6).

Em Portugal, os hábitos alimentares inadequados e as atitudes sedentárias foram dos fatores de risco que mais contribuíram para o total de anos de vida saudável perdidos pela população durante o ano de 2014 (7, 8). A reação provocada por estes comportamentos encontra-se refletida nas desmesuradas prevalências de DCNT. Dados recentes evidenciam que o excesso de peso e a obesidade afeta 52,8% da população adulta portuguesa, a diabetes mellitus tipo 2 manifesta-se em 13,1% da população portuguesa entre os 20 e os 79 anos e a hipertensão arterial atinge 42,2% da população adulta portuguesa (7, 9, 10).

Neste sentido, o nutricionista surge na sociedade com um potencial papel determinante no combate deste panorama epidemiológico, uma vez que a sua prática profissional prevê a integração, aplicação e desenvolvimento dos “princípios das áreas base da biologia, química, fisiologia, das ciências sociais e comportamentais e aqueles provenientes das ciências da nutrição, alimentação, gestão e comunicação, para atingir e manter ao melhor nível o estado de saúde dos indivíduos, através de uma prática profissional cientificamente sustentada, à luz dos conhecimentos atuais, em constante aperfeiçoamento” (11).

O Serviço Nacional de Saúde (SNS), criado em 1979, é a estrutura do Estado português que integra “todos os serviços e entidades públicas prestadoras de cuidados de saúde, designadamente os agrupamentos de centros de saúde, os estabelecimentos hospitalares, independentemente da sua designação, e as unidades locais de saúde” (12). Desta forma, se assegura a integral prestação dos cuidados de saúde a todos os cidadãos, independentemente da sua situação económica, social ou geográfica (13, 14).

Os cuidados de saúde primários (CSP), destacados pela Declaração de Alma-Ata (1978) e pelo “Relatório Mundial de Saúde 2008: Cuidados de Saúde Primários Agora Mais do que Nunca”, revelam um formato de intervenção essencial para a adequada prestação dos cuidados de saúde à população, considerando as necessidades expressas (15, 16) . Atualmente em Portugal, os Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) representam o organismo cuja missão consiste no aprovisionamento de CSP à população. Neste local, o nutricionista executa a sua atividade profissional ao nível das Unidades de Recursos Assistenciais Partilhados (URAP) (17). A incorporação deste profissional de saúde no domínio dos CSP revela-se determinante para a melhoria da saúde da população, pelo facto de, neste espaço, os cuidados serem prestados indo ao encontro das necessidades inerentes da população (18, 19).

A centralização do sistema de saúde ocidental nos cuidados de saúde hospitalares (CSH) tem-se revelado insatisfatória no combate ao cenário epidemiológico atual (20). Ao nível do SNS, estes cuidados são disponibilizados por uma rede que abrange centros hospitalares, hospitais públicos, hospitais em parceria público-privada e unidades locais de saúde (ULS) (12). Em ambiente hospitalar, o nutricionista tem a potencialidade de se enquadrar em diversas áreas, sendo responsável pela avaliação e prescrição nutricional tanto no internamento, como no ambulatório, bem como pela gestão da alimentação hospitalar (21).

Reconhecendo o comprovado contributo da nutrição para a obtenção de melhorias em saúde, revela-se fundamental investir neste setor tendo por base um eixo estratégico robusto que garanta a eficácia das suas intervenções. A escassez de estudos que comprovem o défice nutricionistas dificulta o delineamento de um plano que reverta o cenário epidemiológico nacional e internacional. Neste contexto, surge o presente estudo.

OBJETIVOS

Este estudo teve como objetivo determinar o número de nutricionistas a desempenhar a sua atividade profissional no SNS, tanto ao nível da Rede Nacional de Cuidados de Saúde Primários (RNCSP), como da Rede Nacional de Cuidados de Saúde Hospitalar (RNCSH). Pretendeu também apurar o número de utentes e de camas atribuído a cada nutricionista enquadrado em unidades prestadoras de CSP e de CSH, respetivamente.

METODOLOGIA

Realizado entre março e julho de 2016, este estudo descritivo apresentou como população-alvo as unidades pertencentes às redes prestadoras de cuidados de saúde primários e hospitalares do SNS, do Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira (SESARAM) e do Serviço Regional de Saúde (SRS) do Governo dos Açores (GA). A determinação das instituições resultou da consulta às páginas de Internet das cinco Administrações Regionais de Saúde (ARS) e aos documentos legislativos da Madeira e dos Açores que estabelecem as unidades constituintes dos serviços de saúde das regiões (22, 23).

A solicitação de informação centrou-se no número total de nutricionistas e dietistas a exercer no local, bem como no respetivo nome e número de cédula. O interesse em ambas as tipologias profissionais prendeu-se ao facto de o processo de convergência das profissões ser facultativo para aqueles que à data de entrada em vigor da Lei n.º 126/2015 se encontrassem inscritos na Ordem dos Nutricionistas (ON) como “dietistas” ou “dietistas estagiários” (24). Com base nesta mesma lei, verificou-se ainda, no “Registo Nacional” do site da ON, a legalidade da prática profissional de cada um dos indivíduos indicados pelas entidades, sendo que a identificação de indivíduos não inscritos nesta associação pública profissional levou a que fossem excluídos do estudo e remetidos para o Departamento Jurídico da ON para que desencadeasse o competente processo de averiguação de exercício ilegal.

A disseminação dos comunicados ocorreu por correio eletrónico, maioritariamente, e por telefone. Na Tabela 1 encontram-se reunidas as entidades contactadas e a respetiva taxa de resposta.

Relativamente ao número de utentes nos CSP e de camas nos CSH em Portugal Continental foram utilizados dados provenientes da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e da Direção-Geral da Saúde (DGS), respetivamente (25, 26), e nas regiões autónomas estas mesmas informações foram adquiridas com base em dados emitidos pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) (27, 28). O rácio adequado de utentes por nutricionista e de camas por nutricionista utilizado baseou-se na “Proposta de Contributos para a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde”, elaborada pela ON (29).

RESULTADOS

Em Portugal, foi identificado pelo presente estudo, a exercer no SNS, um total de 416 nutricionistas, dos quais 123 afetos aos CSP (cada responsável por 86.006 utentes) e 293 associados aos CSH (cada responsável por 97 camas). Os resultados obtidos encontram-se detalhados por Administração Regional de Saúde (ARS), I.P. e Região Autónoma nas Tabelas 2 e 3 (CSP e CSH, respetivamente).

No que respeita a RNCSP, aferiu-se que 15 dos 55 ACES de Portugal Continental não integram nenhum nutricionista a exercer funções, pertencendo três à ARS Norte e 12 à ARS Lisboa e Vale do Tejo. Para além disso, uma das Unidades de Saúde da Ilha (USI) dos Açores também não incorpora nenhum nutricionista. Quanto às unidades formadoras da RNCSH, verifica-se que a presença do nutricionista é mais coerente, uma vez que, dos dados obtidos, apenas um instituto de oftalmologia e um centro de oncologia carecem completamente do auxílio deste profissional de saúde.

Este estudo recolheu ainda informação relativa aos rácios recomendados para o adequado exercício da profissão, tendo-se estimado o número de nutricionistas que seria necessário incorporar por ARS, I.P. e Região Autónoma. Consequentemente estabeleceu-se uma taxa de cumprimento que espelha a adequação do total de nutricionistas a exercer na realidade. Estes resultados encontram-se descriminados nas Tabelas 4 e 5 (CSP e CSH, respetivamente).

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Contemplando o SNS como garantia da integral prestação de cuidados de saúde, em todas as suas valências, à totalidade da população (14) e considerando o contexto epidemiológico corrente, naturalmente se depreende a conveniência da inclusão do nutricionista nesta estrutura. Os prognósticos emitidos pela OMS preveem que as DCNT serão responsáveis por 52 milhões de mortes até 2030, perfazendo a quase totalidade dos estimados 56 milhões de mortes ocorridas em 2012 (5). A assumida importância do papel da nutrição e da alimentação na prevenção e no tratamento clínico das DCNT evidencia o contributo decisivo dos nutricionistas na reversão deste cenário. Neste sentido, o estudo realizado centrou-se no diagnóstico da situação profissional nos CSP e nos CSH do SNS.

Os resultados obtidos permitiram determinar um total de 416 nutricionistas a atuar no SNS, o qual se reparte em 123 nutricionistas nos CSP e 293 nos CSH. Analisando especificamente esta situação, estimou-se que, em média, no que respeita a sua inclusão na RNCSP, cada um destes profissionais tem como responsabilidade dar resposta às necessidades impostas por 86006 utentes, valor claramente superior ao de 20.000 utentes/nutricionista estabelecido como desejável pela “Proposta de contributos para a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde” elaborada pela ON. De acordo com este documento, seriam necessários 533 nutricionistas a exercer nos CSP, de forma a dar resposta aos 10.578.733 utentes abrangidos. Relativamente à RNCSH, identificaram-se 293 nutricionistas incorporados nas equipas profissionais das suas unidades, o que fixa uma relação de 97 camas por profissional. Confrontando este valor com o padrão estipulado de 50 a 75 camas por nutricionista comprova-se que, tal como nos CSP, também neste âmbito o número de nutricionistas se revela insuficiente, sendo que, para cumprir com o mínimo preconizado como satisfatório, seriam necessários 386 nutricionistas no plano hospitalar. Ponderando todos estes fatores, os resultados adquiridos sugerem a necessidade de integrar no terreno um total de 919 nutricionistas para colmatar a lacuna existente nos recursos humanos. Consequentemente, este reparo contribui para o cumprimento das metas traçadas pelo “Plano Nacional de Saúde - Revisão e Extensão a 2020” e pela OMS no documento “Health 2020: A European Policy Framework Supporting Action across government and society for health and well-being&rdquo ; (30).

A prática profissional do nutricionista no plano dos CSP revela-se benéfica para o sistema de saúde pelo facto de a sua atuação se demonstrar mais rentável quando aplicada em contexto de prevenção (31). Contudo, como referido anteriormente, a integração deste profissional ao nível da rede prestadora de CSP em Portugal revela-se insuficiente, cumprindo com apenas 23% do sugerido nas propostas emitidas pela ON.

Em 2010, o Ministério da Saúde lança um documento oficial onde estabelece como objetivo a inclusão de, pelo menos, um nutricionista por ACES até 2016 (19). A informação disponibilizada pelas entidades contactadas no presente estudo permitiu deduzir que o objetivo definido pelo documento não foi atingido, uma vez que foram identificados 15 ACES sem nutricionista. O objetivo deve, por isso, ser reformulado, de modo a viabilizar o alcance das metas estipuladas.

No ano seguinte foi publicado um estudo sobre a distribuição geográfica dos nutricionistas nos CSP em Portugal Continental, observando-se uma modesta progressão do número de profissionais integrados neste serviço, com base num acréscimo de quatro nutricionistas entre 2010 e 2016. Apesar deste ligeiro desenvolvimento, a concentração destes técnicos superiores de saúde na região norte do país e a sua redutora presença na ARS Lisboa e Vale do Tejo, I.P. permanece (32). Esta heterogeneidade na distribuição geográfica decorre de variados fatores, supondo-se que um se deva ao facto de a primeira licenciatura em Ciências da Nutrição ter surgido no norte do país (33). Importa ainda referir que o facto do número de utentes variar entre regiões pressupõe, desde logo, uma distribuição irregular dos profissionais.

De uma perspetiva geral, verifica-se que as regiões autónomas cumprem os requisitos mínimos considerados pela ON. Nestas regiões o rácio estimado teve em consideração o número de habitantes por nutricionista, em vez do número de utentes, não tendo esta decisão prejudicado as conclusões, já que o número de nutricionistas corresponde às necessidades mínimas da população, cumprindo também com as recomendações ao assumir o número de utentes. De notar, contudo, que as condicionantes de acessibilidade geográfica destas regiões portuguesas exigirão que a presença de nutricionista ocorra de forma adaptável a essas mesmas condições, de forma a permitir a necessária proximidade deste profissional com toda a população, pelo que deverá ser considerado com cautela o rácio encontrado nestas regiões.

Direcionados para a vertente curativa e de reabilitação, os CSH prestam um serviço fundamental para a melhoria e manutenção da saúde pública (20). Neste contexto, o nutricionista adquire inúmeras responsabilidades, podendo influenciar fortemente a redução dos encargos económicos em saúde (34, 35).

Considerando as orientações lançadas pela ON (29), os CSH evidenciam uma taxa de cumprimento de 76%, com a ARS Centro, I.P. a apresentar apenas 52% dos nutricionistas que seria desejável. A integração do nutricionista nos CSH das regiões autónomas mantém um cenário, relativamente, benéfico para o desempenho de uma prática profissional satisfatória.

A organização dos serviços de alimentação e nutrição nos hospitais portugueses foi avaliada por estudos publicados em 1992, 1997, 2007 e 2013, proporcionando uma breve análise evolutiva da profissão incorporada neste setor da saúde (36-39). Apesar do distanciamento entre os objetivos estabelecidos nestas dissertações e os planeados neste estudo e apesar de antecederem o processo de convergência da profissão, os estudos anteriores possibilitam confrontar a informação atualmente obtida com os resultados previamente observados. Ao longo dos anos assistiu-se a um progresso positivo do enquadramento destes profissionais nos hospitais portugueses. Em 2013, os dados obtidos registaram um total de 283 profissionais, verificando-se que, por comparação com os 293 contabilizados neste estudo, ocorreu um ligeiro aumento. Contudo, deve-se ter em consideração que os estudos foram realizados em diferentes condições, uma vez que a constituição da rede hospitalar sofreu alterações e o presente trabalho debruçou-se sobre o setor público (taxa de resposta de 95%), enquanto em 2013 investigaram-se os setores público e privado (taxa de resposta de 66%).

Embora a cobertura deste estudo se aproxime dos 100%, o que permite uma visão mais abrangente e realista da situação estudada, a nível metodológico apresenta características que poderão ser melhoradas num futuro estudo. Em primeiro lugar salientar que uma pequena parte da informação foi obtida via telefónica, o que impossibilitou o registo comprovativo destes mesmos dados. Para além disso, em certas situações não foi possível adquirir informação relativa ao nome do profissional e ao seu local específico de trabalho.

A escassez de estudos efetuados nesta matéria, a nível nacional e internacional, dificultou a realização de uma análise comparativa da situação profissional. Considerando as recomendações brasileiras de um nutricionista para 10.000 habitantes, deduz-se que a situação se encontra aquém do preconizado. Em Espanha, os rácios propostos são de um nutricionista para 50.000 utentes nos CSP e de um nutricionista para 100 camas nos CSH (32, 40). Com base nesta informação, as conclusões para os CSP permanecem, enquanto nos CSH a situação aparenta estar mais próxima do ideal. Importa referir que o confronto da situação com outros países inclui imprecisões, dado o sistema saúde de cada país apresentar características específicas, acrescentando-se o facto de as propostas se basearem em estudos ao próprio perfil epidemiológico.

O consensual reconhecimento da importância da nutrição e alimentação no aumento de anos de vida saudável da população, espelhado na melhoria da qualidade de vida, e na redução da sobrecarga financeira do sistema de saúde aponta para um urgente estabelecimento de eixos estratégicos que revertam o défice de nutricionistas a exercer no SNS.

CONCLUSÕES

Em Portugal, o número de nutricionistas afetos ao SNS encontra-se manifestamente aquém do preconizado como adequado, tendo-se registado um total de 416 nutricionistas a desempenhar a sua prática profissional, quando seriam necessários, pelo menos, 919 profissionais para fazer cumprir com as necessidades impostas pela população portuguesa. Este défice revela-se mais acentuado nos CSP, onde o rácio estimado de utentes por nutricionista foi de 86.006, quando o adequado seria de 20.000, ou seja, esta valência de prestação de cuidados de saúde contemplou somente 23% do número de nutricionistas propostos pela ON. Nos CSH a escassez de profissionais não é tão proeminente, contudo são atribuídas 97 camas a cada nutricionista, em vez das 75 camas que se consideram adequadas, atingindo-se uma taxa de cumprimento de 76%. Assim, é importante investir neste setor de forma a reverter o constatado desfasamento existente entre os recursos necessários e os recursos disponíveis na prestação de cuidados de saúde em Portugal, conduzindo à diminuição e otimização dos encargos económicos e à aquisição de melhorias nos indicadores de saúde, o que permitirá alcançar as metas em saúde estabelecidas a nível nacional e internacional.

 

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  •  

    Endereço para correspondência

    Tânia Cordeiro

    Ordem dos Nutricionistas,

    Rua do Pinheiro Manso, n.º 174, 4100-409 Porto, Portugal

    taniacordeiro@ordemdosnutricionistas.pt

     

    Recebido a 5 de fevereiro de 2017

    Aceite a 21 de março de 2017

     

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