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Media & Jornalismo

versão impressa ISSN 1645-5681versão On-line ISSN 2183-5462

Media & Jornalismo vol.21 no.38 Lisboa jun. 2021  Epub 30-Jun-2021

https://doi.org/10.14195/2183-5462_38_2 

Artigo

Pesquisa aplicada em Realidade Virtual: as particularidades e possibilidades do uso da tecnologia na produção jornalística

Applied research in Virtual Reality: possibilities and challenges of technology in Journalism production

1 Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil. angeloeduardorocha@gmail.com, pmrocha@uepg.br


Resumo

O artigo discute o uso da tecnologia em Realidade Virtual (VR) na produção de conteúdo jornalístico em audiovisual. A reflexão teórico-metodológica envolveu pesquisa experimental, aplicada e experiencial, formato micro documentário no Jornalismo e gêneros jornalísticos imersivos. Para descrever o processo de produção, montagem e distribuição de peças jornalísticas imersivas realizou-se uma pesquisa aplicada de forma experimental ao produzir quatro micro documentários em VR sobre agricultura familiar. Foram testados diferentes recursos - enquadramento, configurações de imagem e áudio, técnicas jornalísticas e elementos gráficos - na construção da narrativa imersiva. Os resultados apontam que a aplicação da Realidade Virtual exige pensar novas habilidades e conhecimentos no fazer jornalístico, aplicados tanto na etapa de pré-produção, quanto na construção e distribuição.

Palavras-chave: processos jornalísticos; pesquisa aplicada; inovação tecnológica; realidade virtual; micro documentário

Abstract

The article discusses the use of technology in Virtual Reality (VR) in the production of journalistic content in audiovisual. The theoretical-methodological reflection involved experimental, applied, and experiential research, the micro-documentary format in Journalism, and immersive journalistic genres. To describe the process of production, assembly, and distribution of immersive journalistic pieces and applied research was carried out experimentally when producing four micro-documentaries in VR on family farming. Different resources were tested - framing, image and audio settings, journalistic techniques, and graphic elements - to construct the immersive narrative. The results show that the application of Virtual Reality requires thinking about new skills and knowledge in journalistic practice, applied both in the pre-production stage and in the construction and distribution.

Keywords: journalistic processes; applied research; technologic innovation; virtual reality; micro documentary

Considerações iniciais

Adventos tecnológicos ocasionaram transformações estruturais do Jornalismo, a partir da popularização da internet na década de 1990, transpondo para emissoras de rádio e televisão, jornais e revistas impressos e online e, quase duas décadas depois, desenvolveram Realidade Virtual (VR1), Realidade Aumentada (AR) e Inteligência Artificial (AI). A tecnologia não atua isolada, incorporada no processo de produção jornalística, configuram-se inovações no próprio processo, perpassando narrativas, formatos, fontes de informação e apresentação de conteúdo, somado a uma mudança no comportamento do público.

Ao transpor o conceito de inovação das disciplinas Economia e Administração para o Jornalismo, Flores (2016) coloca a tecnologia na inovação do jornalismo. Nesse sentido, o processo de produção jornalística e seu produto devem ser pensados a partir de: i) conteúdo e narrativa, ii) tecnologia e formato, e iii) modelo de negócio, ou todos em conjunto. Existem diferentes entradas para pensar o jornalismo de inovação, mas Flores (2016) salienta que devem perpassar pelo processo jornalístico (apuração, produção, circulação e consumo), pois, “a forma pela qual o texto é organizado, reflete em inovações inclusive na apuração, na atenção e precisão ao relato e à fonte, no potencial criativo do repórter e do editor. Isso apenas reafirma a importância do bom trabalho jornalístico para qualquer instância da atividade” (Flores, 2016, p. 15).

A tecnologia cria experiências com a realidade dos fatos, possibilitando agregar informações e narrativas ao Jornalismo. Por exemplo, newsgames e reportagens em VR, além de modificarem as etapas do processo produtivo jornalístico e da formatação, ambos se configuram como outro modo de narrativa na publicação, consumo e circulação. “O jornalismo nunca pôde levar o seu leitor até o acontecimento, para que ele ‘veja com os próprios olhos’ a notícia se desenrolar, com a Realidade Virtual isso poderá ser, ainda que planejada, mais uma possibilidade da tecnologia a serviço do bom jornalismo” (citado em Flores, 2016, p.10).

Na Realidade Virtual sensações de imersão e presença (De La Peña et al., 2010), experiências e sentidos são explorados para abordar um acontecimento jornalístico. Pavlik (2014) indica que o Jornalismo Imersivo possibilita ao leitor a vontade de parar de ver as notícias para começar a vivê-las. Porém, sugere-se que as características da VR no jornalismo mudam não só o modo de consumir jornalismo, mas também interferem na produção de conteúdo, visto que o jornalista desenvolve novas habilidades e conhecimento com a VR.

Doyle, Gelman e Gill (2016) indicam que o primeiro contato da VR com o Jornalismo aconteceu em 2012, com o experimento do documentário Hunger in Los Angeles1 da jornalista e pioneira nos estudos sobre Jornalismo Imersivo (JI), Nonny de la Peña. O documentário recria em animação VR a cena de um homem em coma diabético em uma fila de doação de alimentos.

A partir de 2012 iniciaram as experimentações e o uso da VR na produção jornalística, surgindo um novo paradigma no jornalismo, ao mostrar algumas mudanças na forma de produzir, entregar e consumir peças jornalísticas. O presente artigo discute o uso da tecnologia pela perspectiva do processo produtivo jornalístico em VR, considerando questões éticas, deontológicas e epistemológicas da profissão. A reflexão parte de dois movimentos: i) uma revisão bibliográfica com uma breve contextualização do uso da VR no jornalismo e uma classificação por temas e editorias, para compreender o uso da tecnologia no Jornalismo por empresas e iniciativas de diferentes nacionalidades; ii) uma reflexão crítica sobre as etapas e resultados de uma pesquisa aplicada de forma experimental com o uso da VR na produção de uma série de quatro micro documentários, titulada “Agricultura familiar em Pauta” 2.

A pesquisa busca compreender as particularidades, potencialidades e limitações do uso da tecnologia na produção jornalística, considerando todas as etapas do processo de produção jornalística: seleção da pauta, apuração, construção, montagem, edição e distribuição. Assim, estruturamos o artigo em três partes: contextualização do uso da VR no Jornalismo e revisão de discussões acadêmicas sobre como foram essas aparições; fundamentação teórica-metodológica da pesquisa aplicada; e análise crítica das etapas do estudo experimental: descobertas e considerações.

A inserção da Realidade Virtual nas redações jornalísticas: precursores e recorrentes

Empresas jornalísticas como The Wall Street Journal, The New York Times, The Washington Post, RYOT, BBC, Discovery Channel, Fusion, ABC News, Frontline e CNN começaram a produzir conteúdo com VR em 2015. The Displaced3 pelo The New York Times (NYT) foi uma das primeiras publicada em novembro de 2015. No mesmo ano, o jornal lançou o aplicativo NYT VR.

Na América Latina, o jornal argentino Clarín lançou o aplicativo para conteúdo em VR em abril de 2016 (Longhi; Pereira, 2016). Ainda em 2015, o canal do YouTube Toda Notícia (TN 360) produziu conteúdo em VR, na Argentina (Linares, 2017). Segundo o autor, os primeiros vídeos em 360 graus da emissora de televisão Globo foram do Carnaval de 2015. No mesmo ano, a filial da Globo em Minas Gerais, em parceria com Charles Boggiss, diretor da start-up brasileira UView360, recorreu à VR para produzir a peça “Da barra ao barro: vídeo 360 mostra em detalhes cidade arrasada pela lama em MG”4. A peça retrata a tragédia5 causada pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, no estado de Minas Gerais.

A mesma tragédia, citada anteriormente, em Mariana, foi tema do documentário em VR “Rio de Lama: a maior tragédia ambiental do Brasil6, produzido entre 2015 a 2016, com direção de Tadeu Jungle e produção de Marcos Nisti e Rawlinson Peter Terrabuio. Contou com a parceria das produtoras Academia de Filmes, Maria Fumaça e com a startup Beenoculus, que desenvolve dispositivos e produções com a tecnologia de VR. A produção destacou-se internacionalmente, pela tragédia socioambiental, pelo uso da tecnologia e por ser uma das primeiras produções jornalísticas em VR no Brasil. O documentário foi lançado no dia 4 de abril de 2016.

Na Espanha, em abril de 2016, o El País lançou sua primeira experiência em VR Fukushima, vidas contaminadas7, com nove minutos de duração. A produção abordou as consequências do terremoto ocorrido no Japão em 2011, que provocou o acidente nuclear da usina Fukushima.

No segundo semestre de 2016, o NYT lançou no site do jornal The Daily 360, uma sessão com conteúdo diário em VR. O britânico The Guardian produziu sua primeira experiência em realidade virtual em abril de 2016, 6x9: A virtual experience of solitary confinement.

Lima (2018) observa 120 vídeos publicados nos primeiros quatro meses - novembro de 2016 a fevereiro de 2017 - do projeto de The Daily 360. Para categorizar os vídeos, a autora utiliza editorias - temas mais abrangentes - e subeditorias - mais específicas. Nas editorias, destacam-se as seguintes porcentagens: País (30,83%), Mundo (28,33%), Cultura (11,67%), Lifestyle (10,83%), Política (9,17%), Esporte (7,5%) e Ciência e Tecnologia (1,67%). Nas subeditorias (listamos apenas as sete maiores percentagens): Curiosidade (15%), Manifestação (10%), Eleições (7,5%), Celebridade (5,82%), Meio Ambiente, Música e Turismo (ambas com 5%). Nota-se que a subeditoria “Curiosidade” está com mais publicações. Lima (2018, p.37) conclui que o projeto The Daily 360 “tem tendência a explorar curiosidades, ou seja, a mostrar locais improváveis, situações inusitadas e eventos curiosos.” A autora indica que o NYT utilizou os correspondentes internacionais para participarem do projeto, com produções sobre as curiosidades em diferentes países.

O jornal Folha de São Paulo publicou 15 vídeos no seu canal de Youtube: dois em 2015, nove em 2016 e quatro em 2017, quando cessou a produção em VR. Ao categorizar de acordo com Lima (2018), em editorias e subeditorias, notamos que na Folha as editorias distribuem-se em: País (73%), Cultura (13%), Política (7%) e Estrangeiro (7%). Nas subeditorias temos: Turismo (40%), Curiosidade (27%), Lazer (12%) e Música, Arquitetura e Manifestação com 7% cada. Há uma inversão nas subeditorias, Turismo apresenta o dobro de Curiosidade, mas destacamos a alta porcentagem de produções em País. Dessas, o destaque são peças que abordam a cidade de São Paulo. De 15 produções, 12 retratam mirantes, praças, ciclovia, avenidas, pista de corrida, escola de samba, edifícios, protestos e gabinete do prefeito. Os outros dois vídeos da categoria País foram realizados no Rio de Janeiro. Há poucas entrevistas, narrativa jornalística e passagens de repórter8. Grande parte dos vídeos busca mostrar pontos turísticos, ou espaço de determinado assunto.

Em 25 de agosto de 2016, a Vice produziu na filial brasileira a peça “Por dentro da Vila Mimosa”. A primeira produção do grupo de mídia mostra uma das áreas de prostituição mais famosa e antiga na cidade Rio de Janeiro (Brasil), durante os Jogos Olímpicos. A Vice produziu em 2016 seis peças em VR no Brasil, 10 em 2017 e encerrou as produções. Na classificação por editorias destacam-se: País (44%), Cultura (25%), Política (6%) e Esporte (25%). Em subeditorias foram: Curiosidade (31,3%), Direitos Humanos (18,9%), Música (12,6%) e Futebol, Gastronomia, Desastre Ambiental, Basquete, Manifestação e Religião somaram 6,3% cada. Nota-se que a subeditoria “Curiosidade” está também em destaque, assim como, conteúdos produzidos sobre pautas no País. Algumas produções em VR trazem acontecimentos jornalísticos de grande repercussão e com valor notícia (Wolf, 2003, p.202)9, por exemplo, o rompimento de barragens de resíduos sólidos em Minas Gerais10, futebol feminino de várzea, a situação de refugiados e imigrantes em São Paulo. Destaca-se a presença de entrevistas com fontes, passagens de repórter e preocupações estéticas com a imagem e áudio. Uma das suas produções apresenta captura de áudio em 360 graus.

O jornal brasileiro Estado de São Paulo começou a produzir em VR em dezembro de 2016. Em 2017, o jornal lançou vídeos com a proposta de levar o usuário para localidades na capital São Paulo e em alguns países como Argentina e Haiti. Em 2018, o jornal publicou as duas últimas produções com uma visita a pontos turísticos de Moscou e São Petersburgo na Rússia. É possível perceber a prevalência pela curiosidade e por produções que apresentam ao consumidor algum local ou experimentação de algo diferente. Em geral as produções não trazem entrevistas, narrativa ou perspectiva jornalística e muitas cenas foram gravadas com movimentos e com câmeras acopladas em capacetes.

O programa Fantástico11, da emissora Globo de Televisão, iniciou em junho de 2017 o projeto Fant360. No primeiro vídeo, “Fant360: encare um treinamento militar no meio da selva Amazônica12, a repórter faz uma visita em um treinamento militar instalado na selva Amazônica. O quadro tem um formato híbrido que utiliza imagens em VR em uma produção em 2D. Os programas veiculados na TV convidam o público para visualizar os vídeos em VR, para isso, em algumas cenas surgem em destaque um elemento gráfico na tela que avisa o público que determinada imagem está disponível em VR no site do programa. A produção predominante é sobre turismo em locais internacionais e suas curiosidades.

Fora do eixo Rio de Janeiro e São Paulo, a Folha de Londrina no estado do Paraná, começou a produzir em VR em setembro de 2017 e encerrou em 10 de maio de 2019. São 46 produções em VR, sendo 11 produzidas em 2017, 27 em 2018 e oito em 2019 e poucas apresentam uma abordagem jornalística. Sete trazem narrativa jornalística, fontes, entrevista ou exploram sensações de imersão e presença possibilitada pela VR. Há constância de produções com problemas técnicos ocasionados por: cenas capturadas em movimentos; câmeras acopladas em capacetes; peças longas; cenas curtas; baixa qualidade do áudio; enfim, parecem captura de um determinado ambiente, sem passar por produção ou edição.

Na Folha de Londrina, a editoria dos vídeos em VR distribui-se em: País (50%), Cultura (17,40%), Esporte (15,20%), Agropecuária (10,90%), Política (4,30%) e Indefinido (2,20%). Nas subeditorias temos: Curiosidade (28,30%) e Turismo (21,80%) como destaques. Outras subeditorias são: Cobertura de evento (17,40%), Agropecuária (10,90%), Cultura Indígena, Dança, circo ou teatro e Futebol, com 4,30% cada. Apenas uma produção foi realizada sobre Handebol, Skate, Escalada e Indefinido (somando 2,20% cada). Nota-se que a subeditoria “Curiosidade” está também em destaque, assim como, pautas sobre ou no país, sendo todas na região do estado do Paraná.

Carraro (2018) indica que NYT, The Guardian e El País escolhem temas com relevância social, fazem refletir diante a um fato e tomam cuidado com a qualidade imagética e com a contextualização de tal realidade. Já no Brasil, a autora explica que os jornais buscam trazer nas produções em VR apenas imagens do cotidiano, sem contexto com o fato e não apresentam uma perspectiva crítica sobre os assuntos tratados.

É possível perceber que o mercado jornalístico investiu em um primeiro momento em produções com VR, posteriormente desistiu dos aplicativos em VR, mas ainda vem experimentando novos formatos com a tecnologia. Porém, o consumo de VR ainda não se popularizou. Pavlik (2016) questiona a empatia criada pelo público com a VR, o autor levanta uma preocupação com a euforia inicial das produções que podem vir a gerar falsas expectativas ou provocar até mesmo um fracasso da tecnologia. Essas preocupações do autor confluem com os apontamentos de Cronin (2015) que experiências desagradáveis no consumo de VR resultam de produções que chegam ao usuário ainda em forma de teste.

A inserção dessa nova tecnologia nas redações é recente, estão testando as possibilidades do uso da tecnologia em produções jornalísticas e o próprio consumo. Questões podem ser levantadas para indicar o “insucesso” da realidade virtual no jornalismo: desconhecimento da tecnologia, objetivo da produção (entretenimento ou jornalístico), falta de divulgação, operação técnica, qualidade da internet banda larga, desconforto da visualização, alto custo para comprar o Oculus Rift e smartphone compatível, plataformas incompatíveis, narrativas híbridas, tempo gasto para produção, especulação do mercado, o volume de oferta de produções em forma de testes, entre outros. Nesta reflexão nos propomos a observar as potencialidades e limitações do uso da tecnologia no processo de produção jornalística a partir de uma pesquisa aplicada e apontá-las.

Os saberes jornalísticos e a experimentação: a pesquisa aplicada

A pesquisa experimental é inicialmente apontada por Marques de Melo (1970, p. 262) como “experiências controladas, em grupos de receptores ou em mercados-piloto, com a finalidade de testar mensagens ou avaliar o impacto de canais”. Fidalgo (2008) defende uma reflexão na ação, ao discutir que não se trata de uma prática simplesmente, mas envolve um pensar. Assim, a ação jornalística comunga teoria e prática. Nesse sentido, o autor pontua que o “saber de ação” congrega o “saber conhecer”, “saber fazer” e “saber-ser”, ultrapassando assim o binômio teoria e prática.

A tensão entre a dicotomia de saberes acontece na relação de “conhecimentos em ato” e “ações em conhecimentos”, ambas fundamentais para constituir o processo em que o conhecimento gera “ação” e a “ação” gera o conhecimento. Os saberes podem ser complementares, em que essa ação, em um sentido reflexivo, indica uma “nova epistemologia da prática” (Schõn, 1983, citado em Fidalgo, 2008, p. 9).

A reflexão sobre a complexidade e complementaridade entre a prática e a teoria se dá para fundamentar e contribuir no entendimento da metodologia da pesquisa aplicada de forma experimental utilizada no trabalho. O processo de construção do estudo proposto se exemplifica em três etapas: 1) produção de cada pauta e micro documentário em VR; 2) produção de um relatório de cada pauta a fim de destacar características, limitações e potencialidades da VR. Consoante com Fidalgo (2008, p. 12), a reflexão gerada em cada pauta, a partir da elaboração prática, faz com que o pesquisador/jornalista/praticante “vá acumulando um ‘repertório’ de experiências que será útil para a sua posterior compreensão de novas ações”. Vale destacar que esse processo não se trata de uma repetição ou de uma reprodução automática do processo produtivo, mas do acúmulo de reflexões sobre o “saber fazer” (Fidalgo, 2008) de cada pauta.

Entende-se que após a produção do primeiro micro documentário apreendeu-se processos para o segundo micro documentário, e do segundo para o terceiro, e assim sucessivamente, ou seja, “o saber fazer” gerou um acúmulo de conhecimento. Em busca de uma síntese final desse conhecimento adquirido, realizou-se uma terceira etapa, na qual se fez uma reflexão crítica sobre o uso da VR em produções jornalísticas, com foco no processo produtivo. Observou-se desde a formação da pauta, sua realização, o planejamento da captura de imagem e áudio, observações do campo, a relação do repórter com a fonte, o processo de edição, distribuição e outros aspectos expostos no próximo tópico.

Ao analisar 2.178 peças jornalísticas em VR ente 2012 e 2017, Paíno-Ambrosio e Rodríguez-Fidalgo (2019) avançam para uma proposta de classificação de “gêneros jornalísticos imersivos” a partir da análise de elementos narrativos (temática abordada, presença do jornalista, presença das fontes, exposição dos fatos e ponto de vista do usuário) e suas funções dentro de uma peça jornalística imersiva. Os gêneros jornalísticos imersivos dividem-se em: informativos, depoimentos, informativos-depoimentos, descritivos, experienciais e dramatizados. Para as autoras, a incorporação da VR no Jornalismo exige uma reconfiguração das fórmulas tradicionais (gêneros jornalísticos) utilizadas para contar a realidade. Destacam ainda que a classificação de “gêneros jornalísticos imersivos” não está fechada e sim em constante atualização.

Para pensar o formato micro documentário no Jornalismo buscamos pensá-lo de forma híbrida frente às lógicas de produção do webdocumentário e documentário. Ribas (2003) compreende o webdocumentário como parte de uma estrutura de informações interconectadas por diferentes mídias, “diversas micronarrativas conectadas por links, permitindo ao receptor fazer escolhas, optar por diferentes caminhos, dando liberdade para a compreensão sobre o tema” (Ribas, 2003, p.5). Nesse caso, a ordem de uma série de micro documentário não precisa ser fixa, o público pode alterá-la conforme seu interesse.

O documentário segundo Ramos (2008) “se caracteriza como narrativa que possui vozes diversas que falam do mundo, ou de si”. Nichols (2005, p. 30) concebe como significados ou representações “de pontos de vista de indivíduos, grupos e instituições. Também fazem representações, elaboram argumentos ou formulam suas próprias estratégias persuasivas, visando convencer-nos a aceitar suas opiniões”. Para Da-rin (2006), o documentário é a mistura do visual-imagético e do som e a aplicação das técnicas de enquadramento.

Nichols (2005) classifica o gênero documentário em seis modos de representação: poético, expositivo, participativo, observativo, reflexivo e performático. Ao analisar as categorias, com vista à produção em VR, destaca-se o modo observativo que está ligado à observação de uma experiência vivida. Para o autor, esse modo ressalta a relação das questões éticas, a ideia de duração real, o tom das vozes, os vazios e a presença da câmera na cena.

Renó (2013) propõe duas divisões para o documentário: interativo e transmídia. O primeiro corresponde à oferta de conteúdo expansível e navegável, assim como uma participação na narrativa e o segundo apresenta a multiplicidade de plataformas de linguagem e diversidade de mensagens independentes entre si, mas que mantém a relação com o todo. Na segunda, Renó (2013) entende que a fragmentação da narrativa em uma série de micro documentários - mantendo a relação de roteiro de um micro documentário com outro - é também um documentário.

As produções híbridas, assim como o micro documentário, são formatos que surgem a partir das novas tecnologias, bem como da internet. “A sociedade contemporânea convive atualmente com um novo modelo de linguagem que oferece conteúdos expansíveis e independentes entre si distribuídos por uma estrutura multi-linguagem: a narrativa transmídia” (Renó, 2013, p. 94).

Tames (2014) diferencia micro documentário dos documentários de longa metragem devido ao tempo, pela estrutura e pelo propósito da narrativa. Para o autor cada micro documentário deve ter entre dois a quatro minutos de duração, embora existam produções entre cinco a nove minutos. Deve ainda, levar o público direto para a experiência, diferente do documentário que conta uma história a partir da estrutura de três atos narrativos. O primeiro ato (começo): introdução ou situação inicial; segundo ato (meio): complicação ou desenvolvimento; terceiro ato (fim): conclusão ou situação final. O autor destaca ainda que entre o segundo e terceiro ato existe o momento de tensão ou o clímax. Aumont (2012, p.58) explica que a escolha de micro documentário pressupõe “ouvir e olhar seus personagens, situações em que se encontram e, sobretudo, saber olhar as imagens dadas desses personagens e dessas situações”.

Com essas orientações, optou-se em produzir uma série jornalística imersiva de quatro micro documentários para pautar a Agricultura Familiar. A primeira aposta da pesquisa aplicada foi de quebrar uma possível cronologia ou ordem de visualização entre as peças, desconstruindo qualquer continuidade narrativa, sem perder o contexto de cada pauta.

Processo de Produção Jornalística: aplicação e resultados

A pesquisa estruturou o processo produtivo de peças jornalísticas em VR da seguinte forma: i) pré-produção (visita in locus e apuração); ii) planejamento de pauta (específica para VR); iii) produção (captação de áudio e imagem); iv) conversão; v) montagem e edição; vi) distribuição. O pesquisador esteve envolvido em todas as etapas do processo de produção jornalística com a ferramenta de VR, a fim de obter detalhes e profundidade no uso da tecnologia. Foi possível observar enquadramentos, composição de cena, captura de áudios e imagens, elementos gráficos, entrevista, pós-edição, presença do pesquisador, formato e questões éticas.

O tempo de cada micro documentário oscila entre sete e dez minutos e a série foi planejada para que o público pudesse escolher a ordem, de acordo com sua preferência. Os micros documentários foram publicados no YouTube e posteriormente colocados em um site estruturado como One Page Layout. O tipo de layout proposto (Figura 1) disponibilizou todo o conteúdo em uma única página, proporcionando ao público uma visão dos quatro micros que compõem a série, com apenas uma sugestão de ordem de visualização. A distribuição em série configurou-se como uma opção estratégica, por incentivar maior circulação do material nas redes sociais. O site foi desenvolvido em html e o layout construído com Framework Twitter Bootstrap.

Fonte: Captura de tela realizada pelos autores.

Figura 1 Sequência de visualização do layout do site produzido 

As pautas da série abordam realidades do município de Ponta Grossa, localizado no estado do Paraná (Brasil), o qual possui 5.022 estabelecimentos de agricultura familiar, compreendendo uma área de 60.769 hectares (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2006). As peças reportam o cotidiano dos(as) produtores(as) da agricultura familiar vinculados à Associação de Produtores Hortifrutigranjeiros de Ponta Grossa. A série se divide nas pautas: Empresa familiar13; Produção de variedades14; BR-376, Rodovia do Café: estrada até o centro de Ponta Grossa15; e Feira da Benjamin Constant: comércio da agricultura familiar em Ponta Grossa16.

Antes da etapa da produção jornalística em VR foram necessárias duas idas a campo para conceber as pautas. As informações coletadas estruturaram a construção de um modelo de pauta (Figura 2) que atendesse as especificidades da VR. Esse modelo conta com três quadros para demonstrar cada frame de uma cena, o maior destina-se à cena principal e nos dois menores localizados à direita da tela temos as cenas com DI, indicando a “deixa inicial”, e DF, indicando a “deixa final”17. Abaixo dos quadros indicamos orientações para câmera, áudio, arte, texto, cortes da edição, tempo e trilha sonora.

Fonte: Produzido pelos autores

Figura 2 Modelo de pauta utilizada para produção jornalística em Realidade Virtual. 

As orientações com informações obtidas a partir da apuração in lócus ajudaram na execução e produção de entrevistas, passagens e imagens de apoio, assim como orientaram na inclusão de elementos durante a edição, por exemplo, os GC (gerador de caracteres), off18, vinhetas, texto e elementos gráficos (foto, arte, ilustração). Além de um roteiro para guiar a captura, a pauta também indicou uma prévia estrutura que orientou a edição de cada micro documentário. Ao intercalar os dados com os quadros de orientações para produção em VR (posicionamento da câmera, inclusão de arte/foto/ilustração, captura de áudio, uso de trilha sonora, texto, média de tempo de cada take, posição do pesquisador e outras observações), a pauta apontou para uma ordem a ser seguida projetando uma sugestão de roteiro e de montagem para a edição.

Uma inclusão do pesquisador durante o processo de produção foi o item “posição do pesquisador” no quadro de orientações, que sugeriu tanto a posição do pesquisador, quanto o enquadramento nas entrevistas e tomadas de imagens ou passagens. Vale lembrar que a pauta não é uma “camisa de força”, mas sim um norte para a produção e montagem. O pesquisador esteve livre para pensar, inserir e testar outros elementos.

Na primeira produção, com recorte na empresa familiar, foram necessárias duas idas a campo para elaborar a pré-pauta e a pauta. Nas demais essa etapa se tornou dispensável, pois o pesquisador já tinha tomado ciência dos dados sobre a agricultura familiar e a Associação de Hortifrutigranjeiros. Talvez, isso fosse diferente se cada micro documentário abordasse um tema distinto, exigindo apurações específicas.

A etapa da pré-pauta foi necessária e possibilitou uma aproximação com os entrevistados/as das demais produções e um planejamento das tomadas de imagens, orientando o posicionamento, altura da câmera, captura do áudio, inserção de elementos gráficos e demais especificidades técnicas. Assim, a etapa viabilizou questões práticas da produção jornalística em VR.

Ao realizar as entrevistas, vários testes foram feitos, a fim de testar o enquadramento, captura de áudio com microfone lapela e imagem da própria câmera, a presença ou ausência do pesquisador em cena e a posição do pesquisador em cena - em pé ou sentado. Os testes foram sendo realizados conforme a necessidade em testar possibilidades com a tecnologia.

Na captura de áudio provou-se no micro documentário sobre a empresa familiar, o uso do gravador externo, gravador externo conectado com microfone lapela e o microfone da própria câmera com ganho no volume durante a edição. Este último se tornou a melhor opção e foi replicado nos demais micro documentários. A escolha se deu tanto para padronizar o áudio como também pela praticidade, pois o pesquisador estava sozinho durante as gravações. A instalação de microfones lapela além de ser incerta, pode prejudicar a qualidade, afetando também a composição da cena com a exposição dos cabos (tomada em 360º).

O primeiro posicionamento de câmera testado em entrevista foi semelhante ao usado no audiovisual tradicional 2D, enquadrando o entrevistado e o pesquisador no ângulo de uma lente (Figura 3). Nessa perspectiva, a captura do áudio pela câmera ficou prejudicada, resultando somente uma entrevista no primeiro micro documentário executado.

Fonte: Captura de tela realizada pelos autores

Figura 3 Primeiro posicionamento de câmera experimentado 

No segundo posicionamento colocou-se a câmera na lateral com pesquisador e a entrevistada dentro do campo focal (Figura 4). Além da melhora no áudio foi possível perceber que: i) o olhar da entrevistada não ficou fixo na câmera; ii) a entrevistada não ficou constrangida.

Fonte: Captura de tela realizada pelos autores

Figura 4: Segundo posicionamento de câmera experimentado e adotado como referência 

No terceiro posicionamento testou-se a câmera no centro de uma mesa com o pesquisador sentando-se em um lado e os entrevistados no outro, sem o uso do tripé. Causou um indício de distorção devido à proximidade do limite do campo focal e por ter ficado abaixo da altura dos olhos das pessoas na cena. Constatou-se que a distância aproximada entre a câmera e as pessoas não pode ser menor que um metro.

No quarto experimento, o pesquisador se ausentou (Figura 5). As perguntas foram passadas aos(às) entrevistados(as) antes da gravação, semelhante à técnica utilizada no telejornalismo quando as entrevistas são ao vivo. Não se utilizou off, as falas dos(as) produtores(as) familiares compuseram o conteúdo informativo com as imagens do ambiente.

Fonte: Captura de tela realizada pelos autores

Figura 5 Cena capturada sem a presença do pesquisador 

A captura de som pela câmera revelou-se eficiente quando não existiu nenhuma interferência sonora no ambiente (gritos, barulho e vozes). Para as imagens de apoio, que tomam outra dimensão na VR, não foi necessário inserir trilha sonora, pois o áudio do campo - trator, produtores conversando, vaca mugindo, latidos de cachorro e canto de pássaros -, também denotou informação.

O experimento revelou que é necessária uma preocupação visual e com o áudio. No micro documentário BR-376, Rodovia do Café19: estrada até o centro de Ponta Grossa foi prudente localizar visualmente as diferentes direções de tráfego da rodovia para o consumidor e o barulho dos veículos em trânsito causaram poluição sonora. O pesquisador precisou descrever a cena pensando o olhar do público a partir da posição da câmera. Perceber em que momento e de que maneira explorar a ampliação desses sentidos como ganho de informação é papel fundamental para equilibrar com os princípios deontológicos do Jornalismo, sem que ocorra uma influência ou concorrência entre áudio e imagem.

Após a produção do micro documentário (Feira da Benjamin Constant - comércio da agricultura familiar em Ponta Grossa) adotamos como referência, manter a câmera em um monopé com 1,45m de distância das lentes até o chão. Em algumas ocasiões essa altura foi reduzida para manter a câmera mais próxima da altura dos olhos. Para capturar tomadas de imagens foi necessário que o pesquisador encontrasse um local para se “esconder” da câmera, buscando um ponto cego em que não aparecesse na cena. Constatou-se que a ausência do pesquisador como cinegrafista durante a captura de imagem VR permite criar um grau maior de imersão na cena, pois evita um desconforto ou constrangimento nas pessoas quando filmadas. Um exemplo é a cena em que o produtor corta as folhas do alimento em cima do caminhão em frente a uma das bancas da feira (Figura 6). Ou seja, a captura de VR traz menores níveis de interferência.

Fonte: Captura de tela realizada pelos autores

Figura 6 Cena capturada sem a presença do cinegrafista 

Na realização das entrevistas, percebeu-se a necessidade de um preview prático para verificar a captura de imagem, áudio, enquadramento e exposição à luz. Isso se deu pelo fato de o pesquisador ter assumido diferentes funções no processo produtivo. Revela-se importante discutir e apontar a necessidade de envolver outros profissionais para a produção de VR. Sugere-se como mais adequado possuir um responsável pela imagem e áudio fora de cena, equivalente à função do cinegrafista.

A edição em VR, se deu muito próxima da edição de vídeos 2D, tanto pelo uso semelhante do software como pela lógica de montagem por frames. A maior parte da visualização aconteceu de forma equirretangular (vídeo convertido para representar todo o campo de visão em 360 graus). A visualização em 360 graus ocorreu somente quando o pesquisador realizou o direcionamento inicial para enquadrar cada take na pista de edição, a partir do foco de interesse da cena. Assim percebeu-se a subjetividade do editor na escolha da composição dos takes. Na edição de uma entrevista, por exemplo, foi necessário posicionar o começo da cena no elemento de interesse definido pelo pesquisador enquanto editor, porém a subjetividade também acontece durante o processo de captura de imagem, ao inserir o elemento de interesse no comprimento focal.

A edição foi sistematizada em três etapas. Na primeira, realizou-se a conversão do vídeo bruto. Na segunda, montou-se o roteiro indicado na pauta, os ajustes de áudio e a aplicação de efeitos de transição. Na terceira, realizou-se ajustes nos enquadramentos iniciais de cada take de imagem. A inserção de qualquer elemento em 2D (texto, imagens, vídeos ou elementos gráficos) acarretou distorção quando aplicada na esfera em 360 graus. Porém para diminuir o desconforto, percebeu-se que quanto mais próximo inserir os elementos em 2D ao centro da esfera no sentido horizontal, menor será a distorção da imagem.

A imagem bruta fornecida pela câmera Ricoh Theta S possui qualidade, porém, na conversão para edição teve perda na qualidade. Um problema percebido é quando uma lente captura um ambiente com fonte de alta quantidade de luz e a outra lente captura baixa quantidade de luz. Esse contraste de luminosidade provoca um desconforto, impossibilitando o uso da imagem (Figura 7). Ainda sobre luz e sombra, quando algum elemento se sobrepõe em frente à fonte de alta exposição de luz, isto provoca uma sombra, dando uma sensação desconfortável de movimento na imagem.

Fonte: Captura de tela realizada pelos autores

Figura 7 Imagem com uma lente recebendo alta quantidade de luz 

Em comparação à produção em 2D, a tecnologia VR desponta como uma menor interferência no direcionamento da pauta, e na interação com a cena, oportunizando ao público diferentes escolhas de enquadramentos conforme o seu interesse. Na VR, o público tem a possibilidade de direcionar e escolher o que quer enquadrar na sua visão dentro da esfera de 360 graus. O enquadramento exige um olhar mais aprofundado e complexo, devido à natureza da tecnologia.

Os cortes e duração de imagem possuem lógicas diferentes da edição de conteúdo 2D. Nas imagens de apoio, os cortes não podem ocorrer como uma composição de takes curtos, mas sim entre 15 e 30 segundos, tempo suficiente para o público observar as variáveis de perspectivas do ambiente existente nos 360 graus da esfera. Nas entrevistas os cortes são mais evidentes que em vídeo 2D, por isso uma conversa mais espontânea tornou-se necessária para quebrar a formalidade e evitar respostas curtas, afetando os cortes da imagem. Ainda que os cortes sejam necessários para demarcar as cenas, evitou-se cortes bruscos que quebrassem a fluidez da interação com a VR, bem como a interrupção do áudio e de imagem, primando pela continuidade das cenas.

No processo de produção dos quatro micro documentários em VR constatou-se que: i) o elemento de interesse do pesquisador em um determinado frame não corresponde necessariamente ao elemento de interesse do público, enquanto enquadramento inicial; ii) é o pesquisador/jornalista quem determina ou estabelece o elemento de interesse de acordo com o planejamento e produção da pauta e o coloca nos limites do comprimento focal ao posicionar a câmera; iii) a imagem fora do ângulo focal fica distorcida, já o áudio não é afetado; iv) o foco de interesse do público na visualização não é controlado pelo/a jornalista ou editor/a.

Considerações finais

O artigo teve como objetivo discutir o uso da tecnologia VR no Jornalismo a partir da sua aplicabilidade por empresas nacionais e internacionais e de uma pesquisa experimental com o uso da VR na produção de uma série de quatro micro documentários sobre agricultura familiar. A pesquisa concluiu que as produções jornalísticas em VR que provocam sensações de presença e imersão devem explorar melhor as potencialidades que a tecnologia oferece ao Jornalismo. As novas lógicas e mudanças provocadas pelo novo ecossistema parecem aproximar as produções em VR de valores de “curiosidades”, e exploram menos os valores de noticiabilidade das produções jornalísticas em VR.

A metodologia aplicada de forma experimental no Jornalismo precisou ser desenhada para que a execução prática de cada micro documentário respeitasse a ordem das etapas do processo produtivo jornalístico e gerasse gradativamente conhecimentos e reflexões sobre a produção.

O processo do experimento consistiu em: i) ir a campo para: perceber as possibilidades de cenas, dificuldades, melhores ângulos e composições; criar uma relação com a fonte que seria entrevistada e colher informações para a etapa seguinte; ii) produção da pré-pauta para estruturar as principais informações; iii) produção da pauta VR com dados de contextualização, sugestões de perguntas e quadros com orientações para a captura, produção e edição em VR; iv) execução da pauta - captura de imagem e entrevistas; v) conversão dos vídeos; vi) edição de forma equirretangular, semelhante ao audiovisual em 2D, na qual o editor aplica os efeitos de transição e áudio e realiza a montagem de takes visualizando o vídeo em 2D; vii) edição com a visualização em VR, na qual o editor reposiciona os enquadramentos, conforme o seu foco de interesse, e confere os efeitos de transição; viii) desenvolver um site adaptável a VR, a fim de melhorar a interação do público com o conteúdo produzido.

A pesquisa aplicada apontou que o micro documentário em VR demanda particularidades para cada pauta, visto que, é necessário apurar dados, características do espaço, produção de elementos visuais, preocupação técnica com captação de áudio e iluminação. Os conhecimentos da confecção da pauta perpassam por técnicas jornalísticas e com preocupações para as especificidades do novo formato. Tais elementos também são presentes nas outras etapas processuais como a realização da entrevista, instalação do microfone, enquadramento da pauta e escolhas do jornalista ao contar a história considerando posicionamento da câmera, do jornalista e dos elementos informativos que irão compor o quadro. O texto em off, passagem ou perguntas apresentam preocupações descritivas delimitadas não apenas pelas características do micro documentário, mas também pela tecnologia VR que interfere no tempo de exposição da informação em audiovisual, configurando narrativas específicas. O tempo necessário para o público interagir com os 360 graus, da esfera da imagem, é de aproximadamente 15 a 30 segundos. Nesse sentido, se torna necessário evitar os vários flashes de cena com diferentes pessoas, visto que criam uma espécie de “trem” de falas, em que cada entrevista é um vagão.

O conhecimento das técnicas jornalísticas, da tecnologia VR e do micro documentário perpassam todo o processo de produção, ora conjuntamente, ora com alguns destaques. Isso resulta em algumas novas habilidades e competências por parte dos profissionais, as quais deveriam ser compartilhadas por uma equipe de execução. Como, por exemplo, pensar o posicionamento da câmera, os enquadramentos, a fala durante a passagem jornalística e o tempo de cada cena. É como se a produção da imagem e som fossem pensados, simultaneamente, de forma sincrônica, na perspectiva de que a câmera representasse o olhar de uma pessoa.

A pesquisa comprovou que mesmo com uma ferramenta portátil, na qual o controle da câmera feito pelo celular traz vantagens devido à mobilidade, há situações que prejudicam a produção do conteúdo jornalístico. O discurso que as empresas adotam sobre as novas tecnologias incrementando um novo modus operandi da profissão ao jornalista, sintetizado no acúmulo de funções, repercute na qualidade do conjunto da produção.

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2A produção é resultado do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), monográfico e prático, desenvolvido em 2018 no curso de bacharelado em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). TCC trata-se de um tipo de trabalho acadêmico exigido pelo Ministério de educação (MEC) como uma forma de efetuar uma avaliação final dos cursos superiores e técnicos, o trabalho é apresentado para uma banca examinadora.

3A peça conta a história de três crianças expulsas de suas casas pela guerra. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ecavbpCuvkI

5O maior desastre ambiental do Brasil - e um dos maiores do mundo - tirou a vida de 19 pessoas, provocou danos econômicos, sociais (interrupção do abastecimento e distribuição de água) e ambientais graves (poluição hídrica e morte de animais). No dia 5 de novembro de 2015, aproximadamente às 15h30, o rompimento da barragem de Fundão (empreendimento da Samarco Mineração S/A, empresa da Vale S/A e BHP Billinton), em Mariana/MG, ocasionou mais de 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro e sílica. Uma grande onda de rejeitos destruiu, soterrou e atingiu 41 cidades do estado de Minas Gerais e Espírito Santo, e três reservas indígenas. Após percorrer 22 km no rio do Carmo, os rejeitos alcançaram o rio Doce, deslocando-se pelo seu leito até desaguar no Oceano Atlântico, no dia 21 de novembro de 2015, no distrito de Regência, no município de Linhares (ES). (Dados do Ministério Público Federal do Brasil, Disponível em: http://www.mpf.mp.br/grandes-casos/caso-samarco/o-desastre)

6A produção registra os estragos sociais e ambientais ocorridos na vila de Bento Rodrigues, distrito de Mariana, localizada no estado de Minas Gerais (Brasil), após cinco meses do rompimento da barragem de Fundão, da Mineradora Samarco, administrada pela empresa Vale e BHP Billiton.

8Um jargão do telejornalismo que identifica quando a gravação feita pelo repórter fala a informação diretamente para o público no local do acontecimento, a passagem reforça a presença no local da notícia.

9Entende-se valores-notícia como “critérios de relevância difundidos ao longo de todo o processo de produção e estão presentes tanto na seleção das notícias como também permeiam os procedimentos posteriores, porém com importância diferente” (Wolf, 2003, p.202). Ver mais em Silva (2005).

10Ver nota de rodapé 6.

11Criado em 1973, o programa é exibido na TV com sinal aberto todos os domingos às 20h.

17Entende-se por deixa, inicial ou final, a indicação de como seria o primeiro frame (inicial) e último frame (final) de cada cena, podendo ser indicado de forma textual ou gráfica.

18Entende-se por off o texto narrado pelo/a repórter/a que é coberto por imagens de um acontecimento jornalístico.

Recebido: 30 de Junho de 2020; Aceito: 28 de Janeiro de 2021

Angelo Eduardo Rocha. Jornalista Graduado e Mestrando em Jornalismo na Universidade Estadual de Ponta Grossa com bolsa de fomento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). ID Lattes: 7211099240764868 ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0197-554X Endereço institucional: Universidade Estadual de Ponta Grossa / Programa e Pós-Graduação em Jornalismo / Brasil. Campus Central. CEP 84010-330, Ponta Grossa, Paraná

Paula Melani Rocha. Doutora pela Universidade Federal de São Carlos (2004) com Pós-Doutorado em Jornalismo na Universidade Fernando Pessoa, Porto-Portugal (2007-2008). Tem especialização em Multimeios na Universidade de Harvard - EUA (1996). Atualmente é professora do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo e da graduação em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Bolsa produtividade pela Fundação Araucária (convênio 49/2019). ID Lattes: 6167780482628027 ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5525-6650 Endereço institucional: Universidade Estadual de Ponta Grossa / Programa e Pós-Graduação em Jornalismo / Brasil. Campus Central. CEP 84010-330, Ponta Grossa, Paraná

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