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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

Print version ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.39 no.3 Lisboa June 2023  Epub June 30, 2023

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v39i3.13573 

Relatos de caso

Sinal de Hutchinson: uma pista na orientação de um caso de herpes zoster

Hutchinson’s sign: a clinical clue for the diagnosis of herpes zoster ophthalmicus

Diana Damas Teixeira1 

Pedro Peixoto2 
http://orcid.org/0000-0001-7861-0851

Sandra Rodrigues1 

1. USF do Mar, ACeS Grande Porto IV - Póvoa de Varzim/Vila do Conde. Póvoa do Varzim, Portugal.

2. ACeS Grande Porto IV - Póvoa de Varzim/Vila do Conde. Póvoa do Varzim, Portugal.


Resumo

Introdução:

O herpes zoster resulta da reativação do vírus varicela-zoster (VVZ) após infeção primária (varicela). O herpes zoster oftálmico ocorre quando há reativação do VVZ a envolver o ramo oftálmico do nervo trigémio e condiciona um maior risco de desenvolvimento de complicações graves.

Descrição do caso:

O presente caso aborda um homem de 74 anos que recorre à Unidade de Saúde Familiar por quadro compatível com herpes zoster oftálmico e que, ao exame objetivo, apresentava lesões vesiculares ao nível da extremidade nasal - sinal de Hutchinson. A presença deste sinal correlaciona-se com o envolvimento do nervo nasociliar e encontra-se associado a um maior risco de complicações oculares.

Comentário:

Este caso realça a importância do exame objetivo completo, por vezes com necessidade de avaliação oftalmológica urgente perante a suspeita de herpes zoster oftálmico.

Palavras-chave: Herpes zoster; Herpes zoster oftálmico; Sinal de Hutchinson

Abstract

Introduction:

Herpes zoster results from the reactivation of varicella-zoster virus (VZV) after primary infection (varicella). Herpes zoster ophthalmicus occurs when there is reactivation of VZV involving the ophthalmic branch of the trigeminal nerve and it results in a higher risk of long-term sequelae.

Case report:

This case presents a 74-year-old man with herpes zoster ophthalmicus who had a vesicular rash involving the tip of the nose - Hutchinson’s sign. This sign is a strong predictor of ocular complications due to the involvement of the nasociliary nerve.

Comments:

This case report highlights the need for a complete physical examination, including urgent ophthalmic evaluation when suspicious of herpes zoster ophthalmicus.

Keywords: Herpes zoster; Herpes zoster ophthalmicus; Hutchinson’s sign

Introdução

O envolvimento do nervo trigémio pelo vírus varicela-zoster (VVZ) representa risco de desenvolvimento de complicações graves, sobretudo quando atinge o ramo oftálmico, responsável pela inervação de várias estruturas do globo ocular e extremidade nasal.

O presente caso aborda um doente com herpes zoster oftálmico que apresentava, ao exame objetivo, sinal de Hutchinson positivo. Os seus principais objetivos são relembrar esta entidade clínica, dadas as suas implicações na orientação terapêutica e, sobretudo, alertar para a importância do exame objetivo atento de uma pessoa que recorre aos cuidados de saúde primários com o diagnóstico provável de herpes zoster oftálmico.

Descrição do caso

Doente do sexo masculino de 74 anos de idade, raça caucasiana, casado, com quatro anos de escolaridade, canalizador. Como antecedentes pessoais de relevo apresenta hiperplasia benigna da próstata, insónia intermédia e doença diverticular. Das patologias desenvolvidas no período de infância destacam-se varicela e sarampo. Medicado cronicamente com tansulosina 0,4 mg id e bromazepam 1,5 mg id. Sem alergias conhecidas, sem hábitos tabágicos, alcoólicos e toxifílicos.

Recorreu a consulta não programada na Unidade de Saúde Familiar (USF) por quadro com cinco dias de evolução caracterizado por parestesias ao nível da região frontoparietal direita, procedido, após três dias, pelo aparecimento de lesões vesiculares envolvendo a respetiva área, com progressão ao longo do andar superior da hemiface ipsilateral até à extremidade nasal. Negava qualquer intercorrência infeciosa nos últimos meses, bem como alterações da alimentação ou variação ponderal. O exame objetivo realizado revelava a presença de múltiplas erupções papulovesiculares de base eritematosa, algumas das quais em crosta, distribuídas pela região frontotemporal direita, sem ultrapassar a linha média e com extensão até à extremidade do nariz (sinal de Hutchinson) - Figuras 1 e 2. Apresentava também ligeiro edema da pálpebra superior direita, sem hiperemia conjuntival, alterações dos movimentos oculares, reflexo fotomotor, diminuição da acuidade visual ou fotofobia. O restante exame objetivo não revelou alterações, nomeadamente o exame neurológico sumário e a avaliação do estado nutricional (Mini Nutritional Assessment a pontuar 14 na avaliação inicial).

Figura 1 Erupções papulovesiculares de base eritematosa localizadas na região frontotemporal direita. 

Figura 2 Extensão das erupções papulovesiculares à extremidade do nariz - sinal de Hutchinson. 

Foi, perante o contexto descrito, assumido diagnóstico de herpes zoster oftálmico, tendo sido medicado com valaciclovir 1 g 3 id durante uma semana, naproxeno 500 mg 2 id durante três dias, lágrimas artificiais e, posteriormente, encaminhado para o serviço de urgência (SU) de oftalmologia para observação e exclusão de atingimento ocular. No SU objetivou-se a presença de blefarite com exsudação mucopurulenta, pelo que o tratamento foi complementado com ofloxacina colírio.

As lesões cutâneas resolveram gradualmente, apresentando-se em fase de crosta no último dia de tratamento com valaciclovir (Figura 3) e em fase cicatricial sete dias após terminar tratamento - Figura 4.

Figura 3 Erupções em fase de crosta, no último dia de tratamento com valaciclovir. 

Figura 4 Lesões cicatriciais sete dias após terminar tratamento com valaciclovir. 

Comentário

A infeção pelo vírus varicela-zoster (VVZ) pode dar origem a dois quadros clínicos distintos resultantes da infeção primária e reativação. Após a infeção primária (varicela), o VVZ permanece latente na raiz dorsal dos gânglios sensoriais ou dos nervos cranianos e a sua reativação vai condicionar o segundo quadro clínico, designado herpes zoster.1-2

A reativação do VVZ é mais comum em pessoas imunocomprometidas e com idade mais avançada, sendo oito a dez vezes mais frequente em pessoas com mais de 60 anos de idade. 3

O herpes zoster oftálmico decorre da reativação do VVZ com envolvimento do ramo oftálmico (V1) do nervo trigémio1 e acomete cerca de 10 a 20% dos indivíduos com herpes zoster. 4 Pelo menos 50% destes apresentarão envolvimento ocular direto se não for iniciado tratamento adequado. 4-5

O ramo oftálmico (V1) dá origem a três ramos secundários - frontal, lacrimal e nasociliar. O ramo nasociliar é responsável pela inervação sensitiva das mucosas dos seios frontal, etmoidal e esfenoidal, cavidade nasal, corpo ciliar, íris, córnea e conjuntiva. O seu ramo terminal é responsável pela inervação da pele da extremidade do nariz, bem como pela inervação sensitiva do globo ocular, córnea e úvea. 2,5

O sinal de Hutchinson define-se pela presença de lesões ao nível da extremidade do nariz no contexto de herpes zoster oftálmico e, dado o envolvimento do ramo nasociliar, verifica-se um maior risco de complicações oculares. 1-2,4-8 O exame objetivo oftalmológico é recomendado perante a suspeita de envolvimento ocular, pelo que a referenciação para o SU de oftalmologia deve ser ponderada sempre que se verifique este sinal. 2 A presença de sintomatologia ocular no contexto do quadro descrito, como: diminuição da acuidade visual, dor ocular ou fotofobia, constitui um importante sinal de alarme independente da presença de sinal de Hutchinson.6-7

O início precoce do tratamento, idealmente nas primeiras 72 horas após o aparecimento de sintomas, reduz o risco de complicações como a nevralgia pós-herpética, uveíte, queratite e episclerite e respetivas sequelas, de que se destacam a perda de visão e a dor ocular crónica. 2,8

Este caso permite relembrar uma entidade clínica importante pelo potencial impacto que pode inferir na vida dos doentes. Como abordado no presente relato, a atuação e a intervenção precoces podem modificar a história natural da doença. O papel do médico de família, perante o diagnóstico de herpes zoster oftálmico, inclui a procura e valorização deste sinal, de modo a orientar adequadamente o doente. O conhecimento básico da doença por parte da população, nomeadamente no que concerne aos sinais de alarme que justifiquem uma avaliação médica urgente, tem igualmente implicações diretas no prognóstico da mesma. Este aspeto reforça a importância das estratégias de educação para a saúde, nas quais o médico de família poderá desempenhar um papel central.

Contributo dos autores

Conceptualização, DDT, PP e SR; redação do draft original, DDT e PP; redação, edição e validação do texto final, DDT e PP; supervisão, SR.

Conflito de interesses

Os autores declaram não possuir quaisquer conflitos de interesse.

Referências bibliográficas

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6. Szent-Ivanyi J, Hassan AS, Teimory M. Herpes zoster ophthalmicus: is the globe involved? BMJ Case Rep. 2014;2014:bcr2014204566. [ Links ]

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Recebido: 19 de Agosto de 2022; Aceito: 01 de Fevereiro de 2023

Endereço para correspondência Pedro Peixoto E-mail: pedropereirapeixoto@gmail.com

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