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Cadernos do Arquivo Municipal

versão On-line ISSN 2183-2176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.7 Lisboa jun. 2017

 

INTRODUÇÃO

 

Introdução

Maria João Pereira Coutinho*; Teresa Leonor M. Vale**

*IHA – Instituto de História da Arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas / Universidade NOVA de Lisboa, 1069-061 Lisboa, Portugal.

**ARTIS - Instituto de História da Arte, Faculdade de Letras / Universidade de Lisboa, 1600-214 Lisboa, Portugal.

 

 

O número 7 dos Cadernos do Arquivo Municipal que ora se apresenta, subordinado ao tema Lisboa e as Artes Decorativas: obras, artistas, projetos, consagra uma vez mais a importância da documentação existente no acervo deste tombo, como se comprova através do conjunto de artigos selecionados.

A relevância das artes decorativas, enquanto domínio de investigação científica no mais vasto âmbito da investigação em história da arte, vê-se comprovada em anos recentes pelo número de dissertações que lhe têm sido consagradas e sublinhada pela quantidade e qualidade das publicações vindas a lume. Afigurou-se-nos assim consentâneo e pertinente dedicar a este domínio, e muito concretamente à sua presença na cidade de Lisboa, o presente número dos Cadernos.

Muito longe de esgotar todas as possibilidades do tema, esta publicação destaca áreas como as da ourivesaria, da arte de armar interiores de edifícios, do património azulejar ou da pintura e escultura decorativas. Os estudos em apreço, não só resgatam informações de relevo desses registos iconográficos e manuscritos, como dão a conhecer as singularidades próprias de manifestações artísticas que existem, ou que existiram, no contexto da cidade de Lisboa e arredores.

Dos artigos aceites para publicação, organizados numa sequência cronológica, subtrai-se, no âmbito da relação entre a obra decorativa e possíveis fontes ou expressões dessa obra o estudo sobre analogias entre a ornamentação de portais e arcos efémeros de Maria João Pereira Coutinho. Através da análise dos objetos arquitetónicos concebidos e realizados entre a época dos Filipes e o final do reinado de D. João V, são aqui cruzados olhares entre esses, perenizados na arquitetura de então, e os modelos utilizados em aparatos efémeros.

Distingue-se também uma seleção de estudos onde se privilegia a relação entre o encomendador e a obra, como se compreende na leitura dos resultados das investigações de Nuno Grancho sobre os serviços que o ourives António Coelho [Pinhão] prestou ao arcebispo de Évora D. Diogo de Sousa, na segunda metade do século XVII, e de Sofia Braga acerca da intervenção de Cyrillo Volkmar Machado no palácio de Jacinto Fernandes Bandeira, também conhecido por palácio Porto Covo. Em ambos os casos estamos perante contributos plenos de novidade, pois os autores não só adicionam novos dados à identidade dos comanditários, como revelam novas expressões das obras desses artistas.

No caso do estudo das obras de António Coelho, Nuno Grancho incide sobre a aquisição de um conjunto de peças litúrgicas como caldeiras, tríbulos, navetas e tocheiros para a Sé de Évora, mas também de objetos de ourivesaria civil, tais como bacias de barba, castiçais, um cofre e uma escrivaninha, ou tinteiro, entre outros. Já Sofia Braga dedica a sua atenção à decoração das quatro salas cyrillianas (de Receção, dos Espelhos ou de Baile, de Visitas e a Casa de Jantar), bem como à Sala dos Escudeiros, relacionando alguns dos programas mais eruditos com fontes escritas, como a Naturaliae Historia de Plínio, o Velho.

Por outro lado, evidenciam-se os artigos de Rita Carlos e de Maria João Pacheco Ferreira por explicitarem, à luz da documentação à guarda do arquivo, aspetos relativos aos ofícios de ensaiador da prata e de armador na cidade de Lisboa, entre os séculos XVII e XIX. Embora elegendo métodos distintos de abordagem da documentação sobre essas atividades, ambos os textos denotam a relevância das fontes enquanto alicerce das investigações empreendidas. A primeira autora, mais centrada nas diretrizes veiculadas no Regimento dos ourives da prata, permite-nos reconhecer hoje quais os deveres e privilégios destes artistas no contexto da cidade de Lisboa, enquanto a segunda, mais ocupada a traçar o perfil socioprofissional destes oficiais, devolve-nos o olhar sobre uma profissão não regulamentada e não embandeirada, mas evocada nas Posturas camarárias.

Exemplos da simbiose existente entre a arquitetura e as artes decorativas são os estudos levados a cabo por Inês Gato de Pinho, pela equipa de Celso Mangucci, Maria Alexandra Gago da Câmara e Teresa Verão, por António Cota Fevereiro e por Inês Andrade Marques, respetivamente sobre o acervo têxtil da igreja do colégio jesuíta de S. Francisco Xavier de Alfama, os azulejos da Fábrica do Rato para a ermida de Nossa Senhora de Monserrate, a azulejaria e pintura decorativa de edifícios “Arte Nova” e os “Entalados” nas fachadas dos prédios de rendimento de Lisboa da primeira metade do séc. XX.

O desvio à regra do modelo de igreja de cruz latina povoada de capelas intercomunicantes, que Inês Gato de Pinho comprovou ter existido no colégio de Alfama, foi a base para a compreensão de uma igreja onde a policromia dos tecidos acentuou a comunhão entre a arquitetura e a liturgia. Também o estudo complementar entre a obra azulejar da Real Fábrica da Louça do Rato, com iconografia mariana documentada por Celso Mangucci, Alexandra Gago da Câmara e Teresa Verão, e a pouco citada ermida de Nossa Senhora de Monserrate, construída no espaço de um dos arcos do Aqueduto das Águas Livres, evidencia a importância da obra integrada. Já a panóplia de manifestações artísticas pictóricas, levantada por António Cota Fevereiro, demonstra cabalmente o quanto os edifícios de Lisboa e arredores influenciados pela corrente francesa Art Noveau foram devedores da ação dos mais prestigiados decoradores dessa época. Comprovando igualmente o quanto a estrutura pode estar comprometida com a sua decoração, Inês Andrade Marques dedica o seu estudo ao tema dos “entalados”, epíteto de Keil do Amaral aos baixos-relevos decorativos das habitações urbanas lisboetas. Salientando a dicotomia existente entre as obras contratadas à margem do processo de licenciamento camarário e aquelas alvo de censura por parte da edilidade, como ocorreu com o “homem da marreta” do edifício de Cassiano Branco, a autora destaca aquelas saídas das mãos de escultores como Leopoldo de Almeida, ou as integradas nos edifícios projetados por Sérgio Botelho de Andrade Gomes.

Por fim, expressão de uma investigação sobre a readaptação de objetos decorativos e o carácter museográfico dos mesmos é a pesquisa de Sílvia Ferreira em torno da readaptação de componentes de talha das casas religiosas extintas e da sua exposição. Através da averiguação da proveniência das peças que fizeram parte da Nau Portugal, ideada para integrar a Exposição do Mundo Português de 1940, compreendeu-se que possivelmente muitas das peças provinham dos mosteiros da Batalha e de Alcobaça e dos extintos conventos de São Domingos de Elvas, do Crato e de Portalegre, sendo expostas segundo uma conceção muito particular do Estado Novo.

Note-se que nenhum destes artigos teria encontrado sentido nesta publicação, sem o recurso à sustentação científica conseguida através da consulta de Chancelarias Régias e da Cidade, de Testamentos, de Processos Gerais de Secretaria, de Processos de Obra e de Fotografias, que não só nos ajudam a compreender a diversidade documental que o Arquivo Municipal encerra, como a amplitude cronológica desse acervo.

No que à Documenta diz respeito, salientamos o facto de, por uma questão de continuidade das linhas editoriais anteriormente definidas, se dar seguimento à transcrição de alguns dos regimentos de oficiais mecânicos de maior relevo no âmbito das artes decorativas, como sucedeu com o Regimento dos Ourives do Ouro e Lapidários, o Regimento dos Ourives da Prata, o Regimento dos Guadamecileiros, o Regimento dos Oleiros, o Regimento dos Tapeceiros e o Regimento dos Vestimenteiros que fazem ornamentos para igrejas.

Na seção de Recensões, destacamos as críticas às obras Ourivesaria Barroca Italiana em Portugal: Presença e influência, de Teresa Leonor Vale, Palácio Portugal da Gama / São Roque, de autores vários, e Excomunhão e economia da salvação: queixas, querelas e denúncias no tribunal eclesiástico de Minas Gerais no século XVIII, de Patrícia dos Santos, respetivamente realizadas por Nuno Vassallo e Silva, Maria João Pereira Coutinho e José Subtil.

Por último, não podemos deixar de reconhecer que este número não seria possível sem a dedicação da Diretora da Revista, Inês Morais Viegas, e da Coordenadora e da Comissão Editorial dos Cadernos, Marta Gomes, Ana Teresa Brito, Denise Santos, Nuno Martins, Sandra Cunha Pires e Sara de Menezes Loureiro. À Joana Pinheiro, responsável pela conceção gráfica da revista, os nossos agradecimentos. Uma palavra de gratidão vai também para os membros da Comissão Externa de Avaliadores da publicação, que generosamente reviram e potenciaram a qualidade dos trabalhos publicados. Por fim, um agradecimento muito especial aos autores, que, com a sua generosidade produziram cultura e contribuíram para a renovação do conhecimento das artes decorativas de Lisboa.

 

Notas

* É doutora em História (especialidade em Arte, Património e Restauro) pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Entre 1998 e 2005 foi docente na ESAD-FRESS e entre 2006 e 2009 foi bolseira de doutoramento da FCT. A partir de 2010 integrou o Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde desenvolve um projeto de pós-doutoramento (SFRH/BPD/85091/2012) em Estudos Artísticos, apoiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, com financiamento comparticipado pelo Fundo Social Europeu e por fundos nacionais do Ministério da Educação e Ciência. Correio eletrónico: mjpereiracoutinho@gmail.com

** Licenciada (1989), mestre (1994) e doutora (1999) em História da Arte, é professora auxiliar da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e investigadora do ARTIS-IHA da mesma Universidade. Autora de diversos livros e artigos no âmbito da história da arte publicados em Portugal, Itália, Reino Unido, França e Eiha. Correio eletrónico: teresalmvale@gmail.com

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