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e-Pública: Revista Eletrónica de Direito Público

versão On-line ISSN 2183-184X

e-Pública vol.6 no.3 Lisboa dez. 2019

 

 

DIREITO PÚBLICO

Do poder de mídia e as violações de Direitos Fundamentais: um debate acerca dos limites da liberdade de imprensa e a exposição de crianças ao culto da violência

From media power and fundamental rights violations: a debate about the limits of press freedom and the expousure of children to cult of violence

 

Driane Fiorentin de MoraisI1 , Felipe da Veiga DiasII2 .

I Faculdade Meridional - IMED, Rua Emílio Viecili, n.438, Bairro Constante Fuga, Marau, Rio Grande do Sul, 99150-000, Brasil. E-mail:driane_morais@hotmail.com

II Faculdade Meridional - IMED, Rua Rio Branco, n.100, apartamento 402, Vila Rodrigues, Passo Fundo, Rio Grande do Sul, 99070-080, Brasil. E-mail:felipevdias@gmail.com

 

RESUMO

Considerado como um dos países mais livres para o exercício da profissão jornalística, segundo a análise da Organização Internacional Repórteres Sem Fronteiras (RSF), Portugal está na 12.ª posição no Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa enquanto o Brasil ocupa a 105.ª posição, visto como um país de difícil exercício desta ocupação, da mesma forma que possui uma mídia responsável por severas violações de Direitos Humanos e Fundamentais. Adotando uma metodologia de abordagem dedutiva, onde procurou-se estruturar o que era poder de mídia, partindo de uma análise do Guia de Monitoramento das Violações de Direitos na Mídia, para então adentrar nas discussões acerca das violações de direitos, em especial os direitos da criança e adolescente, este trabalho foi desenvolvido com o objetivo de promover o debate acerca das violações midiáticas e o alcance da cobertura de temas violentes em horário disponível para crianças e adolescentes no Brasil e Portugal.

Palavras-Chave: Crianças; Brasil; Mídia; Portugal; Violação;

 

ABSTRACT

Considered as one of the most freest countries to exercise journalism, according to the latest analysis of the International Organization Reporters Sans Frontieres (RSF), Portugal ranks 12th in the World Press Freedom Ranking while Brazil ranks 105th, being considered a country of difficult occupation, just as it has a media responsible for severe violations of Human Rights. Adopting a deductive approach methodology, sought to structure what was media power, from an analysis of the Media Rights Violations Monitoring Guide, then enter the discussions of human right violations, especially the rights of children and adolescents, this work was developed with the objective the debate about media violations and reach the coverage of violent topics on time available to children and adolescents in Brazil and Portugal.

Keywords: Brazil; Kids, Media; Portugal; Violation;

Sumário: 1. Introdução; 2. Do Poder da Mídia; 3. Violações Midiáticas em Portugal e Brasil; 4. Considerações Finais.

Summary: 1. Introduction; 2. The media power; 3. Media breaches in Portugal and in Brazil; 4. Final remarks.

 

1. INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como tema o debate acerca das violações cometidas pela mídia, a partir de uma leitura dos dados coletados pela Organização ANDI – Comunicação e Direitos e pela Organização Internacional Repórteres Sem Fronteiras (RSF). A pesquisa delimita-se na concepção do poder de mídia, concentrando-se nas violações feitas pela própria mídia e o alcance destas, visto que grande parte das coberturas midiáticas se propagam em horário comercial, possuindo assim, um maior alcance a crianças e adolescentes e executando completos processos de violação de direitos. Essa escolha de pesquisa parte do debate acerca dos limites envolvidos na liberdade de imprensa em contrapeso com o exercício das garantias fundamentais e direitos humanos, com foco no desrespeito aos princípios constitucionais e aos direitos que envolvem crianças e adolescentes.

Considerado como um dos países mais livres para o exercício da profissão jornalística, segundo a análise da Organização Internacional Repórteres Sem Fronteiras (RSF), Portugal está na 12.ª posição no Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa enquanto o Brasil ocupa a 105.ª posição, sendo considerado um país de difícil exercício desta ocupação, da mesma forma que possui uma mídia responsável por severas violações de direitos humanos e fundamentais. Este trabalho foi desenvolvido com o objetivo de promover o debate acerca das violações causadas pela própria mídia e o alcance da cobertura de temas violentos em horário disponível para crianças e adolescentes no Brasil e Portugal.

Define-se a problemática do presente trabalho em: quais são os tipos de violações midiáticas mais recorrente em Portugal e Brasil, com ênfase no alcance de notícias violentas em horário acessível para crianças e adolescentes. Neste contexto, parte-se da ideia da existência de violações, já que parte da pesquisa se fundamenta num estudo desenvolvido acerca destas, fazendo-se assim, uma análise comparativa entre os países e as soluções apresentadas por estes.

A fim de promover esta pesquisa, com foco em determinar de que modo e até mesmo demonstrar as principais violações cometidas pela mídia, adota-se a priori para o estudo a metodologia de abordagem dedutiva, visto que se irá partir de bases gerais para um ponto específico, ou seja, significa dizer que primeiramente irá se estruturar o que é poder de mídia, suas características e meios de propagação, para então adentrar na discussão acerca dessas violações e as consequências diretas e indiretas que afetam crianças e adolescentes expostos as violações.

Combinado com o método inicial, encontra-se o método de procedimento monográfico, o qual utiliza como parâmetro o estudo acerca de um tema específico e de forma crítica, deixando de lado abordagens puramente dogmáticas ou analíticas que pouco questionariam sobre o estudo. Por fim colaciona-se a técnica de pesquisa da documentação indireta, tendo em vista que se utiliza como fontes básicas obras bibliográficas, livros, periódicos, cobertura midiática do caso e pesquisas de dados secundários a respeito dos temas em questão.

 

2. DO PODER DE MÍDIA

Antes de adentrar no debate acerca das violações cometidas pela imprensa em ambos os países, torna-se relevante a discussão acerca do poder da mídia, para que se possa compreender de que modo e até mesmo demonstrar quais os impactos das principais violações cometidas, denotando o papel contemporâneo da mídia enquanto ator social.

A mídia, em todas as suas formas, é considerada como a maior fonte de informação da população, tendo um papel de grande relevância na promoção de informações ao público e desta forma, na manutenção do exercício democrático3. Sendo assim, a televisão, por ser a forma mais acessível de informação pela população, principalmente a de baixa renda, possui o domínio sobre a formação de opinião dessa parte importante do público4. A mesma, porém, não é muito conveniente com o pensamento crítico, fato que se deve a necessidade desenfreada de publicar uma notícia nova antes que os demais o façam5. “A imprensa passa a ser firmar como empresa. Ao tempo que se apoia na dependência da publicidade, vê crescer a influência do jornalismo na formação da opinião pública e na construção do pensamento político”6.

Isso significa que as dinâmicas tipicamente caracterizadas pela lógica do consumo intenso7 se aplicam também a produção midiática, seja aquela pensada por Bourdieu com os mecanismos de massa, seja ao se projetar as ações hodiernas vindas de dispositivos da era digital, com as redes sociais, blogs, portais de notícia, etc.

Nesse ponto, “o produto veiculado pela mídia e denominado “notícia” seria o resultado de um efeito de espelho da realidade”8. Da mesma forma, o profissional que exerce sua atividade nos meios de comunicação “devem sua importância no mundo social ao fato de que detêm um monopólio real sobre os instrumentos de produção e de difusão em grande escala de informações, sobre o acesso dos simples cidadãos9 […]. A notícia em si é um meio de produção da realidade social, uma vez que a fundamenta via dois meios especiais, sendo eles a escolha dos fatos que serão notificados e a importância que será atribuída ao mesmo10. Contudo, a leitura dessas depende de alguns fatores que fogem ao controle da própria mídia, estando entre eles, a realidade social em que o leitor/usuário (quando se pensa no acesso online) está inserido11.

A mera obtenção da informação não é o suficiente para torná-la um produto rentável, visto que a forma de divulgação também tem um importante papel na valorização e, desta forma, nos lucros que podem ser gerados a partir desta. As escolhas de matérias por parte dos meios de comunicação fundamentam-se na busca por maiores índices de audiência e, consequentemente, o lucro. A divulgação rápida de informações, conhecida como “furo”, segue nesta busca supérflua por notícias que causem “impacto”12, tendo como único objetivo a apresentação de algo inédito que agrade o senso comum, descartando muitas vezes as preocupações com a veracidade das informações obtidas e até mesmo com os danos causados as partes envolvidas.13

Da mesma forma, “[…] o tempo é algo extremamente raro na televisão. E se minutos tão preciosos são empregados para dizer coisas tão fúteis, é que essas coisas tão fúteis são de fato muito importantes na medida em que ocultam coisas preciosas”14. Por isso, “se a mídia de massa pode estar imersa em meios manipulatórios interessados diretamente em ostentar elevados níveis de audiência, não se olvide serem tais veículos concessões públicas que devem respeitar os parâmetros constitucionais”15. Pois, a forma como o telespectador recebe a notícia, isto é, a maneira como o locutor “[…] distribui os tempos de palavra, distribui o tom da palavra, respeitoso ou desdenhoso, atencioso ou impaciente16” é um importante meio de controle da informação, bem como do alcance da mensagem.

Ao fim, a discussão sobre o poder de mídia, por tratar-se de um assunto complexo e, em virtude das limitações de espaço que o presente trabalho enfrenta, fica evidenciada no fato de que este é uma ferramenta de alto valor na manipulação e ocultação de informações importantes ao povo, uma vez que acabam por ser a única fonte de conhecimento/informação para parcelas significativas da população. Por conseguinte, a incerteza em relação a fidelidade dos meios de comunicação com a veracidade das notícias é uma questão de preocupação social, visto que as partes envolvidas nos “furos”, costumeiramente encontram-se em situações de vulnerabilidade, ficando assim, alvos de complexos processos de violações por parte do desrespeito da mídia.

 

3. DAS VIOLAÇÕES MIDIÁTICAS EM PORTUGAL E BRASIL

Na última pesquisa divulgada pela ANDI – Comunicação e Direitos, através do desenvolvimento do projeto denominado “Programa de monitoramento de violações de direitos na mídia brasileira”, em parceria com Organizações Estatais, Sociedade Civil e da Cooperação Internacional, analisou-se num período de 30 dias, em torno de 28 programas de rádio e televisão, onde constatou-se uma média de 4.500 violações de direitos, além de 15.761 transgressões a lei.

Ao total, contabilizou-se 1.704 exposições indevidas de pessoas, isto é, a priori, violação ao direito de privacidade, da mesma forma que desrespeitou-se aproximadamente 1.580 vezes o direito a presunção de inocência, previsto na Constituição Brasileira de 1988, tal qual foi o desrespeito a garantia ao silêncio, afrontada 614 vezes. O direito à privacidade é garantido ao cidadão no “inciso X do artigo 5.º pela Constituição brasileira vigente de 1988, que dispõe: São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”17. Da mesma forma, ampara-se o direito a presunção de inocência, vide “inciso LVII artigo 5.º, da Constituição brasileira, o qual prescreve que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”18.

Em meio ao espetáculo de violações a princípios e garantias constitucionais protagonizados por estes apresentadores, salienta-se a despreocupação desses profissionais com o alcance do conteúdo transmitido em horário comercial, o qual esteve em fácil acesso a crianças e adolescentes, tornando-se assim, um culto a violência que não encontra nenhuma dificuldade de transmissão, ou sequer, uma tentativa de alerta ao público alvo sobre a gravidade do conteúdo que será transmitido.

Em contrapartida, Portugal, como já mencionado, ocupa uma posição entre os 15 países com maior liberdade de imprensa no mundo, assunto que é levado a seriedade pelas autoridades nacionais e internacionais. Apesar dos esforços, ao passar de 15 anos, Portugal destacou-se no território europeu pelo número de condenações ao desrespeito a liberdade de expressão, totalizando mais de 20 condenações.

No que diz respeito a exposição de crianças a conteúdos midiáticos violentos, um levantamento publicado em 2018 pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social, conhecido como “BOOM DIGITAL? Crianças (3-8 anos) e ecrãs”, apurou que, na observação de 20 famílias portuguesas e entrevista de aproximadamente 656 famílias, 4 em cada 10 crianças assiste diariamente televisão e que os pais, mostram-se preocupados com os conteúdos violentos e impróprios a idade, transmitidos em horário acessível aos menores de idade. A preocupação dos genitores estende-se ao fato de que se torna inviável negar a influência da mídia na vida e desenvolvimento das crianças, uma vez que de acordo com o estudo ora em análise, 39% das crianças expressaram interesse por produtos divulgados na televisão, além de que, em média, 79% das crianças possuíam acesso aos meios de comunicação, principalmente através de televisão e internet.

Posto isso, salutar enfatizar que, o “n.º 1, do artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa garante: a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, […] à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação”19. Por isso, há que se ter cautela ao afirmar que os meios de comunicação constituem única e/ou principal fonte de proliferação de materiais ligados a violência, e de certa forma de que este seria um fator essencial ao início de comportamentos agressivos em crianças e adolescentes.

Desconsiderar a realidade social em que a criança está inserida, seja em Portugal ou Brasil, é um equívoco que deve ser superado. Apesar de que a mídia é considerada uma das grandes fontes de informação a população, existem outras formas de contato com a violência que podem ter uma maior influência nos comportamentos violentos de crianças e adolescentes. Uma criança que mora em uma favela, por exemplo, principalmente no Brasil, possui um contato superior com a violência em seu cotidiano ao sair pela porta de casa do que ao ligar a televisão; da mesma forma, uma criança que esteja a presenciar de forma frequente violência doméstica possui uma relação de maior proximidade com a violência que ao assistir programas midiáticos que promovem violações a direitos fundamentais e são considerados uma espécie de “promoção” a violência. Nesse sentido, há que destacar que, nos últimos oito anos, em Portugal, aproximadamente 84 mil situações de violência doméstica foram testemunhadas por crianças e ao menos 13 mil crianças e adolescentes foram vítimas desse tipo de agressão.

Ao passo que não se deve descartar a realidade social em que o menor de idade está inserido, não há como desconsiderar prontamente a influência da mídia e seu discurso violento, prezando-se nesse caso, pela ponderação e análise cuidadosa dos dados coletados até o momento. Os discursos midiáticos devem ser responsabilizados à medida que, ao desrespeitarem os direitos fundamentais garantidos nas Constituições dos países em análise, buscam a normalização da violência enquanto instrumento de resposta socialmente aceitável aos mais diversos problemas: desde discordâncias de opinião até o enfrentamento da criminalidade.

Os programas policialescos analisados nos relatórios pelo programa de monitoramento de violações de direitos na mídia brasileira (2016 e p.134-140), bem como na pesquisa “Criminologia midiática: um estudo sobre o programa Cidade Alerta” (2019 e p.19), discutiram nos trabalhos apresentados as violações contatadas ao longo de suas pesquisas, que em certo ponto coincidem-se, mesmo sendo realizadas em anos diferentes. Entre elas, encontram-se o desrespeito ao princípio da presunção20 da inocência, da violação ao direito ao silencio, da identificação de adolescentes e crianças em coberturas de notícias criminais, bem como o discurso de ódio.

Como já mencionado, o direito a presunção da inocência encontra respaldo legal no inciso LVII do artigo 5.º da Constituição Federal do Brasil e no “n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, o qual dispõe que todo o arguido se presume inocente até o trânsito em julgado da sentença da condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias da defesa”. Ambas as constituições encontram amparo jurídico no “n.º 1 do artigo 11.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que estabelece que toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas”. Logo, a inocência é um direito presumido do cidadão até que seja provado sua culpabilidade no ato, após o esgotamento de todos os meios de recursos cabíveis ao processo em curso.

A violação ao direito ao silêncio interliga-se ao princípio da presunção da inocência uma vez que ambos têm como finalidade a proteção do indivíduo, garantindo-lhes o direito de não produzir provas contra si mesmo e de ter a oportunidade de responder somente perante o juizado competente. Encontra-se sua previsão no “inciso LXIII do artigo 5.º da Constituição Federal Brasileira, que assegura que o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”21. Na Constituição Portuguesa, tal princípio encontra base no artigo 1.º, que dispõe sobre a dignidade da pessoa humana enquanto pilar fundamental da constituição e dos demais direitos fundamentais protegidos por esta.

A identificação dos discursos de ódio na mídia ocorre de forma mais simples do que a identificação da proibição destes atos. “O inciso IV do artigo 3.º da Constituição brasileira e o n.º 2 do artigo 13.º da Constituição portuguesa, dispõe respectivamente que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”22. e ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião23 […]”. Percebe-se, assim, que ambas as Constituições vedam diversos tipos de discriminação, porém, o discurso de ódio em si e suas consequências não são diretamente citados.

Por fim, a exposição de crianças e adolescentes em meios de comunicação social são tutelados, no Brasil, pelo artigo 18.º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que assegura que “é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”24. Da mesma forma, o artigo 75.º do mesmo código determina que “Toda criança ou adolescente terá acesso às diversões e espetáculos públicos classificados como adequados à sua faixa etária”25. O artigo 76.º do Estatuto da Criança e do Adolescente também dispõe que: “As emissoras de rádio e televisão somente exibirão, no horário recomendado para o público infanto juvenil, programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas”26.

Tal direito novamente é assegurado no artigo 78.º da mesma lei que garante que “As revistas e publicações contendo material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes deverão ser comercializadas em embalagem lacrada, com a advertência de seu conteúdo”27. Já em Portugal, tais direitos são resguardados pelo artigo 90.º, n.º1, da Lei n.º.147/99 – Lei de proteção de crianças e jovens em perigo, a qual define que “os órgãos de comunicação social, sempre que divulguem situações de crianças ou jovens em perigo, não podem identificar, nem transmitir elementos, sons ou imagens que permitam a sua identificação […]”28.

Ao final, faz-se perceptível que não faltam dispositivos legais que assegurem ao cidadão, em especial crianças e adolescentes, o direito à privacidade, a dignidade humana e o respeito a um desenvolvimento peculiar. Porém, ainda assim as regulações somente alcançam os meios de comunicação após as suas violações, o que coloca em xeque o modelo de direitos humanos e fundamentais, focado em um padrão pós-violatório (contrariando as posturas da teoria crítica)29, bem como denotam que a autoregulação atual focada no exercício das liberdades fundamentais permite diversos abusos com tons de regularidade contumaz, algo constatável por meio dos registros das violações em ambos os países.

Diante disso, alterações legais que busquem restringir o uso excessivo de materiais ligados a violência, a fim de sobrepesar os interesses ligados a informação, expressão e imprensa a proteção integral da infância merecem observação atenta, pois tal alternativa vem sendo utilizada por outros países30, embora Portugal e Brasil ainda não tenham adotado tais medidas. Portanto, verificando-se que a violência e criminalidade são produtos usuais na cobertura policialesca que atinge crianças e adolescentes, torna-se imperioso verificar que no atual contexto de violações parte dos direitos humanos e fundamentais da infância vem sendo ignorados, algo que torna ainda mais latente o presente debate.

 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa teve como objetivo promover o debate acerca das violações midiáticas e o alcance da cobertura de temas violentes em horário disponível para crianças e adolescentes no Brasil e Portugal, adotando uma metodologia de abordagem dedutiva, onde procurou-se estruturar o que era poder de mídia, partindo de uma análise do Guia de Monitoramento das Violações de Direitos na Mídia, para então adentrar nas discussões acerca das violações de direitos, em especial os direitos da criança e adolescente.

A problemática da pesquisa teve foco nos tipos de violações midiáticas mais recorrente práticas pelos meios de comunicação, com ênfase no alcance de notícias violentas em horário acessível para crianças e adolescentes. Após, contextualizou-se essas transgressões recorrentes nas Constituições vigentes de ambos os países, a fim de comprovar que de fato há legislação vigente a fim de proteger os interesses do cidadão, em particular das crianças e adolescentes. Faz-se necessário novamente destacar que somente as violações midiáticas e a violência transmitida pela própria mídia não podem ser consideradas fatores únicos ao desenvolvimento de comportamentos agressivos em crianças e adolescentes.

Ainda assim, a mídia enquanto principal fonte de acesso à informação da população, deve responsabilizar-se pelas transgressões e desrespeito aos direitos e garantias constitucionais praticados por seus representantes em horário comercial e acessível a infantes, da mesma forma que se deve abrir o debate acerca do tema para que se possa compreender a gravidade dos discursos violentos praticados nos meios de comunicação.

Ao fim, conclui-se que ambos os países não possuem restrições legais para conter os danos causados por violações de direitos na mídia, o que não significa dizer que não houve preocupação com o tema, uma vez que se encontra em vigência leis de proteção a crianças e adolescentes que discorrem sobre a relação destes com os meios de comunicação (sem, contudo, impor restrições). Tais legislações, são ineficientes no cumprimento das proteções prometidas na redação das leis, deixando os menores de idade vulneráveis a discursos violentos e programações inadequadas para a idade. Assim, faz-se necessário promover o debate acerca da matéria, sem excluir a mídia e seus representantes da discussão, para que se possa chegar a uma solução consensual, e desta forma garantir a proteção de direitos fundamentais e direitos humanos, com maior atenção aos direitos de crianças e adolescentes.

 

1 Pré-licenciada em Direito pela Faculdade Meridional (IMED) – Passo Fundo. Integrante do Grupo de Pesquisa “Criminologia, Violência e Sustentabilidade Social”, coordenado pelo prof. Dr. Felipe da Veiga Dias (IMED). Intercambista na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. E-mail: driane_morais@hotmail.com. Residente na morada: Rua Emilio Viecili, 438, Marau-Rio Grande do Sul, cep:99150-000.

2 Pós-doutor em Ciências Criminais pela PUC/RS. Doutor em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) com período de doutorado-sanduíche na Universidad de Sevilla (Espanha). Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado) e do curso de Direito da Faculdade Meridional (Imed) – Passo Fundo/RS, Brasil. Coordenador do Grupo de Pesquisa “Criminologia, Violência e Sustentabilidade Social” (Imed). Advogado. http://lattes.cnpq.br/6961580388113058. E-mail:felipevdias@gmail.com . Residente na morada: Rua Rio Branco, n.º100, apartamento 402, Passo Fundo – Rio Grande do Sul, cep:99070080.

3 Á. F. OXLEY DA ROCHA, “Judiciário e mídia: o problema da realização da cidadania no Brasil”, Revista Direito, Estado e Sociedade, 34.ª, 2009, p.20.

4 P. BORDIEU, Sobre a Televisão, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1997, p.23.

5 BORDIEU, Sobre, p.39.

6 A. R. NUNES MARTINS, Grupos excluídos no discurso da mídia: uma análise de discurso crítica. DELTA, São Paulo, v. 21, 2005, p.130, disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-44502005000300009&script=sci_abstract&tlng=pt, (acesso em 29 dezembro de 2019).

7 Z. BAUMAN, Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro,

8 Á. F. OXLEY DA ROCHA, “Estado, jornalismo e o discurso da verdade: uma abordagem criminológica”, Derecho y Cambio Social, 2016, p.10.

9 BORDIEU, Sobre, p.65.

10 OXLEY DA ROCHA, DCS, p.10.

11 MARÍLIA DE NARDIN BUDÓ, “De fator criminógeno a fator simbólico na construção social da criminalidade: os estudos interdisciplinares sobre mídia, violência e crime”, Congresso Internacional de Ciências Criminais, 2011, p.264.

12 OXLEY DA ROCHA, DCS, p.07.

13 OXLEY DA ROCHA, RDES, p.26.

14 BORDIEU, Sobre, p.23.

15 A. JOBIM DO AMARAL E T. DAS NEVES SWATEK, “Criminologia midiática: um estudo sobre o programa “cidade alerta” (Rede Record de Televisão”, In Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, Santa Maria, v.15, n.1, 2020, p.23, disponível em https://periodicos.ufsm.br/revistadireito/article/view/39072 (acedido em 24 dezembro de 2019).

16 BORDIEU, Sobre, p.45.

17 BRASIL Constituição Federal de 1988, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm (acedido em 28 dezembro de 2019).

18 BRASIL. Constituição Federal de 1988.

19 PORTUGAL, Assembleia Constituinte 1976, Constituição da República Portuguesa – V Revisão Constitucional, disponível em http://www.parlamento.pt/const_leg/crp_port/index.html (acedido em 28 dezembro de 2019.

20 S. VARJÃO, “Violações de direitos na mídia brasileira: Guia de monitoramento de violações de direitos, ANDI Brasília, v.3, 2016, disponível em https://intervozes.org.br/publicacoes/violacoes-de-direitos-na-midia-brasileira-guia-de-monitoramento-volume-iii/, (acesso em 28 dezembro de 2019)

21 BRASIL, Constituição Federal de 1988.

22 BRASIL, Constituição Federal de 1988.

23 PORTUGAL, Assembleia Legislativa. Constituição 1976

24 BRASIL, Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Câmera dos Deputados, Brasília, DF, 16 jul. 1990, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm, acesso em 16 dezembro de 2019.

25 BRASIL, Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Câmera dos Deputados, Brasília, DF, 16 jul. 1990.

26 BRASIL, Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Câmera dos Deputados, Brasília, DF, 16 jul. 1990.

27 BRASIL, Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Câmera dos Deputados, Brasília, DF, 16 jul. 1990.

28 PORTUGAL, Assembleia Legislativa. Constituição (1999). Lei n.º 147/99, de 01 de setembro de 1999. Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo. Portugal, Disponível em: https://www.dgs.pt/accao-de-saude-para-criancas-e-jovens-em-risco/legislacao-relacionada/lei-n-1471999-de-1-de-setembro-pdf.aspx. Acesso em: 15 dez. 2019.

29 D.SÁNCHEZ RUBIO. Repensar derechos humanos: de la anestesia a la sinestesia, Madrid, Editorial Mad, 2007, pp.15-16.

30 F. DA VEIGA DIAS, “Punitivismo midiático nos programas policialescos e regulação da comunicação no Brasil com base nos direitos de crianças e adolescentes: ensinamentos uruguaios com a estrategia por la vida y la convivência”. In DIVAN, Criminologias e Política Criminal, II. 1 ed. Florianópolis: Conpedi, v. 1, 2016, pp. 166-182.