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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

Print version ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.38 no.5 Lisboa Oct. 2022  Epub Oct 31, 2022

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v38i5.13222 

Estudos originais

Aprendizagem relacional: oportunidades e desafios na formação em medicina geral e familiar

Relational learning: opportunities and challenges in general practice training

Rita P. S. Medeiros1 
http://orcid.org/0000-0001-6562-762X

Ana Filipa Nascimento2 

Ana Isabel Delgado2 

André Melícia3 

Andreia Serrinha4 

Catarina Ferreira Moita5 

Maria Tavares de Pina2 

1. USF Marginal, ACeS Cascais. Estoril, Portugal.

2. USF São João do Estoril, ACeS Cascais. Estoril, Portugal.

3. USF Alcais, ACeS Cascais. Alcabideche, Portugal.

4. USF Kosmus, ACeS Cascais. Parede, Portugal.

5. USF São Martinho de Alcabideche, ACeS Cascais. Alcabideche, Portugal.


Resumo

Introdução:

A aprendizagem interpares é uma ferramenta educacional diferenciada, incluindo o modelo tradicional de tutoria e a interação de indivíduos com o mesmo grau de formação. O programa de formação especializada em medicina geral e familiar (MGF) introduziu, em 2019, a aprendizagem relacional no horário semanal dos médicos internos. Na Administração Região de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) foi adotado o modelo das Sessões de Aprendizagem Relacional (SAR). O presente estudo procurou perceber como está a ser implementada esta prática em Portugal continental, de forma a promover adaptações que permitam alcançar todo o seu potencial.

Métodos:

Foram incluídos os internos do 54.o grupo da formação especializada em MGF. Os dados foram recolhidos entre 12/nov e 12/dez de 2020, através de um questionário online divulgado por correio eletrónico pelas coordenações do Internato Médico de MGF (CIMMGF).

Resultados:

De um total de 416 internos obtiveram-se 86 respostas, 60 das quais da ARSLVT. À data da recolha dos dados verificou-se que na ARS Norte não tinha sido implementado qualquer modelo formal de aprendizagem relacional. Na ARSLVT apenas um ACeS não realizava SAR. Nas ARS Centro, Alentejo e Algarve, esta prática não era uniforme. Nas SAR implementadas parecem desenvolver-se diversas atividades, o planeamento é maioritariamente feito de acordo com as orientações publicadas e a maioria dos internos reconhece a sua utilidade. São apontadas como principais dificuldades o impacto na atividade assistencial, a distância entre unidades e a ausência de apoio da direção de internato. A adoção de um horário rotativo, a implementação de sessões online e a existência de documentos orientadores são possíveis soluções.

Conclusão:

Tendo em vista a harmonização do percurso e a igualdade de oportunidades formativas devem ser procuradas estratégias locais efetivas para que a aprendizagem relacional seja uma realidade profícua para todos os internos.

Palavras-chave: Aprendizagem relacional; Formação especializada; Medicina geral e familiar

Abstract

Introduction:

Peer learning is a differentiated educational tool, including the traditional tutoring model and the interaction of individuals within the same training level. The general practice (GP) residency programme, updated in 2019, introduced peer learning as part of residents’ weekly schedule. In Lisbon and Tagus Valley region (ARSLVT), peer learning was implemented through the so-called Relational Learning Sessions (SAR).

Methods:

The present study sought to establish a state point regarding this practice in continental Portugal, in order to promote local adaptations necessary for the residents to reach relational learning’s full potential. Residents from the 54th group of the specialized training programme in GP were included. Data were collected between November 12nd and December 12nd 2020 through an online questionnaire sent via e-mail by the residency coordinators (CIMMGF).

Results:

Out of a total of 416 residents, 86 answers were obtained, 60 of which were from ARSLVT. At the time data was collected, in the North region, no model of peer learning had been implemented. In ARSLVT all residents had SAR, except for one group of Healthcare Units (ACeS). In the Center, Alentejo, and Algarve, this practice was not uniform between ACeS. In the implemented SAR, there is a wide variety of activities being performed, planning is mostly done according to the CIMMGF recommendations, and the majority of resident doctors recognize its usefulness. However, the impact on clinical activities, the distance between healthcare units, and the lack of support from local residency directors are pointed out as the main difficulties while planning these sessions. The adoption of a rotative schedule, the implementation of online sessions, and the issuing of guidelines might be possible solutions.

Conclusion:

Aiming for the adjustment and equality of training opportunities, effective local solutions must be sought so that peer learning becomes a fruitful reality for all residents.

Keywords: Relational learning; Medical residency; General practice

Introdução

A aprendizagem interpares é uma ferramenta educacional diferenciada, incluindo não só o modelo tradicional de tutoria, mas também estratégias inovadoras em que indivíduos com o mesmo grau de formação interagem na partilha de conhecimentos, ideias, experiências, problemas e soluções decorrentes do respetivo nível de aprendizagem. O desenvolvimento da capacidade de organização e planeamento de atividades formativas, o trabalho em colaboração com colegas, a receção de feedback e a capacidade de autoavaliação são competências adicionais que resultam desta prática. O potencial da aprendizagem interpares é amplamente reconhecido. No entanto, quando usada de forma não sistematizada, as estratégias e objetivos tornam-se pouco claros, sendo perdidas oportunidades de formação e de desenvolvimento das capacidades esperadas. (1

O programa de formação especializada em medicina geral e familiar (MGF), revisto e atualizado em 2019, (2 introduziu a aprendizagem relacional como parte integrante do horário semanal dos médicos internos. Na Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo (LVT) este tipo de aprendizagem foi implementado através das Sessões de Aprendizagem Relacional (SAR). Com esta introdução duplicou para oito horas o tempo destinado a atividades não clínicas - além do período dedicado à tutoria e mentoria, acrescem quatro horas reservadas para a aprendizagem relacional, uma prática que não consta do programa de formação de nenhuma outra especialidade.

As SAR implementadas na ARSLVT consistem em reuniões onde deve participar o grupo de aprendizagem relacional, constituído pelos internos de um mesmo ano de formação em cada Agrupamento de Centros de Saúde (ACeS).

Neste sentido, a coordenação do Internato Médico de MGF de LVT (CIMMGF LVT) definiu um conjunto de orientações genéricas relativamente à estrutura e ao conteúdo destas reuniões, podendo ser adaptado por cada direção de internato (DI). Estas orientações foram publicadas em 2019, no designado guião para a aprendizagem relacional, que tem vindo a ser progressivamente atualizado com a evolução das SAR. (3 Por sua vez, a CIMMGF Norte publicou um manual para a aprendizagem relacional em abril de 2021, onde é feita uma breve introdução acompanhada da listagem das sessões previstas até 2022. Desconhece-se, no entanto, se existem textos orientadores semelhantes emitidos por outras coordenações.

No documento emitido pela CIMMGF LVT são definidas as atividades a desenvolver nas SAR, que se podem dividir em três grupos. O primeiro diz respeito à leitura e discussão de artigos científicos recentes, que deve ocorrer em todas as sessões. O segundo corresponde à apresentação e discussão de casos clínicos da prática médica de cada interno, sempre que for oportuno. O terceiro grupo de atividades consiste na apresentação de temas ajustados aos objetivos de cada estágio. A CIMMGF LVT propõe estes temas de forma mais detalhada no início da formação, pretendendo-se que o grupo de aprendizagem relacional ganhe autonomia na definição dos conteúdos das sessões a partir do segundo ano de internato.

Existem ainda orientações relativas ao planeamento logístico e ao decurso das sessões. Recomenda-se a definição de dois horários semanais para o grupo reunir de forma alternada, interferindo minimamente com a atividade assistencial dos internos. O espaço físico da reunião pode ser um local central para os participantes ou alternar entre diferentes locais. A planificação das sessões é feita pelo grupo em articulação com a DI, sendo nomeado trimestralmente um interno que fica responsável por definir o local da reunião, elaborar a ordem de trabalhos, verificar a lista de presenças e, posteriormente, redigir a ata. Estes documentos devem ser enviados a todos os membros do grupo e à DI, sendo desejável a existência de uma forma de compilar e partilhar os materiais pedagógicos resultantes das sessões. No decurso das SAR pode ainda estar presente a DI, um orientador de formação (OF) ou outro convidado, que atuará como facilitador da discussão.

Desta forma, a aprendizagem relacional veio criar um espaço privilegiado para a partilha de conhecimentos, ideias e experiências entre internos, sublinhando a importância da formação interpares no desenvolvimento de competências profissionais essenciais, como o trabalho em equipa, a capacidade organizativa e a promoção da formação.

O contacto com colegas de diferentes ACeS tem permitido identificar uma grande heterogeneidade das características destas reuniões, nomeadamente no tipo de atividades desenvolvidas, na organização das sessões, nas dificuldades identificadas e na utilidade que lhes é atribuída, existindo mesmo ACeS onde estas reuniões não chegaram a ser implementadas.

Reconhecendo o potencial da aprendizagem relacional, procurou-se perceber como está a ser instituída esta prática, verificando se existem reuniões de aprendizagem relacional, o tipo de atividades propostas, a forma como são desenvolvidas, a sua utilidade e as dificuldades encontradas. A reflexão sobre estes aspetos permitirá as adaptações locais necessárias para que os internos possam alcançar todo o potencial formativo da aprendizagem relacional.

Métodos

Foi realizado um estudo observacional transversal descritivo. Foram incluídos os internos que integram o 54.o grupo (i.e., internos que iniciaram a formação especializada em MGF em janeiro de 2019) em Portugal continental. Optou-se por envolver apenas este grupo por ter sido o pioneiro na implementação destas sessões. Trata-se de uma população de 416 internos, sendo a variável o ACeS de colocação. (4 Pela natureza do estudo não foi realizada uma amostragem da população.

Foi construído um questionário, utilizando uma ferramenta online disponível de forma gratuita (Anexo 1). A divulgação foi feita por e-mail, dirigido aos internos do 54.o grupo, pelas CIMMGF de cada ARS. O preenchimento foi feito de forma anónima, sendo requerido o consentimento informado prévio. Em Portugal continental, os internos do 54.o grupo encontram-se distribuídos por 51 ACeS/ULS. No entanto, dado que na ULS de Castelo Branco foi colocado apenas um interno, para evitar comprometer o seu anonimato nesta alínea foi igualmente incluída a ULS da Guarda. Por esse motivo, o questionário totaliza apenas 50 ACeS/ULS. Além da identificação do ACeS de colocação, o questionário incluía questões relativas à organização e planeamento das sessões, o tipo de atividades desenvolvidas e a sua periodicidade, a avaliação da utilidade das SAR, as dificuldades identificadas na sua implementação e as adaptações impostas pelo período de pandemia da COVID-19. Foram aceites respostas pelo período de um mês, entre 12 de novembro e 12 de dezembro de 2020. (ANEXO 1)

O estudo foi aprovado pelas Comissões de Ética para a Saúde (CES) da ARS do Norte, ARS Centro, ARS LVT, ARS Alentejo, ARS Algarve e pelas respetivas coordenações de internato. Por não ter sido possível contactar as CES das regiões autónomas da Madeira e Açores, estas não foram abrangidas pelo estudo.

Resultados

Obteve-se um total de 86 respostas, o que corresponde a 20,7% da população de internos que integram o 54.o grupo da formação especializada em MGF em Portugal continental (total de 416 internos). Das 86 respostas obtidas, quatro pertencem a internos da ARS Algarve, quatro a internos da ARS Alentejo, sete a internos da ARS Centro, 11 a internos da ARS Norte e 60 a internos da ARSLVT (Figura 1).

Figura 1 Distribuição dos respondedores por ACeS e ARS. 

À questão No seu ACeS realizam-se SAR? obtiveram-se 62 respostas afirmativas (72,1%). Do total de internos pertencentes à ARS Norte que responderam ao questionário todos negaram a realização de SAR. Na ARS LVT todos afirmaram a realização destas sessões, exceto o ACeS Arrábida. Já nas ARS Centro, Alentejo e Algarve, as respostas não foram uniformes, existindo ACeS/ULS que realizavam SAR, contrastando com outros na mesma região que não o faziam. Verificou-se ainda que, dentro de alguns ACeS/ULS destas regiões, as respostas diferiam entre colegas, podendo existir no mesmo ACeS grupos de aprendizagem relacional que não incluíam todos os elementos de um mesmo ano (Figura 2).

Figura 2 Realização de Sessões de Aprendizagem Relacional por ACeS. 

Os motivos para a não realização de SAR eram desconhecidos em muitos ACeS/ULS. Noutros foram apontados, por ordem decrescente de frequência, a desmotivação, o número reduzido de internos, a incompatibilidade de horários, a ocupação das quatro horas com outras atividades, a distância entre unidades e os custos da deslocação. Adicionalmente, o contexto de pandemia por COVID-19 limitou alguns dos grupos que tencionavam implementar esta prática durante o ano de 2020.

À questão Que tipo de atividades são desenvolvidas nas SAR que integra?, a maioria dos internos assinalou os itens «apresentação e discussão de artigos científicos», «apresentação e discussão de casos clínicos», «apresentação de temas específicos preparados por colegas pertencentes à SAR», «apresentação de temas específicos preparados por convidados externos», «apresentação de trabalhos a submeter/apresentar externamente», «discussão de aspetos relativos à organização do internato médico», «estudo/desenvolvimento de trabalho individual» e a «partilha de experiências de estágios e feedback de participação em eventos formativos». Menos de 30 dos 62 internos que afirmaram realizar SAR assinalaram os itens «simulação de consultas», «apresentação de autoscopias» e «desenvolvimento de projetos em grupo». Nenhum dos internos assinalou a opção «outros» (Figura 3, painel A).

Figura 3 Atividades desenvolvidas nas SAR e sua frequência. 

O guião para aprendizagem relacional proposto pela CIMMGF LVT propõe que algumas destas atividades sejam feitas de forma regular, nomeadamente a apresentação de artigos científicos, casos clínicos e temas ajustados aos objetivos de cada estágio. Relativamente à frequência destas atividades, dos 62 internos que afirmaram realizar SAR 12 referiram que a apresentação de artigos científicos ocorre «muitas vezes» e 18 indicaram que acontece «sempre»; relativamente à apresentação de casos clínicos, 13 internos referiram que ocorre «muitas vezes» e apenas sete indicaram que acontece «sempre» (Figura 3, painel B). Quanto à apresentação dos temas sugeridos pela CIMMGF LVT mais de metade indicou que todos os temas foram apresentados (Figura 3, painel C).

À questão De que forma são organizadas as SAR que integra?, a maioria dos internos afirmou que é elaborada uma ordem de trabalhos (OT), uma lista de presenças e uma ata no final de cada sessão; o responsável pela sua elaboração é rotativo e estes documentos ficam disponíveis para consulta por OF e DI, existindo um meio de partilha dos materiais da SAR. Além disso, a maioria afirmou que é cumprido o horário e parece ter em conta a sugestão de se definirem dois períodos semanais para o grupo reunir de forma alternada, dado que apenas 20 dos 62 internos afirmaram que “a SAR ocorre sempre no mesmo dia da semana”.

À questão As SAR que integra são moderadas por um facilitador de discussão?, a maioria dos internos respondeu «raramente» ou «nunca».

Relativamente à utilidade que é reconhecida a estas sessões, mais de metade (36 dos 62 internos) atribui um valor igual ou superior a 4 (Figura 4, painel A).

Quanto aos problemas identificados, metade dos 62 internos que afirmou realizar SAR assinalou o «comprometimento de horas de atividade assistencial», 29 selecionaram a «distância entre unidades» e 24 destacaram a «ausência de suporte por parte do diretor de internato» (Figura 4, painel B).

Figura 4 A utilidade das SAR e problemas identificados. 

Aos seis internos que assinalaram a opção «outros» na questão Que problemas identifica nas suas SAR? foi disponibilizado espaço para a enumeração desses problemas, tendo sido apontada a duração excessiva da reunião, com consequente redução do tempo para estudo individual e atividade assistencial, má preparação de temas ou abordagem de assuntos sem interesse para a prática clínica, escassez de temas propostos, horários incompatíveis, falta de suporte para questões técnicas (meios audiovisuais) e custos de deslocação.

Por último, à questão Durante o período de pandemia COVID19 de que forma foram organizadas as SAR que integra? mais de metade dos internos afirmou que as sessões decorreram semanalmente, em plataforma online; 28 internos afirmaram que as sessões decorreram com organização semelhante (elaboração de OT, lista de presenças e ata, o responsável pela sua elaboração é rotativo, os documentos ficam disponíveis para consulta pelos OF e DI, etc.); oito internos afirmaram que o número de sessões foi substancialmente reduzido e três indicaram que não foram realizadas SAR; apenas um referiu que as sessões decorreram presencialmente.

Discussão

O presente estudo procurou estabelecer um ponto de situação relativamente à prática da aprendizagem relacional, identificando os locais onde foi implementada, o tipo de atividades propostas, a forma como são desenvolvidas, a utilidade que lhes é atribuída e as dificuldades encontradas.

Obtiveram-se apenas 86 respostas de um total de 416 internos, 60 das quais pertencem a internos da ARS LVT. Ambos os valores podem contribuir para um enviesamento dos resultados alcançados. A baixa taxa de resposta poderá estar relacionada com a inexistência de SAR em vários ACeS/ULS, condicionando uma reduzida participação nesses locais e um predomínio das respostas da ARS LVT, onde catorze dos quinze ACeS têm esta prática implementada.

Nos ACeS onde não se realizam SAR é apontada a distância entre unidades, o reduzido número de internos, a dificuldade em conciliar horários e a falta de motivação por parte de internos, OF e DI como principais razões. Tendo em vista a harmonização do percurso e igualdade das oportunidades formativas no internato de MGF devem ser procuradas soluções para que as SAR sejam uma realidade para todos os internos. Nos casos em que a distância entre unidades de saúde é uma limitação, o recurso a plataformas digitais viabiliza estas sessões. Nos ACeS/ULS com número reduzido de internos poderá ser equacionada a reunião de internos de diferentes anos ou de diferentes ACeS, recorrendo às mesmas plataformas. A participação mais significativa de convidados externos poderá também ser parte da solução. A sensibilização dos OF e DI para esta prática por parte das respetivas CIMMGF, assim como a partilha de experiências entre internos, contribuirão para a motivação relativamente às SAR. As sessões poderão ainda alternar semanalmente entre pelo menos dois horários, de forma a minimizar o impacto na atividade assistencial e contornar a dificuldade na conciliação de horários.

Nos ACeS/ULS onde esta prática já se encontra implementada parece existir uma ampla variedade de atividades desenvolvidas - da lista de doze possibilidades, oito foram selecionadas por mais de metade dos respondedores. Ainda assim, são reportadas dificuldades na definição de temas para as sessões, o que poderá ser ultrapassado pelo aperfeiçoamento contínuo das orientações técnicas e didáticas das coordenações.

A organização das SAR implementadas parece estar de acordo com as orientações existentes: ocorrem semanalmente, em dias alternados e o horário é maioritariamente cumprido, existindo um elemento responsável, de forma rotativa, por elaborar a OT, a lista de presenças e a ata de cada sessão, que ficam disponíveis, assim como os restantes materiais formativos, para consulta por internos, OF e DI.

No entanto, a presença de um facilitador de discussão é raramente reportada pelos respondedores, o que poderá constituir uma das limitações ao desenvolvimento e adesão às sessões em alguns ACeS. Uma solução poderá ser a implementação de uma escala de OF, de forma a que o grupo de aprendizagem relacional tenha um facilitador de discussão presente pelo menos num período da sessão.

Globalmente, a maioria dos internos participantes reconhece a utilidade das SAR. Ainda assim, oito dos 62 internos pontuaram negativamente estas sessões. A Tabela 1 expõe as dificuldades identificadas na realização das SAR e possíveis estratégias para as ultrapassar.

TABELA 1 Dificuldades identificadas e possíveis estratégias na realização das SAR (N - número de internos que identificou a dificuldade). 

Relativamente às dificuldades impostas pela pandemia por COVID-19, a maioria dos internos referiu que as sessões se mantiveram semanalmente, em formato online. A disseminação do uso das plataformas digitais que se verificou durante este período poderá solucionar outras dificuldades identificadas.

Conclusão

A aprendizagem relacional integrada no percurso formativo dos internos da formação especializada em MGF surge como algo inovador no internato médico, não estando prevista no programa de nenhuma outra especialidade. Assim, é expectável que se verifique alguma variação no grau de implementação, estruturação e desenvolvimento desta prática.

O caráter inovador e diversificado das atividades passíveis de ser abrangidas nestas sessões requer uma orientação precisa a nível organizativo, metodológico e programático por parte das CIMMGF e DI, com atualização e adaptação contínuas de documentos orientadores que permitam uma harmonização e desenvolvimento equilibrado em todas as regiões do país.

Aspetos emergentes e sugestões

  • • A aprendizagem relacional ocupa uma parte importante do horário do médico interno e, pelos tipos de atividade que pode abranger, tem um potencial reflexivo, formativo e de desenvolvimento de competências vastamente comprovado por décadas de estudo e investigação em educação médica;

  • • É desejável atenuar as disparidades identificadas na implementação e estruturação das SAR nas diferentes regiões do país;

  • • A coordenação entre diferentes CIMMGF é fundamental na sincretização desta prática;

  • • O papel das DI no enquadramento, promoção, suporte e verificação deve ser esclarecido de forma a otimizar os resultados a nível local;

  • • A inclusão de OF enquanto facilitadores de discussão dinamiza as sessões e amplifica os ganhos formativos;

  • • O envolvimento do Colégio da Especialidade de MGF da Ordem do Médicos poderá igualmente contribuir para uma maior equidade, harmonização e desenvolvimento metodológico das sessões;

  • • O aperfeiçoamento, atualização e adaptação contínuas das orientações e guiões de apoio são essenciais para que a aprendizagem relacional seja uma realidade profícua para todos os internos.

Agradecimentos

Agradecemos à Dra. Ana Dantas, ao Dr. André Biscaia e ao Dr. Victor Ramos pela leitura crítica do presente trabalho.

Contributo dos autores

Conceptualização (formulação e desenvolvimento de metas e objetivos de investigação), RM, AFN, AID, AM, AS, CFM e MTP; metodologia, RM, AFN, AID, AM, AS, CFM e MTP; investigação e análise formal (condução do processo de pesquisa e investigação, realizando a colheita, análise e síntese de dados), RM, AFN, AID, AM, AS, CFM e MTP; redação do draft original, RM, AFN, AID, AM, AS, CFM e MTP; redação, revisão e validação do texto final, RM; supervisão e administração do projeto, RM.

Conflito de interesses

Os autores declaram não possuir quaisquer conflitos de interesse.

Fontes de financiamento

O presente trabalho não teve fontes de financiamento externas.

Referências bibliográficas

1. Boud D. Introduction: making the move to peer learning. In: Boud D, Cohen R, Sampson J, editors. Peer learning in higher education: learning from and with each other. London: Routledge; 2001. p. 1-20. ISBN 9780749436124 [ Links ]

2. Portaria n.º 125/2019, de 30 de abril. Diário da República. 1ª Série;(83).2019 [ Links ]

3. Coordenação do Internato Médico de Medicina Geral e Familiar. Guião para aprendizagem relacional: versão 2019.a Lisboa: Administração Regional de Saúde Lisboa e Vale do Tejo; 2019 Available from: https://www.arslvt.min-saude.pt/uploads/writer_file/document/6726/Gui_o_para_aprendizagem_relacional.pdfLinks ]

4. Administração Central do Sistema de Saúde. Mapa de capacidades formativas nacional: concurso IM 2018 FE [Internet]. Lisboa: ACSS; 2018 [cited 2019 Dec 29]. Available from: http://www.acss.min-saude.pt/wp-content/uploads/2016/09/Mapa-vagas-07.06.pdfLinks ]

Recebido: 04 de Abril de 2021; Aceito: 10 de Maio de 2022

Endereço para correspondência Rita P. S. Medeiros E-mail: ritapsmedeiros@gmail.com

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