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Media & Jornalismo

versión impresa ISSN 1645-5681versión On-line ISSN 2183-5462

Media & Jornalismo vol.23 no.43 Lisboa dic. 2023  Epub 31-Dic-2023

https://doi.org/10.14195/2183-5462_43_6 

Artigos

Uma análise temática à imprensa partidária portuguesa: o caso da Folha Nacional

A thematic analysis of the portuguese party press: the case of Folha Nacional

1Universidade de Coimbra, Faculdade de Letras e CEIS20, Portugal catarina-magalhaes1999@hotmail.com


Resumo

Desde 2019, o partido liderado por André Ventura tem sido disruptivo no cenário político nacional e contrariado a tese da impermeabilidade portuguesa (Mudde, 2020; Serrano, 2020) à eleição de partidos populistas. Assim, neste trabalho pretende analisar-se uma das estratégias de comunicação em particular: a publicação doutrinária Folha Nacional do partido Chega. Através de uma análise temática complementada com uma breve análise de conteúdo, o nosso estudo foca duas dimensões: a agenda da publicação e os protagonistas das capas. Assim, procuraremos a resposta às seguintes questões: 1) Quais os principais temas destacados? 1.1) Qual a proximidade temática com a ‘agenda populista’ de partidos populistas de direita? 2) Quem são os protagonistas identificados? e 2.1.) Como são enquadrados os diferentes protagonistas? Percebemos, sobretudo, que a publicação é utilizada, maioritariamente, como plataforma de crítica a adversários.

Palavras-chave: populismo; comunicação partidária, Chega, imprensa partidária

Abstract

Since 2019, the party led by André Ventura has been disruptive in the national political scene and contradicted the thesis of the Portuguese impermeability (Mudde, 2020; Serrano, 2020) to the election of populist parties. Thus, this work intends to analyze one of the communication strategies in particular: the doctrinal publication Folha Nacional of the Chega party. Through a thematic analysis complemented with a brief content analysis, our study focuses on two dimensions: the publication’s agenda and the protagonists of the covers. Therefere, we will seek the answer to the following questions: 1) What are the main themes highlighted?; 1.1) What is the thematic proximity with the ‘populist agenda’ of far-right populist parties?; 2) Who are the main characters? and 2.1.) How are the different protagonists framed?. Above all, we noticed that the publication is mostly used to criticize opponents.

Keywords: populism; party communication; Chega; party press

Introdução

O populismo não é um fenómeno novo no contexto europeu, nem em Portugal (Zúquete, 2022). Em todo o caso, o facto de diversos partidos e líderes estarem a alcançar posições de poder do ocidente ao oriente tem alimentado a atenção política, mediática e académica sobre o tema (Figueiras, 2020; Prior & Araújo, 2021; Zúquete, 2022). Embora a dificuldade na sua conceptualização seja permanente (Camilo, 2022; Figueiras, 2020; Zúquete, 2022), reconhecemos como estruturante a sua visão maniqueísta e binária da sociedade. Na conceptualização de Mudde, que adotamos, é uma “ideologia (débil)” (2020, p. 19) que assenta na divisão entre um povo virtuoso e uma elite corrupta (Mudde, 2020; Zúquete, 2022).

Acreditamos que esta nossa opção da adoção da visão de Cas Mudde não implica ignorar outras dimensões do fenómeno populista, nomeadamente, as estratégias de comunicação dos seus líderes, independentemente do seu género, e dos partidos que representam. O nosso estudo versa, deste modo, uma das dimensões de comunicação política que consideramos menos estudada em Portugal (Espírito Santo & Costa, 2016; Sousa, 2005): a imprensa partidária. Estudaremos, por conseguinte, a publicação partidária nacional mais recententemente registada na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC)1, a Folha Nacional2, propriedade do partido Chega. A nossa abordagem passa por uma análise temática complementada com uma breve análise de conteúdo. O estudo empírico foca-se, sobretudo, em dois parâmetros que consideramos fulcrais: a agenda temática da publicação e dos protagonistas das capas. Pretendemos, desta forma, responder às seguintes questões de pesquisa: 1) Quais os principais temas destacados?; 1.1) Qual a proximidade temática com a ‘agenda populista’ de partidos populistas de direita?; 2) Quem são os protagonistas identificados? e 2.1.) Como são enquadrados os diferentes protagonistas?. Uma das principais conclusões foi a de que a tematização das capas espelha, em certa medida, a agenda sistematizada por Mendes (2021), nomeadamente, as temáticas da corrupção e da imigração, a par do reforço do discurso populista inerente à crítica negativa das elites (Mudde, 2020). Por outro lado, destacamos o facto de António Costa ser mais vezes protagonista do que André Ventura, o que denuncia, a nosso ver, o papel do jornal como plataforma de crítica a adversários e não de comunicação de propostas partidárias como principal função.

Para tal, o nosso enquadramento começa por uma reflexão do populismo em Portugal, bem como dos estudos mais recentes sobre o fenómeno no país - em particular, sobre o Chega. De seguida, iremos abordar o atual estado das publicações periódicas partidárias, não ignorando os estudos que versaram algumas delas. Por fim, apresentaremos os resultados do nosso estudo empírico que se baseou na análise de 70 capas que marcaram um ano de publicações, desde o dia 10 de junho de 2022 até ao dia 16 de junho de 2023.

O populismo em Portugal

A abordagem da academia ao populismo tem-se focado predominantemente nos movimentos de direita3, havendo autores e ativistas como Paul Mason (2022) que vão mais longe e consideram alguns destes movimentos como fascistas. Outros autores, como John B. Judis, acreditam que “chamar-lhes fascistas exagera o perigo que constituem, pois não ameaçam mover guerras nem dissolver parlamentos” (2017, p. 155). Ou seja, no fundo, apesar de elementos comuns que permitem a sua identificação e enquadramento epistemológico, como a divisão maniqueísta da sociedade (Mudde, 2020) ou o culto a um protagonista virtuoso (Zúquete, 2022) - o líder -, são partidos e movimentos elásticos e permanentemente mutáveis. Ainda assim, reconhecemos a existência de traços comuns e algo estáveis na retórica destes partidos, tais como o descontentamento provocado pela corrupção (Prior & Araújo, 2021) e os desafios introduzidos pela globalização e pela crise económica de 2008 (Cunha, 2019; Figueiras, 2019, 2020) que se refletem no seu discurso. Como ideologia débil (Mudde, 2020), “o populismo balança entre posições associadas à Esquerda, como a denúncia dos interesses das elites, disparidades socioeconómicas, globalismo e imperialismo, e à Direita, como a anti-imigração, xenofobia e capitalismo selvagem4

(Waisbord, 2018, p. 22).

Daí que “pensar o populismo é (…) pensar a democracia” (Zúquete, 2022, p. 14), dada a sua relação complexa e multifacetada com os modelos das democracias liberais (Uysal et al., 2022) e com a essência da comunicação democrática (Waisbord, 2018). Em última análise, o contexto atual, pautado pela “crise da democracia representativa” (Cunha, 2019, p. 12), tem comprovado que nenhum país está imune, como Portugal, sendo um fenómeno em crescendo num cenário “em que se discute a emergência de uma política da pós-verdade” (Prior & Araújo, 2022, p. 10).

Em 2022, sob a chancela da Fundação Francisco Manuel dos Santos, José Pedro Zúquete publicou um livro sobre o fenómeno do populismo lá fora e cá dentro. A sua obra incide, em primeiro lugar, numa abordagem macro ao cenário internacional, para depois se debruçar no micro-cenário português. Definindo o populismo como um “murro no estômago do status quo”, o autor contraria a ideia de que o Chega quebrou a excecionalidade portuguesa (Mudde, 2020; Salgado, 2019). Recuando ao período oitocentista da monarquia portuguesa, o investigador serve-se de uma abordagem histórica para identificar um dos primeiros momentos no qual podem ser identificados traços populistas: o miguelismo popular como um ‘protopopulismo’ (Zúquete, 2022). Pelo que, no cenário nacional, “a combinação do antagonismo entre povo e elites (…) como o desejo de purificação da política ou da sociedade personificada num líder (…) emergiu frequentemente na paisagem política portuguesa desde a Primeira República” (Zúquete, 2022, p. 99).

Olhando para dentro, Zúquete (2022) estabelece a sua proposta tipológica do populismo português de forma tripartida. O primeiro é o populismo militar, cujos protagonistas se colocam acima do sistema partidário tradicional, dando como exemplos Sidónio Pais e Humberto Delgado. Além da complexa relação de Otelo Saraiva de Carvalho com o ‘anarco-populismo’, baseado na sua espontaneidade revolucionária e horizontalismo de poder. A segunda tipologia é a do populismo regenerador, que se distingue da anterior por se colocar à margem do sistema partidário, procurando defender uma necessária mudança moral. Neste quadro, o autor destaca personalidades dos mais variados quadrantes políticos, do passado ao presente, desde Francisco Sá Carneiro (PSD), Basílio Horta (CDS), Paulo Portas (CDS) até ao Bloco de Esquerda (sobretudo, até 2014). A última tipologia é a do populismo local, que enquadra o poder central como elite corrupta, caracterizando-se pelo pragmatismo. Neste caso, para lá dos exemplos de vários ex e atuais presidentes de Câmaras Municipais do país, o investigador destaca o exemplo particular de Alberto João Jardim (ex-Presidente da Região Autónoma da Madeira), que tipifica o cruzamento de um populismo regenerador e o populismo local/regional (Zúquete, 2022). “A soberania que urgia defender era, em primeiro lugar, a do povo ilhéu (…) contra elites políticas e financeiras, mas também culturais” (Zúquete, 2022, p. 203).

Por conseguinte, Zúquete rejeita então a noção de excecionalidade portuguesa, que ocupa uma grande parte do discurso académico e político nacional. A sua sugestão vai no sentido de admitir que “o populismo sempre esteve cá” (Zúquete, 2022, p. 223). Como tal, na sua visão, o partido Chega e os seus traços devem ser estudados num caminho de continuidade e não necessariamente de exceção. Nessa sequência, iremos debruçar-nos sobre alguns dos estudos que têm sido publicados nos últimos anos sobre o partido e, sobretudo, o seu líder.

Os estudos sobre o caso do Chega

Cá dentro (emprestando a expressão que dá título ao livro de José Pedro Zúquete) e desde a sua fundação, a 9 de abril de 20195, o partido liderado por André Ventura (ex-PSD) tem crescido na sua representação parlamentar. De um deputado (o seu líder), o Chega, que alcançou o terceiro lugar nas eleições legislativas de 2022, aumentou a sua representação para doze deputados: Jorge Rodrigues (Aveiro), Filipe Melo (Braga), Pedro Pinto (Faro), Gabriel Mithá Ribeiro (Leiria), André Ventura (Lisboa), Rui Sousa (Lisboa), Rita Matias (Lisboa), Pedro Pessanha (Lisboa), Rui Afonso (Porto), Diogo Pacheco de Amorim (Porto), Pedro Frazão (Santarém) e Bruno Nunes (Setúbal)6. No seu programa político de 2021, aprovado no VII Conselho Nacional do partido em Coimbra, o partido reforça a sua “matriz judaico-cristã” (Chega, 2021), assumindo-se como “exclusivo de direita por razões morais e, pelas mesmas razões, rejeita toda e qualquer conotação com qualquer espectro político extremista e fundamentalista” (Chega, 2021), além de se apresentar como “conservador”, “reformista”, “liberal” e “nacionalista” (Chega, 2021). No seu Manifesto Político Fundador, afirma-se ainda como “personalista”7.

Num estudo empírico de Mariana S. Mendes (2021) aos programas de 2019 e 2021, declaração de princípios e fins8, manifesto do partido e propostas legislativas, a investigadora procurou sistematizar a agenda do partido e perceber se se enquadrava na família europeia dos Partidos Populistas de Direita Radical (Mudde, 2020), cuja agenda se caracteriza por traços nativistas, populistas e autoritários (Mudde, 2020), bem como pelos temas centrais da corrupção, imigração e segurança (Mendes, 2021; Mudde, 2020). A sua principal conclusão foi de que a agenda do partido se encaixa no perfil de direita radical, não só nas suas temáticas, mas também na relevância que lhes confere (Mendes, 2021).

A autora encontrou evidências do nativismo, um termo que combina nacionalismo e xenofobia (Mendes, 2021), nos seus programas políticos que reforçam a preocupação com uma crescente sociedade multicultural, bem como apelam a leis mais restritas de nacionalidade. Além de identificar como um dos traços fundadores do discurso e projeção pública do seu líder o facto de a comunidade cigana ser um alvo preferencial da sua crítica. “O partido é mestre em associar as minorias a impunidade legal e à dependência de subsídios estatais9” (Mendes, 2021, p. 338). A temática está intimamente relacionada com uma orientação socio-económica traduzida no conceito de producerism que diz respeito à oposição entre “makers” e “takers” (Mendes, 2021, p. 345). Uma lógica alimentada pela constante retórica de combate à subsidiodependência, na qual o partido “singulariza a comunidade cigana como o exemplo acabado desse parasitismo” (Zúquete, 2022, p. 230).

Mendes também destaca os protestos contra o antirracismo como uma tentativa de o transformar “num tema fraturante e (…) numa tentativa de politizar assuntos relacionados com o racismo, identidade e nacionalidade10” (Mendes, 2021, p. 338). O nativismo pode relacionar-se com uma abordagem sociopsicológica do fenómeno que procura abordar a dinâmica do ‘in-group’ e do ‘out-group’ no discurso populista (Uysal et al., 2022), cuja complexidade da relação faz parte da retórica populista. Os traços populistas do partido e do líder do Chega são evidenciados pelo discurso maniqueísta centralizado na fórmula dos ‘portugueses de bem’ (Mendes, 2021). Na análise que Mendes (2021) fez do Facebook dos partidos, a par do Chega, o segundo partido com mais referências ao ‘povo’ foi o PCP. No que se refere a posturas autoritárias, a autora destaca as posições do partido em relação ao aborto e eutanásia que, no programa de 2019, os enquadravam como homicídios (Mendes, 2021). No campo da justiça, a segurança e os crimes sociais são dois dos temas mais prevalentes na sua agenda partidária e comunicação com o eleitorado (Mendes, 2021). Por fim, a investigadora destaca que “com a exceção da oposição à integração Europeia, que se tornou central na família partidária, o Chega tem alimentando a saliência da tríplice CIS corrupção-imigração-segurança11” (Mendes, 2021, p. 348). Aliás, é uma agenda à qual o Chega se mantém fiel e que nem no contexto pandémico sofreu grandes alterações discursivas (Serrano, 2022).

A sua presença mediática tem sido também analisada por vários académicos e académicas. Além das e dos líderes populistas poderem ser descritos como “figuras políticas carismáticas, com um discurso messiânico e, muitas vezes, autoritário” (Prior & Araújo, 2021, p. 5), são figuras que vivem sobretudo da sua presença transmediática. No caso de André Ventura, por exemplo, Zúquete destaca a sua “celebridade mediática e televisiva” (2022, p. 226) como catalisador da sua persona pública, além da sua utilização inovadora das redes sociais, como o Twitter/X, como veículo de comunicação direta com o eleitorado (Zúquete, 2022).

Outra das características mais evidenciadas na figuração pública e mediática do líder do Chega é a sua religiosidade (Camilo, 2022; Dias, 2022; Zúquete, 2022). João Ferreira Dias destaca que, no caso de André Ventura, o seu discurso messiânico se cruza com um dos mitos nacionais: o Sebastianismo, “que constitui o pináculo da existência irrealista de Portugal12” (2022, p. 85). A sua linguagem “missionária choca de frente com a linguagem mais burocrática típica dos restantes políticos” (Zúquete, 2022, p. 228), autorrepresentando-se como um “«homem com uma missão»” (Zúquete, 2022, p. 228), aparecendo diversas vezes publicamente a rezar. Para lá da relação da sua narrativa missionária em íntima conexão com o Sebastianismo, Zúquete também sublinha as persistentes referências discursivas a Sá Carneiro como ideal de “promessa inacabada de transformação do país” (Zúquete, 2022, p. 230). Regressando à tipologia tripartida do autor, na sua visão, o Chega representa então “o último espécime do populismo regenerador (...) da Terceira República Portuguesa” (Zúquete, 2022, p. 226).

Há uma dimensão da qual não nos podemos, nem devemos esquecer: o papel dos media informativos (assim como os de entretenimento). “Os políticos populistas precisam da atenção dos media e estes precisam de atores políticos dispostos a cumprir o compromisso das notícias com a vitalidade emotiva” (Figueiras, 2020, p. 28), sendo a mediatização da comunicação populista indissociável da lógica mercantilista e de procura incessante por audiências (Serrano, 2020). Assim, é uma relação biunívoca, uma vez que traz benefícios para ambos, mesmo quando o tratamento mediático se pode caracterizar como hostil (Novais, 2022; Zúquete, 2022). Em 2019, Susana Salgado, num artigo publicado antes da fundação do Chega e cujo lugar era ocupado pelo PNR13, destacava: “a política portuguesa e os media mainstream têm sido resistentes à onda populista14” (2019, p. 53). Uma tendência que, nesse mesmo ano, se veio a inverter. No caso de André Ventura, Estrela Serrano destaca que “a liderança populista (…) se alimenta essencialmente da sua presença nos media” (2020, p. 237).

Mais recentemente, no cenário ibérico, Rubén Ramos Antón e Carla Baptista revelam que “os jornalistas se tornaram num alvo da direita radical europeia15” (2022, pp. 619-620). No seu estudo, os investigadores destacam, por exemplo, que enquanto as redes oficiais do Chega não atacam nenhum órgão de comunicação social em particular, André Ventura, em dois tweets, identifica claramente dois jornalistas. “As apelações diretas que implicam um insulto ou agressão a um profissional são encontradas mais claramente nos perfis do Vox e de André Ventura16” (Antón & Baptista, 2022, p. 637). Ainda com Portugal e Espanha como pano de fundo, Lea Heyne e Luca Manucci analisaram o eleitorado do Vox e do Chega e concluíram que “o eleitorado ibérico dos partidos de direita radical está mais alinhado com os partidos da mesma família da Europa Ocidental no que toca a temas socio-demográficos, desconfiança e desagrado político, dieta mediática e a rejeição da imigração e feminismo17” (2021, p. 1). Em relação a temáticas de interesse, no caso do Chega destaca-se a situação económica e do custo de vida, enquanto no Vox se destaca a questão da identidade nacional, o que demonstra a importância do contexto nacional para o estudo destes fenómenos (Heyne & Manucci, 2021). No que diz respeito à ‘dieta mediática’, os investigadores destacam que os seus eleitores consomem, maioritariamente, informações através do Facebook e tabloides (Heyne & Manucci, 2021).

Em relação ao discurso antifeminista do partido, Sofia P. Caldeira e Ana Flora Machado analisaram a repercussão da #vermelhoembelem, na sequência dos comentários de André Ventura a Marisa Matias, nas eleições presidenciais de 2021. O líder do Chega “insultou publicamente a candidata de Esquerda, Marisa Matias, desconsiderando o seu uso de batom vermelho, como maquilhagem demasiado feminina, imprópria e como sinal de fraco profissionalismo” (Caldeira & Machado, 2023, p. 1). O movimento ganhou notoriedade nacional e transnacional, tornando-se numa ferramenta de participação e ativismo político alavancado pelos algoritmos, através das diversas plataformas (Caldeira & Machado, 2023). Na opinião das autoras, o movimento permitiu demonstrar “como a resistência feminista pode emergir em resposta ao crescimento da direita radical em Portugal e pelo globo19” (Caldeira & Machado, 2023, p. 12), além de destacarem uma posição combativa em relação aos papéis de género tradicionais defendidos pelo Chega (Caldeira & Machado, 2023). No entanto, este não é um tema novo no discurso de André Ventura e do partido, nem de outros partidos do mesmo quadrante político, como o Ergue-te!. Rita Santos e Sílvia Roque (2021) cruzam a agenda antifeminista com a anti-imigratória. “No discurso do Chega, a necessidade de políticas para a natalidade são claramente associadas ao desejo de controlar a imigração e, portanto, proteger a identidade nacional20” (Santos & Roque, 2021, p. 49). A utilização de redes sociais e a presença mediática são duas das principais estratégias e ferramentas de comunicação do Chega para veicular as suas propostas e ideais, como os que foram acima estudados e sistematizados por diversos autores e autoras. Mas, em 2022, o partido apostou na criação de uma publicação doutrinária, a Folha Nacional, cujo grafismo é semelhante aos dos órgãos de comunicação social impressos e online. Deste modo, acreditamos ser pertinente e de extrema importância o seu estudo, tendo como base os estudos já realizados sobre o tema.

As publicações partidárias portuguesas

A comunicação política é central para a vitalidade dos partidos, das suas agendas e dos seus líderes. Em todo o caso, “os políticos foram perdendo o controlo sobre o seu discurso e a sua imagem, deixando de pensar a sua ação à margem dos média” (Figueiras, 2019, p. 32). Em 1992, a Internet penetrava pela primeira vez nas campanhas eleitorais norte-americanas (Figueiras, 2020). Cada vez mais sofisticada e transmediática, a máquina partidária continua, ainda assim, a servir-se de velhos instrumentos, como as conferências de imprensa ou as campanhas de rua, complementando-os com uma comunicação centrada nas redes sociais. Hoje, os assessores de imprensa assumem também o papel de gestores de perfis e de curadoria dos conteúdos de quem representam, indo além de uma das suas principais funções: a “indução de notícias no campo do jornalismo” (Ribeiro, 2014, s.p.).

No ano de 2009, João Canavilhas apontava já algumas tendências, nomeadamente, o exacerbar de uma procura por “formas de anular ou reduzir a inferência do jornalismo no conteúdo” (2009, p. 1) da sua mensagem política. Ou seja, procuravam reduzir a sua dependência dos media informativos e do seu gatekeeping (Essenger et al, 2017; Figueiras, 2020; Ribeiro, 2014), embora continuem a ser um dos dispositivos mais poderosos para alcançar a opinião pública (Canavilhas, 2009), tratando-se, no fundo, de complementos (Canavilhas, 2009).

A Web e, mais recentemente, as redes sociais, permitiram um alcance global e imediato aos cidadãos, de forma a contornar a mediação tradicional dos meios de comunicação social. O caso do Twitter (agora, oficialmente, X), como canal de microblogging (Canavilhas, 2009), ainda se repercute nos dias de hoje, sendo um dos principais canais de comunicação de líderes políticos e dos partidos que representam (Canavilhas, 2009; Rivas-de-Roca et al., 2022). Ainda assim, apesar de serem canais de comunicação diretos e sem mediação, a arquitetura das plataformas (Figueira, 2020) define um conjunto de normas, possibilidades e regras que condicionam o conteúdo publicado e influenciam o alcance do que é publicado. “As redes sociais converteram-se, não obstante, num ambiente profícuo à disseminação de mensagens de ódio que alimentam os partidos e movimentos mais extremistas21” (Antón & Baptista, 2022, p. 622).

Mais recentemente, por exemplo, o X de Elon Musk começou a limitar o número de tweets a que um utilizador pode aceder diariamente, tendo em conta a data de criação, bem como o selo de verificação. Além de que a própria lógica algorítmica favorece publicações de caráter simplista e provocador (Engesser et al., 2017; Figueiras, 2020), do qual Donald Trump era expoente máximo, mas que, em 2021, determinou a sua expulsão da plataforma. Além de outros políticos, como André Ventura, que, mais recentemente, já tiveram as suas contas suspensas.

No quadro destas estratégias, podemos incluir a imprensa partidária. A sua génese em Portugal data do pré-25 de abril, mas foi já em ambiente de liberdade que mais partidos fundaram os seus jornais como veículo de comunicação dos seus ideais, valores e eventos políticos. Atualmente, com registo ativo na ERC, existem cinco publicações nacionais partidárias, como se pode conferir na Tabela 1 22:

Tabela 1 Publicações partidárias periódicas com registo ativo na ERC, a 29 de junho de 2023 

Fonte: Autora com base nos registos da ERC, através do recurso à ferramenta Canva

De facto, o primeiro registo na ERC de uma publicação doutrinária é de Fraternidade, em 1972, de índole religiosa e, como tal, propriedade da Igreja. No caso dos partidos, o primeiro registo é o do Avante, mas a sua circulação clandestina (Espírito Santo & Costa, 2016) é anterior a 1974. Os restantes surgiram num contexto pós-revolucionário com várias adaptações ao longo do tempo, como a criação de sites oficiais, até relativamente independentes do site oficial do partido ou a circulação através de Newsletter.

Com o foco numa análise do discurso dramático, a partir de um modelo adaptado de um estudo anterior do mesmo autor, Pedro Diniz Sousa (2005) comparou os jornais do ‘PREC23’: Voz do Povo (União Democrática Popular) e Portugal Socialista (PS) em relação ao Esquerda (BE) e o Povo Livre (PSD). Na altura do estudo, o PSD assumia a liderança do Governo, pelo que o investigador destaca o papel da sua publicação periódica “cumpre os deveres que são de esperar”, identificando “uma abundante nomeação de figuras do partido (…), uma forte aposta nas associações binárias e, para além disso, um recurso muito moderado ao discurso dramático” (Sousa, 2005, p. 746). Por seu lado, no Esquerda, “a dramatização joga um papel essencial na sua estratégia comunicacional” (Sousa, 2005, p. 745). Como tal, acreditamos que é de suma importância referir que, na nossa opinião, o contexto e a posição ocupada pelo partido no cenário político e governativo se reflete na sua publicação partidária, assim como na natureza do discurso veiculado.

“Os jornais reproduzem a visão partidária e ajudam a disseminar os ideais e propostas dos seus líderes24’ (Espírito Santo & Costa, 2016, p. 1). Desta forma, o seu estudo não deve ser ignorado, mas sim complementar às outras formas de comunicação do partido, não deixando de ser interessante sublinhar que, na era digital, o suporte em papel ainda continue a ser uma aposta (assim como a venda em banca ou distribuição gratuita) em complemento com o formato online. Por fim, acreditamos que as palavras de Paula Espírito Santo e Bruno Costa resumem a importância do estudo destes instrumentos, como faremos de seguida: “a imprensa partidária ainda é um veículo privilegiado de transmissão de mensagens políticas e partidárias, assim como assume um papel preponderante na defesa de ideologias políticas25” (2016, p. 1).

O caso da Folha Nacional (pela verdade)

A publicação partidária do partido Chega, fundado em 2019, nasceu no mesmo ano em que o partido aumentou a sua representação parlamentar de 1 deputado para 11 deputados e 1 deputada. Com o registo definitivo na ERC a 31 de maio de 2022, a primeira edição data do dia 10 de junho de 2022, cuja manchete é: “Parlamento protege Mariana Mortágua e recusa levantar imunidade”.

Desde a sua fundação, Nuno Valente assume o papel de Diretor e Patrícia de Carvalho o de Diretora Adjunta. Ricardo Dias Pinto é o Subdiretor e Bernardo Pessanha como Editor. No seu Estatuto Editorial26, apresenta-se pelo “combate à censura positiva ou negativa e da luta pela melhor informação e melhores conteúdos”. O seu slogan “Pela Verdade” - tipifica, a nosso ver, uma crítica às elites mediáticas típica de partidos populistas de direita (Essenger et al., 2017). Anuncia ser uma edição diária online, mas com edições especiais em papel que são, nalguns casos, vendidos em banca27 e/ou distribuídos gratuitamente28.

A nossa recolha das 70 capas do corpus29, desde a primeira edição até à edição do dia 16 de junho de 2023, foi realizada através do site, que disponibiliza os conteúdos gratuitamente: https://folhanacional.pt/. A partir da recolha conseguimos perceber que a edição PDF dos jornais não está integralmente disponibilizada em todas as edições, como a n.º 33, por exemplo. Além disso, embora não seja o nosso foco, destacamos que o grafismo foi sofrendo alterações ao longo do tempo, como ilustramos de seguida, na Imagem 1:

Imagem 1 Diferentes grafismos da publicação: n.º 1, n.º 17, n.º 34 e n.º 59 (da esquerda para a direita) 

O nosso objetivo será, como já anunciámos anteriormente, analisar a publicação, tendo em conta os temas das suas capas, bem como os seus protagonistas, sendo já expectável que a publicação reflita a ideologia do partido (Espírito Santo & Costa, 2016; Mendes,

2021; Sousa, 2005). Desta forma, através de uma análise temática complementada com uma breve análise de conteúdo, procuraremos a resposta às seguintes indagações: 1) Quais os principais temas destacados?; 1.1) Qual a proximidade temática com a ‘agenda populista’ de partidos populistas de direita (Mendes, 2021; Mudde, 2020)?; 2) Quem são os protagonistas identificados? e 2.1.) Como são enquadrados os diferentes protagonistas?

Metodologia

A análise temática realizada guiou-se nas etapas enunciadas em Braun & Clarke (2006). Deste modo, seguimos as seis etapas sistematizadas pelas autoras: 1) familiarização com o corpus; 2) estabelecimento dos códigos iniciais; 3) junção dos códigos em temas; 4) revisão dos temas identificados; 5) definição e nomeação dos temas e 6) discussão e análise dos resultados.

A primeira fase, após a recolha das capas publicadas no site da publicação, foi a leitura cuidada e atenta de cada uma delas, à luz dos conceitos explanados no enquadramento teórico. Os estudos de Mendes (2021) e de Mudde (2020) foram basilares para a primeira sistematização e padronização das capas, que permitiu a posterior agregação em macrotemas.

A tematização focou-se nas manchetes de cada capa. Deste modo, após uma primeira sistematização temática do corpus, realizámos uma segunda análise e revisão dos dados. A nomenclatura dos temas emergiu dos estudos enunciados no enquadramento teórico, bem como procurámos adequar à realidade e natureza da publicação, como se irá observar de seguida.

Para lá de uma primeira tematização das capas, decidimos também focar uma das linhas centrais do discurso populista (Mendes, 2021; Mudde, 2020) e que coincide com o tema mais expressivo na publicação: a crítica às elites. A padronização permitiu identificar dois grandes grupos de opositores: governo PS e opositores ‘diretos’. Nesta segunda leitura procedemos à tematização das críticas e consecutiva identificação dos opositores destacados nas manchetes das capas da publicação em análise. A análise de conteúdo versou sobre os opositores identificados nesta segunda tematização, bem como noutros protagonistas - individuais e coletivos - destacados graficamente nas edições. Além da sua representatividade quantitativa, procurámos identificar o tom predominante no seu enquadramento. Para esta variável tivemos em conta elementos textuais (principalmente, a adjetivação e figuras de estilo) e imagéticos que enquadravam as figuras em destaque.

Discussão de resultados

Análise temática

Da nossa análise temática às manchetes, com base nos estudos de Mariana S. Mendes (2021) e de Mudde (2020), assim como na observação empírica do corpus, identificámos os seguintes macrotemas organizados no Esquema 1:

Esquema 1 Macrotemas das manchetes da Folha Nacional. Fonte: Autora 

Dentro destes macrotemas, há uns mais relevantes do que outros e aos quais o partido dá maior destaque, estando organizados no Esquema 1 pela maior presença nas capas. Olhando para as manchetes, o tema mais prevalente é a crítica às ‘elites’ partidárias do sistema, nomeadamente, o Governo do Partido Socialista, sendo um dos traços do populismo regenerador do partido (Zúquete, 2022). A crítica genérica às ‘elites’ partidárias é o tema principal de quarenta e três capas, que representam 61,4% do total, como no caso da capa n.º 9, cuja manchete é “Este Governo está um caos”.

Tratando-se de uma publicação partidária, seria, no nosso ponto de vista, expectável que a atividade e propostas do partido e do seu líder pudessem ser um dos temas predominantes, mas isso só acontece em dez capas, ou seja, 14,3% das capas. Em relação às propostas, duas capas fazem referência à proposta do Chega para o regresso da prisão perpétua a Portugal, bem como a defesa da castração química, sendo medidas já patentes e repetidas no seu discurso (Serrano, 2020).

Tendo em conta esta predominância, parece-nos ser importante olhar de perto para o macrotema que domina o corpus: a crítica às ‘elites’ do sistema. Assim, a nossa análise permitiu ainda perceber os diversos protagonistas focados neste âmbito, bem como os eventuais microtemas associados, como ilustrado na Esquema 2:

Esquema 2 Microtemas associados à crítica às elites, bem como os seus protagonistas. Fonte: Autora 

O esquema acima permite perceber que o principal visado nas capas analisadas é o Governo PS, sendo a sua gestão alvo permanente de crítica. No que se refere ao âmbito dessa crítica, há uma prevalência à crítica de uma má gestão do Serviço Nacional de Saúde (SNS), bem como de uma má gestão ao combate de incêndios. Seguem-se a má gestão da TAP (cf. n.º 60) e a crítica aos casos de alegada corrupção e de favorecimento a alguns deputados, políticos e familiares de membros do PS (cf. n.º 67). No caso da crítica à gestão do SNS, a principal visada é Marta Temido, ministra da Saúde na altura, apelando à sua demissão (n.º 6). No que diz respeito às e aos ‘opositores diretos’, muitos destes atores coincidem com os protagonistas visados a seguir analisados.

Regressando aos macrotemas, a imigração é um dos temas centrais, como destacámos anteriormente, na agenda de partidos da família do Chega (Mendes, 2021; Mudde, 2020; Prior, 2022; Santos & Roque, 2021; Serrano, 2020; Waisbord, 2018). Na Folha Nacional, a temática foi manchete em três capas, ou seja, 4,3% do corpus. A corrupção surge associada à figura de Lula da Silva e a sua vinda a Portugal, bem como às situações referidas anteriormente. A defesa das forças de segurança/autoridade é também um dos temas e bandeiras do partido, que é central, ainda assim, em apenas duas capas.

Em relação aos opositores diretos, há um que assume particular destaque: Augusto Santos Silva, Presidente da Assembleia da República. Numa das capas (cf. n.º 11), a publicação compara o político ao chefe e ditador do Estado Novo, António Oliveira Salazar. António Costa é o segundo oponente com mais destaque, sendo que há capas dedicadas só à sua figura e não necessariamente ao Governo, como a que o retrata como “O ilusionista que engana Portugal” (n.º 24).

No caso dos jornalistas, que são um dos alvos destes partidos (Antón & Baptista, 2022), a capa n.º 42 identifica vários profissionais que fizeram trabalhos de investigação sobre o partido, bem como destacam Ana Gomes, Fabian Figueiredo (BE) e António Costa com o título: “o jornalismo veste esquerda”. Parece-nos importante salientar a crítica à classe jornalística e ao jornalismo em si na publicação do Chega, cujo lema do jornal é “pela verdade”. Numa das edições publicadas, a n.º 40, a publicação assume-se como um “jornal sem censura”, estendendo e elevando a sua crítica aos órgãos de comunicação social portugueses e aos seus profissionais, que são desclassificados na crítica do partido.

As e os protagonistas

Sendo uma publicação periódica de um partido, seria expectável que as e os protagonistas pudessem ser os seus militantes e dirigentes. Assim, em termos de presença como protagonistas, identificámos os seguintes atores30 na Tabela 2, assim como os diferentes tons31 que foram retratados:

Tabela 2 Protagonistas e presença nas capas da publicação, assim como o tom com que são retratados 

Fonte: Autora

De acordo com a nossa análise, é possível perceber que o Primeiro-Ministro António Costa é mais vezes protagonista, assim como o Governo num todo, do que o líder do Chega, André Ventura. Em relação ao tom, é destacadamente positivo em relação ao deputado, um indíviduo “larger-than-life” (Fattore & Wagner, 2022, p. 5), enquanto a maioria dos restantes protagonistas são enquadrados negativamente, como opositores. Afinal, “o líder populista ora ataca, acusa ou culpa a elite pelo mau funcionamento e deficiências democráticas32” (Essenger, 2017, p. 1112). Assim, a nossa análise demonstra que as oposições binárias e maniqueístas (Mudde, 2020) são permanentes nas capas.

No que se refere aos protagonistas coletivos, assume um particular destaque o Governo PS e os seus membros, sendo o seu enquadramento tipicamente negativo. É de notar a parca representação de protagonistas do Chega, para lá do seu líder, sendo expectável que, quando representados, seja positivamente, como identificámos. Exemplo disso é a capa n.º 36: “Chega confronta Governo no Parlamento”.

Considerações Finais

Após a nossa análise, importa, por fim, recuperar as questões que guiaram a nossa pesquisa: 1) Quais os principais temas destacados?; 1.1) Qual a proximidade temática com a ‘agenda populista’ de partidos populistas de direita?; 2) Quem são os protagonistas identificados? e 2.1.) Como são enquadrados os diferentes protagonistas?. A tematização do corpus permitiu identificar os macrotemas da Folha Nacional, durante o primeiro ano de publicações. Através da análise das manchetes, identificámos os seguintes temas principais: a crítica às ‘elites’ do sistema; propostas legislativas/agenda partidária; corrupção; custo de vida; imigração e o apoio às forças de segurança/autoridade. Estes macrotemas estão em linha com a agenda sistematizada por Mendes (2021), nomeadamente, a questão da corrupção e da imigração, a par do reforço do discurso populista inerente à crítica das elites que são enquadradas negativamente (Mudde, 2020). A questão da segurança é subtilmente abordada no tema da imigração, mas também nas duas capas dedicadas à classe profissional dos polícias. Um dos principais protagonistas é, como seria expectável, tendo em conta o culto permanente à sua figura de líder, André Ventura. No entanto, destacamos o facto de ser dado maior destaque a António Costa, figura da oposição, o que ilustra, a nosso ver, a utilização da publicação como portal de denúncia e de crítica ao governo, mais do que de propaganda partidária (Espírito Santo & Costa, 2016). No fundo, todos aqueles que são enquadrados como oponentes (Augusto Santos Silva, Fernando Medina, Marta Temido, Ana Gomes, Mariana Mortágua, Rui Tavares, Jornalistas e o Governo PS) são retratados com um tom predominantemente negativo à exceção de Marcelo Rebelo de Sousa a quem, a nosso ver, é dado um destaque neutro. Sublinhamos também a presença maioritariamente masculina nestes protagonistas, sendo o único de âmbito internacional Lula da Silva, que é destacado em temas relacionados com a corrupção. No fundo, o nosso estudo testemunhou “a emergência de estratégias populistas que se estão a tornar um master frame da comunicação política” (Figueiras, 2020, p. 29). A permanente polarização do debate público, político e mediático reflete-se em todas as plataformas, não sendo as publicações partidárias, doutrinárias por excelência, exceção. Neste sentido, é de ressalvar o facto de um partido que desconsidera os jornalistas e o jornalismo, como numa das capas analisadas e como destacam estudos anteriores (cf. Antón & Batista, 2022), recuperar como estratégia e ferramenta de publicação um Jornal, em formato online e impresso, para comuni-

car com o eleitorado.

No entanto, a nossa análise empírica não é isenta de falhas, nem de limites. Os nossos resultados são o produto do cruzamento da análise das capas suportada nas referências e autores que consultámos. Como tal, a nossa tematização é uma proposta que se construiu com base nesses pressupostos, pelo que outra ou outro investigador poderiam focar outros aspetos e dimensões. Por outro lado, uma análise semiótica exaustiva das capas seria importante para desconstruir os vários mitos impregnados na imagética das capas da Folha Nacional, além de um estudo aprofundado do conteúdo dos jornais e da autoria das peças publicadas. A edição online e a sua relação de (in)dependência com a imprensa é um dos elementos a não esquecer em estudos futuros.

Em suma, “num regime democrático vão sempre coexistir duas versões de populismo” (Zúquete, 2022, p. 128), seja como arma de arremesso político, tal qual insulto, quer a sua dimensão como ferramenta analítica. Acreditamos, por isso, que o nosso contributo pode ser útil para abrir o diálogo para mais abordagens a objetos de estudo tão relevantes como a imprensa partidária. Sugerimos, neste sentido, uma possível abordagem transnacional a partidos da mesma ‘família’, que permitam enriquecer o conhecimento sobre mais uma nova (velha) forma de comunicação política.

Conflito de interesses | Conflict of interest

A autora não tem conflitos de interesses a declarar. The author has no conflicts of interest to declare.

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Notas

1A última atualização da qual nos servimos e cujos dados usámos no presente artigo é a base de dados das publicações periódicas ativas até à data de 29 de junho de 2023, publicada no site da ERC: https://www.erc.pt/pt/registo-de-ocs/listagem-de-registos

2Confira (Cf.) https://folhanacional.pt/

3Conferir, a título de exemplo, os estudos de Antón & Batista (2022), Dias (2022), Prior (2022), Santos & Roque (2021) ou Serrano (2020, 2022).

4Tradução livre.

9Tradução livre.

10Tradução livre.

11Tradução livre.

12Tradução livre.

13Partido Nacional Renovador, atual Ergue-te!, cujo Presidente é José Pinto Coelho.

14Tradução livre.

15Tradução livre.

16Tradução livre.

17Tradução livre.

19Tradução livre.

20Tradução livre.

21Tradução livre

22De acordo com os dados da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, Manuel Rodrigues possui Cartão de Equiparado a Jornalista. Patrícia Martins de Carvalho foi jornalista em órgãos como o Correio da Manhã e Notícias ao Minuto. Dos restantes diretores, não conseguimos encontrar informação.

23Processo Revolucionário em Curso (11 de março de 1975 a 25 de novembro de 1975)

24Tradução livre.

25Tradução livre.

28Mais recentemente, em julho, o partido distribuiu gratuitamente pela zona de Lisboa a edição n.º 73 com a manchete “Imigração descontrolada em França. Será que estamos mais seguros em Portugal?”, cf. https://folhanacional.pt/wp-content/uploads/2023/07/FN_07072023_VF.pdf

29As capas recolhidas estão disponíveis em https://drive.google.com/drive/folders/1ZUHhNaiZ_ZvhuQWjlAIXYmYm4AswT3k?usp=sharing

30Ressalva-se que considerámos diferentes protagonistas nas mesmas capas.

31Reconhecemos esta dimensão como uma das que reflete maior subjetividade da nossa parte, sendo que a análise se baseou nos elementos textuais e imagéticos que enquadravam o ou a protagonista em causa.

32Tradução livre.

Recebido: 22 de Julho de 2023; Aceito: 29 de Setembro de 2023

Catarina Magalhães. Doutoranda em Ciências da Comunicação na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. É mestre em Jornalismo e Comunicação e licenciada em Jornalismo e Comunicação com Menor em Línguas Modernas Inglês pela mesma instituição. Atualmente, é investigadora colaboradora do CEIS20 e os seus principais interesses de pesquisa são as representações e narrativas mediáticas, comunicação política e populismo. Ciência ID: 6413-1D6B-180A Morada: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Largo da Porta Férrea, 3000370, Coimbra, Portugal

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