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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.39 no.4 Lisboa jul. 2023  Epub 31-Jul-2023

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v39i4.13823 

Carta ao editor

A propósito das faltas dos utentes

Regarding patients’ missed appointments

Joana Filipa Ferreira Vieira1 
http://orcid.org/0000-0003-4740-9658

1. USF São Pedro da Cova, ACeS Grande Porto II - Gondomar. Porto, Portugal.


Prezado Editor,

Foi com grande interesse e curiosidade que li o artigo publicado na Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar intitulado O custo médico das faltas dos utentes da USF Ramada.1

Com o crescente consumo de saúde por parte da população portuguesa, a gestão de recursos humanos e económicos constitui um dos grandes desafios atuais e futuros no âmbito dos cuidados de saúde primários.

Os autores deste estudo debruçaram-se num fenómeno comum na rotina do médico de família, que é a falta de utentes a consultas programadas. Mencionaram custos diretos, como o custo médico representado pela remuneração por tempo de consulta, e custos indiretos, como a falta de assistência a outros utentes naquele horário. Embora os resultados obtidos não possam ser generalizados para outras populações, e apesar de a análise se basear somente no impacto económico das faltas baseado na remuneração médica por tempo de consulta, o artigo ilustra a realidade de um grande volume de custos evitáveis em saúde.

De facto, como Interna de formação específica de Medicina Geral e Familiar deparo-me frequentemente com faltas de utentes sem aviso prévio. Em contrapartida, reconheço situações de outros utentes com necessidade de consulta programada que não obtêm marcação no tempo desejável, o que compromete a acessibilidade, um dos requisitos de uma especialidade comunitária como a Medicina Geral e Familiar. 2

Perante a não comparência de um utente no dia da consulta é verdade que o tempo não é desaproveitado, dado o volume de atividade não assistencial não raras vezes pendente. Ainda assim, trata-se de horas de trabalho que não servem o seu propósito programado.

Como complemento a este estudo teria sido interessante avaliar os motivos de falta às consultas programadas.

Na literatura, o esquecimento dos utentes está descrito como um dos motivos mais comuns para o não comparecimento. 3 A maioria das unidades de saúde em Portugal possui um sistema automático que envia um lembrete da marcação da consulta via SMS alguns dias antes da mesma. Dependendo de cada local, existem outras estratégias para relembrar atempadamente os utentes, como o email ou o contacto telefónico prévio por parte do secretariado clínico. Outros motivos frequentemente reportados incluem a interferência da consulta no horário laboral, em indivíduos ativos, e o cumprimento de compromissos familiares, como a prestação de cuidados a idosos ou crianças. 3 Estas faltas poderiam ser contornadas através de uma adaptação do horário médico, de forma a oferecer mais vagas de consultas médicas vespertinas.

Seria de igual importância averiguar se houve qualquer tentativa prévia por parte dos utentes em anular a sua consulta. É benéfico para a unidade de saúde e para o utente que este seja conhecedor dos canais de contacto disponíveis para proceder à desmarcação. Se se verificar que estes canais de atendimento não são eficientes, a desmarcação direta, através da criação e divulgação de um sistema online acessível ao utente e independente dos profissionais de saúde, representaria uma alternativa viável.

Como os autores, considero que outra medida para a menorização deste problema poderia passar por educar os doentes faltosos, alertando para os prejuízos de uma consulta não efetuada. A divulgação dos benefícios em comparecer a uma consulta programada, e dos prejuízos em faltar sem aviso prévio, é um passo essencial na consciencialização dos utentes.

Este esclarecimento poderia ser efetuado através de panfletos ou cartazes afixados na unidade de saúde e publicados nas plataformas digitais, quando disponíveis. Outra hipótese seria, após uma falta a uma consulta programada sem justificação, o envio de uma mensagem automática via SMS e/ou correio eletrónico, em que fosse revelado o custo médio da consulta não realizada e o tempo de espera estimado para uma nova consulta. Esta atitude de transparência por parte da unidade prestadora de cuidados de saúde seria não com o intuito de repreender, mas informar e sensibilizar os utentes para a utilização consciente dos cuidados de saúde primários.

Na gestão de recursos em saúde são muitas vezes discutidas medidas em grande escala, com resultados difíceis de prever a longo prazo. O simples incentivo ao comparecimento dos utentes às consultas programadas, com estratégias de educação para a saúde a nível interno e adaptado aos recursos disponíveis em cada unidade, representa uma medida de baixo custo, com alto potencial efetivo. 4

Este artigo sinaliza, de facto, a necessidade de repensar estratégias para melhorar a acessibilidade. Uma consulta realizada é um ganho em saúde para o utente que comparece; uma desmarcação atempada é uma possibilidade de garantir acesso a outros utentes.

Referência bibliográfica

1. Pedrosa BF. O custo médico das faltas dos utentes da USF Ramada [The medical cost of USF Ramada patients' absences]. Rev Port Med Geral Fam. 2023;39(1):9-18. Portuguese [ Links ]

2. Broeiro P. Transformar recursos em resultados [Turning resources into results]. Rev Port Med Geral Fam. 2017;33(2):86-9. Portuguese [ Links ]

3. Parsons J, Bryce C, Atherton H. Which patients miss appointments with general practice and the reasons why: a systematic review. Br J Gen Pract. 2021;71(707):e406-e12. [ Links ]

4. Margham T, Williams C, Steadman J, Hull S. Reducing missed appointments in general practice: evaluation of a quality improvement programme in East London. Br J Gen Pract. 2020;71(702):e31-e8. [ Links ]

Recebido: 17 de Maio de 2023; Aceito: 31 de Julho de 2023

Endereço para correspondência Joana Filipa Ferreira Vieira E-mail: joanavieira_12@hotmail.com


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Respostas dos autores

Bruno Ferreira Pedrosa2 

2Médico Interno de Medicina Geral e Familiar. USF Ramada, ACeS Loures-Odivelas. Odivelas, Portugal

Em primeiro lugar, agradeço à colega o envio desta carta que discute novamente este tema ainda pouco abordado no contexto dos cuidados de saúde primários, principalmente no nosso país.

Como referido pela colega, o nosso artigo caracteriza apenas uma das muitas consequências das faltas dos utentes. No entanto, os custos indiretos não são de menosprezar, não só aqueles relacionados com a saúde individual do utente faltoso, mas também do ponto de vista da equidade no acesso a consultas médicas.

Após a realização desta investigação foram implementadas diferentes medidas na nossa unidade de saúde de forma a mitigar o número de faltas dos utentes, desde lembretes por mensagem telefónica para a marcação da consulta até à educação da população através da divulgação de cartazes, publicações online e sensibilização do utente faltoso para as consequências da sua falta. Os resultados destas estratégias devem ser estudados de forma a compreender o seu impacto. Contudo, continuam a existir faltas a consultas programadas por parte dos utentes, o que pode indicar que diferentes causas permanecem por abranger.

Assim, de forma a permitir uma melhoria no acesso a consultas será necessário implementar medidas dirigidas às causas das faltas dos utentes. A literacia e cidadania em saúde prevalecem como os maiores e mais efetivos recursos disponíveis, contudo, ainda os menos utilizados nesta e noutras áreas da Medicina.

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