SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.ser2 número7VALE, Teresa Leonor - Ourivesaria barroca italiana em Portugal: presença e influência. Lisboa: Scribe, 2016. 640 pSILVEIRA, Patrícia Ferreira dos Santos - Excomunhão e economia da salvação: queixas, querelas e denúncias no tribunal eclesiástico de Minas Gerais no século XVIII. São Paulo: Alameda Casa Editorial, 2016 índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Cadernos do Arquivo Municipal

versão On-line ISSN 2183-2176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.7 Lisboa jun. 2017

 

RECENSÃO

AA.VV. – Palácio Portugal da Gama / São Roque. Lisboa: Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, 2016.

 

Maria João Pereira Coutinho*

IHA – Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

 

 

A obra Palácio Portugal da Gama / São Roque, uma das mais recentes novidades editoriais no contexto do património da cidade de Lisboa – integrada na coleção “Património”, com coordenação geral de Maria Eduarda Napoleão e coordenação científica de José Sarmento de Matos, que tem por objetivo dar a conhecer a dimensão patrimonial dessa instituição – vem introduzir neste contexto específico de trabalho um primeiro estudo de caso sobre uma propriedade da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa localizada no atual largo Trindade Coelho, ou na antiga rua larga de São Roque.

O imóvel, merecedor de destaque, não apenas por exibir caraterísticas arquitetónicas e decorativas de relevo mas também por se situar no conjunto urbano do Bairro Alto, classificado em 2010 como “Conjunto de Interesse Público”, é, no momento presente, objeto de reabilitação por parte da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, por forma a criar as condições necessárias à exposição da Coleção de Arte Oriental do Museu de São Roque. Este último aspeto justifica a premência da instituição em dar à estampa as várias investigações e análises subjacentes a essa intervenção.

A obra, que pretende ainda ser um modelo da forma como se deve documentar a intervenção sobre edifícios em análise, articula apelativamente texto e imagens, à semelhança do que Maria Eduarda Napoleão já concretizara com a coleção “Reabilitação Urbana”, no âmbito dos objetivos da Direcção Municipal de Conservação e Reabilitação Urbana da Câmara Municipal de Lisboa em 2005.

Os vários estudos que integram a obra são precedidos por uma apresentação de Pedro Santana Lopes, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, e por uma introdução do coordenador científico da coleção, como abertura às quatro partes que a compõem.

A primeira parte, a mais extensa, intitulada “História do Palácio Portugal da Gama”, da autoria de José Sarmento de Matos e de Jorge Ferreira Paulo, corresponde ao primeiro estudo e divide-se em quatro capítulos, onde se enquadra o objeto em análise no que à sua localização e história diz respeito. Foi propósito dos investigadores cruzar informações acerca dos topónimos dos arruamentos que cercavam esse prédio urbano e informar os leitores das sucessivas transferências da propriedade, desde a época que era pertença dos frades trinos até entrar na posse da família Portugal da Gama, a principal responsável pela feição tardo-barroca que ainda hoje este prédio urbano aparenta. Descrevendo detalhadamente o imóvel e aduzindo novas informações acerca da união do que originalmente foram dois prédios e da uniformização da fachada, bem como afastando possíveis atribuições – não só por não haver provas documentais que o confirmem, mas também pelo facto dos mais prováveis arquitetos e engenheiros serem muitos para a época em questão (e estarem possivelmente envolvidos em obras de maior monta, com a reconstrução da cidade a seguir ao megassismo de 1755) – os autores do texto revelam novidade na investigação.

Aliás, acerca dessa parceria apraz-nos dizer que o método da sua investigação é o mesmo a que já nos habituaram em estudos similares, como aqueles que oportunamente publicaram nos Cadernos do Arquivo Municipal, n.os 1 e 2, sobre o palácio Sanches de Brito e sobre as casas de Sebastião José de Carvalho e Melo no largo do Carmo. Resgatando a memória das obras de D. Domingos de Vasconcelos de Portugal, José Sarmento de Matos e Jorge Ferreira Paulo completaram ainda a narrativa sobre o recém-batizado palácio São Roque, com uma compilação de dados que elucidam os leitores acerca da várias partilhas que levaram a que prédio acabasse por ser arrendado no séc. XIX a diversos inquilinos, passando da família Portugal da Gama para a família Costa Cabral de Macedo, descendentes dos condes de Tomar, acabando, por fim, em 2014, por integrar o património da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

A segunda parte desta obra, “Estudo diagnóstico”, de Marta Raposo e Nuno Proença, é caraterizada, pela aturada análise efetuada à estrutura do edificado, descrita ao longo de 11 páginas, através de sondagens e estudos estratigráficos efetuadas às superfícies parietais, que possibilitou o rigoroso entendimento das áreas a serem intervencionadas. Neste estudo destacamos o facto de se cumprir outro dos objetivos da obra, o de dar visibilidade à investigação que esteve subjacente ao projeto de reabilitação do conjunto, expondo os métodos seguidos para analisar as várias camadas pictóricas (de três tipologias distintas), os conjuntos de cantaria (de calcários microcristalinos), os estuques e os azulejos. Complementarmente, os autores fornecem informações relevantes acerca do estado de conservação e diagnóstico de algumas patologias (desgaste das superfícies por infiltração ou abrasão) e introduzem notas acerca da preservação deste património da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, contribuindo assim para o entendimento mais vasto da ação que a tutela do edifício teve na proteção da identidade do mesmo. Ao logo do estudo transparece frequentemente a preocupação de olhar para os programas decorativos como um todo, preservando o passado, possibilitando a adequada reabilitação no presente e acautelando o futuro deste património.

A terceira parte da obra, com 13 páginas, consagrada ao “Projeto de reabilitação”, da autoria de João Pedro Falcão de Campos, apresenta, por sua vez, um conjunto de alçados, cortes e plantas do edifício, acompanhados de uma memória descritiva, onde se compreende o intento de assegurar o caráter palaciano do imóvel, através da preservação dos traços setecentistas da sua fachada, e da recuperação da imponente escada de aparato. A ideia, sempre presente, de devolver o edifício à urbe e de potenciar a sua relação com o meio envolvente, é perfeitamente expressa na conceção de interiores mais amplos, libertos de tabiques desnecessários, que se contrapõem com o diminuto passeio do largo. Uma especial atenção é conferida aos revestimentos decorativos preexistentes, que, depois de limpos, recuperados e até mesmo consolidados, se prevê que convivam em simbiose com os espaços renovados, e equipados, de acordo com as novas exigências funcionais, regulamentadas, deste futuro equipamento museológico.

Por fim, a última parte, correspondente aos “Anexos”, apresenta três quadros – um primeiro, organizado cronologicamente entre 1762 e 1833, onde se elencam os diferentes inquilinos do espaço; um segundo, com uma sequência genealógica dos comendadores de Fronteira, e um final com uma lista de proprietários das duas propriedades entre 1555 e 2016, bem como dezanove documentos, donde destacamos o 14.º, proveniente do Arquivo Municipal de Lisboa. Trata-se de um cordeamento às casas do Principal Vasconcelos, datado de 1739, que salienta o quanto esta tipologia documental é imprescindível na construção da história dos edifícios da cidade de Lisboa. Outros manuscritos, constantes nos “Anexos”, provenientes do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, reforçam a importância deste estudo de caso, que conjuntamente com outras memórias recuperadas no Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e no Arquivo Histórico do Tribunal de Contas, que, para além de divulgadas ao longo do texto, são elencadas no final do livro.

Sobressai, ao longo de 112 páginas, uma visão detalhada da génese da propriedade, das diferentes intervenções que conduziram à sua atual aparência e da singularidade dos programas decorativos patentes no seu interior. O estudo evidencia-se também pelos olhares cruzados, e multidisciplinares, sem os quais não seria possível conhecer profundamente a história do edificado, nem compreender verdadeiramente a urgência da sua reabilitação. A obra ressalta ainda, no âmbito deste número dos Cadernos do Arquivo Municipal, consagrado às Artes Decorativas de Lisboa, o facto de devolver ao olhar um edifício modelar no que à união das artes ornamentais portuguesas diz respeito, mas também por ser um exemplo do quanto as fontes do Arquivo Municipal de Lisboa são indispensáveis para a construção da atual olisipografia, como comprova o facto dos autores dos textos recorrerem quer à cópia da Planta de Lisboa, de 1650, de João Nunes Tinoco, à carta n.º 42, de 1856, da Carta topográfica de Lisboa, dirigida por Filipe Folque, bem como ao prospeto do edifício em apreço, constante no processo de obra n.º 10149.

 

 

Notas

* Maria João Pereira Coutinho é doutora em História (especialidade em Arte, Património e Restauro) pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Entre 1998 e 2005 foi docente na ESAD/FRESS – Escola Superior de Artes Decorativas/Fundação Ricardo Espírito Santo Silva e entre 2006 e 2009 foi bolseira de doutoramento da FCT. A partir de 2010 integrou o IHA – Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde desenvolve um projeto de pós-doutoramento (SFRH/BPD/85091/2012) em Estudos Artísticos, apoiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, com financiamento comparticipado pelo Fundo Social Europeu e por fundos nacionais do Ministério da Educação e Ciência. Correio eletrónico: mjpereiracoutinho@gmail.com

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons