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Sisyphus - Journal of Education

versão impressa ISSN 2182-8474versão On-line ISSN 2182-9640

Sisyphus vol.11 no.3 Lisboa fev. 2024  Epub 18-Fev-2024

https://doi.org/10.25749/sis.29403 

Artigos

Educação e Tecnologias como Comprometimento: Proposições para Pensar o Estudo da Técnica em Âmbito Educacional

Education and Technologies as a Commitment: Propositions to Think About the Study of Technique in an Educational Context

Educación y Tecnologías como Compromiso: Proposiciones para Pensar el Estudio de la Técnica en un Contexto Educativo

iDepartamento de Gestão Educacional, Teorias e Práticas de Ensino (DPE), Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas, Educação e Letras (FAELCH), Universidade Federal de Lavras (UFLA), Brasil


RESUMO

O objetivo deste ensaio teórico é analisar a relação entre educação e tecnologias e propor uma nova forma de apreensão à luz do assim chamado comprometimento enquanto categoria analítica. Para atingir aquilo que objetiva, o artigo resgata contribuições da filosofia da técnica, passando pelas vertentes instrumentalista, determinista e substantivista até chegar à perspectiva de uma teoria crítica. Por meio do estudo, propõe-se a noção de tecnologia como comprometimento, evidenciando que a ação tecnologicamente mediada dá-se num circuito de interações e trocas - tanto materiais quanto simbólicas. Ao desvelar esse compromisso que subjaz à própria presença da técnica em âmbito educacional, o ensaio propõe o conceito de assumir o compromisso como pressuposto para a construção de espaços democráticos de debate que possibilitem, aos sujeitos comprometidos, a tomada de decisões sobre alternativas sócio-técnicas que tragam outras molduras para a realidade histórico-social.

Palavras-chave: educação; tecnologias; técnica; filosofia da técnica; comprometimento.

ABSTRACT

The objective of this theoretical essay is to analyse the relationship between education and technologies and to propose a new form of apprehension in light of the so-called commitment as an analytical category. In order to achieve what it aims at, the article rescues contributions from the philosophy of technique, going through the instrumentalist, determinist and substantivist aspects until reaching the perspective of a critical theory. Through the study, the notion of technology as commitment is proposed, showing that technologically mediated action takes place in a circuit of interactions and exchanges, both material and symbolic. By unveiling this commitment that underlies the very presence of technique in the educational field, the essay proposes the concept of assuming commitment as a prerequisite for the construction of democratic spaces for debate that enable committed subjects to make decisions about socio-technical alternatives that bring other frames to the historical-social reality.

KEY WORDS: education; technologies; technique; philosophy of technique; commitment.

Resumen

El objetivo de este ensayo es analizar la relación entre educación y tecnologías y proporcionar una forma de comprensión basado en el concepto de comprometimiento en cuanta categoría analítica. Para lograr lo que se propone, el artículo rescata aportes de la filosofía de la técnica, recorriendo a los aspectos instrumentalistas, deterministas y sustantivistas hasta llegar a la perspectiva de una teoría crítica. A través del estudio, se propone la noción de tecnología como comprometimiento, mostrando que la acción tecnológicamente mediada tiene lugar en un circuito de interacciones e intercambios - tanto materiales como simbólicos. Al develar este compromiso que subyace en la presencia misma de la técnica en el campo educativo, el ensayo propone el concepto de asumir el compromiso como condición para la construcción de espacios democráticos de debate que permitan a los sujetos comprometidos tomar decisiones sobre alternativas socio-técnicas para construir otros marcos a la realidad histórico-social.

Palabras clave: educación; tecnologías; técnica; filosofía de la técnica; comprometimiento.

INTRODUÇÃO

O debate sobre as relações entre a educação e as tecnologias digitais tem se intensificado e ganhado novos contornos nos últimos anos. Inegavelmente, a pandemia de Covid-19, em que pesem todas as perdas, problemas e desafios para a sociedade, reascendeu a discussão sobre a necessidade de pensar a presença dos recursos tecnológicos em experiências educacionais diversas. Mesmo aquelas instituições mais recalcitrantes ao uso de dispositivos técnicos digitais se viram diante da necessidade de adotá-los e incorporá-los em meio ao cenário pandêmico. Com tudo isso, gerou-se efervescência nas contendas atinentes ao que representa, de fato, a presença da técnica na educação e quais as formas de analisar e conceber esse fenômeno contemporâneo.

Fugindo à análise maniqueísta - algo que tenho feito já há algum tempo em ensaios distintos -, proponho resgatar parte importante da contribuição teórica de autores que se debruçaram sobre a compreensão da tecnologia, enfatizando mais especificamente os recursos tecnológicos da modernidade que culminam, hodiernamente, no surgimento das tecnologias digitais. O objetivo deste artigo é, portanto, analisar a relação entre educação e tecnologias e propor uma nova forma de apreensão à luz do assim chamado comprometimento enquanto categoria analítica. Nessa ótica, retomo contribuições das vertentes instrumentalista, determinista e substantivista, chegando à perspectiva de uma teoria crítica que se coaduna com postulados da filosofia de Andrew Feenberg. Por meio disso, trago alguma originalidade para a abordagem do tema. O conceito de comprometimento é resgatado na reflexão filosófica de Heidegger, mas imprimo outras colorações ao termo, pensando-o a partir dos significados que essa palavra apresenta no português e como ela pode desvelar uma forma de compreensão das tecnologias em âmbito educacional que não deixa de ser crítica.

No que se refere à estrutura deste texto, começo com uma definição da própria tecnologia, passando por diferentes autores que investigaram e refletiram sobre o tema. Depois, chego à proposição do conceito de comprometimento, alinhando-me à teoria crítica sem perder de vista aquilo que se preserva a partir da síntese feita entre instrumentalismo, determinismo e substantivismo. Posteriormente, adentro no debate específico das interseções entre educação e tecnologias, pensando em como as categorias analíticas propostas podem ser utilizadas para perscrutar o objeto. Culmino na noção de assumir o compromisso como condição indispensável para a construção coletiva e democrática de alternativas possíveis para a presença da técnica em contextos educacionais. O ensaio se encerra com considerações que arrematam a discussão e sugerem norteamentos para outros estudos.

POR UMA DEFINIÇÃO DE TECNOLOGIA

Como ensaio teórico que pretende lançar luzes sobre a relação entre tecnologias e educação, é escusado dizer que definir aquela é primordial para, posteriormente, compreendermos a interseção com esta. Começo resgatando uma definição weberiana que, ainda hoje, nos ajuda a pensar sobre a tecnologia a partir do seu entrelaçamento no processo de agência. Weber, conforme analisa Sell (2011, p. 564), preocupou-se em analisar o papel da técnica nos mais diversos contextos, “passando em revista desde as técnicas de oração mística e ascética, englobando ainda observações sobre as técnicas de produção econômica, elaboração do sistema do direito, e até, de condução global da vida”. Ao definir, em tipos ideais, as características basilares da ação humana, percebe-se notadamente o papel e a importância da técnica naquele agir que o autor nomeia como racional orientado a fins (Weber, 2016). Característica própria da modernidade e do espírito capitalista, a racionalidade técnica imprime a esta uma função determinante como instrumento utilizado pela empresa humana no sentido da obtenção de resultados racionalmente estipulados. Para o sociólogo,

Age racionalmente com relação a fins aquele que orienta a sua ação conforme o fim, meios e consequências implicadas nela e nisso avalia racionalmente os meios relativamente aos fins, os fins com relação às consequências implicadas e os diferentes fins possíveis entre si. (Weber, 2016, p. 637)

Pode-se dizer, assim, que a perspectiva instrumental é basilar para apreender o pensamento weberiano. Em que pese a relação entre meios e fins que não pode ser negligenciada para perscrutar o próprio sentido do aparato técnico, “é a categoria de ‘meio’ que constitui o elemento positivo, ou seja, é nesse aspecto que repousa a natureza exclusiva e própria da técnica” (Sell, 2011, p. 666). O instrumentalismo se caracteriza, grosso modo, por uma concepção na qual as tecnologias são vistas como neutras e humanamente controladas (Sousa, 2022). Weber apresenta, portanto, uma visão instrumental ao considerar a técnica especialmente como meio que faz parte da consecução do agir humano.

Nessa perspectiva, Vieira Pinto (2005), ainda que sob abordagem assumidamente dialética que busca escapar a certo determinismo técnico, também incorre em visão instrumentalista ao advogar a neutralidade da técnica em si mesma. Posicionamento compartilhado, inclusive, por Paulo Freire (2013, p. 35) quando este autor pensa a relação com a educação e afirma que a tecnologia pode ser dar tanto a “práticas perversas, negadoras da vocação para o ser mais de mulheres e de homens, quanto a práticas humanizantes. Não cabe à tecnologia decidir sobre a que prática servir, mas aos homens e às mulheres, fundados em princípios éticos”. Vieira Pinto (2005, p. 187), por seu lado, assevera que tão só “no plano das relações sociais de produção a técnica é susceptível de receber atributos éticos (...). Tais atributos não lhe dizem diretamente respeito, mas, indiretamente, referem-se à maneira como é exercida num sistema de relações produtivas”.

Calcando-me nas categorias analíticas propostas por Feenberg (2013b), tomo liberdade para observar que Vieira Pinto, ao se debruçar sobre a temática, hesita, por diversas vezes, entre o instrumentalismo e o determinismo. Esse autor brasileiro rejeita a tese de que a tecnologia seja o motor da história, refutando parte de uma visão determinista que enxerga a técnica a partir de um suposto caráter autônomo. Contudo, Vieira Pinto (2005) compartilha do otimismo marxista que vislumbra um continuum do desenvolvimento técnico como força basilar - mesmo que não prescindindo da luta de classes - para a revolução social. É verdade que Feenberg (2013b) propõe, em sua análise, tipologias. Logo, não é uma incongruência que autores possam oscilar entre as categorias analíticas, influenciando-se por diferentes correntes teóricas. Seja como for, percebo que os contornos de um instrumentalismo são mais fortes em Vieira Pinto.

Aliás, esse filósofo brasileiro compartilha do humanismo observado em Paulo Freire. O que não causa espécie, tendo em vista as influências de categorias analíticas marxianas que estão na base da formação epistemológica tanto da teoria freiriana como da filosofia de Vieira Pinto, além das trocas intelectuais que ambos os autores estabeleceram em vida. A diferença fundamental, na forma como analiso, é que, Paulo Freire, talvez por não ter dedicado parte importante de sua obra à técnica, parece tentar compreendê-la em meio às inflexões proporcionadas pelo advento das tecnologias digitais nas últimas décadas do Século XX, porém o faz sem deslocar o eixo analítico de sua pedagogia crítica. Vieira Pinto (2005), por outro lado, debruça-se exaustivamente sobre a temática, de tal sorte que é possível acompanhar a incursão que oscila entre um instrumentalismo e, por vezes, um determinismo que se baseia na visão otimista de um desenvolvimento contínuo das forças produtivas que inexoravelmente cria as condições materiais para a superação de relações de poder assimétricas entre classes sociais e, conseguintemente, países do Sul e Norte global.

A visão determinista da tecnologia é definida por Feenberg (2013b) como aquela em que a técnica, além de possuir autonomia no tocante ao social, mostra-se como fundamento das transformações da sociedade. O marxismo otimista que está por detrás dessa corrente analítica tem que ver com o vislumbre de uma revolução social incontornável que redunda do progresso das forças produtivas. A evolução da técnica que, na modernidade, passa a se dar sob a luz da ciência, conforme Habermas (2007) evidencia, produz e recrudesce, para a visão determinista, a contradição imanente ao capitalismo que compele a classe oprimida à luta pela superação da opressão. Essa visão de progresso foi incisivamente criticada por Walter Benjamin (1987). A tese benjaminiana estabelece uma crítica contundente à ideologia do progresso que apregoa uma suposta marcha inexorável da história que, certamente influenciada pela ciência e pela tecnologia, conduz inevitavelmente às condições materiais que possibilitam a revolução social.

Mas se há certo determinismo em Vieira Pinto, certamente o eixo estruturante da sua obra gravita em torno da perspectiva humanista. Ao propugnar a centralidade do ser humano no uso da técnica, o humanismo não ignora a possibilidade de produzir valores ideológicos na relação com a tecnologia, porém, refuta a tese sobre a existência de uma essencialidade que seria boa ou ruim. Noutros termos, opõe-se, em certo sentido, à noção que Feenberg (2013b) chama de substantivista; esta compartilhada, à guisa de exemplo, por alguns pensadores da Escola de Frankfurt, como Adorno e Horkheimer (1985). Para Freire e Vieira Pinto, ao fim e ao cabo somente os seres humanos são capazes de imprimir qualquer valor à técnica, posto que dela se utilizam para fins diversos. Não é a técnica que, em si mesma e imbuída de uma pecha imanente, poderia subjugar outros seres humanos. São sempre os seres humanos que, usando a técnica como meio, podem oprimir outros seres humanos (Vieira Pinto, 2005). O pensamento dialético e a análise crítica, assim, tenderiam a redundar sempre no mesmo princípio: por detrás de qualquer aparato tecnológico há sempre um sujeito; e, mais do que isso, há grupos sociais dominantes visando à exploração de grupos dominados.

Essa visão humanista estabelece ponto de encontro com a abordagem instrumental weberiana que apresentei anteriormente. Se a técnica é mero instrumento - ou meio - para a consecução do processo de agência, seria um erro atribuir-lhe uma qualidade intrínseca. Nessa ótica, situa-se a crítica habermasiana (Habermas, 2007) à análise feita por Marcuse (1986). De acordo com Feenberg (2013a), a tecnologia é vista, em Habermas, como um projeto genérico da espécie humana em sua totalidade, não se restringindo a uma dada época histórica como o capitalismo. Além disso, a técnica é invariavelmente não-social, haja vista que, na teoria habermasiana, sempre objetiva a relação com a natureza, orientando-se ao êxito e ao controle (Feenberg, 2013a). Ao criticar Marcuse, Habermas (2007) defende que qualquer projeto de reforma técnica que almeje uma relação mais fraternal com a natureza tenta, equivocadamente, transpor para a tecnologia características da comunicação humana. Isto é, busca-se um agir comunicativo simbolicamente mediado num domínio em que as relações possíveis são apenas instrumentais (Feenberg, 2013a).

No entendimento de Feenberg (2013a), a crítica radical que Marcuse faz à técnica se difere daquela empreendida por outros teóricos da Escola de Frankfurt na medida em que não rejeita a possibilidade doutras formas de tecnologia para além do modelo imanente à sociedade capitalista. Se para Adorno e Horkheimer (1985) a técnica serve invariavelmente ao domínio e ao poder, destruindo os objetos que tenta controlar, para Marcuse seria possível criar novas formas de ciência e tecnologia que procurem estabelecer uma relação mais harmoniosa com a natureza. Abordagem diametralmente distinta da proposta por Vieira Pinto (2005), pois este autor entende que entre o ser humano e a natureza existe uma contradição inerente que, pelo movimento dialético, se resolve precisamente pela técnica. Ou seja, o ato de dominar cada vez mais o mundo objetivo mediante progresso tecnológico não é característica conspícua do capitalismo, mas especificidade do próprio agir humano que precisa resolver a contradição que possui para com a natureza que o circunda.

Ora bem, Marcuse, Adorno e Horkheimer têm, em comum, uma visão que Feenberg (2013a) chama de substantivista - e que mencionei anteriormente. Isso significa que esses pensadores de Frankfurt compartilham a tese de que, não sendo neutra, a técnica carrega consigo valores substantivos que são, precisamente, históricos e sociais. A questão que diferencia diametralmente as abordagens é que Marcuse, conforme demonstra Habermas (2007), propõe uma crítica que visa superar a relação humano-natureza pautada pela lógica capitalista. Para tanto, a libertação dos oprimidos levá-los-ia a uma visão capaz de também revolucionar a ciência e a tecnologia. Em vez de uma relação instrumental que almeja dominar e explorar, a técnica concebida para além do capitalismo deveria afetar a natureza de modo a potencializá-la, entendendo-a como um sujeito. Habermas (2007) critica Marcuse e, como dito, entende que há um equívoco fundamental: tenta-se transpor uma racionalidade prático-moral para a dimensão objetiva - ou seja, para a natureza. Segundo Feenberg (2013a), a análise habermasiana rejeita a tese de Marcuse, mas redunda numa perspectiva instrumentalista ao afirmar que a técnica, em sua esfera, é neutra. Habermas (2007) até reconhece que a racionalidade instrumental no capitalismo tem um duplo movimento: incrementa as forças produtivas ao passo que serve de base legitimadora para esse modo de produção. No entanto, para a investigação habermasiana o problema não está na ciência e na tecnologia capitalistas, mas sim na “colonização do mundo da vida pelo sistema. O mundo da vida contrai-se enquanto o sistema expande-se, nele adulterando e justificando as dimensões da vida social que deveriam ser linguisticamente mediadas” (Feenberg, 2013a, p. 269).

Compartilha da visão substantivista a proposta analítica heideggeriana. Feenberg (2013a) aproxima Marcuse de Heidegger ao identificar, em ambos os teóricos, uma crítica à racionalidade capitalista que não se encerra em si mesma, mas pretende outra forma de tecnologia que “libertaria o potencial inerente de seus objetos, em harmonia com as necessidades humanas” (p. 279). Em A questão da técnica, Heidegger (2007) se opõe à visão instrumentalista que considera correta, porém, não verdadeira. O filósofo retorna à origem grega da palavra para defender a técnica como um desabrigar. Pontua, entretanto, que o “desabrigar imperante na técnica moderna é um desafiar (Herausfordem) que estabelece, para a natureza, a exigência de fornecer energia suscetível de ser extraída e armazenada como tal” (Heidegger, 2007, p. 52). Nesse sentido, a técnica moderna representa o perigo do ocultamento do ser, mas é no próprio perigo que subsiste a potencialidade da salvação. “Quanto mais nos aproximarmos do perigo, de modo mais claro começarão a brilhar os caminhos para o que salva, mais questionadores seremos. Pois o questionar é a devoção do pensamento” (Heidegger, 2007, p. 396).

O que chamo atenção em Heidegger (2007), e que irei aprofundar mais à frente, é sua retomada das quatro causas de Aristóteles, a saber:

1. a causa materialis, o material, a matéria a partir da qual, por exemplo, uma taça de prata é feita; 2. a causa formalis, a forma, a figura, na qual se instala o material; 3. a causa finalis, o fim, por exemplo, o sacrifício para o qual a taça requerida é determinada segundo matéria e forma; 4. a causa efficiens, o forjador da prata que efetua o efeito, a taça real acabada. Se remetermos o instrumental à causalidade quádrupla, desocultar-se-á o que a técnica é representada como meio. (Heidegger, 2007, p. 377)

A abordagem heideggeriana assevera que a essência da técnica é apreendida no questionamento da causalidade em seu caráter quádruplo, exigindo a problematização de sua própria determinação usual. Somente essa reflexão rigorosa pode levar à noção de um desabrigar que está para além da perspectiva instrumentalista. Mas, na análise que proponho, resgato o que Heidegger (2020) vai chamar de comprometimento. O filósofo emprega a palavra alemã Verschulden que é uma composição linguística com base no substantivo alemão Schuld(culpa). Porém, a tradução de Marco Aurélio Werle opta pela palavra comprometimento, para que o sentido de culpa não seja equivocadamente interpretado na perspectiva moral ou legalista. O Verschulden heideggeriano tem mais que ver com o comprometimento que concorre para a imbricação das quatro causas levando ao ocasionar que, por sua vez, se relaciona ao desabrigar como essência da técnica. Esse desvelamento não é mera consequência de um ato instrumental humano, mas a própria condição e destino de um devir. A essência da técnica, pois, “não está na técnica ocidental, mas na aletheia, no desvelamento, que não é resultado de um agir do homem, mas que se produz no habitar do homem, isto é, em uma complexidade relacional e temporal” (Felice, 2020, p. 26).

Por enquanto, deixo a definição supramencionada em suspenso para poder retornar a ela à frente. Aqui, vale resgatar, ainda, a filosofia crítica de Feenberg (2013b), porquanto o autor propõe uma abordagem para o objeto que supera as contradições e aquilo que considera insuficiências das correntes teóricas que mencionei nos meandros analíticos acima: instrumentalismo, determinismo e substantivismo. Essa teoria defende, em primeira instância, que é necessária uma distinção entre técnica geral e técnica moderna. O artefato tradicional com sua tecnologia pré-moderna se coaduna com as atividades comuns da vida realizadas individualmente ou em pequenos grupos, o que seria o oposto das atividades complexas mediadas pela tecnologia moderna que atinge níveis de automação e sistemas sob controles administrativos diversos (Feenberg, 2013b). A filosofia crítica da tecnologia reconhece, ademais, que a técnica é carregada de valores, concordando, em partes, com o substantivismo (Sousa, 2022). No entanto, Feenberg (2013b) afirma que tais valores são sociais e não se reduzem às abstrações pessimistas feitas por alguns teóricos substantivistas, como Adorno e Horkheimer.

Para a vertente crítica, o desenvolvimento tecnológico é “sobredeterminado tanto por critérios técnicos como sociais de progresso, e pode, portanto, ramificar-se em qualquer uma das várias direções diferentes dependendo da hegemonia prevalecente” (Sousa, 2022, p. 217). Há, inclusive, um caráter dialético na relação entre técnica e instituições sociais, posto que se influenciam reciprocamente. Enquanto objeto também social, a tecnologia demanda a reintegração de valores oprimidos ou bloqueados durante a própria concepção e desenvolvimento tecnológicos (Sousa, 2022). A técnica tem, portanto, um caráter substantivo, pois envolve valores como qualquer outra instituição social. A teoria crítica advoga que tais valores sejam trazidos à baila mediante um construtivismo crítico. Ao reconhecer a necessidade de espaços de discussão pública sobre a ordem sociotécnica, a teoria de Feenberg (2013b) defende a possibilidade de construção democrática doutras configurações técnicas que balizam e moldam a realidade sócio-histórica. Confrontar a racionalidade técnico-instrumental moderna é, assim sendo, tarefa precípua da filosofia crítica da técnica; sem, com isso, enredar-se em análises instrumentalistas, deterministas ou substantivistas que, com frequência, produzem abstrações da realidade que se distanciam da intrincada relação que a tecnologia estabelece com a sociedade.

TECNOLOGIA COMO COMPROMETIMENTO

Resumi diferentes contribuições para a questão da técnica. Perpassei variados autores e suas perspectivas de análise, com vistas a construir o alicerce para outras reflexões. O que precede possibilita-me, agora, a proposição de uma forma de apreender a técnica em sua imanência no que pertine à sua inserção num circuito de trocas e relações de coengendramento que não se esgotam na técnica mesma. Quando Heidegger (2020) propõe a análise das quatro causas de Aristóteles, supramencionadas, sobressai a noção de comprometimento e, assim o sendo, sobrepuja-se a noção instrumental que, até então, se reduzia à mera perspectiva da causa efficiens. As quatro causas, a bem dizer, produzem e evidenciam uma relação de comprometimento, tanto do sujeito que lança mão da técnica, como da materialidade que viabiliza sua agência, da intencionalidade que baliza - mas não determina - a consecução do agir e da forma do objeto sobre o qual a técnica incide.

O Verschulden heideggeriano, como composição linguística baseada no substantivo alemão Schuld que representa culpa, mas que traduzido em forma adaptada para o português implica o referido comprometimento, tem algo de fundamental na apreciação da técnica que proponho. Na acepção da língua portuguesa, compromisso também significa acordo político, pacto e qualquer obrigação social (Houaiss, 2022). Isso significa que a técnica, que também é instrumento - mas não somente isso -, envolve um comprometimento entre o sujeito que dela lança mão e todo o circuito de relações e trocas - simbólicas e materiais - que subjazem ao agir mediado por quaisquer dispositivos tecnológicos. Afetar ou ser afetado por outrem numa relação mediada pela técnica relaciona-se indissociavelmente a um entrelaçamento que é, também e sobretudo, social. Resgato a contribuição de Heidegger, porém, não me limito a gravitar em torno de sua discussão sobre a essencialidade da técnica. O que proponho é a síntese das análises de diferentes teóricos à luz de suas distintas perspectivas de abordagem para o objeto.

Se a técnica é comprometimento, a presença da tecnologia na educação, e isso não é mais novidade, já gera, per se, um compromisso e, portanto, uma série de circuitos e feixes de interações entre sujeitos, instituições, grupos sociais, pesquisas etc. A superioridade moral e a inexorabilidade, que têm que ver com a própria visão ideológica do aparato técnico (Vieira Pinto, 2005), são perversas na medida em que hipostasiam os efeitos e as possibilidades de melhorias que a tecnologia pode trazer para processos educacionais. O discurso romantizado, tecnófilo, propala uma incontornável redenção ao poder absoluto dos dispositivos tecnológicos - especificamente os digitais -, que já operam decisivamente noutras tantas esferas, mas, na educação, ainda encontram resistência ou não são capazes de produzir os efeitos desejados - ou ideologicamente concebidos. A questão central é que, o uso empresarial, à guisa de exemplo, tem outras conotações, bem como implicações diversas, quando comparado ao âmbito educacional. Reitero que a noção de instrumento, hipostasiada à ideia de neutralidade da técnica e sua presença absoluta como algo que está acima e para além dos indivíduos, faz com que o comprometimento seja enfumado, desvanecendo-se em meio aos discursos deterministas.

Escapando à noção instrumental, também rejeito uma acepção substantivista. A busca de uma essência da técnica que a torna tão só instrumento a serviço da empresa humana olvida-se da interdependência que faz dela algo que não existe fora de um contexto que é histórico, mas também social. No entanto, atribuir-lhe um valor intrínseco e uma condição inelutável é ignorar o próprio progresso histórico da técnica que assume variados invólucros e que não pode se confundir, por exemplo, com sua presença e ordenamento modernos que resultam da racionalidade técnica contemporânea potencializada pelos dispositivos tecnológicos digitais mais recentes. Concordo com Vieira Pinto (2005) ao admitir que a técnica, em seu sentido mais amplo, confunde-se com a própria existência humana numa luta por sobrevivência que visa, paulatinamente, imputar ao artefato técnico a responsabilidade pela produção da existência. Imputação que, contudo, não significa retirar a centralidade do ser humano - algo que reconheço ao humanismo. Pelo contrário, a construção de dispositivos técnicos também se relaciona a uma necessidade de sobrevivência, imamente à busca por eficiência e poder.

Porém, colocar a técnica subsumida à concepção de instrumento utilizado num agir racional com relação a fins, para retomarmos Weber (2016), incorre em erro ao negligenciar, quer seja intencionalmente, quer seja por acaso, a própria complexidade da interconexão entre os atores que podem, de um lado, se constituir como os agentes que detêm o poder de uso instrumental; mas, por outro lado, podem ser aqueles subjugados pela ação que domina. Instrumento para quem e a serviço de quem? Essa mesma perspectiva instrumental abstrai das relações humanas o que seria uma suposta essencialidade da técnica, mas que, como tipo ideal, produz uma cisão entre princípio e aplicação (Feenberg, 2013a). Ignora-se o fato de que ao sair do plano abstrato, qualquer aparato tecnológico manifesta-se num jogo intrincado de inter-relações que o situam no tempo e no espaço, sob intenções e determinações sociais - que o enquadram, mas não o limitam em absoluto. “A questão de o quê construir e de como construir nos compromete com julgamentos normativos referentes ao estado factual das coisas” (Feenberg, 2013a, p. 267, grifo meu). Portanto, há, inegavelmente, substância na técnica que está imbuída de valores socialmente produzidos e nela introjetados.

Entretanto, a crítica de Habermas à discussão de Marcuse sobre a técnica atinge precisamente a tentativa, da New Left, de produzir relações entre ser humano e natureza que só poderiam existir no plano da agência humana. Trata-se de análises cingidas pelo plano especulativo e entregues ao romantismo. Essa harmonia fraternal entre seres humanos e natureza é rejeitada, desde a partida, pela discussão de Vieira Pinto (2005). Como dito, o autor advoga que nessa relação há um movimento contraditório intrínseco, só apreensível pela dialética. A técnica constitui-se, pois, como meio que supera, mediante síntese, essa contradição inerente. Entendo que é possível consubstanciar essas contribuições e, pelo mesmo movimento dialético, chegar a uma concepção do objeto que não se restringe à noção instrumental com pretensão de neutralidade, esquivando-se, ainda, da visão substancialista que aquilata a técnica como verdugo que aflige a condição humana moderna e que, essencialmente, se limita à dominação, invariavelmente destruindo aquilo que domina.

Se rejeito a tese substantivista, é porque o comprometimento também significa, precisamente, uma determinada coagulação num contexto histórico-social que nada tem a ver com sua essencialidade. O compromisso que a técnica pressupõe é contingencial, não sendo absoluto. Rejeitar uma essência intocável da técnica é, aliás, opor-se à ideia de que ela representaria, em si mesma, algo de bom ou ruim. Assim como outras instituições sociais, a tecnologia carrega consigo valores que devem ser a ela reconectados. Isso a teoria crítica de Feenberg (2013b) nos ajuda a constatar ao mesmo tempo em que evidenciamos a necessidade de consolidação e ampliação dos espaços públicos que, colocando em suspenso os projetos técnico-sociais que sobre nós pesam como gaiolas de aço - para retomarmos o conceito de tecnificação da vida em Weber (2013) -, nos permitam uma reflexão sobre a possibilidade de reconstrução das rotas, significados e valores que moldam a relação de compromisso que estabelecemos com a técnica - e que esta também estabelece conosco.

Reforço o argumento retomando, a partir de Benakouche (1999), estudos sobre o que podemos chamar, ainda, de sociologia da técnica, ou sociotécnica, que se configuram e começam a ganhar espaço sobretudo no final da década de 1990 e início dos anos 2000. Rejeitando a metáfora do “impacto tecnológico”, considerada até então determinista, diferentes autores vão propor alternativas para a superação de dicotomias contraproducentes. Tecnologia como sistema, como construção social e como rede são, conforme Benakouche (1999), perspectivas sociológicas que, cada qual à sua maneira, passam a evidenciar, na virada do século, a imbricação entre sociedade e dispositivos técnicos e tecnológicos. Sobrepujam, pois, a visão equivocada de separação e, por consequência, relação unidirecional de causa e efeito. Na medida em que a tecnologia é vista não como um agente externo, que afeta o social, mas sim como produto mesmo da sociedade, entende-se que não há como “abrir a caixa preta da técnica”, utilizando as palavras de Benakouche (1999), sem incluir, em quaisquer análises de cunho sociológico - e entendo que também de cunho filosófico -, os conflitos, os interesses de grupos antagônicos, as negociações, os poderes e outros elementos próprios da complexidade daquilo que é intrinsecamente social.

A Teoria Ator-Rede (TAR) que tem, como um de seus expoentes, Bruno Latour, é sintomática ao, superando as dicotomias, perscrutar a técnica numa equalização entre atores humanos e não-humanos que fazem parte de uma intrincada rede cujos membros, sem exceção, performam e concorrem para a construção das distintas figurações. É relevante a abordagem defendida por Latour (2012) - que, diga-se de passagem, foi bastante criticada - ao reconhecer a imbricação entre tecnologia e sociedade. Mais do que isso, o autor propõe que a cisão, historicamente criada na sociologia, entre seres que agem - humanos dotados de consciência - e dispositivos técnicos - que são utilizados como meios na ação - obnubila parte fundamental da constituição de redes. O social, em Latour (2012), é visto como processo de arranjos e rearranjos que conectam sempre atores humanos e não-humanos.

Aqui, preciso pontuar que não me alinho à TAR, porquanto tenho uma visão específica para o objeto que, em muitos sentidos, não se coaduna com essa corrente epistemológica. Retomo considerações trazidas por Latour (2012) e Benakouche (1999) apenas para título de contextualização. Seja como for, concordo que sociedade e tecnologia não estão separadas, e jamais poderão ser analisadas, em profundidade, se forem estabelecidas cisões contraproducentes. Se a educação é, especificamente, prática social, quaisquer abordagens que se rendam à perspectiva de causalidade tendem à ineficácia ou à apreensão parcial do objeto. Mais do que imanentes, tecnologia e sociedade estão comprometidas. Esse é o meu argumento central, que defenderei nestas páginas. Antes disso, é mister percorrer outros meandros com vistas a situar-me no campo.

Por não ter se desviado do eixo central analítico de sua pedagogia crítica, Freire (2013), ainda que compartilhe de uma dada visão instrumental, não negligencia o fator político que está por detrás de todo empreendimento técnico. Deixa isso evidente ao discutir sobre a alfabetização na televisão e reconhecer que os próprios meios de comunicação de massa possuem intencionalidade política, uma vez que decidem o que, o como e o quando as informações serão comunicadas (Freire, 2000). Pois a tese da técnica como comprometimento implica reconhecer que, nesse jogo intrincado de inter-relações, a tecnologia não é mero instrumento a serviço da empresa humana, porém, não paira sobre a sociedade como agente suprassensível. O projeto técnico-científico da modernidade com sua racionalidade como base legitimadora do próprio capitalismo (Habermas, 2007) determinam a presença e a subsistência1 da tecnologia numa forma coagulada que não é universal, nem tampouco necessária. Estamos comprometidos com um modelo e um formato de sociedade que se apresentam como cabais. Mas isso é um engodo, na medida em que o comprometimento implica reconhecer nossa sujeição à tecnificação imposta pela vida moderna, porém, concomitantemente desvela a relação inversa, qual seja, o compromisso que qualquer empreendimento técnico tem conosco e, num nível macrossociológico, com a sociedade da qual fazemos parte. A técnica como comprometimento, ao reconhecer isso que chamo de compromisso, exige uma reflexão rigorosa para lançar luzes sobre a rede de conexões que geram essa interdependência que não pode ser apreendida em sua totalidade sob olhares parciais como aqueles propostos pelo instrumentalismo, pelo substantivismo ou pelo determinismo. Além disso, essa reflexão, que faz o compromisso emergir à nossa frente, não pressupõe outra técnica ou outra tecnologia capazes de estabelecer relação fraternal para com a natureza. Refletir sobre o comprometimento é, reconhecendo a importância da filosofia crítica de Feenberg (2013b), evidenciar que outros projetos técnico-sociais são possíveis, e que os enquadramentos proporcionados pela tecnologia podem ser reconstruídos, revistos ou ressignificados.

O COMPROMISSO ENTRE TECNOLOGIA E EDUCAçÃO: EM BUSCA DE NOVAS COMPREENSÕES

Antes de mais, é importante enfatizar que ensaiei discussões epistemológicas a respeito da relação entre técnica e educação alhures. Utilizando contribuições da pedagogia crítica de Paulo Freire, propus alguns fundamentos para se pensar a pesquisa na área. Com efeito, tais elucubrações eram ainda incipientes à época. De qualquer modo, geraram eixos norteadores para investigações que enfocam tecnologias digitais em suas relações com o âmbito educacional. Propus que os estudos na área, quando apoiados numa pedagogia crítica freiriana, devem partir dos pilares: desvelar o caráter político inerente às tecnologias digitais e seu uso (quem as usa a favor de que, de quem e para quê); usar as tecnologias digitais para promover autonomia e diálogo; conciliar educação técnica/instrumental com a necessária educação crítica e política; posicionar-se a favor de uma educação libertadora (Veloso, 2020).

Anteriormente, afirmei que nos momentos esparsos de sua obra em que Paulo Freire discute sobre as tecnologias, percebe-se um alinhamento à perspectiva instrumental, ao advogar neutralidade da técnica. O que não causa estranhamento, dadas as trocas intelectuais que estabeleceu com Vieira Pinto. De todo modo, acredito que, justamente por não ter aprofundado no debate e, assim, não ter deslocado o eixo central de sua pedagogia crítica, Freire não ignorou a importância do ato de desvelar intenções políticas subjacentes à própria educação e, é claro, às próprias tecnologias. Se os processos educacionais não são neutros, mas sim políticos, há que se considerar essa dimensão também no âmbito técnico, muito embora a pedagogia freiriana não se debruce exaustivamente sobre esse debate. Exatamente devido à criticidade freiriana, não ignorei, no ensaio que escrevi em Veloso (2020), os valores que estão em certo sentido enquistados nos dispositivos técnicos, conquanto, à época, não tenha feito uma análise mais consciente e madura quanto a isso.

Mas ao recuperar excertos de Paulo Freire que debatiam a tecnologia numa orientação notadamente instrumental, quer dizer, neutra, caminhei num meio-termo entre instrumentalismo e substantivismo, propondo vislumbres de uma teoria crítica sem o fazer em profundidade. Com a noção de comprometimento que agora defendo, avanço na discussão e procuro conciliar, com mais maturidade e aprofundamento, as diferentes vertentes analíticas sobre a filosofia da técnica com vistas a culminar numa síntese que, resgatando outros teóricos, não deixará de trazer sua originalidade. Alinho-me, dessa forma, à perspectiva crítica de Feenberg (2013b), ainda que siga outros caminhos para tanto.

Dito isso, a discussão que apresentei acima, definindo tecnologia à luz de uma ideia de comprometimento, permite-me, doravante, evidenciar que a interseção entre tecnologia e educação já pressupõe, entre ambas, um compromisso. Pensar a presença da técnica em âmbito educacional é, já o disse, um empreendimento consideravelmente dissímil se comparado à presença da técnica no setor privado e empresarial, por exemplo. A tecnificação da vida, que foi analisada também por Weber (2013), impõe-se sobre todos nós, sujeitos que existem e subsistem no capitalismo. Entretanto, negligenciar que a inserção da técnica em âmbito educacional envolve especificidades que não se coadunam - ou não deveriam se coadunar - com a sua presença noutros setores regidos fortemente pela lógica capitalista de eficiência e poder é banalizar o debate. Lembremos que a própria noção de eficiência, que seria imanente à tecnologia em qualquer que seja a conjuntura, também é problematizada pela teoria crítica (Feenberg, 2013b). Ser eficiente é - ou deve ser - exatamente a mesma coisa em contextos destoantes como a educação e a empresa capitalista privada? Há que se considerar que o capitalismo impinge às mais diversas esferas a sua base legitimadora calcada numa forma bem específica de concepção de progresso. Porém, o desvelar do comprometimento tem que ver com a peculiaridade das interações que podem se estabelecer na técnica quando esta incide sobre o âmbito educacional que tem, é inegável, suas características conspícuas.

Concordando que há um comprometimento entre tecnologia e educação, proponho que a pesquisa da presença da técnica em contextos educacionais escolarizados precisa considerar três dimensões, a saber: micro, meso e macro. Tanto mais o artefato técnico cinge-se por uma dimensão micro quanto mais o docente que dele se utiliza possui maior controle e uma relação mais marcadamente instrumental. Ao contrário, a passagem para o nível macro subtrai à ação docente sua característica teleológica, uma vez que o professor se encontra mais como sujeito no sentido de sujeitar-se a uma dimensão macrossociológica e, portanto, estrutural. Vejamos alguns exemplos para elucidar o que afirmo. O Projeto Político Pedagógico (PPP) de uma instituição pode definir alguma forma de apreensão e uso da tecnologia que, estando num nível meso, não se encontra amplamente à mercê da ação instrumental docente na sala de aula, tendo em vista que o trabalho do professor deve estar amparado por esse documento e não o contrário. As políticas públicas, como a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) (Brasil, 1996) e, mais recentemente, a Base Nacional Comum curricular (BNCC) (Brasil, 2018), situando-se em nível macro, distanciam-se da capacidade de agência de um indivíduo, moldando, na acepção que Feenberg (2013b) dá à palavra, a ação das instituições escolares e, em último caso, a ação da docência.

Outros exemplos que caminham nesse sentido poderiam ser arrolados. Conforme Kenski (2012), a escolha de uma tecnologia transmuta a natureza do processo educacional e a comunicação entre os envolvidos. Numa perspectiva micro, tal escolha estaria mais vinculada às intenções e aos interesses do docente que determina e baliza as circunstâncias e os artefatos tecnológicos de sua sala de aula. Tanto mais as mudanças ultrapassam o agir racionalmente orientado do professor quanto mais a presença da tecnologia se encontra subsumida às perspectivas que chamo de meso e macro. O que não invalida, obviamente, a capacidade de alteração do processo educacional e de comunicação a partir da presença de um dispositivo técnico. Considero que essas categorias, muito embora possibilitem um instrumental analítico para melhor compreensão das relações entre educação e tecnologias, não são estanques. Como fenômeno humano, a prática educativa, que é sempre social, encontra-se enredada em interseções complexas, de maneira que micro, meso e macro se justapõem. Até porque mudanças a nível estrutural, que transcendam o caráter instrumental, exigem, como Kenski (2012) analisa, sobrepujar o mero uso enquanto recurso didático. O compromisso que aqui nomeio desemboca numa imbricação entre atores humanos e não-humanos - o que reconheço como crucial a partir de olhares trazidos pela TAR discutida por Latour (2012). E nessa complexa rede de interconexões, as categorias não ignoram as teias que interligam seres humanos e artefatos técnicos. Na verdade, a proposta de investigação a partir das perspectivas micro, meso e macro serve tão somente à tentativa de aclarar e melhor compreender as dinâmicas que perpassam as relações entre tecnologias e educação.

Ademais, a análise crítica que construo não se reduz a uma relação unidirecional entre quem afeta e quem é afetado. A reciprocidade é a regra, uma vez que o comprometimento é dialético e todos aqueles que estão comprometidos têm, em maior ou menor grau, capacidade de influência nesse circuito de trocas e interações tanto simbólicas como materiais. Todavia, não se pode ignorar a diminuição do poder de agência e influência que há na passagem do nível micro ao macro. Um professor de uma dada escola que atua numa específica sala de aula não terá nenhuma chance real de, sozinho, alterar, por exemplo, um documento como a BNCC. Só que a ideia de compromisso permite a esse docente evidenciar que ele tanto afeta como é afetado pelas relações estabelecidas. E nesse processo, sempre existe certo poder de decisão que resulta de um sentido subjetivo atribuído ao agir. Para exemplificar, o professor pode desviar sua conduta na sala de aula, tanto quanto for possível, com relação àquilo que é institucionalmente definido. Mas o comprometimento não deixa de existir, e a clareza disso deve conduzir à percepção de que o agir docente, entrelaçado num complexo de interações e num circuito de trocas, é sempre um ato político. Porque responde de uma determinada forma àquela influência que o antecede, mas também afeta aqueles que serão comprometidos pela agência mesma, fazendo emergir visões e recortes de mundo.

Vejamos outro exemplo elucidativo. Dada instituição pode decidir por acolher uma “solução tecnológica” vendida por uma dessas grandes empresas que, sabemos, têm mostrado amplo interesse privatista no tocante à educação básica. As imposições vindas de cima para baixo afetam o professor em sala de aula que, sobretudo numa escola privada, acaba cedendo à “solução” apresentada pela direção com a promessa de melhorar os processos de ensino-aprendizagem. As ordens que o afetam, e que em alguma medida ele acabará cumprindo visando manter o seu cargo, não invalidam as interferências que preenchem as lacunas entre o estímulo e a resposta; entre a influência e o efetivo agir socialmente orientado. Esse desvio, típico da peculiaridade humana - cujas interações são simbolicamente mediadas (Blumer & Reis, 2018) -, pode ser assumido pelo docente que, entendendo o compromisso que o abarca, não deixará de afetar os outros sobre os quais seu trabalho incide - os alunos, especialmente -, ao passo que também não deixará de afetar quem o afeta - no caso a direção e a escola que determinaram a adoção da referida “solução tecnológica”. Perspectivas macro, meso e micro não podem ser, portanto, isoladas. São importantes instrumentos analíticos que retiram da penumbra parte fundante da complexidade do agir humano. Mas, concomitantemente, reafirmam que, no que compete à educação enquanto prática social, professores, gestores, alunos, tecnologias e outros atores fazem parte de uma rede de interseções que os comprometem em alguma medida. Reconhecer e assumir isso, trazendo essa concepção para o âmbito do racional e do político, possibilita-nos compreender que nós, profissionais da educação, somos os agentes fundamentais para construir “culturas escolares mais inclusivas, criativas e democráticas, assim como para explorar o potencial das tecnologias digitais de informação e comunicação, a partir da perspectiva reflexiva, crítica e autoral” (Candau, 2022, p. 11).

Atualmente, com mais maturidade teórica, rejeito a vertente instrumentalista por entender que a tecnologia não é neutra. Ora bem, a criação de qualquer dispositivo técnico introjeta nele uma inclinação às suas finalidades possíveis. Pensando-se em educação, uma dada tecnologia, por estar balizada pelos valores nela inseridos devido à sua inclinação, pode se mostrar altamente eficaz para um uso e ineficaz para outro. O que não exclui, decerto, a capacidade humana de ressignificar a técnica. No entanto, esse processo de ressignificação exige um esforço que envolve assumir a tecnologia também como comprometimento. O simples fato de um dispositivo técnico demandar a reconstrução de significados para que tenha aplicabilidade noutros contextos ou situações evidencia que a tecnologia carrega valores que, mesmo não sendo universais e necessários, não deixam de existir, porquanto precisamos ressignificá-los para remoldar a própria relação de compromisso até então estabelecida.

Reconhecer o conteúdo valorativo e as inclinações que perfazem a tecnologia em sua aplicação numa realidade histórico-social, estando com esta comprometida, não significa, porém, que eu esteja em total acordo com o substantivismo. A teoria crítica de Feenberg (2013b) é esclarecedora nesse ponto, porque “concorda com o instrumentalismo que a tecnologia é controlável em algum sentido, [mas] também concorda com o substantivismo que a tecnologia está carregada de valores” (p. 62, grifo do autor). O comprometimento no qual se encontra um professor que lança mão de quaisquer artefatos técnicos na sala de aula compreende tanto enquadramentos - ou molduras, para usar a expressão de Feenberg (2013b) - que circunscrevem e engendram um conjunto finito de possibilidades de ação, como também enquadramentos que o próprio docente irá forjar na medida em que seu agir incide sobre seus alunos. Por isso é que a noção de instrumento é correta - e isso Heidegger (2007), inclusive, reconhece. Na dimensão micro, com maior poder de agência sobre o dispositivo tecnológico, o professor utiliza-o como meio que irá afetar e, assim sendo, comprometer seus discentes que farão parte do circuito de relações e trocas promovidas pela ação técnica. O educador que incide sobre seus educandos mediante um artefato que medeia a interação está engendrando molduras que balizam as respostas dos próprios discentes. Desvelar o comprometimento que permeia o uso da técnica é assumir a responsabilidade pelo compromisso que se estabelece. Nem sujeito onipotente que define de maneira cabal o uso e as implicações da técnica e da tecnologia na educação; nem tampouco indivíduo à mercê de forças suprassensíveis que inevitavelmente o oprimem. O professor, tal como seus alunos, é mais um componente desse feixe de interações simbólicas e materiais que compromete os que estão envolvidos. A clareza no tocante ao comprometimento é condição precípua para viabilizar a atitude que chamo de assumir o compromisso. Mesmo que eu esteja partindo de outras reflexões, concordo com Heidegger (2020) quando o filósofo afirma que na técnica há tanto o perigo como a salvação.

Em primeira instância, assumir o compromisso implica o reconhecimento de que não há dimensão crítica para com o uso de recursos tecnológicos que prescinda de relações sociais - quer dizer, relações comprometedoras, no sentido que imprimimos à palavra. Conforme Mill e Jorge (2013, p. 51) para que seja possível “fazer uso ‘adequado’ das tecnologias digitais, por exemplo, seria necessário que o sujeito pensante passasse a se relacionar com tais artefatos e, dessa forma, desenvolvesse gradativamente as estruturas cognitivas necessárias ao uso social dessas tecnologias”. Nessa ótica, assumir o compromisso é, antes de mais, incluir-se nas dinâmicas estabelecidas a partir da interseção entre educação e tecnologias. É não apenas reconhecer a teia da qual se faz parte, mas, especialmente, nela incluir-se assumidamente, reconhecendo que a apreensão crítica da realidade depende integralmente do ato de experienciar o comprometimento. Estar comprometido é condição sine qua non para assumir o compromisso, posto que a apropriação das tecnologias em âmbito educacional é fruto da experiência humana envolvida nas relações que nos comprometem e de nós exigem uma postura crítica e ativa.

Assumir o compromisso, como possibilidade que redunda do ato de reconhecer o comprometimento, implica, ainda, conscientemente refletir sobre aqueles que serão afetados pela ação técnica, mas também problematizar todos os enquadramentos que antecedem a materialização do agir na sala de aula e que cingem o trabalho docente dentro e fora da instituição escolar. Mais uma vez recorro à teoria crítica de Feenberg (2013b), e propugno que as relações entre educação e tecnologias não devem negligenciar os espaços democráticos de discussão e debate entre aqueles que estão comprometidos. Isso é importante nas três dimensões mencionadas anteriormente, quer dizer, nos níveis micro, meso e macro. Para exemplificar, o professor, ao assumir o compromisso, abre-se ao diálogo para com seus educandos, para que estes tenham participação ativa na seleção, elaboração e aplicação das propostas pedagógicas imbuídas de tecnologias que irão afetá-los na sala de aula - ou, a bem dizer, comprometê-los. Outrossim, discentes e docentes devem participar ativamente de espaços democráticos de debate sobre decisões, projetos e, consequentemente, rumos que tanto a inovação tecnológica como a sua inserção na educação irão tomar, posto que todos fazem parte do circuito de trocas e interações, estando comprometidos.

De acordo com a teoria crítica, os valores incorporados à tecnologia são socialmente específicos e não são representados adequadamente por tais abstrações como a eficiência ou o controle. A tecnologia não molda apenas um, mas muitos possíveis modos de vida, cada um dos quais reflete escolhas distintas de objetivos e extensões diferentes da mediação tecnológica. A palavra moldar é usada propositadamente. Todos os quadros em um museu têm molduras, mas não é por essa razão que ali estão. As molduras são limites e contêm o que está dentro delas. De modo semelhante, a eficiência molda todas as possibilidades da tecnologia, mas não determina os valores percebidos dentro daquela moldura. (Feenberg, 2013b, p. 62)

Portanto, o comprometimento é uma realidade que sobre nós se impõe, e o perigo reside no seu ocultamento. A chegada das inovações tecnológicas à educação tem se dado, especialmente após a virada do século, por vias empresariais e escusas, que almejam propor soluções milagrosas para os problemas educacionais. A título de exemplificação, conforme Candau (2022), institutos, laboratórios, fundações e outros vêm, mais recentemente, desenvolvendo produtos - como um “ensino híbrido”2 - que, vendidos às escolas públicas, contribuem para a privatização e transformam docentes em “executores de propostas concebidas por equipes técnicas” (p. 7). Guiada pelos ideais de eficiência e poder, que passam a figurar também nos espaços escolares, a tecnologia presta o papel de base legitimadora que obnubila o comprometimento que permeia as relações técnicas.

(...) Tudo indica que o trabalho científico e técnico, como um caminho metódico seguro, torna-se invisível em decorrência de seu próprio êxito. Quando uma máquina funciona bem, quando um fato é estabelecido, basta-nos enfatizar sua alimentação e produção, deixando de lado sua complexidade interna. Assim, paradoxalmente, quanto mais a ciência e a tecnologia obtêm sucesso, mais as pessoas se tornam reféns desses meios, tornando opacas e obscuras as relações entre as tecnologias e o pensar. (Conte & Martini, 2015, p. 1198)

Em decorrência disso, assiste-se a uma derrocada dos espaços públicos que cedem cada vez mais à iniciativa privada guiada pelos ditames da eficiência e do poder dentro de uma lógica capitalista. A técnica não é uma entidade que nos oprime, alheia à ação humana e invariavelmente boa ou ruim. Mas também não é um instrumento neutro que adentra as escolas e fica à mercê da boa vontade dos professores. A relação entre técnica e educação é comprometedora, porque sempre existe dentro de um contexto histórico-social delimitado; é, aliás, uma relação posta em evidência - ou que emerge - pelo feixe de interações estabelecidas entre atores, dispositivos, instituições etc. Nessa ótica, todos nós, educadores e profissionais da educação, estamos comprometidos, pois fazemos parte dessa relação, quer seja como agentes que afetam, quer seja como sujeitos afetados. É precisamente no ato de desvelar esse comprometimento que reside a potencialidade de assumir o compromisso. “As escolhas estão abertas para nós e situadas em nível mais alto que o instrumental (...). A teoria crítica da tecnologia abre a possibilidade de pensar em tais escolhas e de submetê-las a controles mais democráticos” (Feenberg, 2013b, p. 63). Outrora propus questionamentos apoiados na teoria de Paulo Freire: tecnologia para quê? Para quem? A favor de quê? A favor de quem? (Veloso, 2020). Com a atualização no debate, apresento outros questionamentos que se somam aos anteriores: Que tipo de educação queremos? Qual o papel da tecnologia na educação que queremos? E como podemos, efetivamente, construir essa educação?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com este ensaio, busquei atualizar um debate que já venho cerzindo há alguns anos. Retomando diferentes autores e, sobretudo, a análise da filosofia da tecnologia proposta por Feenberg, fiz uma incursão pelas vertentes: instrumentalismo, determinismo e substantivismo. Abordei, também, discussões brasileiras, como as de Vieira Pinto e Paulo Freire. Com base nas inter-relações que propus, cheguei, posteriormente, à apresentação da teoria crítica de Feenberg, demonstrando-a como uma síntese das demais. Ao mesmo tempo, construí os alicerces que me possibilitariam, mais à frente, propor a noção de comprometimento para a análise da tecnologia. Retomei, assim, o debate de Heidegger e as quatro causas de Aristóteles, atendo-me àquilo que o autor observa como compromisso na relação de causalidade. Mesmo que tenha estruturado uma base heideggeriana para o conceito de comprometimento, procurei evidenciar que minha análise não se reduz ao substantivismo nem tampouco está circunscrita pela discussão sobre a essência da técnica que Heidegger faz.

Com a construção do arcabouço teórico, parti para uma investigação que, apoiada noutras reflexões, não deixou de se pretender original, posto que trouxe uma abordagem própria para o objeto. Sendo assim, afirmei que a técnica e, notadamente, a relação que ela estabelece num circuito de trocas - materiais e simbólicas - dentro de um contexto histórico-social é nada mais que um comprometimento. E isso possibilita evidenciar que a interseção entre educação e tecnologias é, portanto, um compromisso. Apresentei, a partir dessa abordagem, as dimensões micro, meso e macro. Falei sobre a possibilidade de agência do professor como sujeito que é afetado, mas que também afeta nas relações que estabelece com os outros - sendo estes especialmente os alunos. Cheguei, por fim, ao conceito de assumir o compromisso, como ato de desvelar a salvação que reside no próprio perigo que a técnica representa. Esse ato está enredado na luta pela construção e manutenção de espaços democráticos de debate que permitam (re)construir projetos de tecnologia para além daqueles que nos são entregues e que, sobre nós, pesam como gaiolas ou jaulas de aço.

Ora bem, compreendo que é no ato de assumir o compromisso que podemos aclarar as relações entre, de um lado, os dispositivos tecnológicos e, de outro, o âmbito educacional. Para além de uma apreensão a partir de categorias analíticas como as que propus, o reconhecimento de que tecnologia e sociedade não são independentes, nem tampouco antagônicas, permite-nos perfilhar que qualquer projeto sociotécnico não paira sobre nós como um ser suprassensível que nos subjuga. É verdade que os artefatos não estão à mercê exclusivamente de nossa vontade, como instrumentos neutros. Ao mesmo tempo, não estão alheios às relações e condições histórico-sociais. Ao fim e ao cabo, somos nós, seres humanos e, especialmente, profissionais da educação que, coletivamente, necessitamos assumir o compromisso para que a presença da tecnologia na educação seja assumida à luz daquilo que defendemos politicamente.

Para encerrar o ensaio, reconheço que as proposições ora empreendidas são ainda iniciais e, certamente, não esgotam as categorias analíticas de uma técnica enquanto comprometimento. É preciso, para além do que está nestas páginas, aprofundar o debate e verificar as possibilidades reais de uma retomada dos valores inerentes à tecnologia, o que só então possibilitará discussões sóbrias sobre alternativas de projetos técnicos e, por conseguinte, de molduras possíveis que balizam nossas vidas. Mais especificamente, considero que é no ato de assumir o compromisso que reside o potencial do debate sobre que tipo de educação queremos, o que inclui diatribes sobre qual a relação almejada com a técnica. Convido, pois, outros pesquisadores e pesquisadoras para que se somem à análise e, com isso, possamos pensar em espaços democráticos para construção coletiva dos projetos educacionais que pretendemos para o futuro permeado pelas tecnologias digitais.

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1Uso a palavra subsistência em consonância com a acepção heideggeriana, que implica um subsistir, isto é, situar-se num local delimitado disposto entre um conjunto de entes que o circunscrevem

2Coloco entre aspas, porquanto tais propostas de ensino híbrido criticadas por Candau (2022) distanciam-se sobejamente de uma educação híbrida enquanto tendência histórica, algo que propus noutro momento (Veloso et al., 2023). O que chamo de tendência histórica tem que ver com um conjunto de condições materiais que tendem a conduzir a processos de maior compreensão da realidade hibridizada. Isso não exclui, de forma alguma, a capacidade de agência e, desse modo, a necessidade de espaços públicos para discutir o próprio futuro e os projetos de educação híbrida

Recebido: 27 de Janeiro de 2023; Aceito: 04 de Julho de 2023

Braian Veloso: Professor no Departamento de Gestão Educacional, Teorias e Práticas de Ensino (DPE) da Universidade Federal de Lavras (UFLA). Docente permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da mesma Universidade (PPGE-UFLA). Mestre e doutor em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (PPGE-UFSCar). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Inovação em Educação, Tecnologias e Linguagens (Grupo Horizonte-UFSCar). Recentemente, suas pesquisas versam sobre a intersecção entre educação e tecnologias e, ainda, sobre o trabalho na contemporaneidade. E-mail: braian.veloso@ufla.br Morada: Universidade Federal de Lavras (UFLA). Trevo Rotatório Professor Edmir Sá Santos, s/n. CEP: 37203-202. Lavras/MG, Brasil

a Universidade Federal de Lavras (UFLA). Trevo Rotatório Professor Edmir Sá Santos, s/n. CEP: 37203-202. Lavras/MG, Brasil

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