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Sisyphus - Journal of Education

versión impresa ISSN 2182-8474versión On-line ISSN 2182-9640

Sisyphus vol.11 no.3 Lisboa feb. 2024  Epub 18-Feb-2024

https://doi.org/10.25749/sis.29422 

Artigos

O Desenvolvimento de Tecnologias pela Escola como um Processo de Luta e Resistência Contra-Hegemônica

The Development of Technologies by the School as a Process of Struggle and Counter-Hegemonic Resistance

El Desarrollo de Tecnologías por la Escuela como Proceso de Lucha y Resistencia Contrahegemónica

Roseli Zen Cernyi  a 
http://orcid.org/0000-0001-7882-8551

Éverton Vasconcelos de Almeidaii 
http://orcid.org/0000-0002-8404-2026

Marina Bazzo de Espíndolaiii 
http://orcid.org/0000-0003-3039-5528

i Departamento de Estudos Especializados em Educação, Centro de Ciências da Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

ii EEB Francisco Tolentino, CRE-Florianópolis, Secretaria de Estado da Educação, Brasil

iii Grupo Rede de Pesquisa Currículo e Tecnologia (REPERCUTE), Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica (PPGECT), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil


RESUMO

No contexto educacional, a integração de tecnologias digitais ao currículo é identificada como elemento de inovação. As Big Techs apresentam seus produtos como soluções, influenciando políticas públicas. Noutra direção, iniciativas de instituições públicas buscam desenvolver tecnologias digitais, com participação direta dos sujeitos da escola. Este artigo apresenta dialogicamente os resultados de duas pesquisas, ambas estudo de caso e análise de conteúdo, denominadas como “denúncia” e “anúncio”. A primeira - denúncia - analisa, como as tecnologias das grandes corporações entram nas políticas das redes públicas de ensino; e a outra - anúncio - descreve e analisa uma ação de pesquisa e desenvolvimento coletivo de tecnologias com a escola pública, ancorada no Design Participativo. Tomando como referência a teoria crítica da tecnologia, buscamos problematizar os modelos de entrada das TDIC na escola e sua integração no currículo. Propomos que a integração das tecnologias aos currículos deve ser entendida como um lugar de luta e de resistência contra-hegemônica.

PALAVRAS-CHAVE: tdic; big techs; google for education; desenvolvimento de tecnologias; mecred

ABSTRACT

In the context of education, the integration of digital technologies into the curriculum is identified as an element of innovation. Big Techs present their products as solutions, influencing public policies. In another direction, initiatives by public institutions seek to develop digital technologies, with the direct participation of school subjects. This article dialogically presents the results of two surveys, both cases studies and content analysis, named as “denunciation” and “announcement”. The first - denunciation - analyses how the technologies of large corporations enter into the policies of public education networks; and another - advertisement - describes and analyses a research action and collective development of technologies with the public school, anchored in Participatory Design. Taking the critical theory of technology as a reference, we seek to problematise the entry models of ICT in school and their integration into the curriculum. We propose that the integration of technologies into curricula should be understood as a place of struggle and counter-hegemonic resistance.

KEY WORDS: ict; big techs; google for education; development of technologies; mecred

RESUMEN

En el contexto educativo, la integración de las tecnologías digitales en el currículo es identificada como un elemento de innovación. Las Big Techs presentan sus productos como soluciones, influenciando políticas públicas. Por otro lado, iniciativas de instituciones públicas buscan desarrollar tecnologías digitales, con participación directa de los sujetos de la escuela. Este artículo presenta dialógicamente los resultados de dos investigaciones, tipificadas cómo estudio de caso y basadas en el análisis de contenido, denominadas “denuncia” y “anuncio”. La primera - denuncia - analiza cómo las tecnologías de las grandes corporaciones entran en las políticas de las redes de educación públicas; y la segunda - anuncio - describe y analiza una acción de investigación y desarrollo colectivo de tecnologías con la escuela pública, basada en el Diseño Participativo. Tomando como referencia la teoría crítica de la tecnología, buscamos problematizar los modelos de entrada de las TIC en la escuela y su integración en el currículo. Proponemos que la integración de las tecnologías en los currículos debe ser entendida como lugar de lucha y resistencia contrahegemónica.

PALABRAS CLAVE: tic; granes tecnológicas; google para la educación; desarrollo de tecnologías; mecred.

INTRODUÇÃO

A partir das promessas de inovação vinculadas às Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC), a escola vem sendo pressionada cada vez mais para incorporá-las nos seus processos educativos. Muitos modelos de adoção, difusão ou integração de tecnologias foram desenvolvidos nas últimas décadas para que gestores, experts e empresas de tecnologia entendessem os desafios e pudessem promover uma adoção mais eficaz destas tecnologias. Discutiu-se à exaustão as características e atitudes dos professores, as barreiras estruturais de infraestrutura técnica e da gestão escolar, e foram traçadas estratégias de difusão ressaltando o papel dos pares/líderes, etc. Tudo para fazer com que as TDIC fossem adotadas e “engolidas” da melhor maneira possível.

Entendemos que um dos problemas centrais da relação da escola com as TDIC e sua integração no currículo reside justamente no modelo de integração de tecnologia operado pelas políticas educacionais e pelas redes de ensino. Como problematizam Espíndola et al. (2022), as TDIC são geralmente pensadas e desenvolvidas por outros atores, que não os afetados por estas tecnologias no contexto escolar. A escola não é sequer consultada sobre suas reais necessidades e sobre quais tecnologias precisa/deseja. Cabe a ela adotar as tecnologias oferecidas, geralmente desenvolvidas pelas grandes empresas educativas, carregando concepções de ensino, de aprendizagem, valores e intencionalidades exógenos à escola.

Para Andrew Feenberg (2010), a tecnologia não é concebida de forma neutra, é permeada de valores, história e interesses. Valores esses que podem ser transformados, quando a tecnologia puder ser compreendida a partir da abertura das “caixas-pretas”, dos códigos técnicos, a toda sociedade, democratizando o acesso aos conhecimentos tecnológicos.

As tecnologias impactam a sociedade e modificam a vida das pessoas. A incorporação dos dispositivos tecnológicos à vida cotidiana faz com que a história, a economia, a política, a cultura, a percepção, a memória, a identidade e a experiência estejam mediadas pelas tecnologias digitais, que ingressaram na cotidianidade como elemento de participação e princípio operativo assimilado à produção (Santaella, 2013).

Ainda como parte significativa dessa nova realidade permeada pelas TDIC, as novas dinâmicas e aspectos sociocomunicativos somados à digitalização da vida, abriram caminho para uma cultura participativa “pois são as malhas sociais que proliferam nas redes que tomaram o primeiro plano”, e os participantes das redes digitais podem acessar, “arquivar, anotar, apropriar-se, remixar e compartilhar conteúdos multimidiáticos de maneira antes impensável” (Santaella, 2013, p. 94).

Diante dessa complexidade, vislumbramos desafios e possibilidades em contradição: se por um lado temos grandes empresas produzindo tecnologias que moldam as práticas pedagógicas a partir de concepções e valores de agentes externos, por outro podemos criar processos colaborativos propiciados por uma cultura de compartilhamento e criação coletiva, onde as pessoas afetadas pelas tecnologias participem dos processos de seu desenvolvimento, atuando como cidadãos críticos e usuários conscientes.

A participação dos sujeitos da escola nos processos de desenvolvimento de tecnologias para a educação é fundamental quando entendemos que a integração das TDIC no currículo não se reduz apenas a uma seleção e uso de recursos tecnológicos, mas depende de um processo de articulação das potencialidades destas tecnologias aos conhecimentos e saberes dos professores no desenvolvimento de possibilidades educativas para seus contextos de ensino (Espíndola & Gianella, 2018). Sendo assim, não há espaço, e nem deveria haver, para receitas prontas de soluções educativas (Espíndola & Gianella, 2019).

Para que a integração das TDIC ao currículo seja pedagogicamente significativa e atenda às demandas educativas das escolas é necessário o empenho e esforços coletivos, tanto por parte das unidades escolares, quanto das políticas públicas de Estado. Políticas estas que incentivem a integração crítica, reflexiva e que garantam autonomia de trabalho para as escolas, permanência e continuidade, no sentido de superar ações isoladas de indivíduos, sejam eles docentes, gestores, estudantes ou a comunidade em geral. Esse movimento passa antes, necessariamente, pela ampliação dos espaços democráticos na gestão da escola, discutindo, desenvolvendo e aprimorando modelos outros de escola (Almeida, 2021).

Compreendemos, portanto, o desenvolvimento de tecnologias como um lugar de luta e de resistência contra-hegemônica, com objetivo de reorganizar os modos de sua produção. No cenário em que as TDIC são produzidas, existem grandes monopólios, mas ao mesmo tempo, pequenos movimentos que buscam desenvolver meios tecnológicos para fortalecer o desenvolvimento social, na busca de enfrentar os conflitos e contradições inerentes à produção de tecnologias educacionais.

Este texto coloca em diálogo os resultados de duas pesquisas, que denominamos como ‘denúncia’ e ‘anúncio’, pois compreendemos que é muito importante as denúncias serem acompanhadas de uma alternativa que procure superar as visões hegemônicas de integração das TDIC aos currículos. A primeira pesquisa - denúncia - analisa como as tecnologias das grandes corporações entram nas políticas das redes públicas de ensino, invadindo as escolas; e a outra - anúncio - descreve e analisa uma ação de pesquisa e desenvolvimento coletivo de tecnologias com a escola pública. Desenvolvemos uma plataforma de Recursos Educacionais Digitais, denominada MEC RED. Nosso intuito é problematizar os modelos de entrada das TDIC na escola e sua integração no currículo, tomando como referência a teoria crítica da tecnologia.

CONTEXTO DO PROBLEMA: A COLONIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO PELAS BIG TECHS

O crescente interesse de corporações de tecnologias digitais na Educação Básica, como a Google e a Microsoft passou a ser tema relevante para as pesquisas em educação. Conforme os dados divulgados pela pesquisa Educação Vigiada , em Janeiro de 2021, pelo menos 19 Secretarias Estaduais de Educação brasileiras (São Paulo, Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Sergipe, Distrito Federal, Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Roraima, Paraná, Santa Catarina, Espírito Santo, Goiás, Pará, Rondônia e Tocantins) utilizavam serviços educacionais providos pela Google ou Microsoft.

O discurso de aperfeiçoamento da educação por meio da integração das TDIC ao currículo, que frequentemente viam as tecnologias digitais como sinônimos de eficiência e eficácia ou como uma necessidade fatalista de modernização da escola, são as evidências de que as tecnologias digitais estariam servindo aos interesses privados, possibilitando a entrada das grandes corporações de tecnologia no setor público.

Desenvolver estratégias para que as crianças e adolescentes se tornassem usuários-trabalhadores-consumidores do presente e do futuro, tornou-se elemento marcante na educação pública, ensejando modos outros de governo, a partir do escrutínio e controle dos fenômenos correspondentes à população (Foucault, 2008, 2018a, 2018b), sendo as tecnologias digitais ferramentas de controle e vigilância. Com a internet, técnicas de escrutínio de dados e informações são desenvolvidas de forma exponencial e de maneira inimaginável até então. “Capturar informações passou a ser a predestinação de empresas da internet” (Stassun & Pich, 2019, p. 956). Coletar e sistematizar dados educacionais, de desenvolvimento e aprendizagem de professores e de estudantes, pode se converter em um capital de valor incomensurável tanto para o Estado quanto para as empresas privadas. O big data, os metadados, os algoritmos, a mineração de dados, as análises preditivas e outros elementos desse cenário estão compondo o arsenal político das corporações de tecnologia que podem acabar em consequências pouco favoráveis às comunidades, à democracia, aos direitos humanos e à educação pública.

Os processos comunicativos da sociedade em rede, organizados em redes de conexão globais, desconhecem fronteiras e tensionam limites, “é global e é baseada em redes globais. Então, a sua lógica chega à maioria dos países de todo o planeta e difunde-se através do poder integrado nas redes globais de capital, bens, serviços, comunicação, informação, ciência e tecnologia” (Castells, 2006, p. 18). Conforme Castells (2013), por meio da comunicação sem fios, as redes conectaram dados, pessoas, instituições, organizações, produzindo uma “teia de comunicação que envolve a tudo e a todos”, através de plataformas diversas, “não apenas para amizades ou bate-papos pessoais, mas para marketing, e-commerce, educação, criatividade cultural, distribuição de mídia e entretenimento, aplicações de saúde e, sim, ativismo sociopolítico” (Castells, 2013, p. 169).

Não se trata apenas de mudanças tecnológicas que nos conectam virtualmente por meio dos dispositivos, ou apenas mudanças subjetivas mobilizadas pela linguagem. As redes vão além das conexões entre “cabos de cobre e de fibra óptica, conexões sem fio, teclados, processadores e monitores que constituem as redes materiais de computadores que a suportam” (Selwyn, 2011, p. 18). Estamos ligados a uma infraestrutura material, que nos conecta a todos os continentes através de cabos, equipamentos e sistemas tecnológicos, de posse de corporações transnacionais com sede nos países dominantes do capitalismo. A sociedade em rede é uma realidade não apenas informacional, mas fisicamente estruturada.

O que há de relevante nas redes de conexões globais são as produções sociais decorrentes delas, o que vai além da questão técnica. “De fato, quando as pessoas falam sobre a internet, normalmente referem-se às atividades nas quais se engajam online, culturas que circundam essas atividades e ao conhecimento que resulta dessas atividades” (Selwyn, 2011, p. 18).

Essa rede de cabos apresenta um problema crítico: esses aparatos tecnológicos estão conectados a servidores controlados por empresas sediadas nos países centrais de capitalismo avançado. Os servidores de internet são sistemas computacionais (softwares e hardwares) com alta capacidade de processamento de dados, responsáveis por centralizar serviços e (re)distribuir informações via internet. Essa possibilidade de concentração e compartilhamento de informação, reorganizou rapidamente o sistema produtivo e hoje se pode afirmar, com tranquilidade e clareza da afirmação, que trânsito de informações significa trânsito de capital (Morozov, 2018). Em relação aos dados educacionais, esse problema crítico deveria criar um alerta quanto ao uso da internet em produtos educacionais fechados, como os da Microsoft, Apple, Google e outros.

A entrada dessas corporações de tecnologia (Big techs) na educação, guarda relação com a reorganização do sistema produtivo contemporâneo, que tem origem na crescente textualização do ambiente de trabalho. A comunicação por cartas e memorandos, por e-mails, mensagens instantâneas e outras formas de trabalho textual digital, até chegarmos à linguagem de programação e outras formas comuns de trabalho por meio de texto eletrônico é um exemplo. Para Zuboff (2018), o texto eletrônico está no centro das relações de poder dessa reestruturação do modelo produtivo, uma vez que ele pode se converter em dados e metadados que podem ser facilmente transacionados. Não apenas o texto alfabético, mas compreendendo-o de modo mais abrangente, através de diferentes linguagens, como códigos, imagens, som, vídeo etc.

A textualização do trabalho provocou modos novos de aprendizagem em tempo real, o que resultou no afunilamento das disputas entre quem aprende, o que se aprende e como se aprende. Com a circulação de informações, governos, pessoas, organizações sociais, empresas e máquinas também entraram em processos de aprendizagem a partir do recolhimento e escrutínio de dados e metadados. Gerou-se, conforme aponta Zuboff (2018), uma nova divisão do trabalho que se dá pelo aprendizado em tempo real.

O aprendizado em tempo real, baseado em informação e mediado pelo computador, tornou-se tão endógeno para as atividades cotidianas dos negócios que os dois domínios já se confundem, sendo aquilo que a maioria de nós faz quando trabalha. Esses novos fatos estão institucionalizados em milhares, se não milhões, de novos tipos de ações dentro das organizações. (Zuboff, 2018, p. 21)

Entre essas ações, a autora destaca as metodologias de aperfeiçoamento que se realizam continuamente, as fusões empresariais, o monitoramento do trabalho e dos funcionários, estratégias globais de controle, formação continuada de equipes, informações sobre clientes, cadeias produtivas, fornecedores, marketing e outras ações formais. Há também ações informais como fluxos de mensagens, buscas por informações na web, atividades realizadas por meio de smartphones, usos de aplicativos, leitura de textos (papers e outros), videoconferências, usos interativos em redes sociais e etc (Zuboff, 2018). As transações econômicas também são elementos importantes desse conjunto de dados que conformam o texto eletrônico.

Nessa conjuntura, associada ao avanço de políticas neoliberais para a educação, organismos multilaterais, empresas privadas e governos populistas passaram a, estrategicamente, redirecionar as políticas públicas, no sentido de promover acordos e parcerias público-privadas entre Estado e corporações de tecnologias digitais. Podemos tomar como exemplo o aumento dos usos formais de aplicativos de gestão, tanto das instituições escolares e redes de ensino (macropolítica) como da sala de aula (micropolítica). Desde sistemas de controle centralizado de matrículas, de distribuição de recursos etc., até sistemas que buscam digitalizar os diários de classe, controle de presença dos estudantes e professores por sensores biométricos, registro de conteúdos, avaliações e câmeras de vigilância. Também usos informais de redes sociais e mensagens instantâneas para comunicação interna entre docentes e gestão escolar fazem parte desse contexto.

Constata-se que o texto eletrônico, e a consequente divisão do aprendizado em tempo real, ocupa lugar de destaque nos modos de exploração do trabalho de forma intencional, pois “à medida que eventos, objetos, processos e pessoas se tornam visíveis, cognoscíveis e compartilháveis de uma nova maneira”, a sociedade passa a ser transparente e “o mundo renasce como dados” (Zuboff, 2018, p. 24), com o texto eletrônico aglutinando informações de modo exponencial, formando grandes bases de dados e metadados. A esse acúmulo e centralização de informações convencionou-se chamar, então, de big data . Conforme Zuboff (2018, p. 22) há relações entre a lógica de acumulação capitalista e o texto eletrônico:

O ponto-chave aqui é que o texto eletrônico, quando estamos tratando da esfera do mercado, já se encontra organizado pela lógica de acumulação na qual está incorporado, bem como pelos conflitos inerentes a essa lógica. A lógica de acumulação organiza a percepção e molda a expressão das capacidades tecnológicas em sua origem, sendo aquilo que já é tomado como dado em qualquer modelo de negócio. Suas suposições são amplamente tácitas e seu poder de moldar o campo das possibilidades é, então, amplamente invisível. Ela define objetivos, sucessos, fracassos e problemas, além de determinar o que é mensurado e o que é ignorado, o modo como recursos e pessoas são alocados e organizados, quem - e em quais funções - é valorizado, quais atividades são realizadas e com que propósitos. A lógica de acumulação produz suas próprias relações sociais e com elas suas concepções e seus usos de autoridade e poder. (Zuboff, 2018, p. 22)

A intencionalidade nos modos como as informações circulam, a qual a autora ressalta, tem como uma de suas principais características a noção de acumulação, indexação a análise de informação como forma de reestruturação do capitalismo, denominado por ela como Capitalismo de Vigilância. “Essa nova forma de capitalismo de informação procura prever e modificar o comportamento humano como meio de produzir receitas e controle de mercado” (Zuboff, 2018, p. 18). Em linhas gerais, o capitalismo de vigilância é caracterizado pelo domínio completo das informações digitais, que são acumuladas, analisadas e transformadas em predição de comportamentos, conduzindo as condutas das populações.

(…) o registro de cada transação é uma oportunidade para a coleta de dados aproveitáveis na personalização dos apelos publicitários que nos são dirigidos. Isso significa que toda transação eletrônica que efetuamos nunca está concluída: o seu histórico - ao menos seu rastro de dados - nos acompanha por todos os lados, estabelecendo conexões forçadas entre nossas atividades cotidianas, que, talvez, devessem permanecer separadas. De repente, suas risadas num show de comédia, são analisadas em conjunto com os livros que você comprou, os sites que visitou, as viagens que fez, as calorias que consumiu: como atualmente tudo é mediado pela tecnologia, tudo o que fazemos está integrado num perfil específico que pode ser monetizado e aperfeiçoado. (Morozov, 2018, p. 47)

A questão se acentua, se olharmos sobre o ângulo dos valores e usos atribuídos a determinada tecnologia. Podemos concluir, com base na Teoria Crítica da Tecnologia, que não há neutralidade nos produtos oferecidos e que seus usos (fim da cadeia produtiva) trazem embutidos uma função técnica, um propósito e uma utilização efetiva (Cupani, 2017), que resultam em limitações das funções criativas dos professores.

Trata-se de romper com uma visão-padrão que se reconhece através da fé liberal no progresso, onde a tecnologia é neutra e os valores, nela embarcada, não são considerados ou são intencionalmente ocultados (Feenberg, 2013, 2018). Essa visão de neutralidade compreende as tecnologias como mera aparelhagem técnica, como ferramenta capaz de salvar o modelo escolar, remediando a crise da escola (Sibilia, 2012).

Por isso, o problema de fundo deste trabalho é que as TDIC, os ambientes virtuais, as plataformas digitais e as redes e mídias sociais, configuram-se como um conjunto que forma um apropriado meio de produção da estratégia de formação de uma subjetividade neoliberal, exigência do modelo produtivo do século XXI, justificando o interesse das corporações pela educação.

A DENÚNCIA: A ENTRADA DO GOOGLE FOR EDUCATION NA REDE DE ENSINO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

A primeira pesquisa que apresentamos neste trabalho partiu de uma metodologia que tem em seu “fundamento epistemológico” uma “abordagem qualitativa” (Severino, 2007, p. 119), tomando o estudo de caso como estratégia de investigação e teve como objeto a política de integração das TDIC ao currículo da Educação Básica. O campo de pesquisa escolhido, portanto, foi o projeto Google for Education (GfE) desenvolvido pela Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina (SED) e empresas privadas (denominadas pela SED de “parceiras”) entre os anos de 2016 a 2019, abordando o caso dessa experiência local em um projeto de integração de tecnologias digitais ao currículo da Educação Básica. O estudo de caso toma uma especificidade como objeto de análise por que se apresenta como um caso representativo de um conjunto de casos análogos (Meirinhos & Osório, 2010; Severino, 2007; Yin, 2001). É um caso que reúne um conjunto de particularidades capazes de expressar uma totalidade. O Projeto Google for Education apresentava uma singularidade por se tratar de um projeto que visava a utilização de recursos educacionais digitais por professores e estudantes em ações pedagógicas diretamente relacionadas ao ensino e à aprendizagem.

Entre as técnicas empregadas na pesquisa, destacamos o uso das estratégias: a) revisão da literatura em teses e dissertações; b) realização de entrevistas semiestruturadas com gestores da SED responsáveis pelo desenvolvimento do projeto; c) identificação e seleção dos documentos; d) análise documental. A natureza das fontes utilizadas, seguindo os apontamentos de Severino (2007, p. 122), caracterizou-se por pesquisa bibliográfica, tomando como fonte documentos impressos, como livros, artigos, teses e etc, e pesquisa documental através de documentos oficiais de políticas públicas (legislações, propostas curriculares, planos), relatórios e documentos de Organismos Multilaterais, notícias publicadas em sites (empresas e Secretaria de Educação de Santa Catarina), além de conteúdos de sites oficiais da Google para divulgação de seus produtos. Os documentos e as transcrições das entrevistas foram analisados com base na Análise de Conteúdo (Bardin, 2011; Franco, 2012).

A educação pública catarinense tem sido objeto de estudos e análises de organismos multilaterais já há algum tempo. No ano de 2010, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) foi financiada pelo Governo do Estado e pela Fundação Europeia de Formação para a produção de uma avaliação geral do sistema educacional do Estado de Santa Catarina, publicada em relatório denominado “Avaliações de políticas nacionais de educação: Estado de Santa Catarina” (OCDE, 2010). No mesmo ano, a OCDE também publicou o documento intitulado “Inspirados pela tecnologia, norteados pela pedagogia: uma abordagem sistêmica das inovações educacionais de base tecnológica” (OCDE & CERI, 2010), cujo documento foi fruto da conferência “A Escola do Futuro, hoje”, realizado em Florianópolis em 2009.

Isso demonstra que esta rede pública estadual de educação, além de estar nas lentes das políticas internacionais para a educação e para a integração de tecnologias digitais ao currículo, mostra a importância que uma análise mais cuidadosa, sobre como as corporações de tecnologia buscam estabelecer parcerias para a promoção de políticas de integração das TDIC ao currículo, é relevante.

Em 2016, a Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina (SED-SC) anunciou, em publicação realizada no dia 3 de junho de 2016 em seu portal oficial, a realização do projeto Google for Education (GfE) , que consistia na contratação de produtos e serviços de tecnologias digitais fornecidos pela empresa Google a todos os estudantes e professores da rede pública através de uma plataforma denominada G Suite for Education. Fruto de assinatura de “Termo de Parceria” firmado entre a Secretaria de Estado e a empresa Qi Network Soluções Tecnológicas Ltda. Essa empresa se apresentava, em seu site oficial, como representante das iniciativas educacionais da empresa Google em Santa Catarina. As notícias de publicização informavam que um projeto piloto seria “realizado em 36 escolas, sendo uma em cada Regional” (SED-SC, 2016) na busca de integrar tecnologias digitais ao currículo escolar.

O anúncio realizado pela SED destacava a ênfase na gratuidade dos serviços ofertados pela Google, onde se ressaltava que os produtos não trariam custos aos professores e estudantes. Essa informação mostrava-se problemática pois vinha carregada de uma certa filantropia empresarial que dispersava as possibilidades de retorno lucrativo para a empresa, como a fidelização de usuários, por exemplo. No mesmo sentido, também problemáticos eram os anúncios de “parceria” que carregavam certa confiança e otimismo de que os produtos eram garantidores de aprendizagem e de melhoria da educação, em geral. Por exemplo, dou destaque às falas de gestores da Secretaria de Estado da Educação, em notícia publicada na página oficial da SED-SC:

As novas ferramentas tecnológicas poderão fortalecer o objetivo principal da escola, gerando conhecimento de qualidade aos estudantes catarinenses, que é o nosso propósito. As tarefas poderão ser realizadas remotamente, reforçando o assunto abordado em sala de aula, o que vai proporcionar uma aula mais rica e interessante. (Canello, 2016)

A problematização do projeto GfE ganhava novos contornos ao considerar a necessidade de aceitação de termos de uso da plataforma por professores e estudantes. Trata-se de um conjunto de termos contratuais que devem ser lidos e aceitos para que um usuário possa criar uma conta de e-mail. As empresas condicionam o uso das plataformas ao aceite dos termos. Em caso de não aceitação, o usuário fica impossibilitado de realizar qualquer atividade com os produtos da empresa.

Se não der o “aceite” nos termos de uso, ela fica impedida de participar da aula ou projeto. Para o professor, o aluno, o gestor e a própria instituição (escola, universidade), resta somente ler e compreender por sua própria conta e vontade os termos de uso e de privacidade elaborados pelas empresas para informar e esclarecer qual deve ser a sua relação com os serviços prestados e quais as responsabilidades de cada parte, isto é, da empresa e do usuário. (Amiel & Gonsales, 2020, p. 6)

No caso da parceria entre a Secretaria de Estado e a Empresa Qi Network (intermediária da Google em Santa Catarina), surgia a questão de professores e estudantes tornarem-se obrigados a aceitar os termos de uso para que o projeto pudesse acontecer. Estes contratos apresentam elementos que chamam a atenção, como por exemplo, nos termos de uso de um dos principais produtos da empresa, o navegador de internet Google Chrome, na qual constam as seguintes informações no item “Prestação dos serviços pelo Google”:

4.3 Como parte dessa constante inovação, o usuário tem conhecimento e concorda que o Google pode, a seu próprio critério, deixar (permanente ou temporariamente) de fornecer os Serviços (ou qualquer recurso dos Serviços) aos usuários em geral, sem aviso prévio. O usuário pode deixar de utilizar os Serviços a qualquer momento. O usuário não necessita informar especificamente a Google quando deixar de usar os Serviços.

4.4 O usuário reconhece e aceita que, se o Google desativar o acesso a sua conta, ele poderá ser impedido de acessar os Serviços, os detalhes da conta ou quaisquer arquivos ou outros conteúdos que estejam na conta. (Google, 2017)

A empresa anuncia, ainda, que pode alterar os termos de uso a qualquer momento, ficando os professores e estudantes numa condição tácita de aceite condicionado ao uso. Ao se condicionar o uso dos produtos da Google, outras questões se apresentam como problema: a) por um lado, os professores acabariam aprisionados a esses produtos, limitando a autonomia pedagógica e tecnológica; b) os estudantes acabariam se tornando usuários fidelizados aos produtos da empresa por terem seus processos formativos condicionado aos produtos; c) a educação pública estadual se tornaria um grande garimpo de extração de dados e metadados de estudantes e professores nesse modelo de plataformas da web; d) estudantes e professores não estariam devidamente esclarecidos quanto aos usos de seus dados de acesso e usabilidade dos produtos da empresa e por terceiros.

As notícias jornalísticas sobre o projeto informavam que grande parte dos professores das 36 escolas selecionadas já havia sido “treinada” para trabalhar com as ferramentas digitais e que Santa Catarina era o primeiro estado em nível nacional a firmar tal parceria. Além dessas informações alinhadas ao portal oficial da SED, questões sobre usos de dispositivos móveis foram anunciadas pelo então Secretário de Educação na notícia da mídia corporativa:

De acordo com o secretário de Estado da Educação, neste primeiro momento será disponibilizado o software do Google, será ampliada a capacidade de conectividade das escolas e, para 2017, serão disponibilizados equipamentos móveis para os alunos. “Nesse primeiro momento os estudantes terão que usar os próprios dispositivos móveis”, disse [o secretário de educação], ao ressaltar que além de nove aplicativos, dentre eles o Google Classroom, os estudantes contarão com cinco terabyte de memória na nuvem. (Oliveira, 2016)

Observava-se uma abordagem vaga a respeito das possibilidades de uso dos produtos Google e a forma como poderiam facilitar a aprendizagem. As visões de tecnologia expressadas em tais concepções ancoravam-se em ideias que podem ser classificadas como determinismo e/ou instrumentalismo tecnológico (Feenberg, 2013). A respeito das possibilidades de uso pelos professores, poucas pistas do que seria de fato relevante para as didáticas eram apresentadas, ou como se dariam os usos dos produtos em sala de aula.

Ao mencionar que o projeto já se encontrava em desenvolvimento em uma das unidades escolares de SC desde 2015, Oliveira (2016) entrevistou uma professora, representante da SED, que coordenava o GfE, a qual fez a seguinte declaração:

Com a nova ferramenta o aluno que perdeu a aula poderá acompanhar o calendário e recuperar conteúdo. Os pais também podem ter acesso mais fácil ao desempenho do filho. Será possível ao estudante responder questionários on-line e ter um contato à distância com seus educadores. Trata-se de uma mudança na perspectiva de ensino. Posso dizer que é uma rede social de estudo. (Oliveira, 2016)

A formação de professores e demais servidores das unidades escolares foi um tema relevante que emergiu nas análises das notícias. Ainda que as publicações do portal não expressassem objetivamente o programa formativo e as fundamentações dessas formações, o que se observou é que o enfoque foi na divulgação dos produtos, com cursos de curta duração, no sentido de demonstrar as funcionalidades dessas tecnologias digitais, conforme indicado na fala abaixo:

E1: Vamos usar o Google Agenda. Como usar Google Agenda, para que todo mundo veja o que cada professor está fazendo, para poder marcar as reuniões com mais facilidade, para poder marcar horas de formação na semana que todos possam. Depois, vamos criar coisas coletivamente, colaborativamente com os próprios professores. A gente precisa fazer um documento “x” para a associação de pais e professores. Vamos fazer juntos usando o Google Drive. O direcionamento foi esse. Primeiro começar a trabalhar entre eles, desenvolver essa mentalidade de trabalhar colaborativamente e aos poucos eles iriam se encantando por isso e iriam vendo as possibilidades de usar com os alunos. (Entrevista, 04 out. 2018)

As questões pedagógicas abordadas no conjunto de notícias analisadas não indicaram quais seriam as estratégias para esses usos. A dimensão curricular apareceu de modo a expressar as concepções de integração das TDIC como facilitadora de novas aprendizagens, trazendo, inclusive, termos pouco conhecidos, como “projetos pedagógicos digitais”. O trabalho pedagógico com as tecnologias foi abordado de modo otimista, mencionando que elas demandam um conhecimento técnico e pedagógico. Da ideia de facilitar ou enriquecer as atividades diárias nas escolas é possível inferir uma concepção de produtividade ao trabalho educativo, para que ele possa atender às demandas formativas envolvendo as tecnologias.

“Google for Education”. As ferramentas possibilitam aos professores criar novas experiências de aprendizado e facilitar o desenvolvimento de projetos pedagógicos digitais inovadores. (SED-SC, 2016 - Notícia 4, 03 Jun. 2016)

“Curso Google Apps for Education é realizado na ADR de Maravilha”. O objetivo do curso é proporcionar aos profissionais da educação conhecimento técnico e pedagógico sobre o Google Apps for Education para que ele seja um recurso potencializador de novos cenários de aprendizagem. Segundo a multiplicadora [nome], há uma tímida busca por inovações no fazer pedagógico, principalmente com o uso das diferentes tecnologias visando enriquecer as aulas. (Ferrari, 2017 - Notícia 28, 15 Ago. 2017)

A tônica presente nas publicações oficiais da SED sobre o projeto Google for Education espelharam o discurso otimista propagado pela empresa Google, anunciando que, a partir da formação de professores para o uso de seus produtos, haveria necessariamente um salto de qualidade e melhoria da educação oferecida aos estudantes, bem como a facilitação do trabalho docente. No conjunto de documentos analisados ao longo da pesquisa, ficou evidente que os problemas infraestruturais, as desigualdades de acesso à internet e aos dispositivos eletrônicos e outros problemas sociais que atravessam a educação pública, não foram bem examinados pelos gestores da política.

Também não houve evidências da participação efetiva do conjunto da categoria de professores nas tomadas de decisão sobre quais recursos deveriam ser adotados pela SED. Nas falas das entrevistas, observou-se que o foco da política estava em modernizar os sistemas (substituindo os serviços de tecnologias públicos pelos serviços oferecidos pelas Big Techs) e a economia de dinheiro, a despeito das possíveis consequências de tais medidas.

E1: O que se queria era modernizar. Assim, a justificativa para a migração [para a Google] era a de modernizar. Os serviços de e-mail da rede [do Estado de SC] que era bem antigo, não filtravam as mensagem direito e para esse público de professores que já não tinha muita afinidade com a tecnologia, esse e-mail criava mais barreiras ainda. (Entrevista, 04 Out. 2018)

E3: O governo resolveu mudar os seus veículos de comunicação em 2014. Em 23 de outubro foi a reunião final. O estado deu autonomia, (...), para as secretarias terem autonomia de escolher qual seria seu mecanismo de informação. A UDESC, por exemplo, optou pelo programa Microsoft. A Secretaria de Educação optou pelo pacote Google, comprou a Google. (Entrevista, 17 Out. 2018)

E4: A primeira ação da SED foi acabar com os técnicos de informática das salas informatizadas nas escolas. Isso nos deixou muito preocupados, porque não haveria alguém para assessorar os alunos e professores, alguém de tecnologia nas escolas. A gente começou a observar que existia alguma coisa por trás disso. A desculpa para isso, nós que na época éramos os técnicos [da SED], e que nós não concordávamos com isso, foi uma postura de gabinete mesmo, para economizar dinheiro. (...) É de 2014 em diante. Então saiu o técnico de informática da sala. (...) Paralelamente a isso, começa a entrar a Google. (Entrevista. 18 out. 2018)

E5: Foi feito, é claro, uma “romaria” para apresentar o Google for Education, teve formação com pessoal, mas eu acho que deveria ter sido trabalhado melhor as capacidades para poder oferecer o projeto. (Entrevista, 18 Dez. 2018)

E2: Na realidade ele [o projeto GfE] chegou de paraquedas. O projeto, na realidade, já veio pronto. A gente não tinha nenhuma autonomia, a gente recebeu ele “numa bandeja”, né?! E a gente foi só chamado para uma reunião onde foi apresentado para todo mundo, os professores e a equipe gestora, como funcionaria. (Entrevista, 04 Out. 2018)

O que se destaca são as tecnologias digitais para educação fechadas, como é o Google for Education, que excluem professores de seu desenvolvimento, oferecendo “solucionismos” que atendem mais aos interesses de mercado do que às necessidades educacionais das comunidades escolares. Por isso, incluir professores de redes públicas no desenvolvimento de tecnologias se apresenta como um elemento de democratização e qualificação da integração de tecnologias digitais ao currículo, ponto que abordaremos a seguir.

O ANÚNCIO: PARCERIA UNIVERSIDADE-ESCOLA PARA O CO-DESENVOLVIMENTO DE TECNOLOGIAS

Esta etapa do texto apresenta uma segunda pesquisa, que analisou um processo de pesquisa e co-desenvolvimento de tecnologias junto com a escola. Nos guiamos pela Teoria Crítica da Tecnologia, pois possibilita pensar um eixo de pesquisa, desenvolvimento, formação e, juntamente com o design participativo, pensar os contextos educacionais. Desejamos, assim, trilhar caminhos baseados nas pedagogias críticas e de resistência (Giroux & McLaren, 2011) para alcançar uma transformação dos modelos de desenvolvimento de tecnologias para educação e sua integração nos contextos escolares.

Nesse sentido, as ações foram ancoradas no Design Participativo (DP). O DP é composto por um conjunto de teorias, práticas e estudos onde os participantes/usuários participam de forma colaborativa com o design, neste caso, o design opera como facilitador da criação, como co-design. O processo projetual conduz o co-design, onde projetar se transforma “em design com o usuário, na qual os usuários se envolvem e participam ativamente das decisões de projeto de uma forma mais democrática” (Moraes & Santa Rosa, 2012, p. 20). Esse processo foi realizado durante o desenvolvimento de uma plataforma - a Plataforma Integrada MEC RED -, fruto de uma parceria entre o Ministério da Educação e Universidade Federal de Santa Catarina, com objetivo de construir uma plataforma de Recursos Educacionais Digitais (RED), possibilitando a toda comunidade escolar o compartilhamento de recursos didáticos voltados à Educação Básica no país. A plataforma pretendeu reunir e disponibilizar, em um único lugar, os REDs dos principais portais do Brasil.

As ações de pesquisa e desenvolvimento foram organizadas em quatro ciclos, a saber: Ciclo 01 - pesquisas que subsidiaram o desenvolvimento da plataforma, na qual a equipe realizou um conjunto de ações de pesquisa com professores da educação básica, de cunho consultivo, concentradas no ambiente da universidade. Os professores participaram a partir de questões pré-estabelecidas sobre algo que já havia sido pensado e projetado pela equipe, num movimento de desconstrução de tecnologias prontas. Isso ocorreu, por exemplo, nos testes de usabilidade, no primeiro protótipo de desenvolvimento da plataforma.

No Ciclo 02 - realizamos uma imersão nas escolas, procurando uma participação ativa dos professores. Com ações de pesquisa realizadas junto aos professores, foi possível compreender melhor os contextos de integração das TDIC ao currículo escolar e os usos de RED nas práticas pedagógicas. Tínhamos como objetivo o desenvolvimento da plataforma MEC RED de modo mais próximo às realidades escolares, construindo ações colaborativas de desenvolvimento da página inicial da plataforma e, num segundo momento, das funcionalidades da mesma. Os professores criaram os protótipos em papel do que viria a ser a página inicial da plataforma, eles exerceram um controle crescente sobre a tomada de decisões relacionada à tecnologia em desenvolvimento e às tecnologias de modo geral.

Esse ciclo de imersão na escola foi fundamental para um desenvolvimento mais pautado nas necessidades dos professores da escola básica. Esse momento de pesquisa e desenvolvimento buscou aproximar a escola do espaço de projeção e criação, o que foi contemplado a partir de ações de pesquisa de cunho consultivo e colaborativo (Straioto & Figueiredo, 2015). Os ciclos 1 e 2 foram realizados em Florianópolis-SC, sede do projeto.

No Ciclo 03, ampliamos a parceria com as escolas e buscamos contemplar a diversidade dos contextos escolares. Foi realizado na cidade de Fortaleza, região Nordeste do Brasil, em cinco escolas municipais, onde foram realizadas ações voltadas para a avaliação da usabilidade da plataforma e a construção de uma proposta de curadoria de RED procurando contemplar as necessidades e experiências dos professores Cada escola foi convidada para participar de um momento de pesquisa. Na primeira escola parceira foram realizadas as ações voltadas para a avaliação da usabilidade da plataforma pelos sujeitos da escola, enquanto em outras três escolas foi desenvolvido uma proposta de curadoria procurando contemplar as necessidades e experiências dos professores.

No Ciclo 04 foi realizado uma “Iniciativa de Aprendizagem Colaborativa (IAC) entre Universidade e Escola sobre a integração de Recursos Educacionais Digitais (RED) na prática pedagógica”, com objetivo de construir espaços formativos horizontais com as escolas da Educação Básica de Florianópolis, desenvolver funcionalidades para a Plataforma MEC RED e realizar a reflexão sobre o processo de integração das tecnologias digitais na escola. Essa iniciativa foi estruturada em seis encontros, com duração de quatro horas cada, com objetivos particulares para cada momento.

Nesta etapa também buscamos sistematizar o modelo de pesquisa e desenvolvimento que resultou da totalidade das ações de pesquisas com as escolas, resumidas em três momentos: conhecer e ser conhecido; formar e ser formado; desenvolvimento em coletivo.

Os instrumentos utilizados foram: (1) Questionário de perfil, aplicado com objetivo de conhecer e ser conhecido. Contemplava 14 perguntas, com múltiplas escolhas de respostas tabuladas e cruzadas para entender mais sobre os perfis dos professores e suas relações com as TDIC; (2) Teste de usabilidade, projetado em formato de roteiro, que visou avaliar a usabilidade pedagógica da Plataforma. Organizado em três blocos de perguntas, com questões sobre a navegação, avaliadas em escalas de sete pontos, entre pouco útil e muito útil, muito fácil e muito difícil, confuso e claro; (3) Rodas de conversa; (4) Iniciativa de Aprendizagem Colaborativa.

O projeto foi organizado a partir de um modelo de gestão buscando ultrapassar perspectivas produtivistas, de centralidade das ações de produção e de trabalho numa perspectiva de isolamento das funções da equipe na parceria com as escolas. Ancorados no modelo proposto por Cerny (2009), a pesquisa, a formação e a produção de tecnologias se entende como tríade que integra todas as ações do projeto.

Fonte: Relatório de Pesquisa para o Desenvolvimento da Plataforma Integrada MEC de Recursos Educacionais Digitais (Cerny, 2020).

Figura 1: Tríade de ações do projeto 

Na sequência analisamos as ações, tendo como suporte as falas dos professores da educação básica e equipe da universidade. Os professores serão nomeados por P e um número, que corresponde a cada um dos professores envolvidos, e para a equipe da universidade utilizaremos a letra U, acompanhada de um número. Traremos os diálogos e dados da última etapa da pesquisa - os encontros de avaliação, procurando evidenciar avanços e desafios de uma ação de parceria universidade escola, com a pretensão de desenvolver tecnologias, em conjunto.

ESTAR NA ESCOLA CONSTRUINDO COLETIVAMENTE É UM MOVIMENTO DE RESISTÊNCIA

Ao analisarmos o modelo de entrada das tecnologias nas escolas de educação básica, conforme descrito acima, pretendemos defender o potencial da escola enquanto instituição que pode tornar-se produtora de tecnologias, superando os modelos onde é consumidora de tecnologias.

Estar na escola construindo coletivamente é um movimento de resistência! (U3).

Esta fala ilustra os ideais que ancoraram a equipe da universidade durante todo o processo, pois entendemos que tratar dos aspectos sociais da produção tecnológica não foi ao acaso, mas resultado da perspectiva teórica que subsidiou o planejamento e as ações do projeto. Cientes que a universidade torna-se um espaço privilegiado para as discussões teóricas, então o desafio é unir-se às escolas de educação básica mantendo os referenciais. Almejamos o enfrentamento da hegemonia tecnológica, que “torna onipresente na vida cotidiana e os modos técnicos de pensamento passam a predominar acima de todos os outros” (Feenberg, 2003, p. 1), gerando o que Feenberg (1992) denomina de horizonte cultural da tecnologia. Isso nos leva a dizer não às teorias tradicionais da tecnologia, negando sua neutralidade. Ao trilhar esse caminho procuramos a abertura da caixa-preta dos códigos técnicos (Neder, 2010) em prol de uma abertura da tecnologia que atenda aos interesses dos seus usuários, no nosso caso, as tecnologias educacionais.

Para consecução dos nossos objetivos o processo formativo foi essencial e reconhecido pelas equipes, representado nas falas a seguir:

Teve muita reflexão no grupo, para entender a natureza deste trabalho e essa parceria horizontal com as escolas, que gera também uma série de demandas para a gente repensar os próprios processos enquanto eles estão acontecendo. (U2)

Então foi muito interessante assim, dar voz, para todos esses pensamentos que às vezes a gente não se dá conta né, pensar SOBRE, pensar COM, e eu achei, bem, assim, ainda é desafiador né?! (P3)

Ambas as equipes reconhecem o potencial do processo formativo, tornando-se o espaço de conhecer e ser conhecido, como sinalizado aqui: a gente quando vai para a escola, a gente vai muito com a perspectiva de aprender com a escola. (U4). Conhecer a escola para os desenvolvedores é essencial: O que é ir à escola para este projeto? Ir para a escola neste projeto é conhecer o contexto. (U1)

Essas ações abrem espaço para o que Feenberg nos convoca a refletir, tendo a “teoria crítica da modernidade desafiando a reivindicação tecnocrática segundo a qual apenas especialistas contribuem para o projeto e uso da tecnologia” (Feenberg, 2015, p. 17).

A parceria no desenvolvimento gerou nos professores a quebra da resistência ao uso da tecnologia e num segundo momento visualizaram o potencial de compartilhamento e criação, conforme nos dizem os professores e equipe da universidade:

porque nós, nesse momento, fizemos uma transposição, uma sistematização e criamos uma tecnologia, então, esse momento também, às vezes a gente não se dá conta, a gente acha assim “ah, não, é somente quando está no computador, quando quando está no tablet” e tem professores que têm resistência e essa própria transposição quando você tira aqui, e sistematiza e organiza e hoje você visualiza isso, já é uma tecnologia que nós enquanto grupo compartilhamos e criamos. (P3)

Então todo esse processo de pensar como são esses RED e pensar como eles podem ser utilizados, deu para gente subsídios para pensar outras possibilidades para Plataforma e incentivar outras criações lá dentro e também incomodar o Ministério para melhorar os RED que estão lá dentro. (U1)

O desafio é encontrar caminhos alternativos, pois como nos sinaliza Selwyn (2017, p. 22), “o objetivo principal de uma abordagem crítica frente à educação e tecnologia recai, portanto, em transformar a crítica e o conhecimento em produção de estratégias alternativas”.

Pensar um processo de pesquisa, desenvolvimento, formação e, juntamente com o design participativo, pensar os contextos educacionais para transformar concepções sobre a tecnologia educacional é uma alternativa para superar lógicas de reprodução social (Bourdieu & Passeron, 1975).

Eu também queria fazer uma colocação… essa pesquisa ação, pesquisa formação de vocês, foi bem interessante assim, porque isso abre possibilidades, porque o que que acontece, algumas formações que a gente está tendo, tem grupos, privados, e assim, essa possibilidade com RED, abriu para secretaria, para o Estado, abre essas possibilidades de serem instituições públicas para serviço do público, professores públicos, então, sabe? Aumenta o olhar! Amplia o olhar. (P8)

A motivação da equipe da universidade em avançar no grau de envolvimento dos professores/usuários na criação da Plataforma, ao longo dos ciclos de pesquisa, através do design participativo, não foi apenas pelas vantagens das técnicas que poderiam melhorar a usabilidade e aceitação da Plataforma, mas de pensar uma construção coletiva em co-criação e co-formação, potencial formativo de pesquisa e design.

Nós enquanto pesquisadores e desenvolvedores, tudo junto, a gente teve que situar cada resultado de pesquisa dentro desse contexto para desenvolver a funcionalidade da Plataforma (...) E foi o que deu uma grande riqueza para os dados e resultados que a gente pretende aí, deixar de legado também para possíveis projetos e também para a Plataforma. (U1)

E é difícil simplesmente parar e refletir, porque a gente é engolido né, porque as empresas têm grandes pesquisadores, têm dinheiro e eles pagam pelo marketing e eles nos conquistam e conquistam as redes de ensino e conquistam os alunos, os professores, os pais… E ai quem é que para para refletir ne? E por isso é importante essa iniciativa da universidade com parceria de fazer essas formações continuadas. Para fazer com que isso chegue nas escolas também à partir de quem está atuando? (P4)

Norton e colaboradores (2009) discutem que os professores podem até contar com o design de aprendizagem feito por outros (livro didático, materiais instrucionais, planos de aulas prontos, etc), mas somente eles próprios conhecem sua comunidade particular de aprendizes, suas personalidades, contextos e demandas. São os professores que compreendem profundamente as condições de sua sala de aula, as experiências anteriores, a compreensão dos conteúdos pelos estudantes e por ele próprio, a dinâmica do grupo e dos subgrupos, os recursos disponíveis para o ensino e para a aprendizagem. Neste sentido, a integração de qualquer design externo ao currículo necessita no mínimo de uma recontextualização. Norton e colaboradores (2009, p. 11) defendem que, “portanto, professores são e devem ser designers”.

Meu trabalho tem que ter uma coisa autoral, criança tem que se enxergar ali, eu tenho que levar alguma coisa disso… e à criança também. Então, quando eu comecei a pensar e… não sai nada né? À minha ideia não saia nada (...) mas, eu pensava, eu tenho que criar algo que fique, que não seja uma coisa pontual, que eu vou ali uso um dia só e deu, eu quero que esse trabalho crítico perdure por um tempão, e quem sabe a partir dali, a gente consiga pensar, e desenvolver outras coisas. (P9)

Para mim contemplar os meus objetivos pedagógicos é o primeiro critério. Não adianta eu ter um vídeo. o que que eu vou fazer com o vídeo? é bonitinho mas não adianta, tem que estar dentro do planejamento do professor. (P1)

A construção de propostas educativas com RED e a criação de novos RED a partir das necessidades específicas de seu contexto de ensino permite ao professor o desenvolvimento integrado de conhecimentos técnicos e pedagógicos, articulando teoria e prática, dentro de uma perspectiva construtivista de aprendizagem (Wardenski et al. 2018). Promove uma situação de aprendizagem autêntica, valorizando a perspectiva do professor como um designer do currículo com TDIC (Norton et al,, 2009) e empoderando-o como sujeito capaz e responsável pelas decisões acerca da integração pedagógica destas tecnologias na educação (Espíndola & Giannella, 2018).

E a gente se sente um pouco impotente diante dessas novidades todas que aparecem no mercado. Que passam para gente que o legal da tecnologia é sempre o novo... para você saber de tecnologia você tem que conhecer o último programa, saber mexer no último artefato, e na verdade, não é esse o papel da escola né, não é estar mobilizando para as últimas novidades, mas, de fato é a apropriação crítica dessa tecnologia que tá aí. (U4)

Porque, a gente fala em tecnologia e vê assim “ah não mas tecnologia é só internet" não tem internet não tem tecnologia, tem educação conectada, “ah mas eu não vou fazer, não vou pensar possibilidades além disso”, não, mas tem tudo né, claro que com internet, à gente usa e é preciso, mas assim, também tem outras possibilidades, que a gente pensa tecnologia, ela existe, e essa é o produto que nós criamos, a partir da prática com vocês né?! (P3)

A organização de espaços coletivos de aprendizagem, em comunidades de professores, pode proporcionar experiências de desenvolvimento coletivo, estimular o trabalho colaborativo como estratégia de superação de dificuldades, promover suporte e acolhimento para as diversas questões da docência, atividade muitas vezes isolada e solitária no seu cotidiano (Reis et al., 2018). Quando nos referimos à integração de tecnologias no currículo, é preciso considerar que envolve a mudança de uma série de elementos da docência e não somente dos recursos que o professor utiliza. Os professores enfrentam processos de mudança que envolvem sentimentos de insegurança e medo, tornando especialmente importante a constituição de coletivos de apoio, de aprendizagem e de prática nas escolas, pois “reforça-se um sentimento de pertença e de identidade profissional que é essencial para que os professores se apropriem dos processos de mudança e os transformem em práticas concretas de intervenção” (Nóvoa, 2008, p. 25).

Envolver os professores em comunidades de aprendizagem e prática na perspectiva de formação, pesquisa e desenvolvimento de RED consiste numa metodologia que dialoga com os elementos básicos do movimento formativo do professor pesquisador (André, 2005) e reflexivo (Schön, 1992), dentro da perspectiva de formar professores que sejam protagonistas do desenho de soluções educativas e não meros reprodutores de soluções pensadas de fora do contexto escolar.

CONCLUSÕES

Ao propormos a integração das tecnologias aos currículos como um lugar de luta e de resistência contra-hegemônica, percorremos dois caminhos. O primeiro evidenciando como, hegemonicamente, as tecnologias digitais têm entrado na escola, por meio das Big Techs, acompanhadas de um discurso de aperfeiçoamento da educação, como sinônimos de eficiência e eficácia ou como uma necessidade fatalista de modernização da escola. Na origem está a fidelização de usuários e consumidores de grandes corporações, movimento atrelado com a reorganização do sistema produtivo contemporâneo, que tem origem na crescente textualização do ambiente de trabalho dando condições de possibilidade para produção, armazenamento e escrutínio de dados.

Nesta etapa, analisamos o desenvolvimento do projeto Google for Education (GfE) realizado pela Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina (SED) onde evidenciou-se discursos otimistas na formação dos professores, sobre as possibilidades de transformar o modelo escolar vigente. Ofuscou-se, ou pouco buscou-se abordar, sobre os reais problemas enfrentados na integração de tecnologias digitais, que passam, sobretudo, pelas desigualdades de acesso, pela infraestrutura e pelas desigualdades sociais que produzem desníveis complexos e que impedem o desenvolvimento educacional. Ao contrário, tais projetos naturalizam as desigualdades, uma vez que aqueles que não possuem a infraestrutura adequada, acabam, sumariamente, impedidos de participar, e em certa medida, responsabilizados pelo não acesso aos dispositivos. Evidenciou-se que não houve uma participação direta do conjunto da categoria de professores nas escolhas das tecnologias a serem adotadas pela rede pública de ensino.

Na contramão da ‘denúncia’ apresentada, acreditamos que uma possibilidade viável é a parceria entre escolas e universidades públicas no desenvolvimento de tecnologias educacionais, a partir de metodologias participativas e que tenham objetivos que realmente atendam às demandas da educação pública e não de mercado.

Nesse sentido, no segundo espaço do texto apresentamos e analisamos um projeto (desenvolvimento da plataforma MEC RED) que procurou estruturar uma metodologia colaborativa e horizontal de troca de conhecimentos e saberes entre diferentes profissionais da educação (professores-pesquisadores das universidades, professores-pesquisadores das escolas de educação básica, pesquisadores do projeto e estudantes de graduação), em constante construção, fomentando o desenvolvimento de tecnologias educacionais incorporando os movimentos de ação-reflexão junto com os professores das escolas parceiras. Nesta proposta, a formação, a pesquisa e o desenvolvimento estão interligados e são movimentos indissociáveis no projeto. Ao percorrer todas essas funções todos os integrantes do projeto se formam, constroem conhecimentos e contribuem para o desenvolvimento de tecnologias. Ao desenvolver tecnologia, todos estes aprendem e produzem novos conhecimentos. Dentro da concepção do projeto e de nossas orientações epistemológicas, o entendimento de processos de formação de professores se aproxima ao de comunidades de aprendizagem da prática (Cochran-smith & Lytle, 1999) do tipo fronteiriça (Fiorentini, 2013).

O problema que aqui apresentamos é que a integração das TDIC ao currículo da Educação Básica exige empenho e esforços coletivos, tanto por parte das unidades escolares, quanto por políticas públicas de Estado que estimulem a integração crítica, reflexiva e que possuam permanência e continuidade, no sentido de superar ações isoladas de indivíduos, sejam eles docentes, gestores, estudantes ou comunidade em geral.

Ao propormos a integração dasTDIC ao currículo como espaço de disputas, evidenciam-se as complexidades em torno do tema, sobretudo se levarmos em conta os contextos educativos, a infraestrutura das escolas, a organização escolar em torno das tecnologias e o modo como o corpo docente das unidades escolares compreendem essa integração. Se a integração das TDIC ao currículo se desenvolve sem tais reconhecimentos, as implicações podem acarretar problemas obscuros, tais como a sobrecarga de trabalho extraclasse dos professores (uma vez que a infraestrutura tecnológica das escolas é precária e os professores utilizam seus próprios dispositivos), enfraquecimento do papel docente, estreitamento curricular, a fidelização de usuários e a coleta e escrutínio dos dados dos sujeitos da educação.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos às escolas parceiras pelo trabalho conjunto, à Secretaria de Educação do Estado de Santa Catarina pela abertura de espaço para as pesquisas, ao Ministério de Educação do Governo Federal do Brasil pelo auxílio financeiro para a realização do projeto MEC RED e à CAPES pela bolsa do programa PRINT concedida a Prof. Marina Bazzo de Espíndola.

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Recebido: 30 de Novembro de 2022; Aceito: 21 de Julho de 2023

Concetualização: R. Z. C. e E. V. de A. e M. B. E.; Metodologia: R. Z. C. e E. V. de A. e M. B. E.; Investigação: R. Z. C. e E. V. de A. e M. B. E.; Redação do rascunho original: R. Z. C. e E. V. de A. e M. B. E.; Redação - revisão e edição: R. Z. C. e E. V. de A. e M. B. E.

Roseli Zen Cerny: Professora Colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Educação, Centro de Ciências da Educação, Universidade Federal de Santa Catarina. Pesquisadora do Grupo Rede de Pesquisa Currículo e Tecnologia (REPERCUTE). E-mail: rosezencerny@gmail.com Morada: EED/CED/UFSC - R. Eng, Agronômico Andrei CristianFerreira s/n. Trindade, Florianópolis-SC-Brasil. CEP: 88.040-900

Éverton Vasconcelos de Almeida: Professor de Música na Rede pública estadual de Santa Catarina. Possui doutorado em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (2021). Membro do Grupo Rede de Pesquisa Currículo e Tecnologia (REPERCUTE). E-mail: everton@sed.sc.gov.br

Marina Bazzo de Espíndola: Professora associada da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica (PPGECT). Líder do Grupo Rede de Pesquisa Currículo e Tecnologia (REPERCUTE). E-mail: bazzo.espindola@ufsc.br

a EED/CED/UFSC – R. Eng, Agronômico Andrei CristianFerreira s/n. Trindade, Florianópolis-SC-Brasil. CEP: 88.040-900.

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