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Media & Jornalismo

versão impressa ISSN 1645-5681versão On-line ISSN 2183-5462

Media & Jornalismo vol.21 no.38 Lisboa jun. 2021  Epub 30-Jun-2021

https://doi.org/10.14195/2183-5462_38_0 

Introdução

Hibridismo e jornalismo

1 Universidade NOVA de Lisboa. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Instituto de Comunicação da NOVA - ICNOVA, Portugal. agranado@fcsh.unl.pt, dorasantossilva@fcsh.unl.pt


A condição de “híbrido” é indissociável do ecossistema mediático contemporâneo, porque define a fusão de linguagens, formatos, modelos e práticas. No entanto, não é novo no jornalismo. Usando um exemplo flagrante, ainda há pouco mais de 50 anos assistimos a um movimento jornalístico, impulsionado por Tom Wolfe, Gay Talese e Truman Capote, que defendia o uso de técnicas e recursos da literatura no jornalismo. Saíram deste “new journalism” ou “jornalismo literário”, algumas das reportagens e perfis de longo formato mais conhecidos, como “Frank Sinatra has a cold” (da autoria de Gay Talese, publicado na Esquire em 1966) ou “In cold blood” (de Truman Capote, publicado como uma série na The New Yorker, em 1965). Hoje, o jornalismo narrativo ainda junta estas linguagens aparentemente distintas.

A essência do hibridismo (ou hibridez) é mesmo essa: algo formado a partir de elementos diferentes; na gramática, significa uma palavra formada por elementos de línguas diferentes; na música, uma peça que une o clássico ao popular, e por aí fora.

Os sistemas mediáticos sempre foram híbridos, variando na extensão ou no tempo. É isso que Andrew Chadwick escreve no livro The Hybrid Media System: Politics and Power” (2013), defendendo que o hibridismo é, por isso, a abordagem mais adequada para caracterizar o sistema mediático contemporâneo, permitindo-nos reconhecer a sua complexidade, fluidez e interatividade, em vez de usarmos conceitos obsoletos como novos e velhos media, que, na verdade, são interdependentes: “All older media were once newer and all newer media eventually get older. But older media on any consequence are rarely entirely dispplaced by newer media” (p. 28).

Essa combinação está na base de processos de inovação e experimentação que marcam o jornalismo a todos os níveis. Assistimos a esse novo paradigma, por exemplo, nos modelos de negócio, que combinam fontes tradicionais de receitas, como a publicidade, com outras emergentes, como o conteúdo patrocinado; no jornalismo colaborativo, no qual o cidadão tem um papel fundamental; e, claro, nos novos géneros e formatos jornalísticos.

Se anteriormente reconhecíamos facilmente no texto, no áudio, no vídeo e na imagem as plataformas correspondentes, no ambiente digital os formatos também se fundiram e deram lugar a outros difíceis de classificar. Entendendo o género jornalístico como “a classe de unidades da comunicação massiva periódica que agrupa diferentes formas e respetivas espécies de transmissão e recuperação oportuna de informações da atualidade” (Marques de Melo & Assis, 2016, p.49) e o formato jornalístico como “o feitio de construção da informação transmitida” pelos media (idem, p. 50), estas unidades precisam, no entanto, de uma nova reflexão e mapeamento quando nos deparamos com uma crítica escrita por um leitor e não um especialista, documentários interativos, peças em realidade virtual, live-tweetings ou uma simples infografia que se assume como “o” formato jornalístico e não o medium.

Também a crescente transformação das peças jornalísticas, naquilo a que Steen Steensen (2011) apelida de uma família de géneros que partilha diferentes discursos, esbate as fronteiras entre o género opinativo e informativo, utilitário e informativo ou informativo e ativista.

Quanto ao posicionamento acerca deste tema, adoptámos aquele que Mast, Coesemans e Temmerman (2016) partilham no editorial da edição especial Hybridity and the news da revista Journalism: “A detached conception of hybridity that considers the notion to be neither inherently positive nor negative” (p.2).

A premissa que norteia esta edição é a de que o impacto do hibridismo no campos dos géneros e dos formatos jornalísticos é inegável, é própria do processo de inovação e experimentação que caracteriza o jornalismo e exige um olhar mais aprofundado para o qual os nove artigos deste número temático dão um contributo.

O primeiro artigo, de Patrícia Nogueira e Yone Sales, analisa dois documentários interativos sobre a violência de género e explora, através deles, a fronteira entre jornalismo e ativismo. Para as autoras, há nestes trabalhos uma clara “diluição das fronteiras” entre jornalismo e opinião, mas o próprio género interativo aumenta o potencial do envolvimento do público a longo prazo, “bem como a capacidade de mobilização afetiva para causas sociais”.

No segundo trabalho, sobre as possibilidades do uso da realidade virtual no Jornalismo Audiovisual, Angelo Eduardo Rocha e Paula Melani Rocha partem para a sua análise produzindo quatro micro documentários em realidade virtual e testando vários recursos na narrativa imersiva. Como resultado final, os autores oferecem uma série de interessantes soluções para todos os que pretendem explorar as especificidades deste novo formato.

O terceiro artigo, de Ana Teresa Peixinho e Teresa Almeida Santos, analisa uma grande reportagem televisiva sobre procriação medicamente assistida e demonstra como este género nobre do jornalismo televisivo foi colonizado com práticas discursivas e narrativas da ficção. O sucesso desta reportagem, dizem as autoras, “deveu-se precisamente à hibridização de géneros”, numa mistura entre informação e espetacularização, interesse público e exploração de um drama pessoal.

Branco di Fátima, autor do quarto artigo deste número, defende que a reportagem vive atualmente a sua Quarta Vaga, impulsionada pela introdução da internet nas redações. Com um assinalável corpus de análise - 57 reportagens portuguesas e 94 brasileiras, publicadas entre 2012 e 2016 -, o autor problematiza a reportagem pela ótica do repórter, para concluir que esta nova vaga preserva os fundamentos do género reportagem e absorve os atributos singulares do novo meio de comunicação.

Um estudo de caso sobre o podcast P24, assinado por Ruben Martins e Jorge Vieira, ocupa o quinto lugar nos artigos deste número. As conclusões são claras e lançam pistas para reflexão: A maioria dos conteúdos transmitidos segue os modelos tradicionais de entrevista ou debate “com pouca ou nenhuma sonoplastia, narrativa e construção adicional que marquem uma cisão com a linguagem radiofónica histórica”.

O sexto artigo, assinado por Carla Baptista, Allan Herison Ferreira e Ana Carolina T.C. Ferreira, debruça-se sobre a relação entre a comunicação dos seis principais partidos políticos portugueses no Instagram (e os seus líderes) e a informação veiculada pelos jornais televisivos da noite de quatro canais de televisão. Para os autores, é clara a relação de diálogo entre os canais do Instagram e os noticiários televisivos, que acabam por se alimentar mutuamente.

Mafalda Lobo, que assina o sétimo artigo neste número, explora os novos formatos jornalísticos introduzidos pelos jornais económicos na sequência da intervenção da troika em Portugal, entre 2011 e 2014. Através de entrevistas semi-estruturadas a sete jornalistas, a autora conclui que o jornalismo económico se transformou neste período, adotando uma linguagem mais acessível e uma vertente mais prática.

No oitavo artigo, Sónia Pedro Sebastião e Luís Viegas fazem uma análise de conteúdo a todas as peças publicadas pela plataforma Comunidade Arte e Cultura durante o mês de Janeiro de 2020 e complementam-na com um inquérito a 1525 leitores. Dos resultados, conclui-se que a unicidade do projeto editorial, a aposta numa área com pouco investimento dos órgãos de comunicação mais tradicionais e a ligação às redes sociais são algumas das razões do sucesso.

No último artigo deste número, Marcelo de Oliveira Volpato mergulha nos géneros e formatos jornalísticos de três jornais do interior paulista. Através da análise de uma amostra de 569 conteúdos , o autor conclui que jornalismo praticado naquela região tem primado muito mais por informar e descrever os factos do quotidiano, deixando de lado os laços de identidade e proximidade destes jornais com a população local.

Referências bibliográficas

Chadwick, A. (2013). The Hybrid Media System: Politics and Power (Oxford Studies in Digital Politics) (1st ed.). Oxford University Press. [ Links ]

Mast, J., Coesemans, R., & Temmerman, M. (2016). Hybridity and the news: Blending genres and interaction patterns in new forms of journalism. Journalism, 18(1), 3-10. https://doi.org/10.1177/1464884916657520 [ Links ]

Melo, J. M., & Assis, F. (2016). Gêneros e formatos jornalísticos: um modelo classificatório. Intercom: Revista Brasileira de Ciências Da Comunicação, 39(1), 39-56. https://doi.org/10.1590/1809-5844201613 [ Links ]

Steensen, S. (2011). The Featurization of Journalism. Nordicom Review, 32(2), 49-61. https://doi.org/10.1515/nor-2017-0112 [ Links ]

António Granado é Professor Associado na NOVA FCSH, onde co-coordena o mestrado em Comunicação de Ciência. Leciona na área das Ciências da Comunicação a nível universitário desde 1996. Foi jornalista profissional durante mais de 26 anos, tendo-se especializado na área do jornalismo de ciência. As suas áreas de investigação incluem o jornalismo e o ciberjornalismo, a comunicação de ciência e as redes sociais. Ciência Vitae: https://www.cienciavitae.pt/portal/en/7112-8A9D-C0D0 ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7990-6176 Scopus Author ID: 50261653300 Endereço institucional: NOVA FCSH, Av. de Berna, 26-C - Lisboa 1069-061, Portugal

Dora Santos Silva é Professora Auxiliar da NOVA FCSH e investigadora integrada no ICNOVA. Leciona na licenciatura em Ciências da Comunicação, no mestrado em Jornalismo e na pós-graduação em Comunicação de Cultura e Indústrias Criativas, que coordena. As suas áreas de investigação incluem a inovação nos media, o jornalismo digital, o jornalismo cultural e as indústrias culturais e criativas. Ciência Vitae: https://www.cienciavitae.pt/pt/9617-EF5E-113F ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1611-8858 Scopus Author Id: 55382579500 Endereço institucional: NOVA FCSH, Av. de Berna, 26-C - Lisboa 1069-061, Portugal

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