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Sisyphus - Journal of Education

versão impressa ISSN 2182-8474versão On-line ISSN 2182-9640

Sisyphus vol.11 no.3 Lisboa fev. 2024  Epub 18-Fev-2024

https://doi.org/10.25749/sis.28797 

Artigos

Análise da Educação Online na Pandemia de Covid-19 a partir da Teoria Crítica da Tecnologia de Feenberg

Analysis of Online Education During the Covid-19 Pandemic from the Perspective of Feenberg’s Critical Theory of Technology

Análisis de la Educación en Línea Durante la Pandemia de Covid-19 desde la Perspectiva de la Teoría Crítica de la Tecnología de Feenberg

Luís Cláudio Dallier Saldanhai 
http://orcid.org/0000-0003-3822-1477

iDepartamento de Educação, Vice-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa, Universidade Estácio de Sá, Brasil


RESUMO

Este artigo tem como objetivo analisar os desafios e as possibilidades da mediação tecnológica na educação online durante a pandemia de Covid-19 a partir da teoria crítica da tecnologia de Andrew Feenberg. Destaca-se a tensão entre os significados atribuídos à tecnologia e sua implicação na análise do uso da tecnologia educacional. Como procedimento metodológico, adotou-se a pesquisa bibliográfica de cunho qualitativo. Para a abordagem crítica da tecnologia e sua relação com a educação, foram selecionados os trabalhos de Feenberg e Selwyn. Para a análise do uso intensivo de tecnologia na educação online no contexto da pandemia, foram selecionados artigos publicados entre 2020 e 2022 que problematizam o chamado ensino remoto. Como conclusão, identificou-se que as tensões e os desafios da mediação tecnológica na educação demandam respostas que superem a simples adesão ou negação da tecnologia.

PALAVRAS-CHAVE: mediação tecnológica; educação online; tecnologia educacional; ensino remoto; teoria crítica da tecnologia

ABSTRACT

This article aims to analyse the challenges and possibilities of technological mediation in online education during the Covid-19 pandemic from the perspective of Andrew Feenberg's critical theory of technology. The tension between the meanings attributed to technology and its implication in the analysis of the use of educational technology is highlighted. As a methodological approach, qualitative bibliographic research was adopted. To address a critical approach to technology and its relation with education, the works of Feenberg and Selwyn were selected. For the analysis of the intensive use of technology in online education in the context of the pandemic, articles published between 2020 and 2022 that problematize remote teaching were selected. In conclusion, it was identified that the tensions and challenges of technological mediation in education require responses that go beyond the simple adherence or rejection of technology.

KEY WORDS: technological mediation; online education; educational technology; remote teaching; critical theory technology

RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo analizar los desafíos y las posibilidades de la mediación tecnológica en la educación en línea durante la pandemia de Covid-19 desde la perspectiva de la teoría crítica de la tecnología de Andrew Feenberg. Se destaca la tensión entre los significados atribuidos a la tecnología y su implicación en el análisis del uso de la tecnología educativa. Como enfoque metodológico, se adoptó la investigación bibliográfica cualitativa. Para un enfoque crítico de la tecnología y su relación con la educación, se seleccionaron los trabajos de Feenberg y Selwyn. Para el análisis del uso intensivo de la tecnología en la educación en línea en el contexto de la pandemia, se seleccionaron artículos publicados entre 2020 y 2022 que problematizan la denominada educación a distancia. Como conclusión, se identificó que las tensiones y los desafíos de la mediación tecnológica en la educación requieren respuestas que vayan más allá de la simple adhesión o negación de la tecnología.

PALABRAS CLAVE: mediación tecnológica; educación en línea; tecnología educativa; enseñanza remota; teoría crítica de la tecnología

INTRODUÇÃO

Ensino Remoto Emergencial (ERE) ou simplesmente ensino remoto foi o termo que prevaleceu para denominar a configuração educacional durante o período de distanciamento social por conta da pandemia de Covid-19 (Hodges et al., 2020).

Assim como na educação a distância (EaD), o uso intensivo de Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) (TIDC) não é uma opção, mas uma condição necessária para ocorrer o encontro entre professores e alunos, também no ensino remoto a mediação tecnológica tornou-se a forma de responder à suspensão das atividades pedagógicas presenciais em consequência do isolamento imposto durante a pandemia.

A dependência da tecnologia para a realização da experiência educacional levou a comparações do ensino remoto com a educação a distância, seja para estabelecer oposições e distinções, seja para apontar elementos comuns entre as duas modalidades educacionais (Veloso & Mill, 2022). Neste trabalho, tomamos a educação a distância e o ensino remoto como modalidades que integram a educação online, ou seja, a educação mediada tecnologicamente no contexto da cibercultura (Santos, 2010).

Diante desse contexto, este artigo parte do referencial da Teoria Crítica da Tecnologia de Andrew Feenberg (2010, 2015, 2019), privilegiando as edições de seus trabalhos traduzidos para o português, para analisar os limites e as possibilidades da própria tecnologia e de sua aplicação na educação. Os trabalhos de Feenberg são inseridos no contexto maior das abordagens críticas da tecnologia educacional, no qual destacam-se ainda os trabalhos de Selwyn (2011, 2014), com os quais também procuramos dialogar neste artigo.

Apropriando-se dessa perspectiva crítica, este trabalho examina problemas, desafios, limites e possibilidades da tecnologia educacional na educação online, particularmente no período da pandemia de Covid-19. Para este propósito, recorreu-se a uma revisão bibliográfica que procurou identificar investigações sobre este tema realizadas desde o começo da pandemia de Covid-19. Tomando como critério a discussão conceitual sobre a educação online e os desafios do uso de tecnologia educacional no período pandêmico, foram selecionados os trabalhos de Baggaley (2020), Hodges et al. (2020), Saldanha (2021), Mattar (2022) e Veloso e Mill (2022) para fundamentar a análise da mediação tecnológica na educação.

Indo além do discurso otimista e messiânico da solução tecnológica para a educação e superando a mera condenação da tecnologia educacional, este trabalho procura problematizar a experiência da educação online no contexto pandêmico, num diálogo entre a análise crítica de Feenberg da tecnologia educacional e as características da educação online durante a pandemia de Covid-19.

PERSPECTIVA CRÍTICA DA TECNOLOGIA NA EDUCAÇÃO

Tratar da tecnologia na educação desde uma perspectiva crítica é um imperativo que se apresenta em face da complexidade que se identifica tanto na educação quanto na própria tecnologia.

Conforme defende Selwyn (2014), a aceitação e normatização da tecnologia educacional, vista frequentemente como uma coisa boa ou ferramenta neutra livre de valores e intenções, exige uma atenção crítica.

A relação entre tecnologia e educação tem sido abordada, no senso comum, desde uma perspectiva instrumental na qual a mediação tecnológica se enquadra num conjunto de ferramentas ou recursos que viabilizam a aprendizagem.

Nesse sentido, a tecnologia é vista como neutra, como um conjunto de ferramentas que pode ser bem ou mal utilizado, e a educação é compreendida a partir da dimensão da aprendizagem ou até mesmo reduzida ao aspecto instrucional.

A educação, no entanto, é mais do que aprendizagem, pois engloba processos de formação que também incluem a socialização, a subjetivação e a qualificação, conforme nos adverte Biesta (2009) ao criticar o que ele denominou de learnificacion: uma redução da educação a termos como aprendizagem e aprendizes.

A tecnologia, por sua vez, possui valores substantivos e intrínsecos a partir dos comprometimentos e interesses econômicos, políticos, sociais e culturais que podem estar presentes no seu projeto e desenvolvimento. Não sendo neutra, a tecnologia é mais do que ferramenta ou recurso, pois por meio dela se molda a realidade, as relações, os processos e a própria experiência de ensinar e aprender.

Para Feenberg (2019, p. 129), “a sociedade se organiza em torno da tecnologia” e a própria tecnologia se torna “a principal forma de poder na sociedade”. Assim, nossa vida é afetada e moldada pela política da tecnologia, pois cada vez mais fazemos “escolhas sobre saúde e conhecimento quando projetamos as tecnologias de que dependem a medicina, a investigação e a educação”.

Desse modo, uma abordagem crítica da tecnologia educacional deve ir além de um enquadramento instrumental no qual o foco está nos dispositivos digitais, nos aplicativos e em suas funcionalidades técnicas. Deve-se analisar criticamente as práticas relacionadas a esses recursos, os sentidos que lhes são atribuídos e as estruturas e relações sociais implicadas na tecnologia (Selwyn, 2011).

Se a educação é mais do que uma questão técnica centrada na facilitação da aprendizagem de um indivíduo e a tecnologia é mais do que ferramentas neutras utilizadas livremente pelos seres humanos, então é preciso entender criticamente por que e como as tecnologias são usadas na educação (Selwyn, 2011).

Conforme nos lembra Selwyn (2011), a necessidade de um viés crítico se justifica, entre outras razões, pelo fato de tecnologias educacionais poderem ter consequências inesperadas e não planejadas.

Assim, a crítica da tecnologia educacional começa a ser uma necessidade percebida por muitos, ainda que essa não seja uma visão generalizada (Castañeda & Selwin, 2019).

TEORIA CRÍTICA DA TECNOLOGIA DE FEENBERG

A crítica da tecnologia educacional pode remontar à própria crítica da tecnologia no contexto do pensamento filosófico. Na tradição crítica da modernidade e da tecnologia, desde Marx, passando pela Escola de Frankfurt e chegando até Foucault, o progresso é entendido como um processo contraditório e a tecnologia é analisada “mais como um ambiente do que uma coleção de ferramentas” (Feenberg, 2019, p. 125).

Nesse cenário, pode-se destacar a teoria crítica da tecnologia, que se insurge contra a “reivindicação tecnocrática segundo a qual apenas os especialistas contribuem para o projeto e uso da tecnologia” (Feenberg, 2015, p. 17). Tal postura crítica propõe um entendimento da esfera técnica desde a sua não neutralidade e a compreensão de que as tecnologias “criam o nosso ambiente, abrangendo-nos e conformando as nossas vidas” (Feenberg, 2015, p. 20).

Desse modo, constrói-se um conhecimento técnico que forma uma base para posicionamentos e intervenções no mundo da tecnologia. São dadas as condições não apenas para uma aceitação da tecnologia, tal como imposta pelos tecnocratas, mas também se torna possível a disputa sobre os significados das tecnologias, que passam a ser percebidos desde os seus efeitos na sociedade e no meio ambiente.

Esse cenário aponta para a possibilidade “das intervenções democráticas na reformulação das tecnologias e das disciplinas técnicas”, um esforço direcionado para controlar a tecnologia “submetendo-a a um processo mais democrático de projeto e desenvolvimento” (Feenberg, 2015, pp. 29 e 157).

Essa abordagem política da tecnologia encontraria fundamento no entendimento de que a tecnologia, desde a técnica antiga, opera em dois níveis que estão integrados: o nível causal e o nível dos significados.

O nível causal corresponderia à “instrumentalização primária”, que “situa o sujeito numa relação técnica com o mundo” (Feenberg, 2015, p. 24) a partir da exploração dos recursos naturais, que são descontextualizados do seu ambiente natural para serem reconstituídos em funcionalidades, ou seja, constituem-se em meios para realização de determinados fins, na busca de solução de problemas, do atendimento a necessidades ou da facilitação da vida humana.

O nível dos significados, a “instrumentalização secundária”, integraria ao mundo social aquele elemento extraído da natureza pela instrumentalização primária, ou seja, aponta para os significados sociais criados pela tecnologia e permite intervenções e aplicações para além do uso previsto para a tecnologia (Feenberg, 2015, p. 24).

Assim, a tecnologia não seria abordada apenas desde a perspectiva da causalidade, da racionalidade instrumental, mas também a partir de seus significados sociais, culturais e políticos, na construção de uma racionalidade democrática. Tal intersecção da causalidade com o significado foi denominada por Feenberg (2015, p. 2020) de “código técnico”, ou seja, “uma especificação técnica que corresponde a um certo significado social”.

Essa noção de ‘código técnico’ apontaria para o fato de que as escolhas que orientam um projeto tecnológico não devem ser apenas instrumentais, mas devem incorporar as demandas originadas dos sentidos sociais atribuídos àquele projeto tecnológico e devem atender também aos interesses dos usuários, da sociedade, e não apenas da indústria ou dos interesses financeiros de uma minoria.

Assim, na perspectiva da teoria crítica da tecnologia, ao examinarmos a relação entre mediação tecnológica e educação, a análise não deve se deter nas funcionalidades de plataformas digitais ou aplicativos usados nas atividades pedagógicas. É preciso identificar os significados presentes na tecnologia educacional e verificar o quanto eles atendem aos objetivos de formação do processo educacional. Tal esforço de análise será empreendido, a seguir, ao se procurar estabelecer alguns dos significados da mediação tecnológica na própria experiência de Feenberg com a educação a distância.

A EXPERIÊNCIA PIONEIRA DE FEENBERG NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Feenberg deu início ao seu projeto pioneiro de educação a distância ao organizar um curso de pós-graduação para um pequeno grupo de executivos, contando com a participação de alguns docentes das principais universidades norte-americanas.

Usando pioneiramente a rede de computadores numa experiência educacional, Feenberg (2015, p. 55) entendia que “o computador oferecia um ponto de encontro virtual, mais do que um simulacro de sala de aula”, ainda que não deixasse de reconhecer as limitações e problemas inerentes à educação online.

Naquele contexto do início da década de 1980, a educação a distância ainda se caracterizava pelo envio de material impresso aos alunos ou pela comunicação de mão única por meio do rádio, da televisão e de transmissões via satélite. A internet não era aberta ao público em geral e o correio eletrônico ainda estava restrito a empresas de computadores e algumas universidades que pesquisavam a nova tecnologia.

O uso dos computadores não estava, originalmente, vinculado à educação ou a atividades comunicacionais no momento em que o projeto pioneiro de educação online teve início. Feenberg (2015, p. 51) afirma que, no contexto da criação do primeiro programa de educação online, “os computadores eram considerados como ferramentas de cálculo e de organização de dados”. Era um momento em que se estava “a contribuir para a reinvenção da tecnologia de computadores como um meio de comunicação”.

Assim, ao narrar sua experiência, Feenberg (2015, p. 50) afirma que a invenção da educação a distância com as novas tecnologias teve como propósito “adicionar uma interface humana à educação a distância”, caracterizada até àquele momento pelo envio de material impresso aos alunos.

A experiência pioneira de Feenberg durou cerca de dez anos, caracterizada pela dificuldade inicial em superar limitações tecnológicas da época, como a necessidade de o aluno executar, sem qualquer falha, quase que uma página inteira de comandos apenas para entrar no sistema. Foi necessário criar um software próprio para viabilizar, por exemplo, atividades de interação assíncronas, como envio de mensagens.

Feenberg distingue sua experiência pioneira de educação online do interesse pela educação a distância em grande escala nos anos 1990, quando a crise de financiamento das universidades nos Estados Unidos motiva a adoção da tecnologia digital e da Internet na organização e oferta de cursos.

Feenberg caracteriza a educação online que ele vê florescer nas universidades como busca pela automatização da educação por meio da internet, a fim de eliminar a interação na sala de aula presencial.

Tal automatização foi vivenciada e interpretada com muita crítica e resistência:

É claro que a ambição de automatizar a educação provocou uma fúria instantânea dos professores. Recordo-me de me sentir alvo dos colegas, que me responsabilizavam por esse assalto monstruoso à sua profissão. Só podia dizer que “Não é culpa minha, perdi o controle da ideia há muito tempo”. David Noble, o historiador marxista da perda das competências industriais, tornou-se o principal crítico da educação on-line, e ambos participamos em diversos debates políticos sobre as virtudes e os vícios do novo sistema. (Feenberg, 2015, pp. 52-53)

De acordo com Feenberg, a consolidação da educação online enfrentou desafios em pelo menos duas frentes distintas: a crítica dos humanistas, que rejeitavam qualquer mediação eletrônica na educação, e a ambição dos tecnocratas em eliminar a atividade profissional dos professores. Comum a essas duas frentes, contra as quais um projeto responsável de educação a distância deveria lutar, encontrava-se uma “concepção determinística de tecnologia, como uma alternativa desumanizante e comercialmente rentável aos arranjos tradicionais” (Feenberg, 2015, p. 53).

Décadas após a experiência de Feenberg, a escalabilidade que caracteriza os cursos a distância acentua ainda mais a percepção de que a mediação tecnológica usurpa a mediação pedagógica. O imperativo da inovação tecnológica torna-se inescapável.

Recentemente, com a suspensão das atividades pedagógicas presenciais durante a pandemia de Covid-19, a continuidade dessas atividades em plataformas digitais foi muitas vezes entendida como uma situação que poderia criar ainda mais oportunidades para o “solucionismo tecnológico” - a crença de que a tecnologia resolve todos os problemas humanos (Morozov, 2015).

A crise, nesse caso, aceleraria a venda de soluções tecnológicas até mesmo para situações nas quais os problemas ainda nem mesmo foram identificados.

MEDIAÇÃO TECNOLÓGICA NA EDUCAÇÃO ONLINE DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19

A suspensão das atividades pedagógicas presenciais levou à transposição das aulas e outras atividades acadêmicas para o ambiente virtual durante o período da pandemia de Covid-19. Embora tenha havido alguma diversidade de soluções diante da impossibilidade das atividades presenciais, prevaleceu o uso de plataformas digitais ou de videoconferência para realização de aulas síncronas.

A improvisação, o caráter emergencial, a falta de planejamento acadêmico e a ausência de modelo pedagógico no ensino remoto levaram, inicialmente, a uma oposição dessa configuração educacional em relação à educação a distância ou e-learning, conforme defendido por Hodges et al. (2020).

No entanto, a oposição entre ensino remoto e educação a distância foi também problematizada e relativizada, conforme se verifica em Baggaley (2020), Saldanha (2021) e Veloso e Mill (2022).

Embora haja elementos que marcam alguma distinção do perfil de aluno, da atuação docente, da fundamentação didático-pedagógica e do design educacional na educação a distância em relação ao ensino remoto, esses elementos estão inseridos no contexto maior da mediação tecnológica em situações educacionais nas quais professores e alunos estão separados fisicamente.

A mediação tecnológica na educação desde algum tempo é alvo de disputa pelo controle de seu significado, sendo tanto compreendida a partir da tecnologia como meio para se atingir fins educacionais como também analisada a partir da compreensão de que está ao serviço da automatização do próprio processo educacional, levando à precarização do trabalho docente e à massificação da aprendizagem.

Uma dessas disputas pelo significado da mediação tecnológica, tanto na educação a distância quanto no ensino remoto, está relacionada com a automatização de processos e tarefas que deixam de ter necessariamente a participação da subjetividade de um docente atuando diretamente na relação pedagógica. Esse é um aspecto que Feenberg (2015) já apontava a partir de sua experiência pioneira com a educação online, conforme mencionado anteriormente.

Em relação ao ensino remoto, deve-se fazer a ressalva de que a automatização não foi a principal ou a única solução encontrada, já que em muitas experiências prevaleceu a transposição das aulas presenciais para as plataformas de webconferência, com professores tentando manter as aulas expositivas ou minimamente dialogadas nessas plataformas.

Mattar (2022) defende que durante a pandemia também houve a possibilidade de se fazer educação online sem conteúdo enlatado:

A improvisação e a prática sem base teórica nos mostraram que a EaD não precisa decretar a exclusão dos professores do processo de ensino e aprendizagem, transformando-os em conteudistas, nem sacramentar a exploração dos tutores, transformando-os em monitores de dezenas de disciplinas e assuntos diversos, inclusive com a função de apoio técnico. Vivenciamos, todos, que os professores podem ser autores e tutores em uma educação a distância mais flexível e interativa, mantendo contato com seus alunos, sem necessariamente se estabelecer uma diferenciação radical em relação à educação presencial. (Mattar, 2022, p. 11)

No entanto, o uso de plataformas digitais para exibição de videoaulas gravadas e a adoção de materiais didáticos digitais disponíveis no mercado educacional também foram interpretados como soluções tecnológicas que automatizam o ensino e tornam-se uma ameaça real em face do caráter pervasivo da tecnologia na educação. A solução tecnológica no ensino remoto seria, então, um forte argumento dos tecnocratas e empresários da educação para se avançar com a educação online em detrimento da educação presencial.

Por outro lado, no discurso mais otimista e instrumentalista da tecnologia educacional, as ferramentas possibilitariam a aprendizagem a qualquer tempo e em qualquer lugar, de forma flexível e personalizada, a partir de trilhas de aprendizagem previamente desenhadas e que responderiam às necessidades dos alunos em face dos resultados obtidos nas atividades interativas e de avaliação. Residiria aí uma das justificativas da conveniência da educação online.

Todas essas possibilidades são apresentadas no discurso instrumentalista da tecnologia educacional como recursos que enriquecem e flexibilizam o aprendizado, diminuindo a dependência de quem aprende em relação ao professor e conferindo mais autonomia ao aluno. O foco passa a ser o aluno e sua aprendizagem, com o professor sendo visto como recurso, tal como as ferramentas tecnológicas, ao serviço da aprendizagem.

Numa visão crítica e desde uma postura de resistência à tecnologia educacional, é comum interpretar essa situação como uma forma de relegar o papel docente a uma tutoria reativa, que se limita a responder dúvidas que não estão ainda previstas ou resolvidas no contexto das trilhas de aprendizagem, ou a uma atuação como conteudista, produzindo materiais didáticos digitais autoinstrucionais que dispensam a mediação pedagógica da parte de um professor.

Assim, a redução do papel docente na mediação tecnológica na educação é interpretada como uma automatização do processo educacional motivada pela necessidade de corte de custos ou busca de eficiência.

A dimensão econômica nessa discussão não pode ser subestimada. Os custos, no contexto do orçamento público ou privado, sempre foram um aspecto considerado nos programas ou iniciativas educacionais. Veja-se exemplarmente a história recente do crescimento da educação a distância.

Para Feenberg (2010, p. 162), a redução de custos é a razão principal para a automatização da educação, realizada basicamente por meio do e-learning ou educação a distância.

O custo, naturalmente, é o interes se dos administradores e para muitos deles as grandes edições da educação on-line não são educacionais, mas financeiras. Esperam usar a tecnologia nova para conter a crise que está vindo com as despesas da educação superior e acomodar novas demandas de muitos jovens e de estudantes que querem retornar às universidades. A educação on-line automatizada destina-se a, su postamente, melhorar a qualidade, enquanto corta custos. Os estudantes em salas de aula virtuais não necessitam de nenhuma estrutura nova, e os cursos ainda podem ser empacotados e introduzidos no mercado, gerando um fluxo contínuo de rendimentos sem mais investimentos adicionais. (Feenberg, 2010, p. 162)

A percepção de que tanto a educação a distância quanto o ensino remoto emergencial são faces distintas de uma mesma moeda - a automatização da educação e a consequente precarização ou substituição do trabalho docente - provoca em parte dos educadores uma resistência à mediação tecnológica na educação.

A abordagem crítica à tecnologia na educação, porém, não deve se resumir à resistência ou mesmo negação da tecnologia (Selwyn, 2011). Deve-se examinar a pertinência de uma abordagem que fuja tanto de uma visão determinista quanto instrumentalista da tecnologia (Feenberg, 2015).

Nesse sentido, no pós-pandemia, a perspectiva crítica é uma das condições para avaliação das possibilidades e limitações da tecnologia educacional, em face da adoção massiva das tecnologias digitais nas experiências educacionais durante o período pandêmico.

Ao identificar possíveis valores e interesses na tecnologia estranhos ou contraditórios aos fins educacionais, uma alternativa é a apropriação crítica dessa tecnologia. Nessa abordagem crítica, há que se discernir quais tarefas e processos podem ser automatizados sem prejuízo da subjetividade inerente ao processo de formação. É preciso se perguntar em que medida a mediação tecnológica na sala de aula presencial ou nos ambientes virtuais de aprendizagem transforma professores em simples executores de programas e alunos em meros usuários de dispositivos tecnológicos.

É preciso explicitar a lógica da automatização no contexto educacional, em que programadores ou criadores de serviços e conteúdos estão separados de professores e alunos que usarão as soluções tecnológicas apresentadas ou mesmo impostas. Nesse cenário, em que “especialistas muito bem remunerados produziriam conteúdos em conformidade com as regras do mercado, enquanto docentes e discentes fariam uso desses produtos sem muita reflexão” (Sampaio Junior, 2022, p. 794), se impõe a necessidade da análise da pertinência das soluções apresentadas e a apropriação crítica dos produtos tecnológicos.

Rotinas escolares ou acadêmicas mediadas tecnologicamente, como as práticas de leitura e escrita na construção do conhecimento, devem ser providas da “marca da vivência, da experiência e da reflexão” (Saldanha, 2008, p. 6).

Desse modo, a reflexão sobre a mediação tecnológica e a ampliação das soluções tecnológicas na educação devem se valer das contribuições teórico-críticas que podem ir além da simples adesão ou negação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A teoria crítica da tecnologia de Feenberg pode ser trabalhada como quadro teórico que ajuda a reconhecer a ambiguidade da tecnologia, com seus entraves e possibilidades à experiência educacional.

A perspectiva crítica de Feenberg, portanto, reconhece os interesses alheios aos objetivos educacionais implicados nos projetos de mediação tecnológica na educação, ao mesmo tempo que identifica a possibilidade de uma apropriação crítica da tecnologia para viabilizar experiências educacionais.

Os tensionamentos que envolvem a tecnologia educacional e seu caráter social e ideológico demandam respostas críticas e alternativas. Não se trata de pura adesão à tecnologia nem de negação de seu uso, mas de apropriação crítica que busque colocar a tecnologia a serviço dos fins educacionais, reconhecendo na própria tecnologia o possível comprometimento com outros fins que não os educacionais.

Trata-se de apropriação crítica porque o esforço é por tornar própria à educação a tecnologia que originalmente foi desenvolvida para outros fins, usando critérios pedagógicos para que seu uso se torne apropriado aos objetivos da formação educacional.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 30 de Novembro de 2022; Aceito: 23 de Outubro de 2023

Luís Cláudio Dallier Saldanha: Doutor em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Mestre em Língua Hebraica e Literatura e Cultura Judaicas pela Universidade de São Paulo (USP). Professor Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estácio de Sá (PPGE-UNESA), atuando na Linha de Pesquisa Tecnologias de Informação e Comunicação nos Processos Educacionais (TICPE). Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Universitária (GEPEU), cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do Brasil, mantido pelo CNPq. E-mail: luis.csaldanha@professores.estacio.br Morada: Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, Brasil

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