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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.39 no.5 Lisboa out. 2023  Epub 31-Out-2023

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v39i5.13518 

Estudos originais

Polimedicação no idoso: perceção dos médicos de família (projeto de investigação)

Polymedication among elderly: family physicians’ perception (research project)

Bárbara Martins1 
http://orcid.org/0000-0001-6876-3395

Ângela Mendes2 

Joana Gonçalves Luís1 

Rosa Maria Araújo3 

1. Médica Interna de Medicina Geral e Familiar. USF São Lourenço - ACeS Cávado I. Braga, Portugal.

2. Médica Especialista de Medicina Geral e Familiar. USF São Lourenço - ACeS Cávado I. Braga, Portugal.

3. Médica Especialista de Medicina Geral e Familiar. USF São Geraldo - ACeS Cávado I. Braga, Portugal.


Resumo

Introdução:

A polimedicação define-se pela utilização simultânea, apropriada ou não, de acordo com as comorbilidades de cada doente, de pelo menos cinco fármacos no mesmo utente. O médico de família (MF) deve identificar e combater, quando clinicamente apropriado, a polifarmácia.

Objetivos:

Identificar a prevalência de polimedicação e as principais classes farmacológicas potencialmente inapropriadas utilizadas nos utentes muito idosos inscritos na Unidade de Saúde Familiar participante e avaliar a perceção dos MF sobre esta realidade.

Método:

Estudo observacional transversal analítico na população dos inscritos com idade igual ou superior a 80 anos. Foram excluídos os utentes sem registos clínicos nos últimos três anos. Distribuiu-se um questionário aos MF para avaliar a sua perceção face à polimedicação no seu ficheiro. Os dados relativos à medicação utilizada pelos utentes foram obtidos dos programas SClínico® e PEM® e analisados no Excel®.

Resultados:

Incluíram-se 386 utentes com idade média de 85,6 anos, 62% do sexo feminino. 79,5% dos utentes estavam polimedicados, com uma média de 7,1±3,1 fármacos por utente. As estatinas corresponderam ao grupo farmacológico mais prescrito (64,2%) dos pesquisados, com as benzodiazepinas e os inibidores da bomba de protões a constituírem as classes potencialmente inapropriadas mais utilizadas em igual proporção (35%). Cinco MF aceitaram participar no estudo; três definiram corretamente polimedicação e evidenciaram perceção aproximada da realidade na respetiva lista de utentes. A percentagem de utilização de benzodiazepinas foi sobrestimada por quatro clínicos; a prescrição de anticoagulantes foi subestimada por três profissionais, contrariamente à utilização de antiagregantes e sulfuniloreias, sobrestimados em igual proporção.

Discussão/Conclusão:

Este estudo permitiu caracterizar o problema da polimedicação na unidade investigada, potenciando a consciencialização individual e da equipa para esta problemática, sendo que a prevalência se revelou superior à relatada noutros estudos. As investigadoras concluem que é imperativo desenvolver estratégias de combate à polimedicação.

Palavras-chave: Idoso; Polimedicação; Classes de fármacos potencialmente inapropriadas

Abstract

Introduction:

Polymedication is defined by the simultaneous use, appropriate or not, according to the comorbidities of each patient, of at least five drugs in the same person. The family physician (FP) should identify and combat, when clinically appropriate, polypharmacy.

Objectives:

To identify the prevalence of polymedication and the main potentially inappropriate pharmacological classes used in the elderly patients of the participating Family Health Unit and to evaluate the perception of FP about this reality.

Methods:

Analytical cross-sectional observational study in the population of patients aged 80 years or older. Patients without clinical records in the last three years were excluded. A questionnaire was distributed to FP to assess their perception of polymedication in their file. Data on the medication used by patients were obtained from SClinico® and PEM® software and analyzed in Excel®.

Results:

386 patients were included, with a mean age of 85.6 years, 62% female. 79.5% of the patients were polymedicated, with an average of 7.1±3.1 drugs per patient. Statins corresponded to the most prescribed pharmacological group (64.2%), with benzodiazepines and proton pump inhibitors (PPIs) being the most commonly used potentially inappropriate classes in equal proportion (35%). Five FPs agreed to participate in the study; three correctly defined polymedication and showed an approximate perception of the reality of their file. The percentage of benzodiazepine use was overestimated by four clinicians; the prescription of anticoagulants was underestimated by three professionals, contrary to the use of antiaggregants and sulfonyloreas, which were overestimated in equal proportion.

Discussion/Conclusion:

This study allowed us to characterize the problem of polymedication in the unit investigated, enhancing individual and team awareness about this problem. Polymedication prevalence was higher than that reported in other studies. The researchers conclude that it is imperative to develop strategies to combat polymedication.

Keywords: Elderly; Polymedication; Potentially inappropriate drug classes

Introdução

A polimedicação é mais consensualmente definida como a utilização simultânea de pelo menos cinco fármacos no mesmo utente, assumindo-se como uma realidade proeminente na população idosa. 1 Em função das comorbilidades de cada doente, esta prescrição pode ser adequada e necessária, podendo, contudo, incluir fármacos potencialmente inapropriados face à situação clínica global do paciente. Em Portugal existem poucos estudos sobre a prevalência de polimedicação nos cuidados de saúde primários. Um estudo realizado no Norte do país revelou uma prevalência de polimedicação de 59,2%, sendo esta superior no sexo feminino relativamente ao masculino (62% vs 54,8%).2

A polimedicação pode associar-se a efeitos adversos, sobretudo em idosos, nomeadamente ao aumento do risco de quedas, interações medicamentosas, redução da adesão terapêutica, hospitalizações e mortalidade. 3 Para além dos riscos clínicos associados representa adicionalmente gastos acrescidos para o utente e para os serviços de saúde. 4

Existem ferramentas úteis que auxiliam os clínicos na decisão sobre as melhores opções terapêuticas e a desprescrição no doente idoso. Os critérios de Beers, da Associação Americana de Geriatria, representam uma dessas ferramentas, constituindo uma lista detalhada de classes farmacológicas potencialmente inapropriadas que devem ser evitadas nos idosos na maioria das circunstâncias ou em situações específicas. 5 Existem ainda os critérios de STOPP/START, que se organizam por sistemas fisiológicos e apresentam 81 critérios nos quais se deve considerar a suspensão de uma determinada terapêutica. 6

Os objetivos do presente estudo foram determinar a frequência de polimedicação na população com idade igual ou superior a 80 anos inscrita na USF em estudo, caracterizar os principais grupos farmacológicos potencialmente inapropriados mais prescritos e conhecer qual a perceção dos clínicos sobre a polimedicação na sua lista de utentes.

Método

Foi realizado um estudo observacional, transversal com vertente analítica, que decorreu em janeiro/2022, após parecer favorável da Comissão de Ética para a Saúde da Administração Regional de Saúde do Norte obtido em dezembro/2021. Foram incluídos no estudo todos os utentes inscritos na USF investigada com idade igual ou superior a 80 anos, excluindo os não frequentadores nos últimos três anos e os utentes sem registo de informação relativa a terapêutica farmacológica no programa SClínico® ou na plataforma de Prescrição Eletrónica Médica (PEM®). Os dados foram colhidos pelas investigadoras do projeto, tendo sido compilados numa base de dados anonimizada e encriptada no Microsoft Excel® para assegurar a confidencialidade dos dados.

As variáveis em estudo foram sexo, idade, número de medicamentos que constam da medicação habitual, classes de fármacos potencialmente inapropriadas prescritas de acordo com os critérios de Beers, nomeadamente anticoagulantes, antiagregantes, inibidores da bomba de protões (IBP), sulfonilureias, insulina, anti-inflamatórios não esteroides (AINE), benzodiazepinas e antidepressivos tricíclicos, acrescendo as estatinas. Os MF da unidade foram convidados a participar no estudo após consentimento informado livre e esclarecido, tendo respondido posteriormente a um questionário com vista a avaliar a sua perceção no que respeita à realidade da polimedicação na sua lista de utentes. A análise estatística foi realizada com recurso ao Microsoft Excel®.

Resultados

Do universo de 10.572 utentes inscritos na USF à data de colheita dos dados, 414 idosos apresentavam idade igual ou superior a 80 anos, tendo sido incluídos no estudo 386 utentes após aplicação dos critérios de exclusão. A idade média era de 85,5 anos, com 62% dos utentes a pertencerem ao sexo feminino. A frequência de polimedicação na amostra estudada foi de 79,5%, com uma média de 7,1±3,1 fármacos por utente. As estatinas corresponderam ao grupo farmacológico mais prescrito (64,2%) entre os pesquisados, com as benzodiazepinas e os IBP a constituírem as classes potencialmente inapropriadas mais utilizadas em igual proporção (35,0%), seguidas dos antiagregantes (28,8%) (Figura 1). Ainda assim, a maioria dos utentes da amostra integra na sua medicação habitual no máximo até duas das classes potencialmente inapropriadas entre as pesquisadas (86,5%) (Figura 2). Cinco médicos de família de entre os seis integrantes da equipa da USF aceitaram participar no estudo. Destes, três definiram corretamente polimedicação e evidenciaram uma perceção aproximada da realidade quanto à frequência na sua lista de utentes (Figura 3). A percentagem de utilização de benzodiazepinas foi sobrestimada por quatro clínicos e todos erraram na percentagem de utentes a realizar esta classe; a prescrição de anticoagulantes foi subestimada por três médicos contrariamente à percentagem de utilização de antiagregantes e sulfunilureias, sobrestimados em igual proporção (Tabela 1). Entre os principais obstáculos à desprescrição terapêutica, os clínicos destacaram as comorbilidades dos utentes, a pressão dos utentes/famílias para a prescrição, a falta de tempo na consulta e a interação com os cuidados de saúde secundários. Todos os médicos consideraram que a polimedicação é um problema na sua lista de utentes e que seria necessário terem mais formação nesta área.

Figura 1 Percentagem de prescrição das classes terapêuticas na amostra. 

Figura 2 Integração de fármacos potencialmente inapropriados na medicação habitual. 

Figura 3 Comparação entre perceção e realidade dos MF em relação à polimedicação da sua lista de utentes. 

Tabela 1 Comparação entre a perceção dos médicos de família e a realidade da prescrição na sua lista de utentes 

Discussão/conclusão

A realização deste estudo permitiu caracterizar a realidade da polimedicação do utente muito idoso na USF em estudo, potenciando a consciencialização individual e da equipa para esta problemática. A prevalência de doentes polimedicados encontrada foi superior à relatada noutros estudos realizados em contexto de cuidados de saúde primários, 7-8 entre os quais o estudo de Castilho e colaboradores, que revelou uma frequência de polifarmácia na amostra de utentes com idade igual ou superior a 75 anos de 62,3%.9 Todos os médicos de família sobrestimaram a percentagem de utentes da sua lista medicados com benzodiazepinas. Esta sobrestimação da realidade poderá estar relacionada com a presença do indicador dos cuidados de saúde primários que procura monitorizar a prescrição prolongada de ansiolíticos, sedativos e hipnóticos, o que poderá contribuir para uma maior consciencialização dos clínicos face a esta classe terapêutica. A elaboração do presente estudo permitiu também evidenciar a necessidade de registos clínicos cuidados e completos, uma vez que muitos utentes não apresentavam de forma explícita a sua medicação completa registada nas plataformas. Uma das limitações do estudo foi o número de classes farmacológicas potencialmente inapropriadas pesquisadas e a não investigação da pertinência dos utentes se encontrarem a realizar essas terapêuticas. No entanto, o estudo permitiu discutir a temática da polimedicação do utente muito idoso com a equipa de saúde, sensibilizar os clínicos para a necessidade da reconciliação terapêutica e do combate à inércia da desprescrição, assim como ter representado um momento de autoavaliação dos médicos de família no que respeita a esta temática e do reconhecimento da necessidade de maior formação na área. As investigadoras concluem que é imperativo desenvolver estratégias de combate à polimedicação, nomeadamente com formação contínua na área da desprescrição terapêutica.

Contributo dos autores

As autoras contribuíram equitativamente em todas as fases do estudo e da elaboração deste manuscrito.

Conflito de interesses

Os autores declaram não possuir quaisquer conflitos de interesse.

Financiamento

O trabalho não foi objeto de qualquer tipo de financiamento externo.

Referências bibliográficas

1. Gnjidic D, Hilmer SN, Blyth FM, Naganathan V, Waite L, Seibel MJ, et al. Polypharmacy cutoff and outcomes: five or more medicines were used to identify community dwelling older men at risk of different adverse outcomes. J Clin Epidemiol. 2012;65(9):989-95. [ Links ]

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9. Castilho I, Rocha E, Magalhães S, Vaz Z, Costa A. Polifarmácia e utilização de medicação potencialmente inapropriada no idoso com idade igual ou superior a 75 anos: o caso de uma Unidade de Saúde Familiar. Acta Med Port. 2020;33(9):632. [ Links ]

Recebido: 26 de Maio de 2022; Aceito: 18 de Abril de 2023

Endereço para correspondência Bárbara Martins E-mail: ba.martins94@gmail.com

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