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Revista Crítica de Ciências Sociais

versão On-line ISSN 2182-7435

Revista Crítica de Ciências Sociais  no.123 Coimbra dez. 2020

https://doi.org/10.4000/rccs.10892 

ARTIGO

Além da dicotomia Ocidente/Resto: perspectivas cosmopolíticas

Beyond the West/Rest Dichotomy: Cosmopolitical Perspectives

Au-delà de la dichotomie Occident/Reste : perspectives cosmopolitiques

 

Estevão Bosco*

https://orcid.org/0000-0003-4634-7432

Wagner Costa Ribeiro**

https://orcid.org/0000-0002-3485-9521

* Pós-Doutorando no Departamento de Geografia, Universidade de São Paulo | Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo Avenida Professor Lineu Prestes, 338, Cidade Universitária, São Paulo – SP, CEP: 05508-000, Brasil estevaobosco@gmail.com

** Departamento de Geografia, Universidade de São Paulo Avenida Professor Lineu Prestes, 338, Cidade Universitária, São Paulo – SP, CEP: 05508-000, Brasil wribeiro@usp.br

 

RESUMO

Neste artigo, argumentamos que o projeto cosmopolítico pode e deve ir além da dicotomia Ocidente/Resto, caso contrário, corre o risco de reproduzir, malgrado as boas intenções, assimetrias históricas mundiais de poder. Para tanto, reconstruímos o projeto cosmopolítico de Jürgen Habermas a partir de uma perspectiva hermenêutico-sociológica, a qual parte do cosmopolitismo dos direitos humanos para, em seguida, conectá-lo a uma cosmopolítica da ordem mundial.

Palavras-chave: cosmopolitismo, direitos humanos, Jürgen Habermas, ordem mundial

 

ABSTRACT

In this article, we argue that the cosmopolitical project can and must go beyond the West/Rest dichotomy, as it would otherwise risk reproducing world-historical power asymmetries. To do so, we reconstruct Jürgen Habermas’s cosmopolitical project from a hermeneutical-sociological perspective, which internally connects the cosmopolitanism of human rights to a cosmopolitics of the world order.

Keywords: cosmopolitanism, human rights, Jürgen Habermas, world order

 

RESUMÉ

Dans cet article, nous soutenons que le projet cosmopolitique peut et doit aller au-delà de la dichotomie Occident/Reste, dans le cas contraire, il risque de reproduire, malgré les bonnes intentions, des asymétries historiques mondiales de pouvoir. À cette fin, nous reconstruisons le projet cosmopolitique de Jürgen Habermas à partir d’une perspective herméneutique-sociologique qui part du cosmopolitisme des droits humains pour le connecter, par la suite, à une cosmopolitique de l’ordre mondial.

Mots-clés : cosmopolitisme, droits humains, Jürgen Habermas, ordre mondial

 

Introdução: globalização e a perspectiva cosmopolita

A globalização é um fenômeno sociológico total, que abrange o mundo da vida e as estruturas sistêmicas do mercado e da política. A totalidade desse fenômeno significa que a vida social não pode mais ser compreendida sem ter a sociedade mundial como pano de fundo. Ao que tudo indica, a globalização transformou irreversivelmente o mundo moderno e, nesta medida, força-nos a repensar seus conceitos e instituições fundamentais. Como experiência histórica autêntica, ela reconfigura tensões e contradições, revela-nos limites da constituição política, reaviva antigas intuições e leva o pensamento para novas direções. É neste contexto que o interesse renovado pela ideia estoica de fazer corresponder as leis do cosmos com as leis da polis, que se inicia nos anos 1990, mantém sua relevância cognitiva, moral e política, em particular como projeto contra-hegemônico de globalização.

De Diógenes e Cícero (Coulmas, 1995; Nussbaum, 1997) a Habermas (1998 (1996)) e Derrida (1997), passando por Kant (2008 (1796)), o cosmopolitismo preserva sua vocação ética, moral e político-normativa. Assumindo que a humanidade se caracteriza por uma igualdade fundamental, cada um deles reconheceu, à sua maneira e em seu tempo, que os problemas de integração social, cultural e política são sintomáticos dos limites da ordem vigente. Neste sentido, o cosmopolitismo invoca uma ação emancipadora que transcende nossa particularidade, sem, todavia, negá-la, subsumi-la em um universal abstrato que, supostamente, englobaria tudo e todos. Muitas vezes, o que se reivindica como universal não é senão um particularismo que se tornou, ou almeja-se que se torne, hegemônico.

A singularidade da época atual reside em que não é mais necessário fundar o cosmopolitismo como necessidade da razão em si, pois passamos a contar com experiências efetivas. Com a intensificação recente da globalização, damo-nos conta de que o cosmopolitismo é imanente à vida social: somos antropologicamente diversos e estamos previamente entrelaçados pela língua que falamos, pela cultura na qual reconhecemo-nos, pelos produtos que produzimos e consumimos, pela política que reivindicamos, pelo clima. É o que indicam o reconhecimento da condição global dos problemas ambientais (Ribeiro, 2001; Beck, 2005), a transnacionalização do mercado (Waters, 2001) e da sociedade civil (Santos, 2001, 2003; Appadurai, 2011), e a construção de instituições trans e supranacionais, como o Mercosul, a União Europeia e a Organização das Nações Unidas – ONU (Dobson, 2005; Held, 2010). Robert Fine e Will Smith são particularmente bem-sucedidos em delinear a implicação desse estado do mundo para o pensamento:

Esta realidade – e a racionalidade que ela contém – não pode ser ignorada em favor de uma reafirmação irrefletida do Estado-nação. O paradoxo de pensar as implicações do cosmopolitismo enquanto ainda habitamos um mundo teórico e político desenhado por e para o Estado-nação é real. Esse paradoxo não será evitado pela rejeição do cosmopolitismo. (Fine e Smith, 2003: 484)1

Como fenômeno no mundo, o cosmopolitismo remete à igualdade em simplesmente sermos humanos, à diversidade imanente das nossas maneiras de viver, à conectividade e dependência entre nós e à transformação que o encontro com o Outro pode provocar em nós mesmos (Delanty, 2009). Na sociologia e na teoria social crítica, o cosmopolitismo passou a ser empregado como categoria e conceito para acessar mudanças no mundo social e deu forma a um projeto crítico de conhecimento experimental e interdisciplinar, assim renovando a imagem de uma comunidade política que transcende as fronteiras sob as quais a ordem do mundo se constitui. Diagnóstico de época, projeto de conhecimento e projeto político inscrevem o cosmopolitismo naquelas tradições críticas de pensamento mais elevadas, que nos imbui não apenas de uma maneira de interpretar o mundo, mas também de vivenciá-lo e transformá-lo. O que a literatura cosmopolita recente nos oferece, portanto, não é apenas uma análise das transformações impulsionadas pela globalização. De uma perspectiva habermasiana, diríamos que o cosmopolitismo reconstrói, não apenas desconstrói.

Neste artigo, tomamos o projeto cosmopolítico de Habermas como, simultaneamente, caso exemplar do potencial de que a ideia se reveste hoje e de um reducionismo empírico e político-normativo hermeneuticamente arbitrário, que vai do Ocidente para o resto do mundo (de agora em diante referido apenas como Resto). Argumentamos que o projeto cosmopolítico pode e deve ir além da dicotomia Ocidente/Resto, caso contrário assume a forma de um cosmopolitismo fraco e corre o risco de reproduzir, malgrado as boas intenções, assimetrias históricas mundiais de poder (político, econômico e epistêmico). Para tanto, delineamos uma expansão do projeto cosmopolítico a partir de uma perspectiva hermenêutico-sociológica, que vincula internamente uma concepção cosmopolita de diálogo e o cosmopolitismo dos direitos humanos com uma cosmopolítica que este último requer.

 

1. Jürgen Habermas: modernização, cosmopolitismo e a dicotomia Ocidente/Resto2

O cosmopolitismo de Habermas consiste em uma atualização do projeto kantiano à luz de seu universalismo filosófico pós-metafísico e da globalização (Habermas, 2002: 28-56; ver também Bosco, 2016: 20-40). O projeto de “paz perpétua” de Kant (2008 (1796)), por sua vez, inspira-se no cosmopolitismo estoico. Trata-se, portanto, de uma atualização nutrida pelas mudanças históricas.

Ao trazer o cosmopolitismo estoico para o seu tempo, Kant (ibidem) opera a passagem da unidade política da polis para a constituição política da sociedade moderna na forma do Estado-nação (Nussbaum, 1997). Kant inova ao vincular internamente a abertura da ordem política para estrangeiros, que os estoicos defenderam no âmbito da polis, para a relação entre as unidades políticas, i.e., entre os Estados. Kant realiza, assim, uma dupla expansão: da polis para o Estado-nação e da inclusão do estrangeiro para a relação entre Estados. É neste movimento que toma forma sua ontologia tripartite das ordens jurídicas complementares: o direito civil circunscreve a regulação interna da constituição dos indivíduos como nação; o direito das gentes estabelece a regulação externa da relação entre Estados; e o direito cosmopolita institui o direito à hospitalidade do estrangeiro, assim introduzindo uma externalidade interna na ordem jurídica (ver Chernilo, 2007: 178-185).

Diante da destruição provocada pelas guerras religiosas na Europa (1524-1697), Kant busca limitar o uso do poder militar ao submetê-lo ao direito e assegurar a paz de uma vez por todas. Dada sua acepção pacífica, a qual emana de sua ancoragem nos princípios de liberdade e segurança (Kant, 2008 (1796): 136-147), o Estado republicano oferece uma constituição civil que admite a normatização do princípio da hospitalidade, então elevado a um a priori moral (ibidem: 148-151). Desta forma, a ontologia kantiana das ordens jurídicas vincula o direito civil de constituir-se como nação e o direito das gentes, que regula a relação externa entre Estados-nações, com a externalidade interna do direito (cosmopolita) à hospitalidade. Cético em relação às tendências despóticas que um governo mundial carregaria, Kant sugere a construção de uma ordem mundial que se aproxima de uma confederação de Estados-nações – algo similar à extinta Liga das Nações.

Diferentemente de Kant, Habermas não parte de um a priori moral. Na perspectiva pós-metafísica, o conteúdo normativo figura como expressão possível do entendimento mútuo e de acordos racionalmente motivados. Aqui, o cosmopolitismo remete à possibilidade efetiva de solução pacífica dos conflitos mundiais via a normatização progressiva de procedimentos decisórios e a garantia jurídica de direitos fundamentais a todo ser humano – até mesmo contra o Estado. Nisto reside a primeira atualização da ontologia das ordens jurídicas de Kant: estende-se a unidade portadora de direitos do Estado-nação para o indivíduo (Habermas, 1998: 180-182, 2006: 123-126). A segunda atualização diz respeito à função de mediação entre o interno e o externo que o tipo cosmopolita de direito exerce: no lugar disso, Habermas (1998: 186-193, 2006: 113-193) argumenta por uma ordem mundial cosmopolita orientada pelo respeito aos direitos humanos e baseada na institucionalização de procedimentos universais. Trata-se, de fato, de uma emancipação frente à ordem mundial centrada no Estado-nação, pois vai além, primeiro, do direito à hospitalidade, ao imbuir o estrangeiro de iguais direitos fundamentais, e segundo, de uma confederação de Estados (republicanos), ao orientar-se para a construção de arranjos de governança global e de soberania compartilhada. Habermas visa assim implementar a transição de uma política do poder para uma política interna mundial, que integra Estado, mercado global e sociedade civil em procedimentos decisórios intra, trans e supranacionais.

O horizonte político-normativo do cosmopolitismo habermasiano parte de um diagnóstico de época que procede por equivalentes funcionais, indo da crise de legitimação da democracia nacional e continental na Europa para a esfera mundial (Bosco, 2020). Seu ponto de partida é o déficit democrático decorrente da contradição entre a igualdade que emana da autocompreensão normativa da democracia e a desigualdade factual que estrutura as relações sociais no capitalismo. A desigualdade estrutural do capitalismo impede a realização dos direitos democráticos fundamentais, dando forma a uma crise de legitimação. A isso vêm somar-se problemas de integração sistêmica e social trazidos pela globalização.

No âmbito da relação entre Estado e mercado global, o problema central é o neoliberalismo e suas implicações sociopolíticas. A transferência de serviços públicos para o setor privado, como quer o mercado global, fragiliza a regulação estatal, retira recursos do Estado para a efetivação de direitos sociais e, consequentemente, esvazia a legitimação democrática (Habermas, 2001: 65-74, 99-102). No âmbito da relação entre democracia e globalização cultural, a transnacionalização e pluralização sociomoral da sociedade civil traz dificuldades adicionais para o entendimento mútuo e a formação da vontade em torno a formas de autorrealização (Habermas, 1998: 111-117). Na constelação pós-nacional, portanto, não se trata apenas da contradição entre desigualdade factual e igualitarismo democrático, mas também da diversificação cultural, da transnacionalização da sociedade civil e da dissolução progressiva das políticas redistributivas, provocada pelo novo poder de barganha que empresas adquiriram com a própria globalização. Assim, a tensão que emerge com a globalização está situada entre a territorialidade nacional do Estado e a desterritorialização do mercado e da sociedade civil.

A União Europeia é uma resposta do Estado a essa nova condição da globalização. Entretanto, a integração continental permanece excessivamente tecnocrática, pouco sensível às vozes da sociedade civil e restrita à circulação de pessoas, à moeda única e a tribunais e legislações setoriais. O projeto de democracia cosmopolita visa superar esse estado precário da integração continental, mediante o aprofundamento da acordos de governança interestatal, a ampliação dos canais de influência da sociedade civil sobre o sistema político e, consequentemente, sobre a regulação do mercado. Para tanto, argumenta Habermas, é necessário construir um substrato político-cultural comum, continental, algo funcionalmente equivalente ao pano de fundo histórico-cultural da nação. Habermas sugere então um “patriotismo constitucional”, um tipo de pertencimento político-cultural mais abstrato, em torno do qual cidadãos, com suas experiências nacionais particulares, poderiam reunir-se (ibidem: 117-120). O projeto de democracia cosmopolita, portanto, visa a construção de uma esfera pública europeia. Pressupõe-se aqui que a legitimação do sistema político não prescinde de um substrato cultural compartilhado que o sustente, e que esse substrato (cosmopolita) possa ser fomentado por princípios normativos encarnados nas instituições políticas.

Quando passamos da Europa para a esfera mundial, a estratégia dos equivalentes funcionais nos leva a problemas de cunho distinto, ainda que também emanem da globalização do mercado e da sociedade civil. Aqui, rivalidade entre países, particularidade e distância culturais se sobressaem. Não é possível contar, deste modo, com um equivalente funcional à ideia de nação nem com a democracia como horizonte político-normativo comum. No lugar do déficit democrático, encontramos então um déficit normativo que se manifesta como baixa legitimidade e eficiência da governança global (Habermas, 2001: 65-74, 2003: 101-122) e da política da ONU para a construção e manutenção da paz, intervenções humanitárias e reconstrução de nações (Habermas, 2003: 37-74, 2006: 113-196). Em última instância, esse déficit normativo se deve ao fato de que as instituições da ordem mundial, diferentemente do Estado, não detêm o uso legítimo da violência.

Enquanto se multiplicam e intensificam formas de interdependência (econômica, política, ambiental, científica, entre outras), as relações internacionais permanecem no “estado crônico de uma ordem cosmopolita subinstitucionalizada” (Habermas, 2004: 60). A construção da ordem mundial cosmopolita é pensada por Habermas a partir das ações e influências mútuas entre Estados ainda largamente presos a uma compreensão monolítica de soberania, o mercado globalizado e a sociedade civil transnacional. O objetivo aqui é remediar o déficit de legitimidade das instituições supranacionais e de eficiência das redes transnacionais de governança, mediante a construção de procedimentos compartilhados para a tomada de decisão. Para tanto, uma mudança na autocompreensão dos sujeitos do direito internacional é necessária. Além de cidadão da comunidade política nacional, o indivíduo deve também compreender-se como cidadão do mundo. Em segundo lugar, é necessário reformular a identidade do Estado e o exercício da soberania no sentido transnacional. Assim, a inflexão cosmopolita dessa ordem mundial envolve uma constitucionalização do direito internacional em dois níveis: o de imbuir o indivíduo de direitos e o de submeter as relações internacionais ao direito.

Se levarmos a sério a crescente interdependência da humanidade, não há nada a objetar à necessidade de mudança na autocompreensão dos sujeitos e à reformulação da identidade do Estado. O problema surge na inscrição do diagnóstico de época e do horizonte político-normativo cosmopolita na dicotomia Ocidente/Resto. Para Habermas, a possibilidade de construção de uma democracia cosmopolita na Europa repousa em uma singularidade da experiência histórica dessa região: “O desenvolvimento europeu desde o final da Idade Média é mais caracterizado que as demais culturas (por) divisões, diferenças e tensões”, o que teria estimulado “experiências com formas acertadas de integração social” em um nível mais amplo, supranacional, que “marcaram a autocompreensão normativa da modernidade europeia com um universalismo igualitário” (Habermas, 2001: 130-131). A aprendizagem sociomoral que o cosmopolitismo invoca, no sentido de uma “solidariedade de cidadãos expandida (...) encontra-se de fato em uma linha de experiências especificamente europeia” (ibidem). Essa aprendizagem singular, de acordo com Habermas, aufere à Europa um protagonismo especial: soluções ali encontradas para problemas de integração podem orientar a construção da ordem mundial cosmopolita (Habermas, 1998: 186-188, 2006: 176-177).

À luz de sua teoria da evolução social (Habermas, 1987: 131-218, 2004: 31-63), o protagonismo conferido à Europa – às vezes também referida como Ocidente – se justifica na tese de que as forças destrutivas liberadas na evolução cognitivo-tecnológica são acompanhadas por uma evolução sociomoral correspondente (Bosco, 2020). Habermas procede dialeticamente e pressupõe que desenvolvimentos na esfera cognitivo-tecnológica forçam desenvolvimentos na esfera sociomoral, sem a qual o potencial de destruição liberado na primeira não seria contido – por exemplo, o potencial de autoaniquilação alcançado pela tecnologia militar é contido pela normatização da guerra. Assim, como região que mais evoluiu na esfera cognitivo-tecnológica, a Europa-Ocidente também seria mais evoluída do que o Resto no plano sociomoral, no sentido de que, em resposta a experiências de poder e dominação particularmente trágicas – entre as quais destacam-se os erros do nacionalismo –, os cidadãos teriam consolidado uma moral pós-convencional (que emana da práxis argumentativa, não da tradição) e uma cultura democrática de horizonte pós-nacional. Isto é, no Ocidente encontraríamos uma solidariedade potencialmente cosmopolita. Habermas então ancora a construção da ordem mundial cosmopolita em uma “defesa apologética” da interpretação ocidental dos direitos humanos (Habermas, 2001: 153 ss.), que vincula esses direitos à autocompreensão normativa democrática do Ocidente (Habermas, 1996: 84-103, 118-131).

Como resume um de nós em outro contexto (Bosco, 2020), o cosmopolitismo habermasiano vincula internamente a construção de uma democracia cosmopolita na Europa (sistema de direitos) e de uma ordem mundial cosmopolita (direito internacional) à interpretação ocidental dos direitos humanos (pretensão normativa de validade) – vinculação que se justifica, em sentido último, na dialética evolutiva das esferas cognitivo-tecnológica e sociomoral (teoria da evolução social). Esquematicamente, o raciocínio de Habermas é o seguinte: globalização e cosmopolitismo dizem respeito, primeiro, ao escopo mundial da modernização ocidental e sua precedência sobre a modernização do resto do mundo; segundo, e consequentemente, à formação de uma solidariedade cosmopolita nas sociedades ocidentais que tenderia a disseminar-se pelo mundo (ver também Costa, 2006: 38-42). Globalização e cosmopolitismo seriam a manifestação da expansão progressiva do Ocidente, então tido como centro irradiador da modernização. No plano metateórico, pode-se afirmar que Habermas pressupõe a possibilidade de deduzir as tendências gerais de evolução da sociedade mundial a partir do estudo da região ou sociedade nacional dominante.

O axioma de uma modernização ocidental que se difunde para o Resto e a posição apologética no Ocidente daí decorrente incorrem num reducionismo empírico e político-normativo que é hermeneuticamente arbitrário. No lugar de um diálogo aberto com outras interpretações culturais dos direitos humanos e com as experiências de luta emancipatória que os mobilizam dentro e fora do Ocidente, Habermas adota uma posição de “batalha argumentativa” que caracteriza um cosmopolitismo fraco: sua “defesa apologética” contradiz parte daquilo que o cosmopolitismo invoca no mundo, i.e., a interconectividade e o potencial de autotransformação do qual o encontro com o Outro se reveste. Habermas fala em uma ordem que se quer cosmopolita na medida em que está orientada pelos direitos humanos, ao mesmo tempo em que passa ao lado do cosmopolitismo que as mobilizações diversas desses direitos representam. Trata-se, a rigor, de uma lacuna sociológica na perspectiva político-normativa que elabora. A consequência disso reside em que o cosmopolitismo acaba por reproduzir, talvez inadvertidamente, assimetrias históricas mundiais de poder.

Para que possa ser designada de cosmopolita, a ordem mundial deve estar em medida de refletir a diversidade de encarnações desses direitos em lutas emancipatórias e interpretações culturais. É na capacidade de traduzir a diversidade de aspirações político-normativas e as conexões interculturais na dinâmica entre Estado, mercado global e sociedade civil transnacional – que se estabelecem nas experiências dos atores para realizá-las – que repousa, em primeira instância, a legitimidade da política de direitos humanos. No que segue, delineamos essa reconstrução a partir de uma abordagem que se quer, simultaneamente, sociológica, pois acessa à experiência empírica dos atores, e crítico-hermenêutica, uma vez que possibilita navegar por interpretações culturais distintas dos direitos humanos.

 

2. Além da dicotomia Ocidente/Resto

De modo a ir além de uma representação dicotômica do mundo, reconstruímos, a seguir, o projeto cosmopolítico de Habermas em três níveis, tendo como medium uma concepção hermeneuticamente aberta de diálogo. Inicialmente, abordamos o diagnóstico de mobilizações dos direitos humanos por movimentos populares, pois isso nos mostrará que, como direitos subjetivos, eles operam como modelo cognitivo global. Enquanto tal, podem ser realizados de diversas maneiras, sob o pano de fundo de experiências históricas que não são exclusivas ao Ocidente. Falamos aqui, portanto, em cosmopolitismo dos direitos humanos (subseção 2.1.). Em vista disso, argumentamos que a legitimidade da ordem mundial cosmopolita depende de um diálogo cosmopolita sobre os direitos humanos, no sentido crítico-hermenêutico de colocar a descoberto pressuposições culturais em diferentes interpretações desses direitos. Ilustramos isso mediante o contraste elaborado por Boaventura de Sousa Santos entre duas interpretações, enfatizando incompletudes a cada uma delas e complementaridades potenciais (subseção 2.2.). Somente então estaremos em medida de repensar a dinâmica tripartite da constelação pós-nacional e delinear o que podemos chamar de cosmopolítica dos direitos humanos, então compreendida no contexto de um projeto contra-hegemônico de globalização (subseção 2.3.).

2.1. O cosmopolitismo dos direitos humanos

Ao analisar o movimento popular Alliance que tomou forma nas favelas de Mumbai, uma cidade historicamente caracterizada pela diversidade cultural, Arjun Appadurai (2011) identifica um cosmopolitismo “desde baixo”. A Alliance se dedica, principalmente, a problemas de moradia urbana, conta com três associações, duas delas dirigidas por mulheres, e se estrutura numa rede de colaboração que abrange África, Ásia e América Latina. Essa rede de moradores de favelas/barracos internacional3 (Slum Dwellers International – SDI, na sigla em inglês) se desenvolveu colaborativamente em meados dos anos 1980. Seus integrantes geram e compartilham conhecimentos sobre auto-organização e técnicas alternativas de construção e desenvolvem estratégias educacionais, de mobilização social e de pressão sobre governos e organismos multilaterais. A SDI possui uma estrutura de gestão financeira própria e angaria fundos junto à ONU, Banco Mundial e fundações privadas. Aqui, o cosmopolitismo é expressão de uma expansão do horizonte cultural decorrente da necessidade, como resposta a contingências múltiplas que os pobres enfrentam (imigração forçada, violência policial, xenofobia, preconceito de classe ou casta, tráfico internacional sexual e de drogas, etc.). No lugar de basear-se nos “privilégios (...) da inclusão”, como na tradição iluminista europeia, este cosmopolitismo emana da contingência da exclusão (Appadurai, 2011: 28).

Entre os desenvolvimentos históricos que favoreceram o florescimento de movimentos populares “sem fronteiras”, entre eles a Alliance, Appadurai enfatiza a difusão global dos direitos humanos e da democracia, bem como a construção de uma infraestrutura global de informação, comunicação e transporte. Neste contexto, dois aspectos sociológicos têm especial relevância para o nosso argumento. Primeiro, a proliferação de redes transnacionais entre movimentos populares e a crescente diversidade de “temas com os quais os pobres do mundo têm se envolvido politicamente” (ibidem: 30) demonstram que direitos de cidadania – como acesso à moradia, alimentação, segurança e educação, em suma, aquilo que define objetivamente a dignidade humana – ultrapassam o contexto local-nacional e são reconhecidos como tal por atores de culturas distintas. Segundo, e consequentemente, isso pressupõe que modelos cognitivos globais (e.g., democracia e direitos humanos) podem ser realizados de diversas maneiras, no contexto de experiências históricas distintas.

Algo similar é identificado por Boaventura de Sousa Santos (2001, 2003) ao analisar movimentos populares latino-americanos (indígena, negro, feminista, ambientalista). Embora esses movimentos manifestem um cosmopolitismo que também emerge “desde baixo”, Santos confere-lhes uma designação “subalterna” com o propósito de explicitar o caráter sociopolítico do projeto contra-hegemônico de globalização a que dão forma. “Subalterno” significa aqui a condição pós-colonial dos atores e a resistência criativa à dominação que são forçados a exercitar para realizar suas aspirações existenciais e encontrar alternativas à globalização hegemônica. Voltaremos a essa distinção entre hegemônico e contra-hegemônico mais adiante. No momento, convém frisar que, como projeto contra-hegemônico, o cosmopolitismo subalterno não se refere apenas à solidariedade intercultural,4 mas também a implicações e horizontes sociopolíticos que emergem da experiência de luta dos movimentos populares.

O argumento principal desenvolvido por Santos é o de que, se quisermos que os direitos humanos funcionem como ancoragem político-normativa de uma ordem cosmopolita, sua concepção deve ser multicultural. Essa tese é justificada, primeiro, na crítica da interpretação predominante que esses direitos assumiram até agora – que é, a rigor, a globalização do localismo ocidental. Ao excluir aquilo que não é reconhecido pela autocompreensão ocidental mediatizada por esses direitos, incorremos em uma perda de experiências, de soluções alternativas para problemas que enfrentamos e de aprendizagem sobre si e sobre o mundo. Segundo, a concepção multicultural de direitos humanos se justifica no reconhecimento de que variações hermenêuticas são imanentes, pois acessamos o mundo a partir de um horizonte cultural que é sempre já o nosso, e que, justamente por isso, cada interpretação é incompleta ou finita. A diversidade de interpretações culturais dos direitos humanos, portanto, não pode ser superada. Por outro lado, se uma concepção homogênea ou una não é possível, reconhecer tal diversidade nos abre para aprendizagens potenciais: os direitos humanos podem dar forma a uma “política cosmopolita que ligue em rede línguas diferentes de emancipação pessoal e social e as torne mutuamente inteligíveis e traduzíveis” (Santos, 2003: 458). Em sentido último, os direitos humanos abrem caminho para a formulação de uma “lei cosmopolita” que vem de “baixo para cima”, que é “contextualizada, pós-colonial, multicultural” (Santos, 2001: 213).

Tidos em conjunto, o cosmopolitismo “desde baixo” e o subalterno permitem caracterizar um cosmopolitismo dos direitos humanos. Sociologicamente, movimentos populares que mobilizam esses direitos reafirmam que o cosmopolitismo não é prerrogativa de determinada experiência histórica, que ele emerge potencialmente onde quer que tenha havido contato com outra cultura (Gidwani e Sivaramakrishnan, 2003; Hannerz, 2006; Balachandran, 2014). No plano da ação, o cosmopolitismo ilumina uma abertura hermenêutica prévia para tudo aquilo que se nos faz presente (palavras, imagens, mercadorias, pessoas, etc.) e uma intersubjetividade que se estabelece entre pessoas de cultura distinta. Pressupõe-se aqui um momento crítico, algum nível de autotransformação decorrente do encontro com o Outro. Hermeneuticamente, o fato de podermos realizar os direitos humanos de diferentes maneiras é possível porque não há correspondência estrita entre palavra e coisa (ver, por exemplo, Gadamer, 1999: 590-608). Essa não correspondência estrita permite compreender como é possível que os direitos humanos adquiram sentido em escopos prático-simbólicos distintos e abram caminho para formas interculturais de solidariedade e cooperação, como entre os pobres da Alliance. Enquanto modelo cognitivo global, os direitos humanos funcionam como um medium através do qual atores interpretam a si mesmos e ao mundo objetivo e reconhecem-se mutuamente além da respectiva cultura.

Para o que nos ocupa, o cosmopolitismo dos direitos humanos tem a seguinte implicação: tendo em vista que a condição de realizações culturais distintas de conteúdos simbólicos não nos impede de reconhecermo-nos uns aos outros, a construção de uma ordem mundial cosmopolita baseada nos direitos humanos não requer, em princípio, um pano de fundo histórico-cultural intersubjetivamente compartilhado em sentido forte. Isto é, não requer um equivalente funcional à ideia de nação. O problema de proceder com equivalentes funcionais reside na pressuposição empiricamente infundada de que, para que uma ordem como essa exista, tenha de haver algum nível de assimilação ou homogeneização cultural (do Ocidente para o Resto, ou ainda como aconteceu no período de formação de Estados nacionais na Europa, por exemplo); que um equivalente global à nação seja, em suma, precondição. Sem dúvida, está correta a pressuposição político-institucional de que, pelo menos em sentido abstrato, a ordem cosmopolita não prescinde da contrapartida político-cultural que é, como argumenta Habermas, indivíduos que compreendam a si mesmos como cidadãos do mundo. Entretanto, o que Appadurai e Santos nos mostram é que a solidariedade intercultural é imanente, que o reconhecimento e inclusão do Outro emanam da experiência da contingência e da resistência, mesmo em condição de pobreza.

A institucionalidade política (e.g., democracia liberal) e princípios normativos podem, de fato, estimular a solidariedade intercultural, mas esta não é precondição determinante. Fundamentalmente, o cosmopolitismo é uma aprendizagem, no sentido de reconhecer no Outro, no seu modo de vida e imagem de mundo, o valor que se reivindica para si; de enfrentar o estranhamento e encontrar-se naquilo que é do Outro; de encontrar na experiência do Outro soluções para os próprios problemas; de vir a compartilhar princípios éticos e morais e sentidos de justiça social, sem que isso nos descaracterize.

2.2. O diálogo cosmopolita

Para operar como ancoragem político-normativa da ordem mundial, os direitos humanos requerem um diálogo hermeneuticamente aberto, cosmopolita, no sentido de explorar a aprendizagem potencial que emana da fertilização mútua de experiências e, como veremos, interpretações culturais. Isso coloca a tradução como tarefa crítico-hermenêutica central.

A tradução não é meramente estabelecer correspondência semântica entre idiomas. Traduzir envolve um momento criativo, que emana da mediação de diferenças. Neste sentido, não é moral nem politicamente neutra (Delanty, 2009: 194-200). É um processo hermenêutico que requer lidar com antagonismos e ambivalências, no qual as formas simbólicas e a referência que fazem ao mundo são sistematicamente revisadas, confrontando, assim, um sistema de significados com os seus próprios limites. Neste processo criativo de (auto)confrontação com o que é estrangeiro, há perda de significado, pois o que é traduzido se transfigura, forçosamente, ao adentrar em outro sistema de significado, com suas variações hermenêuticas próprias. É justamente por isso, porque há perda de significado, que aquilo que é traduzido se reveste de novidade, que envolve, em uma palavra, transformação. Aqui o desafio cosmopolita consiste em (auto)esclarecer pressuposições culturais de fundo mediante o contraste dialógico entre interpretações, de modo a explorar incompletudes respectivas, a fertilização mútua e, em sentido último, a reciprocidade.

Em seu exercício de tradução, Santos (2003) nos mostra que a incompletude de interpretações culturais dos direitos humanos é imanente e não-concorrente. Uma hermenêutica diatópica, sugere o autor, nos permitiria delinear aspectos complementares entre elas. Por exemplo, “(v)istos a partir do topos do dharma”, a interpretação ocidental dos direitos humanos é incompleta na medida em que não estabelece “a ligação entre a parte (o indivíduo) e o todo (o cosmos)” (Santos, 2003: 446). Concentra-se naquilo “que é meramente derivado, os direitos”, no lugar do “imperativo primordial, o dever dos indivíduos de encontrarem o seu lugar na ordem geral da sociedade e de todo o cosmos” (ibidem). Por isso, da perspectiva do dharma, “a concepção ocidental dos direitos humanos está contaminada por uma simetria muito simplista e mecanicista entre direitos e deveres. Apenas garante direitos àqueles dos quais pode exigir deveres”, o que explica “por que razão, na concepção ocidental dos direitos humanos, a natureza não tem direitos: porque não lhe podem ser impostos deveres” (ibidem). Inversamente, “o dharma também é incompleto, dado o seu viés fortemente não-dialético a favor da harmonia, ocultando assim injustiças e negligenciando totalmente o valor do conflito como caminho para uma harmonia mais rica” (ibidem). Por conseguinte, o dharma não nos permite ver que, sem direitos primordiais, o indivíduo é “uma entidade demasiado frágil para evitar ser subjugado por aquilo que o transcende” (ibidem). Em um sentido fundamental, a hermenêutica diatópica sugerida por Santos demonstra em que medida o diálogo cosmopolita pode desencadear aprendizagem. Para tanto, é necessário um exercício de descentramento.

O diálogo cosmopolita pode precipitar formas de reflexividade que provocam um autodistanciamento, no sentido de que o acesso (parcial) ao horizonte do Outro relativiza, na forma de estranhamento, a própria vida cultural e imagem de mundo. Ao colocar em marcha um processo de descentramento cultural, o diálogo cosmopolita, criticamente concebido, possibilita problematizar pressuposições sobre o Self, o Outro e o mundo5 que, até então, eram tidas como tácitas. Isto é, a alienação cultural é portadora de um potencial epistemológico,6 que se aplica a ambos, agente e intérprete. Para o que nos ocupa, isso significa que o diálogo cosmopolita implica um esforço crítico-dialógico por meio do qual o intérprete busca clarificar o particularismo cultural da própria interpretação dos direitos humanos, as pressuposições culturais de fundo que o movem, a inscrição cultural de sua forma de pensar e da pré-compreensão do Outro de que é herdeiro. Falar em pré-compreensão do Outro, legada pela cultura na qual reconhecemo-nos, introduz no diálogo sobre os direitos humanos a questão do poder. Da mesma forma que significado e poder se vinculam no contexto intracultural, eles também estão vinculados no contexto intercultural. Descentrar-se culturalmente, portanto, envolve engajar-se reflexivamente com a reprodução pós-colonial de formas simbólicas que moldam a relação do Self com o Outro e o modo de pensar deste último.

Compreende-se pelo o que vimos até aqui que a construção de uma ordem mundial cosmopolita, ancorada no cosmopolitismo dos direitos humanos e guiada por um diálogo hermeneuticamente aberto, é indissociável da experiência efetiva dos atores, do reconhecimento da pluralidade de realizações e de intepretações desses direitos e da aprendizagem potencial proporcionada pela fertilização mútua entre elas. Ao partir do cosmopolitismo dos direitos humanos e reconhecer a incompletude imanente de toda interpretação, esta abordagem sociológico-hermenêutica nos permite ir além da dicotomia Ocidente/Resto. Resta agora indagar sobre o horizonte político-normativo que pode ser delineado a partir disso.

2.3. Por uma cosmopolítica dos direitos humanos

A condição pós-nacional significa que a imbricação entre Estado, mercado global e sociedade civil transnacional caracteriza uma dinâmica na qual conflitos e interesses perdem sua circunscrição intranacional, que se exteriorizam para outras sociedades nacionais, assim como emergem da influência de interesses e conflitos extranacionais. Nessa dinâmica, que toma forma em redes transnacionais mais ou menos estáveis, o Estado se vê pressionado pelo mercado global e pela sociedade civil transnacional. Isso quer dizer que a ação de movimentos populares e a política doméstica estão entremeadas com a governança global. Como argumenta Habermas, esse entrelaçamento do doméstico com o global requer repensar a identidade do Estado.

Esquematicamente, essa dinâmica caracteriza uma disputa de poder que pode tomar duas direções: globalização hegemónica ou contra-hegemónica.7 Como projeto hegemônico de globalização, dois aspectos políticos podem ser destacados. Primeiro, como vimos com Santos, trata-se de uma disputa discursiva, na qual o localismo ocidental sobre os direitos humanos se globaliza. Toma-se aqui uma linguagem local como gramática mundial, com a consequência de que a política de direitos humanos, no lugar de emancipar os povos, pode legitimar a reprodução de mecanismos imperialistas de dominação (ver também Mignolo, 2000). Aqui, a relação entre Estado, mercado e sociedade civil é guiada por interesses geoestratégicos.

O segundo aspecto político é da ordem da relação entre Estado e capital (Beck, 2006: 83-84). Ao globalizar-se, o mercado amplia sua influência sobre o Estado, com o propósito de instrumentalizá-lo para a realização dos seus interesses. O poder do mercado global não é militar; ele reside na “ameaça de retirada” (ibidem: 83), caso seus interesses de “flexibilidade e rentabilidade” não sejam atendidos na política (Vandenberghe, 2011: 90). O neoliberalismo busca fazer do Estado um agente que deve competir com outros Estados. Nessa competição, as empresas multinacionais saem duplamente vencedoras. Com a ameaça de retirada e, consequentemente, a ameaça de perda de arrecadação fiscal e de empregos, as empresas multinacionais aumentam o seu poder de barganha e ganham benefícios fiscais dos Estados concorrentes – assim deteriorando, como Habermas observa, os recursos disponíveis para políticas sociais que favorecem a realização de direitos democráticos básicos. Segundo, quando sua pressão para substituir serviços públicos por serviços privados tem êxito, as empresas asseguram demanda ao condicionar o acesso a serviços básicos ao imperativo do lucro. A externalidade social do maior poder do capital é a perda de direitos, de garantias sociais e de renda. A externalidade política é a perda progressiva de poder do Estado e uma crise de legitimação aguda da democracia: interesses privados, que não têm a legitimidade do sufrágio, influenciam cada vez mais, quando não determinam, a condução do governo. Como Habermas (2001: 100) também observa: uma vez que possui um fundamento privado, o dinheiro, diferentemente do poder, não “(se deixa) democratizar”. Trata-se, em sentido estrito, de uma tendência autoritária do neoliberalismo. Aqui, a relação entre Estado, mercado e sociedade civil é capturada por interesses privados (Vandenberghe, 2011: 89-92).

Alternativamente, um projeto contra-hegemônico de globalização pode basear-se na aliança entre sociedade civil e Estado (Vandenberghe, 2011). Neste caso, é de especial pertinência o argumento de Frédéric Vandenberghe pela construção de um Estado cosmopolita:

Usando a língua franca dos direitos humanos (em sentido amplo, compreendendo não apenas direitos políticos e civis, mas também direitos sociais, econômicos, culturais e ecológicos), os movimentos sociais “enquadram” questões como questões globais, exercem pressão normativa sobre os Estados-Nação, e os persuadem a endossar publicamente suas posições em fóruns internacionais e a trazer questões que eles defendem para a agenda internacional. (Vandenberghe, 2011: 96)

Essa aliança aponta para uma cosmopolítica dos direitos que não apenas abrange vozes não-ocidentais e combate as tendências autoritárias do mercado global; ela também oferece uma maneira de enfrentar o déficit de legitimidade da ordem mundial (Habermas), o que passa, necessariamente, pelo exercício da soberania.

A perspectiva desenhada por Vandenberghe consiste em promover experiências de movimentos populares “sem fronteiras”, como a Alliance, que “fazem as questões se ‘moverem’ de baixo da sociedade civil, via a camada média do Estado, para o alto da ONU, e daí, via uma cascata de organizações e associações intermediárias, de volta para os núcleos de base” (ibidem: 97). Isso tem dois desdobramentos positivos para a legitimação da ordem mundial. Primeiro, vincula-se os dois sujeitos do direito internacional, Estado e indivíduo, em ações coordenadas de governança intra/trans/supranacional. Segundo, e consequentemente, as redes transnacionais e a instância supranacional (ONU) se tornam mais permeáveis, com o suporte do Estado, à diversidade de realidades e aspirações da sociedade civil.

Tanto essa aliança como a mudança na relação entre capital e Estado mostram que o exercício da soberania se modificou sobremaneira, a partir do momento em que as fronteiras entre o doméstico e o exterior se tornaram fluídas. Reafirmar cegamente o princípio da autodeterminação nacional não fará essa condição objetiva da globalização desaparecer. Na continuidade da expansão do sujeito do direito internacional para o indivíduo (Habermas), a aliança entre Estado e sociedade civil aponta para uma reconfiguração das dimensões internas e externas da soberania. Na dimensão interna, o Estado dá ressonância na agenda internacional às reivindicações que emanam da sociedade civil e encontra nelas a legitimidade para a sua atuação. Na dimensão externa, essa ressonância implica que o poder deixe de figurar como medium principal da relação entre Estados, pois a identidade do Estado se modifica: no lugar de ser apenas o portador do poder legítimo, o Estado se torna representante de determinada comunidade social. Isso resulta em uma prática das relações internacionais que vai além da barganha e da argumentação, vindo a incluir “reivindicações identitárias”, valores e “projetos em comum” da “comunidade social que (o Estado) representa” (Vandenberghe, 2015).

Os argumentos formulados acima sustentam que a identidade do Estado pode ser reformulada, como sugere Habermas, mediante uma soberania compartilhada com atores não-estatais e baseada numa política de reconhecimento entre Estados (Vandenberghe, 2015). Nesta perspectiva, os modos possíveis de comunicação e negociação entre Estados e destes com a sociedade civil e o mercado se pluralizam e incluem o horizonte normativo da comunidade social que cada um deles representa: “(...) isso mostra não apenas que as relações internacionais podem ser analisadas como lutas por reconhecimento, mas também indica novas formas de resolução de conflitos” (ibidem). Aqui, redefinição da identidade do Estado significa que, junto com a sociedade civil, ele atua como “conversor (dos direitos humanos) num projeto contra-hegemônico de globalização” (Vandenberghe, 2011: 97).

Em vista do que vimos nas subseções anteriores, pode-se dizer que a aliança entre Estado e sociedade civil requer uma cosmopolítica dos direitos humanos no sentido de traduzir, na forma de um diálogo cosmopolita, o cosmopolitismo desses direitos, as realidades e aspirações que eles representam e as interpretações culturais de que são objeto na condução da governança global e no exercício da soberania. No plano normativo, pode-se dizer que essa cosmopolítica requer navegar na dialética fina entre igualdade e diferença: “(...) temos o direito a ser iguais quando a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza” (Santos, 2003: 458). Como projeto contra-hegemônico de globalização, uma cosmopolítica de direitos humanos como essa visa fomentar aquilo que Santos denomina de “cultura política progressista transnacional”, uma cultura que

(promove) uma auto-reflexividade interna e externa de modo que formas de redistribuição e reconhecimento que se estabelecem entre os movimentos (populares) espelhem formas de redistribuição e reconhecimento que uma subpolítica emancipatória transnacional (i.e., organizações transnacionais de atores não estatais) deseja ver realizada no mundo. (Santos, 2001: 208-209)

Em poucas palavras, o argumento que desenvolvemos sugere que o Estado pode ser um aliado do projeto contra-hegemônico.

 

Considerações finais

O projeto cosmopolítico de Habermas se engaja seriamente com os problemas de integração social e constituição política trazidos pela globalização. Diagnostica déficits de legitimidade e de eficiência na ordem política vigente e formula saídas inovadoras para eles, ao fundar nos direitos humanos a constitucionalização das relações internacionais. Entretanto, como argumentamos, sua defesa apologética da interpretação ocidental restringe o projeto cosmopolítico à experiência histórica e expectativas político-normativas dessa região, contribuindo, paradoxalmente, com a reprodução de assimetrias históricas mundiais de poder.

Em vista disso, delineamos os contornos de uma expansão do projeto habermasiano a partir de uma perspectiva hermenêutico-sociológica. Por cosmopolitismo dos direitos humanos, referimo-nos, primeiro, ao fato de que esses direitos assumem a forma de um modelo cognitivo global por meio do qual atores interpretam a si mesmos e o mundo objetivo e solidarizam-se sob o pano de fundo de experiências históricas particulares; segundo, ao potencial de aprendizagem que a fertilização mútua de interpretações culturais desses direitos carrega. Trata-se aqui do exercício cognitiva, moral e politicamente vinculante de uma abertura do diálogo sem restrição de qualquer tipo, que denominamos de cosmopolita. A partir disso, delineamos uma cosmopolítica dos direitos humanos ancorada, no plano normativo, na dialética fina entre igualdade e diferença; numa concepção cosmopolita de Estado que se alia à sociedade civil e orienta sua relação com outros Estados por uma política do reconhecimento.

A vantagem da perspectiva hermenêutico-sociológica reside em fundar o projeto cosmopolítico na diversidade de encarnações empíricas dos direitos humanos, evitando, assim, o risco de subsumir a diversidade de horizontes político-normativos que compõe a sociedade mundial em um horizonte cultural particular. Apesar de curta, a história dos direitos humanos já nos adverte contra a instrumentalização geopolítica, como ocorreu durante a Guerra Fria, quando foram mobilizados para justificar incursões imperialistas do Ocidente. Em última instância, pode-se dizer que a expansão que delineamos sugere levar o modelo deliberativo para a ordem mundial.8 A ausência de um pano de fundo histórico-cultural compartilhado não impede isso.

É razoável supor que a legitimidade para condicionar as relações internacionais ao direito só poderá ser alcançada mediante a participação de todos aqueles potencialmente afetados. Para tanto, qualquer apologia deve ser evitada, especialmente vinda de uma região ou país dominante, pois levanta a suspeita de uma constitucionalização moldada para a realização de interesses imperialistas. Alternativamente, trata-se, a rigor, de fazer valer a razão comunicativa no sentido intercultural, de descentrar a própria perspectiva de modo a aprender com o Outro sobre si mesmo e alcançar acordos racionalmente motivados. Hermeneuticamente, isso pressupõe levar a sério os limites imanentes a qualquer perspectiva, estar atento ao fato de que aquilo que se reivindica como global é, muitas vezes, um localismo e tornar mutuamente inteligíveis, como a metalinguagem da hermenêutica diatópica se propõe a fazer, diferentes linguagens emancipatórias. Isso sugere que é importante olhar para as negociações internacionais como contexto de interação onde diferentes tradições e mundos da vida se encontram e, com base em posições de maior ou menor abertura, proximidade cultural e poder, esforçam-se pela resolução de problemas que parecem, no mais das vezes, sistêmicos.

Em certo sentido, pode-se dizer que nosso argumento sugere retomar a correspondência estoica entre cosmos e polis à luz da experiência da globalização. Nessa perspectiva, a questão que o espírito da época nos coloca pode ser formulada da seguinte maneira: como traduzir a diversidade antropológica dos cosmos que habitamos e o seu entrelaçamento histórico na maneira como nos constituímos política e reciprocamente?

 

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Artigo recebido a 10.05.2019 Aprovado para publicação a 22.09.2020

 

NOTAS

1 Todas as traduções são da nossa responsabilidade.

2 Esta seção tem por base a pesquisa de doutorado realizada por Estevão Bosco (2016) e desenvolve, com uma ênfase político-normativa, argumentos apresentados em outro artigo do autor (Bosco, 2020).

3 Para mais informações, conferir: http://knowyourcity.info/ Consultado a 10.02.2020.

4 É oportuno notar que, ao investigar as condições histórico-sociológicas que tornaram possível esse cosmopolitismo subalterno, Gopalan Balachandran (2014: 529) identifica no tipo de sociabilidade que tomou forma em cidades portuárias uma “capacidade de acomodar o trabalhador pobre de qualquer parte do mundo, independentemente, ainda que não de modo desatento, de raça, credo, nação ou gênero, e de mediar hábitos, atitudes e significados para afirmar e sustentar tal sociabilidade”.

5 Retomamos aqui a ontologia do cosmopolitismo formulada por Gerard Delanty (2009), com uma inflexão hermenêutica mais acentuada.

6 Sobre esse potencial epistemológico e o projeto de teoria social global a que dá forma, ver Kögler (1999) e Kögler e Dunaj (2018).

7 Retomamos aqui, em outros termos, a distinção entre uma e outra formulada por Ulrich Beck (2005).

8 Por um caminho distinto, é o que também argumenta Gerard Delanty (2009: 261 ss.).

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