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Revista Nutrícias

versão On-line ISSN 2182-7230

Nutrícias  no.19 Porto dez. 2013

 

ARTIGO DE REVISÃO



Estratégias para Intervenção Nutricional na Hiperuricémia e Gota

Strategies for Nutritional Intervention in Hyperuricemia and Gout

 

João Martins1; Eunice Jorge2; José Camolas3; Isabel do Carmo4

1Estagiário de Ciências da Nutrição, Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz, Via Alternativa ao Monte da Caparica, 2829 - 511 Caparica, Portugal
2Estagiária de Ciências da Nutrição, Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, Rua Dr. Roberto Frias, s/n, 4200-465 Porto, Portugal
3Nutricionista, Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, Hospital de Santa Maria, Avenida Professor Egas Moniz, 1649-035 Lisboa, Portugal
4Médica Endocrinologista, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Avenida Professor Egas Moniz, 1649-028 Lisboa, Portugal

Endereço para correspondência

 

RESUMO


A prevalência de hiperuricémia e gota tem vindo a aumentar na população portuguesa, nos últimos anos, à semelhança do que acontece com outros países desenvolvidos. O objectivo deste artigo é fazer uma revisão de evidência disponível, relativamente à intervenção nutricional nestas patologias, tendo em vista identificar estratégias para a intervenção nutricional em doentes com hiperuricémia e gota, com maior potencial de efectividade. Considerando que a hiperuricémia e a gota se associam frequentemente à obesidade, hipertensão arterial, dislipidémia, aterosclerose e síndrome metabólica, estes doentes representam uma oportunidade singular para uma avaliação e uma orientação nutricional mais abrangente.

Palavras-Chave: Gota, Hiperuricémia, Purinas, Obesidade, Etanol, Frutose

 


 

ABSTRACT

The prevalence of hyperuricemia and gout have been increasing in the Portuguese population, in recent years, similar to what happens with other developed countries. The purpose of this article is to review the available evidence in relation to nutritional intervention in these pathologies, in order to identify strategies for nutritional intervention in patients with hyperuricemia and gout, with greater potential for effectiveness. Whereas hyperuricemia and gout is often associated with obesity, hypertension, dyslipidemia, atherosclerosis and metabolic syndrome, these patients represent a unique opportunity for an evaluation and a more comprehensive nutritional guidance.

keywords: Gout, Hyperuricemia, Purines, Obesity, Ethanol, Fructose

 


 

INTRODUÇÃO
Ao longo da história, a gota tem sido associada a alimentos ricos em purinas e ao consumo excessivo de álcool (1). Tendo em conta que a sua incidência se relacionava com um estilo de vida habitual nas pessoas com elevados recursos económicos, recebeu a designação de “doença dos reis” (1). A patologia foi primeiramente identificada pelos egípcios, em 2640 a. C., como podagra (gota aguda, que ocorre na articulação metatarso-falângica primária) (1). Posteriormente foi reconhecida por Hipócrates, no século V a. C., como unwalkable disease, tendo este sido responsável pela identificação da ligação entre a doença e o estilo de vida luxuoso, distinguindo a podagra, como artrite dos ricos, do reumatismo, a artrite dos pobres (1). O conceito de tofos gotosos foi descrito, pela primeira vez, por Galen e Antoni van Leeuwenhoek (1632-1723), que descreveram o seu aspecto macroscópico, apesar de a sua composição química ser ainda desconhecida (1). A primeira pessoa a mencionar a palavra “gota” foi Randolphus de Bocking (1197-1258) (1). Mais tarde, Alfred Baring Garrod descreveu um método semi-quantitativo para a medição do ácido úrico no sangue ou na urina, sendo que este foi o primeiro teste clínico, alguma vez testado (2). Seegmiller foi responsável pela descrição do papel relevante da produção excessiva e da excreção diminuída do urato na patogénese da hiperuricémia (3). Relativamente ao tratamento da hiperuricémia, Garrod foi um dos primeiros a sugerir que esta poderia ser controlada baixando a ingestão de alimentos ricos em purinas, conceito esse que se perpetuou até aos dias de hoje (1).
A hiperuricémia consiste na presença de níveis elevados de ácido úrico sérico, devido à sua produção endógena elevada e à excreção renal reduzida (4-6). O valor normal da uricemia é 5,0mg/dl, valor mantido à custa da excreção do excedente da produção. Desta forma, valores séricos de ácido úrico, superiores ou iguais a 7mg/dL, nos homens, e a 6mg/dL, em mulheres, são critérios de diagnóstico para a hiperuricémia (4, 6). Esta diferença entre sexos poderá estar relacionada com o aumento da excreção renal de ácido úrico induzida pelos estrogénios nas mulheres e com o papel da obesidade abdominal, mais prevalente nos homens, que se associa a uma diminuição da excreção de ácido úrico (4, 7). Acima dos valores citados, há supersaturação de urato de sódio e consequente propensão à sua precipitação, originando os depósitos de urato monossódico cristalizado (5). A hiperprodução de ácido úrico pode ter causas genéticas, nomeadamente o aumento da afinidade da enzima fosforribosil-pirofosfato sintase para α-D-Ribose 5-fosfato, a resistência ao feedback negativo (do GMP, GDP, AMP e ADP) aumentando a actividade das enzimas envolvidas no catabolismo das purinas e défices enzimáticos no metabolismo do ácido úrico (5-6, 8). As situações em que existe aumento da purinossíntese de novo, nomeadamente, as doenças em que há um aumento do turnover celular (por exemplo, doença neoplásica), os estados hipercatabólicos e alguns fármacos (por exemplo os citotóxicos) também podem conduzir a hiperuricémia (5-6, 8). Apesar de o consumo excessivo de purinas ser o mais reconhecido, de entre os factores ambientais, os hábitos de ingestão de bebidas alcoólicas, a obesidade, as dietas hiperproteicas ou hiperenergéticas, a ingestão muito elevada de frutose e o sedentarismo serão igualmente importantes (4, 8, 10-15).
A gota é uma doença reumatológica, inflamatória, metabólica, que resulta de uma alteração do metabolismo das purinas e normalmente aparece associada à obesidade, piorando com a ingestão excessiva de álcool e gordura (4-6). Caracteriza-se pela deposição de cristais de urato nas articulações e progride em 4 estádios: hiperuricémia assintomática, artrite gotosa aguda (os cristais de urato monossódico presentes na articulação são fagocitados por leucócitos, levando à mais frequente manifestação inicial de gota), gota intercrítica (período entre as crises agudas de gota com ausência total de sintomas) e gota crónica tofácea (acumulação de cristais em várias localizações, revelando um estado prolongado e evoluído da doença) (5, 8). Nem todos os indivíduos que apresentam hiperuricémia desenvolvem gota, mas quase sempre doentes diagnosticados com gota tiveram hiperuricémia assintomática durante vários anos (4). Com o avanço da doença, os sintomas ocorrem com maior frequência, de forma mais prolongada e com mais junções articulares afectadas (17, 20-21). A presença de hiperuricémia não é apenas factor de risco para a artrite e gota crónica, também o é para a incidência de cálculos renais, eventos cardiovasculares e mortalidade prematura (4, 6, 9). A hiperuricémia também pode surgir associada a outras patologias, das quais se destacam a síndrome metabólica, a hipertensão arterial, diabetes tipo 2 e a doença renal crónica (4-6, 8-9, 16-19).
Epidemiologia da Hiperuricémia e Gota
A evidência epidemiológica, sugere que a prevalência de gota aumentou nas últimas décadas (20). Segundo dados do The National Health and Nutrition Examination Survey, a prevalência de gota nos adultos norte-americanos, em 2007-2008, era de 3,9% (8,3 milhões de adultos), correspondendo a 5,9% no sexo masculino e a 2,0% nas mulheres (21). Foram observados níveis médios de ácido úrico de 6,14 mg/dL nos homens e de 4,87 mg/dL nas mulheres, com prevalências de hiperuricémia de 21,2% e 21,6% respectivamente (21). Em termos comparativos, os valores de hiperuricémia nos adultos portugueses são inferiores, mas têm vindo a aumentar (22). Num estudo epidemiológico, realizado numa amostra de adultos, representativa da cidade do Porto, foi verificada uma prevalência de hiperuricémia de 12,8%, sendo mais frequente nos homens (22).
Fisiopatologia da Hiperuricémia e Gota
a) Catabolismo das purinas
O ácido úrico provém da degradação das purinas (Adenina e Guanina; dois dos nucleótidos que compõem o DNA e o RNA), aproximadamente 85% é de produção endógena e cerca de 15% é resultante da metabolização das nucleoproteínas contidas nos alimentos (4, 6, 8, 23). Estes nucleótidos são captados no fígado, sendo degradados em nucleosídeos, que posteriormente serão convertidos em hipoxantina e esta em xantina, pela enzima xantina oxidase, que também converte a xantina em ácido úrico, produto final da degradação das purinas no organismo humano (4, 8, 24).
b) Fisiologia molecular do transporte e excreção do urato
Os níveis séricos de urato dependem do balanço entre a sua produção e a excreção (8, 17). Normalmente, o organismo elimina urato suficiente por via renal (70%), e em menor proporção por via fecal (30%), mantendo uma concentração plasmática entre 1,5 e 6,0 mg/dl nas mulheres e entre 2,5 e 7,0 mg/dl nos homens (6, 17). O ácido úrico é um ácido fraco, que tem uma alta constante de dissociação, circulando no plasma (pH 7.4) principalmente na forma de urato, ligado à albumina (4, 6, 8, 24). Os cálculos de ácido úrico, formados em urinas com pH ácido, constituem entre 5 a 10% dos cálculos urinários (8, 17, 24). A hiperuricosúria, definida como sendo a excreção renal de urato superior a 800mg/dia nos homens e a 750mg/dia nas mulheres, pode ser uma causa de formação cálculos de urato. O tratamento dos cálculos de ácido úrico pode passar pela alcalização da urina para pH de 6,0-6,5, por via da ingestão de fruta, legumes e de água mineral alcalina, por exemplo (17). Um estudo de intervenção, numa população de estudantes universitárias japonesas, concluiu que a alcalização da urina, através da modelação da ingestão nutricional, promove a excreção de ácido úrico (18).
c) Relações entre Hiperuricémia, Obesidade e Síndroma Metabólica
A hiperuricémia associa-se, frequentemente, a componentes da síndrome metabólica, como a obesidade e a dislipidémia, e com factores de risco para a doença cardiovascular (4-6, 8-10, 14, 16, 19-21, 25). Em indivíduos com diabetes tipo 2, a obesidade visceral associou-se positivamente à uricemia (10). Este tipo de adiposidade condiciona alterações metabólicas, que contribuem para a acidificação da urina, promotora da formação de cálculos de ácido úrico (26).
Tratamento Farmacológico da Hiperuricémia e Gota
O tratamento farmacológico da hiperuricémia faz-se, habitualmente, com recurso ao Alopurinol, que actua como inibidor da enzima xantinaoxidase (converte a hipoxantina em xantina e esta em ácido úrico), e uricosúricos (por exemplo, probenicida ou sulfimpirazona), que bloqueiam a reabsorção tubular de urato, aumentando a sua excreção (5). Em casos de artrite gotosa aguda pode ser prescrita a colchicina, um fármaco utilizado essencialmente nas primeiras 24 horas após a crise (5).
Intervenção Nutricional na Hiperuricémia e Gota
Na Tabela 1 sintetiza-se alguma da evidência disponível, relativa à influência de alimentos e nutrientes seleccionados na incidência de gota.
a) Papel do aporte proteico
Habitualmente aos doentes com hiperuricémia e gota é desaconselhado a ingestão de algumas carnes e marisco, devido à sua riqueza em purinas. De facto, alguns estudos populacionais concluíram que o consumo elevado de carne e de marisco está associado a um risco aumentado de gota e de hiperuricémia (27, 31-32). No entanto, nem todos os alimentos fornecedores de proteínas condicionarão estas alterações, sendo que, por exemplo, o consumo de leite está associado a uma redução do risco, por via do papel uricosúrico das proteínas do leite (27, 31). Acresce que o consumo de proteína vegetal também não parece associar-se a um acréscimo no risco de gota, mesmo quando se consideram vegetais fornecedores de purinas (27). Note-se ainda que a ingestão total de proteína não parece estar directamente associada à elevação dos níveis séricos de ácido úrico (31-33).
b) Papel da restrição calórica
A insulinorresistência e a hiperleptinémia, associadas ao excesso de peso e à obesidade abdominal, parecem condicionar uma diminuição da excreção do ácido úrico, aumentando assim os seus níveis séricos (4, 10, 14). Em doentes com hiperuricémia e excesso de peso, é aconselhada uma restrição energética moderada (33-34). A perda de peso pode representar uma estratégia eficiente para reduzir os níveis séricos de ácido úrico, especialmente em mulheres na pós-menopausa e em homens (35).
c) Papel do aporte hídrico
Os cálculos de ácido úrico formam-se em urinas com pH ácido (8, 36-37). Em associação a uma dieta que promova a alcalinização da urina (rica em citrato e bicarbonato) é recomendável uma ingestão hídrica que promova um volume de urina a rondar os dois litros nas 24 horas (37). A ingestão de água, por via do aumento da excreção renal, conduz a uma diminuição dos níveis séricos de ácido úrico, bem como a uma menor probabilidade de formação de cálculos renais. Em resumo, recomenda-se a ingestão de cerca de 2-3 litros de líquidos por dia, dando-se preferência à ingestão de água (5).
d) Papel do etanol
O consumo de etanol pode induzir hiperuricémia, por diminuição da excreção e aumento da produção do ácido úrico (11-13). No seu metabolismo hepático, o etanol é primeiro oxidado em acetaldeído, que é oxidado em acetato. O acetato é metabolizado em acetil-CoA e durante esta conversão o ATP é desfosforilado em AMP. Uma parte desse AMP pode entrar na via da degradação do nucleótido de adenina, conduzindo à produção de ácido úrico. Durante o metabolismo do etanol ocorre o aumento dos níveis séricos de lactato que, a nível renal, condiciona uma diminuição da uricosúria (4, 12-13, 33). Considerando os resultados obtidos do Third National Health and Nutrition Examination Survey, efetuado numa população de 14809 pessoas dos EUA, as diferentes bebidas alcoólicas (cerveja, licor e vinho) têm diferente impacto nos valores séricos de ácido úrico. O consumo moderado de vinho (até um copo por dia) não se associa ao aumento do risco de hiperuricémia, em contraponto ao consumo de cerveja que confere um risco maior (38). Além do seu teor de álcool, a cerveja é rica em purinas, em especial guanosina, favorecendo assim a hiperuricémia e o risco de gota (39).
e) Papel da Frutose
Há alguma evidência que associa a ingestão elevada de frutose com o aumento das concentrações séricas de ácido úrico (15, 40-41). Durante o seu metabolismo hepático, a frutose é fosforilada a frutose 1-fosfato, por acção da enzima frutoquinase (4). Esta reacção estimula a hidrólise do ATP, com um subsequente aumento de AMP (40). Posto isto, a enzima aldolase quebra a frutose 1-fosfato em dihidroxiacetonafosfato e D-gliceraldeído (4). A acção da frutoquinase é rápida, mas a reacção com a aldolase é lenta, o que implica que, quando a ingestão de frutose é excessiva, exista uma acumulação da frutose
1-fosfato e uma diminuição da concentração intracelular do fosfato inorgânico (4). A baixa disponibilidade de fosfato limita a formação de ATP, assim o ADP ou o AMP resultantes deste metabolismo são catabolizados, conduzindo à hiperuricémia (4). Importa também atentar à importância da ingestão de sorbitol, que pode ser convertido em frutose com acção da enzima sorbitol desidrogenase, podendo contribuir para o aumento da produção de uratos (4).
Papel da Actividade Física em Indivíduos com Hiperuricémia e Gota
A actividade física é considerada um meio importante de prevenção da hiperuricémia (15, 24). Em indivíduos do sexo masculino, concluiu-se que o risco de gota é mais baixo naqueles que são fisicamente mais ativos e que mantêm o peso adequado (15). A prática de exercício físico de intensidade moderada associa-se a concentrações mais baixas de ácido úrico, podendo ser útil na prevenção de gota (24).

ANÁLISE CRÍTICA
A alimentação será uma via segura e efectiva na prevenção e abordagem terapêutica da hiperuricémia e da gota. A evidência disponível sustenta a importância das estratégias nutricionais, muito para além da clássica restrição de purinas. Algumas referências continuam a propor que o doente com gota opte pela evicção de alimentos ricos em purinas, tais como o porco, caça, vísceras, charcutaria, conservas de peixe, mariscos, café, chá e chocolate (5). No entanto, outros autores alargam a lista de alimentos a evitar ao etanol e ao consumo excessivo de frutose (5, 42). Na realidade, a associação entre uma dieta hiperproteica, fonte de alimentos ricos em purinas, com a hiperuricémia e a gota, carece de documentação científica adequada (28, 43). Embora as dietas hiperproteicas possam conter, concomitantemente, grandes quantidades de purinas, a sua ingestão não está directamente associada com os níveis do ácido úrico sérico (31-33). Em boa verdade, Li-Ching e colaboradores já haviam chamado a atenção para o facto do consumo de alimentos ricos em purinas per se não ser factor de risco importante para o aparecimento de gota (42). Numa abordagem holística do doente com hiperuricémia e/ou gota, recomenda-se que se rastreiem e tratem os fatores de risco cardiovascular, que fazem parte da síndrome metabólica, nomeadamente a obesidade, hipertensão, hiperlipidemia, insulinorresistência e diabetes (44-45). De facto, existe investigação que demonstrara um risco aumentado de gota em homens com IMC maior ou igual a 25, sendo que a magnitude dessa associação varia positivamente com o aumento do IMC (46). Em doentes com aumento da adiposidade e naqueles com síndrome de resistência à insulina, a hiperuricémia também estará associada a uma redução na uricosúria (4, 47). Portanto, em doentes obesos, a orientação dietética deve ser no sentido de uma dieta hipocalórica, com vista ao controlo não só da uricemia, mas também do peso e das comorbilidades. Um aspecto de extrema importância na orientação nutricional do doente com hiperuricémia ou gota é o consumo de bebidas alcoólicas e de alimentos ricos em frutose. A ingestão de álcool aumenta a uricemia, por incrementar a degradação do ATP em adenosina monofosfato (AMP), que é rapidamente convertido em ácido úrico e também por reduzir a excreção renal do ácido úrico (4, 11-13). Quanto à ingestão de alimentos ricos em frutose, existe um grande conjunto de evidência científica que os associa ao aumento dos níveis séricos de ácido úrico. Contudo, existe a necessidade de fazer um contraponto, relativamente ao tipo de alimentos ricos em frutose, uma vez que a fruta, por exemplo, é responsável pela alcalinização da urina, o que vai promover o aumento da excreção de ácido úrico. Por outro lado, este efeito uricosúrico pode ser ainda incrementado pelo fornecimento concomitante de vitamina C (30).

CONCLUSÕES
A prevalência da hiperuricémia tem vindo a aumentar na nossa população, sendo essencial definir linhas orientadoras para a intervenção nutricional a este nível. A hiperuricémia e a gota, geralmente, estão associadas com a obesidade, hipertensão, dislipidémia, aterosclerose e síndrome metabólica. Neste contexto, um doente com gota representa uma oportunidade singular para uma avaliação mais abrangente e uma orientação dietética mais objetiva e esclarecida. Assim sendo, as linhas orientadoras em termos de intervenção nutricional devem incidir nomeadamente: a) na adequação do consumo de alimentos ricos em proteínas e purinas, por exemplo, assegurando o consumo adequado de leite e derivados; b) na prescrição de um plano alimentar estruturado e ligeiramente hipocalórico em casos de obesidade; c) na restrição de bebidas alcoólicas; d) na restrição de bebidas ou produtos alimentares com quantidades excessivas de frutose e/ou sorbitol; e) na ingestão diária de cerca de dois litros de água alcalina.
Neste contexto, a terapêutica nutricional não deverá estar limitada às estratégias de evicção de alimentos ricos em purinas, adoptando uma perspectiva holística, baseada na evidência disponível. Com este formato, constituirá uma ferramenta potencialmente mais eficaz, ao dispor dos profissionais de saúde, nomeadamente os nutricionistas, na promoção de ganhos em saúde para os utentes.

 

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Endereço para correspondência
José Camolas
Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, Piso 6, Hospital de Santa Maria, Avenida Professor Egas Moniz 1649-028 Lisboa, Portugal
jose.camolas@gmail.com


Recebido a 1 de Novembro de 2013
Aceite a 19 de Fevereiro de 2014

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