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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.39 no.2 Lisboa abr. 2023  Epub 30-Abr-2023

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v39i2.13704 

Carta ao editor

Hábitos alimentares: aconselhamento breve

Brief intervention on dietary behaviors

Mariana Braga1 
http://orcid.org/0000-0002-7491-2892

Inês M. Caetano2 

Leonor Simões Raposo3 

1. USF Delta, ACeS Lisboa Ocidental e Oeiras. Paço d’Arcos, Portugal.

2. USF Linha de Algés, ACeS Lisboa Ocidental e Oeiras. Algés, Portugal.

3. USF Conde de Oeiras, ACeS Lisboa Ocidental e Oeiras. Oeiras, Portugal.


Caro Editor da Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (RPMGF),

Foi com grande entusiasmo que tomámos conhecimento do artigo Avaliação dos hábitos alimentares nos cuidados de saúde primários: uma ferramenta de apoio à prática clínica,1 publicado no volume 38 da RPMGF. Gostaríamos de salientar a pertinência do tema e parabenizar os autores pela proposta de criação de uma ferramenta que facilite a avaliação dos hábitos alimentares dos utentes, bem como o acompanhamento da sua evolução com o histórico de registos.

Vimos partilhar algumas reflexões acerca da ferramenta proposta, que poderão ser úteis para o seu desenvolvimento.

A evidência, já amplamente explanada no artigo e incluída no Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS), 2 mostra que os modelos de intervenção breve têm eficácia, 3 pelo que em contexto de consulta não urgente todos os utentes beneficiam da sua aplicação, em particular aqueles com fatores de risco metabólicos ou doença crónica. A aplicação desta intervenção de forma padronizada permite alcançar uma maior eficácia e garantir que os aspetos essenciais são abordados. Assim, a criação de uma ferramenta integrada no programa SClínico® revela-se determinante para promover a realização de intervenção breve em nutrição e auxiliar os profissionais na sua execução.

De acordo com os princípios de ação do PNPAS foi já desenvolvido um modelo de aconselhamento breve, em linha com a abordagem realizada noutros programas, como a cessação tabágica e a promoção de atividade física. Estes programas têm disponíveis separadores próprios, que auxiliam e guiam o clínico, seja em modelo de intervenção breve seja em consulta dedicada ao tema.

São características definidoras do aconselhamento breve este ser uma interação de encorajamento, com o fornecimento de recomendações, com cerca de dez minutos de duração e que deve seguir o modelo de intervenção motivacional, isto é, adaptado ao grau de motivação do doente e ajustado às suas limitações e preferências. 2

A intervenção proposta pelo PNPAS baseia-se no modelo dos 5As, começando com a Abordagem do tema da alimentação saudável e Avaliação, de forma breve, dos hábitos alimentares, através de um questionário de onze itens, bem como da motivação para a mudança. A perceção do utente em relação à adequação dos seus hábitos e a motivação para a mudança são aspetos determinantes para o sucesso e manutenção desta alteração de comportamentos.

Perante um utente não motivado é imperativo que seja dado foco à relevância do tema, procurando elicitar no discurso da pessoa os benefícios que poderiam decorrer da adoção de uma alimentação mais saudável e a exploração dos riscos que os atuais hábitos apresentam para a sua saúde. Para além da exploração da ambivalência, esta é uma fase em que podem também ser explorados obstáculos para a mudança. 4 Esta abordagem, baseada nos princípios da entrevista motivacional, segue o modelo dos 5 Rs, usado para aumentar a motivação do utente para a alteração de comportamentos. 2

Somente perante um utente motivado, a intervenção deve prosseguir com o Aconselhamento, onde a aplicação do instrumento proposto pode ser uma ferramenta útil, compreendendo o cálculo das necessidades energéticas diárias e do aporte calórico diário estimado com a utilização do diário de 24 horas (D24h). Esta forma de aconselhamento detalhado integra-se numa abordagem intensiva, já fora do âmbito da intervenção breve. Note-se que a realização do D24h, tem um tempo de aplicação estimado de cerca de 20 minutos. 5 A este passo deve seguir-se a análise da informação recolhida e do balanço energético diário, seguindo-se a fase de Apoio, com o fornecimento de recomendações, ajustadas às necessidades identificadas e considerando as preferências e rotinas do utente. Assim, torna-se também necessário refletirmos sobre a necessidade de capacitação dos profissionais de saúde para a prestação de aconselhamento detalhado em nutrição, sendo a formação pré-graduada, em muitos casos, insuficiente. Idealmente, quando possível a avaliação por um nutricionista nos cuidados de saúde primários, o aconselhamento poderia ser orientado por este, com registo neste programa.

Estas recomendações devem seguir o estabelecimento de objetivos SMART (específicos, mensuráveis, alcançáveis, relevantes e com um período temporal definido), devendo ser agendada consulta subsequente para Acompanhar este processo de mudança. Para que todos estes passos sejam concretizados calcula-se um tempo largamente superior a dez minutos, pelo que a sua realização como modelo de intervenção breve, oportunista em consulta, não parece ser viável.

Ainda relativamente à ferramenta proposta, a sua aplicação com base no D24h tem várias limitações, reconhecidas pelos autores. Muitos utentes terão dificuldade em realizar o reporte fidedigno de todas as refeições, nomeadamente no que diz respeito às porções ingeridas. Considerando a relevância deste aspeto, 6 seria de grande importância a disponibilização de modelos reais ou fotográficos de alimentos, associados a pesos de referência, procurando minimizar este viés. Para o cálculo do aporte calórico sugerimos também a separação da quantificação do alimento selecionado, o que permitirá aumentar a fiabilidade e agilizar o registo. Uma outra limitação do D24h é o facto de se referir à ingesta do dia anterior, aspeto colmatado pelo questionário que integra o PNPAS, que tem como referência a última semana.

Em suma, o sucesso da mudança de comportamentos depende, em grande parte, da adequação da abordagem realizada ao nível da predisposição para a mudança do indivíduo. A ferramenta e a abordagem sugeridas não deverão, por isso, ser de aplicação universal, mas dirigida apenas aos utentes já motivados, quando existir tempo para que seja aplicada integralmente e sempre que possam ser realizadas as recomendações adequadas, que decorrem da sua aplicação.

Em conclusão, consideramos que seria útil a estruturação do separador dirigido à avaliação dos hábitos alimentares de forma semelhante a outros já existentes, incluindo uma parte para intervenção breve e outra para consulta dedicada ao tema. A intervenção breve deve incluir o questionário de avaliação proposto pelo PNPAS, o registo do grau de motivação do doente para a mudança, bem como as principais barreiras identificadas para a alteração de hábitos. Estando o utente preparado para a mudança, pode então prosseguir-se com a consulta dedicada ao tema, com a ferramenta proposta, sendo usada apenas por profissionais capacitados e dirigida a utentes selecionados.

Agradecimentos

Dra. Catarina Cordeiro

Orientadora de formação e médica de família na USF Delta, ACeS Lisboa Ocidental e Oeiras.

Contributo dos autores

Conceptualização, MB; investigação, MB; redação do draft original, MB; revisão e validação do texto final, IMC e LSR.

Referências bibliográficas

1. Metelo-Coimbra C, Barbosa AC, Paiva AC, Tadeu AS, Neto NJ. Avaliação dos hábitos alimentares nos cuidados de saúde primários: uma ferramenta de apoio à prática clínica [Eating habits' assessment in primary health care: a clinical practice support tool]. Rev Port Med Geral Fam. 2022;38(5):545-51. Portuguese [ Links ]

2. Gregório MJ, Teixeira D, Monteiro R, Sousa SM, Irving S, Graça P; Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável. Aconselhamento breve para a alimentação saudável nos cuidados de saúde primários: modelo de intervenção e ferramentas. Lisboa: Direção-Geral da Saúde; 2020. [ Links ]

3. Whatnall MC, Patterson AJ, Ashton LM, Hutchesson MJ. Effectiveness of brief nutrition interventions on dietary behaviours in adults: a systematic review. Appetite. 2018;120:335-47. [ Links ]

4. O'Connell D. Behavior change. In: Feldman MD, Christensen JF, Satterfield JM, Laponis R, editors. Behavioral medicine: a guide for clinical practice. 5th ed. McGraw Hill; 2019. p. 193-200. ISBN 9781260142686 [ Links ]

5. Dietary Assessment Primer. 24-hour dietary recall (24HR) at a glance [homepage]. National Cancer Institute; s.d. [cited 2022 Dec 18]. Available from: https://dietassessmentprimer.cancer.gov/profiles/recall/ [ Links ]

6. Gavrieli A, Trichopoulou A, Valsta LM, Ioannidou S, Berry R, Roe M, et al. Identifying sources of measurement error in assessing dietary intakes: results of a multi-country ring-trial. Nutr Metab Cardiovasc Dis. 2019;29(2):127-34. [ Links ]

Recebido: 13 de Janeiro de 2023; Aceito: 17 de Fevereiro de 2023

Endereço para correspondência Mariana Braga E-mail: mblpb.braga@gmail.com


Resposta dos Autores

Resposta dos Autores

Catarina Metelo-Coimbra4 
http://orcid.org/0000-0003-0361-9661

Ana Cecília Barbosa5 

Ana Cláudia Paiva6 

Sofia Padrão Tadeu7 

Nuno Junqueira Neto8 

4. USF Santa Justa, ACeS Maia/Valongo. Valongo, Portugal.

5. USF Uma Ponte Para a Saúde, ACeS Santo Tirso/Trofa. Trofa, Portugal.

6. USF São João de Sobrado, ACeS Maia/Valongo. Sobrado, Portugal.

7. USF Ponte Velha, ACeS Santo Tirso/Trofa. Santo Tirso, Portugal.

8. USF Lidador, ACeS Maia/Valongo. Maia, Portugal.

Os autores agradecem o interesse no artigo e o contributo dado através da carta ao editor. De facto, foi objetivo principal da submissão deste manuscrito alertar a comunidade clínica para uma lacuna essencial da versão do SClínico® atualmente disponível para utilização em ambiente de cuidados de saúde primários (CSP), promovendo uma discussão alargada sobre o tema.7 A nutrição constitui um pilar fundamental do estilo de vida das populações, cuja modificação e otimização no sentido preventivo e promotor da saúde é âmbito de intervenção pelo médico de família (MF). Contudo, o programa rotineiramente utilizado por estes profissionais não dispõe, à data, de qualquer ferramenta de apoio à abordagem da alimentação saudável em consulta.

Os autores concordam com as sugestões propostas, considerando que seria uma mais-valia que a estruturação de uma área do SClínico® dedicada à avaliação dos hábitos alimentares fosse pensada de forma similar à do programa de tabagismo, com o qual os profissionais dos CSP têm contacto desde 2017. 8 Este facto facilitaria potencialmente a adaptação a um novo módulo dirigido à abordagem dos hábitos alimentares em consulta.

Assim, após reflexão, os autores propõem que a ferramenta inclua um separador inicial dedicado à «Intervenção Breve» pelo MF e um outro destinado a «Intervenção Intensiva». No primeiro seria seguida a abordagem dos 5A/5R, registando-se o grau de motivação do utente para a mudança de comportamento. 9 Estando o utente preparado, e existindo tempo disponível em consulta, o MF poderia prosseguir para o segundo separador, que incluiria a ferramenta proposta pelos autores e/ou outra(s) que fosse(m) considerada(s) pertinente(s). 7 Não obstante, os autores consideram pertinente manter de forma transversal a todas as secções do módulo de Nutrição a possibilidade de impressão de folhetos informativos sobre esta temática. 7

A ferramenta proposta foi desenhada de modo a facilitar a aplicação prática do método de Harris-Benedict e do diário alimentar de 24 horas. 10-11 Tendo em conta a forma de apresentação sugerida, na perspetiva dos autores, o preenchimento da ferramenta não apresentaria dificuldades, independentemente da maior ou menor experiência do MF na área da Nutrição. Outras limitações metodológicas foram previamente discutidas no artigo. 7 O balanço energético seria calculado automaticamente a partir de uma base de dados já existente e regularmente atualizada. 12 A ferramenta funcionaria como ponto de partida para discussão mais detalhada do binómio aporte/gasto energético, podendo apoiar e direcionar a modificação de estilo de vida do utente enquanto aguarda a intervenção diferenciada de um profissional de nutrição, para o qual existem critérios de referenciação que devem ser conhecidos e aplicados pelo MF.

Segundo dados de 2022, existe apenas um nutricionista para cerca de 100 mil utentes nos CSP, sendo o rácio defendido pela Ordem dos Nutricionistas de 12 mil utentes por cada profissional. 13 Este é um aspeto que os autores observam com preocupação e para o qual procuram também alertar com a publicação deste artigo. São necessários mais nutricionistas nos CSP. A modificação dos hábitos alimentares é de fulcral importância, constituindo tratamento de primeira linha na abordagem a diversas patologias diagnosticadas e tratadas pelo MF nos CSP.

Referências bibliográficas

7. Metelo-Coimbra C, Barbosa AC, Paiva AC, Tadeu AS, Neto NJ. Avaliação dos hábitos alimentares nos cuidados de saúde primários: uma ferramenta de apoio à prática clínica [Eating habits' assessment in primary health care: a clinical practice support tool]. Rev Port Med Geral Fam. 2022;38(5):545-51. Portuguese [ Links ]

8. Serviços Partilhados do Ministério da Saúde. Sclínico: cuidados de saúde primários (release notes da versão 2.4) [Internet]. Lisboa: SPMS; 2017. Available from: https://spms.min-saude.pt/wp-content/uploads/2017/07/SCLINICO-V-2.4-Release-Notes_0_4.pdf [ Links ]

9. Gregório MJ, Teixeira D, Monteiro R, Sousa SM, Irving S, Graça P; Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável. Aconselhamento breve para a alimentação saudável nos cuidados de saúde primários: modelo de intervenção e ferramentas. Lisboa: Direção-Geral da Saúde; 2020. [ Links ]

10. Harris JA, Benedict FG. A biometric study of human basal metabolism. Proc Natl Acad Sci U S A. 1918;4(12):370-3. [ Links ]

11. Bingham SA, Gill C, Welch A, Day K, Cassidy A, Khaw KT, et al. Comparison of dietary assessment methods in nutritional epidemiology: weighed records v. 24 h recalls, food-frequency questionnaires and estimated-diet records. Br J Nutr. 1994;72(4):619-43. [ Links ]

12. Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge. PortFIR - Tabela da composição dos alimentos (v.5.0) [homepage]. Lisboa: Ministério da Saúde; 2021. Available from: https://portfir-insa.min-saude.pt/ [ Links ]

13. Observatório da Profissão. Integração dos nutricionistas no Serviço Nacional de Saúde [Internet]. Lisboa: Ordem dos Nutricionistas; 2022. Available from: https://www.ordemdosnutricionistas.pt/documentos/observatorio/2022/SNS/Integracao_Nutricionistas_SNS_ON_V4.pdf [ Links ]

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