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Sisyphus - Journal of Education

versão impressa ISSN 2182-8474versão On-line ISSN 2182-9640

Sisyphus vol.11 no.3 Lisboa fev. 2024  Epub 18-Fev-2024

https://doi.org/10.25749/10.25749/sis.33458 

Introdução

Abordagens Críticas em Tecnologia Educativa: questionamentos necessários

Critical Approaches in Educational Technology: necessary interrogations

Enfoques Críticos en Tecnología Educativa: cuestionamientos necesarios

Marina Bazzo de Espíndolai  ii 
http://orcid.org/0000-0003-3039-5528

Mariona Granéiii 
http://orcid.org/0000-0002-1435-0664

iGrupo Rede de Pesquisa Currículo e Tecnologia (REPERCUTE) , Brasil

iiPrograma de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica (PPGECT), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil

iiiGrupo de pesquisa LMI, Learning, Media and social Interactions, Facultat d'Educació, Universitat de Barcelona, España


Resumo

Este monográfico tem como objetivo reunir produções do campo de pesquisa em educação e tecnologias desde uma perspectiva crítica, com o objetivo de aprofundar nosso entendimento sobre as implicações e possibilidades das TDIC no e para o contexto educativo. Está composto por 9 artigos sobre a relação educação e TDIC que exploram: a formação de professores no sentido de superar a mera instrumentalidade das tecnologias, discutindo possibilidades crítico-reflexivas, a formação plena de estudantes diante dos desafios da contemporaneidade, como estes desafios impactam os currículos escolares e a necessidade de discutir o que e para que ensinar em relação às tecnologias digitais; e por fim discutem as próprias tecnologias educativas e o seu desenvolvimento a partir da perspectiva crítica.

Palavras-chave: tecnologia educacional; teoria crítica da tecnologia; formação de professores; cultura digital; TIC

Abstract

This monograph has the objective to collect productions from the field of research in education and technologies from a critical perspective, with the aim of deepening our understanding of the implications and possibilities of ICT in and for the educational context. It is composed by 9 articles about the Education-ICT relationship that explore: teacher training in order to overcome the mere instrumentality of technologies, discussing critical-reflexive possibilities, the full education of students in the face of contemporary challenges, how these challenges impact on school curricula and how we need to discuss what and why to teach in relation to digital technologies; and finally they discuss educational technologies themselves and their development from a critical perspective.

Keywords: educational technology; critical theory of technology; teacher training; digital culture; ICT

Resumen

Este monográfico se propone reunir producciones del campo de la investigación en educación y tecnologías desde una perspectiva crítica, con el objetivo de profundizar en la comprensión de las implicaciones y posibilidades de las tecnologías digitales en y para los contextos educativos. Se compone de 9 artículos que tratan la relación entre educación y tecnologías digitales y exploran: la formación del profesorado para superar la mera instrumentalidad de las tecnologías, discutiendo las posibilidades crítico-reflexivas, la formación plena de los estudiantes ante los retos contemporáneos, cómo estos retos impactan en los currículos escolares y cómo necesitamos discutir qué y por qué enseñar en relación a las tecnologías digitales; finalmente, se discuten las propias tecnologías educativas y su desarrollo desde una perspectiva crítica.

Palabras clave: tecnología educativa; teoría crítica de la tecnología; formación del profesorado; cultura digital; tecnologías digitales

As tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) estão no centro dos debates e políticas educacionais contemporâneos. Diante de seu desenvolvimento e das potencialidades pedagógicas sugeridas pelos pesquisadores das áreas da educação e da tecnologia, não tardou para grupos de pesquisa, instituições governamentais, e empresas da educação criarem softwares e conteúdos digitais educacionais, depositando grande expectativa na sua inserção nos espaços educativos. Com o aprimoramento de seus recursos de interação e espaços sociais, as TDIC apontaram também como grande promessa para promover espaços educacionais colaborativos, para a expressão da diversidade e para a participação cidadã.

Adentrando a terceira década do século XXI, as ilusões entusiásticas com as TDIC na educação e na sociedade, aos poucos, dão lugar a uma visão menos ingênua, reconhecendo que as promessas de abertura, democratização e participação cidadã nem sempre se concretizaram. Ao invés disso, testemunhamos uma crescente colonização da internet como espaço de consumo, de desinformação, de difusão de discursos excludentes, racistas, xenofóbicos. Consolida-se, também, como um espaço de promoção de políticas neoliberais e de estruturação de um novo tipo de capitalismo (Buckingham, 2020). No que se refere especificamente às escolas e universidades, as TDIC muitas vezes estão vinculadas à entrada de soluções empresariais com propostas de massificação do ensino e de controle do trabalho docente. A partir dessa contradição, as TDIC configuram-se como novas temáticas e conteúdos que são fundamentais para se entender e transformar os contextos atuais.

A relação Tecnologia e Educação é historicamente marcada pela polarização de visões: tecnofílicos X tecnofóbicos. Adentrando um pouco nas concepções orientadoras dos trabalhos acadêmicos do campo da tecnologia educacional, podemos perceber que as abordagens predominantes, tecnofílicas e entusiastas, da grande maioria dos trabalhos, associam-se com uma visão instrumental da tecnologia, relacionando diretamente as TDIC com os valores de eficácia e progresso num alinhamento com as perspectivas neoliberais. Outro importante corpo de trabalhos identifica-se com uma visão mais pessimista, vinculada com uma abordagem mais substantivista da tecnologia, produzindo uma resistência total às tecnologias digitais.

Autores como Feenberg (2002, 2013, 2018) e Selwyn (2011, 2014), entre outros que vêm somando vozes a esta perspectiva, convidam-nos a traçar uma terceira via: a crítica. Uma abordagem que não demonize nem endeuse as tecnologias, que reconheça que estes artefatos e processos não são neutros, possuem valores e intencionalidades, mas que também reconheça a possibilidade de controle humano acerca de seu desenvolvimento e de uso na sociedade atual.

A perspectiva crítica requer repensarmos o enfoque e, sobretudo, o papel das pesquisas do campo da educação na sua relação com as tecnologias. A pesquisa educacional tem um papel fundamental na análise desta conjuntura, na denúncia das implicações das TDIC no contexto educativo e no anúncio das tecnologias que precisamos e queremos na educação. Assim, quais são hoje as perguntas necessárias para a pesquisa em tecnologia educativa? Como podemos analisar as problemáticas da tecnologia para os processos de ensino e de aprendizagem? De que maneira conseguiremos centrar a pesquisa na pedagogia, mais do que na tecnologia? Quais são as perspectivas que devemos abordar diante das problemáticas cotidianas dos meios na educação? Que implicações e possibilidades a inserção das TDIC nos processos educativos trazem para as metodologias de pesquisa em educação? Como as pesquisas em tecnologia educativa podem fundamentar novas políticas que contribuam para a melhoria do sistema educacional?

Diante do aumento da complexidade do fenômeno tecnológico e sua capilaridade na sociedade, é cada vez mais necessário problematizar e desnaturalizar as tecnologias desde o campo educacional: Que tecnologias são essas? Que valores educativos carregam? Quais ideologias promovem? Este cenário gera implicações diretas para os currículos e para pensarmos o papel da educação. Quais conhecimentos são necessários para a formação de sujeitos emancipados na contemporaneidade? Como se relacionam com os diferentes componentes curriculares e/ou áreas de conhecimento? Como preparar sujeitos críticos e habilidosos para o mundo atual?

Outro aspecto fundamental que as abordagens críticas da tecnologia nos convidam a refletir é sobre os processos de desenvolvimento da tecnologia educativa. Quem as desenvolve? Com que intencionalidades? Hoje, mais do que nunca, é nossa responsabilidade uma aproximação sócio-crítica aos desenhos, processos, atividades, entornos, sistemas, conteúdos e ferramentas que usamos nos cenários educativos. É de fundamental importância, neste processo, manter no horizonte os objetivos da educação (descolados dos interesses de provedores tecnológicos ou de corporações transnacionais diversas), considerando os fatores sociais, culturais, ideológicos e econômicos, junto com a realidade contextual sócio-técnica. Diante disso, como pensar em processos e metodologias de desenvolvimento de tecnologias a partir da e para a educação?

Este monográfico se propôs a reunir produções do campo de pesquisa em educação e tecnologias desde uma perspectiva crítica, com o objetivo de aprofundar nosso entendimento sobre as implicações e possibilidades das TDIC no e para o contexto educativo. Está composto por 9 artigos sobre a relação educação e TDIC que exploram as seguintes temáticas: a formação de professores no sentido de superar a mera instrumentalidade das tecnologias, discutindo possibilidades crítico-reflexivas; a formação plena de estudantes diante dos desafios da contemporaneidade, como estes desafios impactam os currículos escolares e a necessidade de discutir o que e para que ensinar em relação às tecnologias digitais; artigos que discutem as próprias tecnologias educativas e o seu desenvolvimento a partir da perspectiva crítica; e, por fim, artigos que se dedicam a analisar a entrada massiva e o uso das tecnologias no contexto da educação durante a pandemia de COVID-19.

O artigo Juventudes Ciborgue do Ensino Médio, de Manuel Benjamin Monteiro Liberal Sousa, abre o dossiê analisando quem são os jovens das salas de aula do ensino médio no contexto da cultura digital, principalmente na sua relação com o celular, artefato incorporado a quase todas as suas práticas culturais. Para isso o autor identificou a percepção dos estudantes sobre o uso do celular, discutindo os seguintes eixos de análise: 1) Jovens Multiletrados, 2) Jovens que se relacionam de múltiplas formas e 3) Jovens envolvidos em práticas de consumo. Como resultado o autor aponta que os celulares acompanham os jovens continuamente, fazem parte das suas vidas e das atividades relacionadas com a sua condição juvenil, tornando-se uma extensão de si próprios.

No artigo Conhecimento Poderoso e Inteligência Artificial (IA): Aliando Didaticamente Tecnologias para Educabilidades, Edna Araujo dos Santos de Oliveira analisa um processo de formação de professores colocando como questão-chave a pergunta: “que conhecimentos precisamos aprender?”. Fundamentando-se em uma perspectiva didática, mas também epistemológica, aborda a formação de professores a partir de uma visão tecnopedagógica como base para a criação de saberes e saberes potentes. A autora aponta a necessidade de uma perspectiva coletiva que supere a individualidade da escola e do educador, alinhando o direito universal à educação à inclusão digital.

As autoras Alessandra Rodrigues e Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida, no artigo Para Além das Plataformas e do Tecnicismo: Narrativas Digitais e Formação Docente Crítico-Reflexiva, situam a temática da formação de professores no contexto atual de plataformização da educação e analisam a produção e o compartilhamento de narrativas digitais como promotor de uma “práxis contextualizada, humanizadora e emancipadora”. As autoras discutem que a experiência impulsionou a construção autoral em contraposição ao “compartilhamento impulsivo e irrefletido de informações”. Discutem que esse movimento contribui com a superação da lógica instrumental das formações focadas no uso de recursos tecnológicos “pré-fabricados” por plataformas, muitas vezes, sem reflexão pedagógica.

O artigo Tecnologias na Educação e a Formação Continuada de Professores: Para Além da Perspectiva Reducionista, de Joana Koscianski dos Santos e Graziela Giacomazzo, apresenta os resultados de uma pesquisa sobre seis cursos de formação de professores em serviço na Rede Pública Estadual de Ensino de Santa Catarina - Brasil, analisando as abordagens teórico-metodológicas que os fundamentam. O estudo considera três dimensões: histórica, filosófica e pedagógica, e observa como a tecnologia não é compreendida a partir delas. Para as autoras, o processo de formação continuada não pode se limitar ao desenvolvimento de competências e habilidades para lidar com os recursos tecnológicos e utilizá-los adequadamente, mas deve possibilitar a compreensão da tecnologia em suas dimensões social e pedagógica.

O ensaio de Braian Veloso, Educação e Tecnologias como Comprometimento: Proposições para Pensar o Estudo da Técnica em Âmbito Educacional, parte de contribuições da filosofia (Feenberg) para analisar a relação entre educação e tecnologias digitais. Desenvolve uma compreensão da tecnologia como compromisso, convidando os sujeitos comprometidos a assumirem a construção de espaços democráticos de debate que possibilitem a tomada de decisões sobre alternativas sociotécnicas que contribuam com “outros moldes para a realidade histórica e social”. O autor propõe que é no ato de compromisso que reside o potencial de debate sobre o tipo de educação que queremos construir no atual e futuro ambiente altamente digitalizado.

Em uma postura comprometida, Roseli Zen Cerny, Éverton Vasconcelos de Almeida e Marina Bazzo de Espíndola problematizam os modelos de entrada das TDIC na escola e sua integração no currículo no artigo O Desenvolvimento de Tecnologias pela Escola Como um Processo de Luta e Resistência Contra-Hegemônica. Para isso, apresentam os resultados de duas pesquisas, denominadas pelos autores como “denúncia” e “anúncio”. A primeira - denúncia - analisa como as tecnologias das grandes corporações entram nas políticas das redes públicas de ensino; e a segunda - anúncio - descreve e analisa uma ação de pesquisa e desenvolvimento coletivo de tecnologias com a escola pública, ancorada no Design Participativo.

Posteriormente, no artigo Sobre a Transição Digital de Recursos Educativos: A Figura do “Duplopensar” nos Discursos Políticos, Cátia Delgado e Maria Helena Damião enfrentam a análise de um dilema comum no nosso presente: as possibilidades educativas da inovação tecnológica confrontadas com os problemas para os processos de aprendizagem. Porque a transformação digital é um elemento central na agenda educativa internacional, e as abordagens educativas movem-se entre o pensamento dos meios digitais como panaceia para a melhoria educativa, e a visão negativa dos efeitos no desenvolvimento humano, as autoras propõem uma reflexão necessária sobre um ambiente educativo global, que percebem como comprometido por fatores econômicos que refletem interesses particulares e não coletivos. Assim, salientam a necessidade urgente de uma reflexão informada e coerente sobre as virtudes, as oportunidades e as consequências problemáticas da entrada maciça dos meios digitais na educação.

O artigo Investigación y Docencia con Tecnologías Antes y Durante la Pandemia en la Universidad Nacional de Luján, de Silvina Casablancas e Silvia Irene Martinelli, analisa dois exemplos paradigmáticos e altamente relacionados: um caso de investigação e outro de ensino. Estes modelos trazem para a mesa o papel da universidade em momentos críticos como a recente pandemia. Evidenciam os cenários educativos em mudança e incertos, onde as pessoas se envolvem de diferentes formas tentando ocupar ou, nas palavras das autoras, habitar os espaços educativos digitais.

No último texto desta coletânea, Análise da Educação Online na Pandemia de COVID-19 a partir da Teoria Crítica da Tecnologia de Feenberg, o autor Luís Cláudio Dallier Saldanha também dedica-se a analisar os desafios e as possibilidades da mediação tecnológica na educação online durante a pandemia de Covid-19. Em seu ensaio, destaca a tensão entre as diferentes visões de tecnologia e suas implicações na análise do uso da tecnologia educacional. Discute o aspecto da automatização do ensino em contraposição a experiências autorais de professores no contexto pandêmico e conclui que os desafios da mediação tecnológica na educação demandam respostas que superem a simples adesão ou negação da tecnologia.

Este dossiê inclui, sem dúvida, diversas perspectivas de análise crítica das relações entre educação e tecnologias. Sua relevância está no convite ao questionamento necessário sobre por quê, para quê e quais tecnologias queremos para a educação. É urgente assumir o debate técnico-pedagógico a partir de uma abordagem sócio-crítica que esteja consciente do ciclo de influências atuais entre a educação e os meios digitais. Precisamos problematizar, analisar e produzir conhecimento sobre como as tecnologias digitais determinam os nossos processos educativos; mas também reivindicar para o campo da educação a responsabilidade de desenhar e criar tecnologias humanizadas a partir dos valores educativos que queremos promover nas nossas salas de aula.

REFERÊNCIAS

Buckingham, D. (2020). Rethinking digital literacy: Media education in the age of digital capitalism. Digital Education Review, 37 (june). [ Links ]

Feenberg, A. (2002). Transforming technology: a Critical Theory revisited. Oxford University Press. [ Links ]

Feenberg, A. (2013). A teoria crítica de Andrew Feenberg: racionalização democrática, poder e tecnologia. (Org. Ricardo T. Neder). (2ª Edição). Observatório do Movimento pela Tecnologia Social na América Latina / CDS / UnB / Capes. [ Links ]

Feenberg, A. (2018). Tecnologia, modernidade e democracia. (Tradução de Eduardo Beira). Inovate,. [ Links ]

Selwyn, N. (2011). Education an Tecnology: key issues and debates. Edição para Kindle. Bloomsbury. [ Links ]

Selwyn, N. (2014). Distrusting Educational Technology. Routledge. [ Links ]

Recebido: 23 de Outubro de 2023; Aceito: 31 de Outubro de 2023

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